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Proc. nº 161/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Por decisão de 25 de Novembro de 2002 (fls. 29 a 38 dos presentes autos), o Relator do processo no Tribunal da Relação de Lisboa decidiu não tomar conhecimento de dois requerimentos apresentados, em 14 de Outubro de 2002 (sendo um de Recurso e outro de Abertura da Instrução), pelo aí assistente e ora reclamante A, por os mesmos apenas terem sido enviados por telecópia e não ter sido cumprida a notificação que lhe fora feita para apresentar os documentos originais. Inconformado com esta decisão, o ora reclamante, veio, ao abrigo do disposto no artigo 405º do Código de Processo Penal, dela reclamar, em 9 de Dezembro de 2002, para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e, nos termos dos artigos 399º e seguintes do mesmo Código, dela recorrer, em 10 de Dezembro de 2002, para o Supremo Tribunal de Justiça.
2. Por despacho de 15 de Janeiro de 2003 (fls. 9 e 10 dos presentes autos), foi decidido, no Supremo Tribunal de Justiça, não tomar conhecimento da reclamação de 9 de Dezembro de 2002, nos seguintes termos:
'A, na qualidade de assistente, apresentou reclamação, invocando o artigo 405º do CPP, em que pede que se ordene a subida do processo para apreciação de um despacho da Ex.ma P.G.A. e das ilegalidades do despacho do Ex.mo Desembargador de 25-11-02 (a fls. 72 a 81) que decidiu não conhecer dos requerimentos apresentados pelo assistente. Cumpre decidir. A reclamação a que se refere o art. 405º do C.P.P., visa um despacho judicial que não admitiu ou que indevidamente reteve um recurso. Ora, por um lado, um despacho do M.P. não é susceptível de recurso para o S.T.J. porque do mesmo só se poderá reclamar ou recorrer hierarquicamente. Assim qualquer recurso que se pretenda interpor do despacho do M.P: não poderia ser admitido, sendo certo que o reclamante interpôs recurso do despacho de fls.
40 e na reclamação invoca a nulidade do despacho de fls. 64 (ambos da autoria da Ex.ma P.G.A.). Por outro lado, no que respeita ao despacho de fls. 72 a 81 do Ex.mo Desembargador a quem o processo foi distribuído, importa referir o seguinte: Se é certo que desse despacho judicial foi interposto recurso pelo assistente, também é certo que não foi ainda proferido qualquer despacho a não admitir tal recurso (ou a admiti-lo). Carece, pois, de objecto a presente reclamação, sendo até curioso notar que ela
é anterior à própria interposição de recurso, pois essa interposição foi apresentada em 10 de Dezembro de 2002 e a reclamação tem a data de entrada de 9 de Dezembro do mesmo ano. Pelo exposto, por carência de objecto, decide-se não tomar conhecimento da reclamação'.
3. Desta decisão foi interposto, através do requerimento de fls. 11 e 12, recurso para o Tribunal Constitucional, com os fundamentos seguintes:
'Conforme consta da alínea 'G' das conclusões do recurso interposto no Tribunal da Relação de Lisboa pelo recorrente em 02-12-10, este suscitou a questão da inconstitucionalidade da leitura feita do disposto no art. 150º do Código de Processo Civil, feita pela decisão recorrida, segundo a qual: «o assistente foi notificado para apresentar os documentos. Não cumpriu. Em consequência não lhe aproveita o acto praticado através de telecópia. Pelo exposto, não conheço dos requerimentos apresentados», sem extrair as consequências legais do facto dos
«requerimentos apresentados» o terem sido através de telecópia cujo nº consta da lista oficial da Direcção Geral dos Serviços Judiciários, julgada ilegal por decidir de forma contrária ao disposto no nº 1 do art. 4º do DL 28/92, de 27.02, e inconstitucional por violação do princípio da «competência legislativa» insíto na norma do art. 161º/c da Constituição da República Portuguesa (...).
[...] Nas condições descritas, vem requerer a Vossas Excelências se dignem apreciar a inconstitucionalidade da leitura da norma legal mencionada, com todas as consequências legais, decidindo no sentido de que seja julgada inconstitucional a leitura do disposto do disposto (sic) no artigo 150º do Código de Processo Civil, lida no sentido de que: o assistente, depois de ter expedido para o processo, através de telecópia cujo número conste da lista organizada pela Direcção Geral dos Serviços Judiciários, documentos cuja legibilidade e autenticidade não tenham sido colocadas em causa, tem obrigação de juntar os originais da telecópia sob cominação do Tribunal não conhecer dos documentos em causa, é inconstitucional por violação do princípio da competência legislativa
ínsita na alínea c) do artigo 161º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a referida leitura viola a norma constante do nº1 do artigo 4º do Decreto-Lei 28/92, segundo o qual presumem-se verdadeiros e exactos os documentos expedidos de máquina de telecópia cujo número conste da lista oficial da Direcção Geral dos Serviços Judiciários'.
4. O recurso não foi, porém, admitido, no Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 4 de Fevereiro de 2003, onde se escreveu o seguinte:
'Não admito o recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelo requerente a fls. 15, face ao disposto no artigo 70º, n.º 1 alínea b) e n.º 2 da LTC. Com efeito, na situação que se depara nos autos não se encontram esgotados os recursos ordinários no que concerne à inconstitucionalidade da interpretação que terá sido dada ao artigo 150º do CPC. Esse momento só se concretizará ou aquando do julgamento pelo Supremo Tribunal de Justiça, se for admitido o recurso interposto da decisão da Relação
(proferida em primeira instância), ou depois do despacho que conheça a reclamação de indeferimento, se esse recurso não for admitido, atento o disposto no n.º 3 do citado artigo 70º. Como se disse na decisão da reclamação esta carece de objecto porque foi apresentada sem que houvesse despacho a reter ou a não admitir o recurso.
[...]'.
5. Desta decisão, que não admitiu o recurso de constitucionalidade, foi interposta, em 12 de Fevereiro de 2003, a presente reclamação para o Tribunal Constitucional (fls. 1 a 3). Alega o reclamante, em síntese, que teria havido um lapso na decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Janeiro de 2003 (fls.
9 e 10), que já transcrevemos integralmente, uma vez que 'a reclamação apresentada da retenção do recurso, refere-se ao recurso interposto em 02-10-14 e não ao recurso interposto depois da reclamação, conforme decorre do teor da reclamação apresentada (...) em 02-12-09'.
6. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se pronunciou no sentido da improcedência da reclamação, decisão que fundamentou nos seguintes termos:
'A presente reclamação carece obviamente de fundamento, já que a decisão de que se pretende recorrer, proferida em processo de reclamação pelo Ex.mo Conselheiro Presidente do STJ, naturalmente não aplicou a norma a que vem reportado o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto, limitando-se a concluir pela ostensiva inverificação dos pressupostos de tal procedimento, por não ter ainda ocorrido a prolação da decisão sobre o requerimento de recurso que se pretendeu interpor para o STJ'.
Dispensados os vistos, cumpre decidir. II. Fundamentação.
7. O recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - que o ora reclamante pretendeu interpor - pressupõe, nomeadamente, que a norma jurídica, cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada, tenha sido efectivamente aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida. Ora, in casu, é manifesto, como vai ver-se já de seguida, que não se encontra preenchido este pressuposto processual de admissibilidade do recurso de constitucionalidade. Pretendia o ora reclamante, com o recurso de constitucionalidade que interpôs e que não foi admitido, ver declarada a inconstitucionalidade da 'leitura feita' do disposto no art. 150º do Código de Processo Civil, 'lida no sentido de que: o assistente, depois de ter expedido para o processo, através de telecópia cujo número conste da lista organizada pela Direcção Geral dos Serviços Judiciários, documentos cuja legibilidade e autenticidade não tenham sido colocadas em causa, tem obrigação de juntar os originais da telecópia sob cominação do Tribunal não conhecer dos documentos em causa, [...] por violação do princípio da competência legislativa ínsita na alínea c) do artigo 161º da Constituição da República Portuguesa [...]'. Ora, a verdade é que, como é por demais evidente - independentemente de se apreciar se está aqui formulada, sequer, uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, susceptível de integrar o recurso de fiscalização concreta -, a decisão de que o ora reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional (isto é, a decisão tomada no Supremo Tribunal de Justiça, em 15 de Janeiro de 2003, de fls. 9 e 10 dos presentes autos), que supra já transcrevemos integralmente, manifestamente não aplicou, como ratio decidendi, o disposto no artigo 150º do CPC, limitando-se a concluir, por razões que nada têm a ver com este preceito e que não compete a este Tribunal Constitucional sindicar, que a reclamação que havia sido interposta carecia de objecto. Ora, não tendo a decisão recorrida aplicado a norma cuja constitucionalidade o reclamante pretendia ver apreciada, não pode, efectivamente, conhecer-se do objecto do recurso.
III. Decisão. Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 25 de Março de 2003 Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida