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Processo n.º 770/02
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 156 foi proferida a seguinte decisão sumária:
«1. A requereu a suspensão de eficácia do despacho de 28 de Março de
2002 do Secretário de Estado da Administração Educativa, que negou provimento ao recurso hierárquico por si interposto do despacho do Director Regional de Educação de Lisboa de 14 de Dezembro de 2001, através do qual lhe havia sido aplicada a sanção disciplinar de inactividade, graduada em 1 ano.
Por acórdão do Tribunal Central Administrativo de 4 de Julho de 2002 foi indeferido o pedido de suspensão de eficácia, por se ter concluído pela não verificação do requisito constante do artigo 76º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, porque o requerente não alegara factos que permitissem concretizar, nem os prejuízos materiais, nem os danos morais que, em termos conclusivos, referira.
Inconformado, o requerente recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo. Nas alegações que então apresentou, com as quais juntou diversos documentos, veio sustentar, referindo-se à al. a) do nº 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, que 'a norma em questão, quando interpretada e aplicada, no âmbito das penas disciplinares, para além da desnecessidade de prova por parte dos interessados, dado tratarem-se de factos notórios que não carecem de ser articulados e muito menos provados, é inconstitucional, pois viola o disposto no nº 2 do art. 202º da Constituição'. O Supremo Tribunal Administrativo, porém, por acórdão de 16 de Outubro de 2002, negou provimento ao recurso. Começando por esclarecer que não podia tomar 'em consideração os novos factos alegados e os documentos apresentados pelo recorrente com as alegações de recurso', o Tribunal o entendeu também que o recorrente não tinha satisfeito 'o ónus que sobre ele impendia de alegar, especificando, e demonstrar, ainda que sumariamente, os prejuízos de difícil reparação decorrentes da execução do acto', não sendo, pois, possível considerar preenchido 'o requisito da al. a) do nº 1do artº 76º da LPTA'. Explicitou, em particular, que a circunstância de ficar privado do vencimento era susceptível de ser considerado um 'prejuízo de difícil reparação', mas apenas se tivessem sido trazidos 'ao processo elementos em ordem a demonstrar com credibilidade que, ao ser privado do seu vencimento, ficará numa situação que ponha em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares ou mesmo de despesas que não se afastem significativamente do padrão de vida médio de famílias da mesma condição social'.
Sobre a questão de constitucionalidade levantada nas alegações, o Supremo Tribunal Administrativo afirmou que 'a alegação é escassa, não se vislumbrando em que é que a interpretação sufragada viole o citado preceito constitucional, designadamente que seja atentatória dos direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente'.
2. Novamente inconformado, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, no qual pretende que seja analisada a inconstitucionalidade da norma do artigo 76º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, 'quando interpretada e aplicada no âmbito das penas disciplinares pois, para além da desnecessidade de prova por parte do interessado, dado tratar-se de factos notórios que não carecem de ser articulados e muito menos provados (art. 514º do C.P.C., ex vi parte final do art. 1º da L.P.T.A)', por entender que a mesma 'viola frontalmente o disposto no n.º 2 do artigo 202 da Constituição'.
O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este Tribunal (nº
3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. Não pode, todavia, o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do presente recurso, pelas razões que a seguir se apontam.
Em primeiro lugar, porque a verdade é que a questão colocada pelo recorrente – da inconstitucionalidade da aplicabilidade, em processo disciplinar, da norma da al. a) do nº 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos –, tal como é apresentada, quer nas alegações juntas no recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, quer no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, não é na realidade uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de ser apreciada no âmbito do presente recurso.
Com efeito, a discordância em relação à decisão recorrida decorre de o Supremo Tribunal Administrativo, tal como o Tribunal Central Administrativo, ter entendido que incumbia ao recorrente alegar e provar factos susceptíveis de preencherem a previsão da referida norma, em lugar de a terem considerado preenchida com a utilização de factos notórios; não resulta, em rigor, de ter sido aplicada uma interpretação, que o recorrente considera inconstitucional, da própria norma em si.
E a verdade é que tal questão está fora do objecto possível de um recurso de constitucionalidade normativa, que não pode destinar-se a que o Tribunal Constitucional aprecie a forma como o direito ordinário foi aplicado na decisão recorrida. Em segundo lugar porque, a não ser assim entendido o recurso, ou seja, considerando que ele não está a exprimir uma discordância perante o modo como o direito ordinário foi aplicado, então é ininteligível a questão nele colocada, por não se entender que relação existe entre a aplicabilidade da norma questionada no âmbito do processo disciplinar e a desnecessidade de alegação e prova de factos notórios.
4. Em último caso, e a entender-se não ocorrer tal ininteligibilidade, haveria então de se julgar manifestamente infundado o recurso, pois que, tal como já observou o Supremo Tribunal Administrativo, 'não se vislumbra(...) em que é que a interpretação sufragada viole o citado preceito constitucional [o disposto no nº 2 do artigo 202º da Constituição, relativo ao exercício da função de administração da justiça pelos tribunais], designadamente que seja atentatória dos direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente'.
5. A terminar, sempre se refere que este Tribunal se pronunciou já repetidas vezes sobre a questão da conformidade constitucional da norma do artigo 76º, n.º
1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 267/85, não encontrando nunca razões para a considerar objecto de censura (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.º 181/98, n.º
345/99, n.º 412/00 e n.º 340/02, publicados Diário da República, II Série, de 8 de Maio de 1998, de 17 de Fevereiro de 2000, de 21 de Novembro de 2000 e de 14 de Novembro de 2002, respectivamente). Note-se que, nos dois últimos acórdãos, estavam em causa processos disciplinares.
6. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro. Assim, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.»
2. Inconformado, A veio reclamar para a conferência, nos termos previstos no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82 , através do requerimento de fls. 162, ao qual o recorrido não apresentou qualquer resposta. Não apresentou, porém, nenhum argumento, seja para sustentar a admissibilidade do recurso, seja para defender a sua procedência. Nestes termos, a conferência limita-se a acrescentar que, mesmo entendendo que não existem os obstáculos ao conhecimento do objecto do recurso apontados na decisão reclamada, sempre tal recurso tem de ser julgado improcedente, no seguimento da jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, indicada na decisão reclamada.
Nestes termos, julga-se improcedente o recurso, assim indeferindo a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 21 de Fevereiro de 2003 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida