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Procº nº 79/2004.
3ª Secção. Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 16 de Fevereiro de 2004 o relator proferiu decisão com o seguinte teor:
“1. Da decisão instrutória proferida em 3 de Dezembro de 1999 pelo Juiz de instrução de -------------- e que pronunciou os arguidos A., B., C., D., E., F., G., H., I., J., L. e M. pela indiciária prática de factos que foram subsumidos à co-autoria material de um crime de dano com violência, previsto e punível pelo artº 214º, nº 1, alínea a), com referência ao artº 212º, nº 1, ambos do Código Penal, solicitaram os arguidos que fosse a mesma fosse declarada nula, pretensão que veio a ser indeferida por despacho lavrado em 11 de Fevereiro de 2000.
Deste despacho interpuseram os arguidos recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo, posteriormente, vindo a interpor recurso da decisão instrutória que os pronunciou.
Anteriormente, tinha sido interposto recurso de um despacho, proferido em 18 de Março de 1999 pelo indicado Juiz, na parte em que admitiu a intervir nos autos como assistente N..
Tendo, por acórdão prolatado por aquele Tribunal da Relação em 29 de Novembro de 2000, sido determinado que o recurso atinente ao despacho de 11 de Fevereiro de 2000 subisse diferidamente com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final, consequentemente devendo os autos ser imediatamente remetidos à 1ª instância, vieram os arguidos ‘requerer a correcção’ desse aresto, no sentido de, por igualmente ter sido interposto recurso da decisão instrutória, dever ser conhecido o objecto do recurso.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Fevereiro de
2001 foi indeferido o pedido de “correcção” formulado pelos arguidos.
Em 15 de Janeiro de 2003 o mesmo tribunal de 2ª instância tirou acórdão por via do qual:
- foi tido ‘como decidido o recurso do despacho que indeferiu a arguição de nulidades do despacho da decisão instrutória’;
- foi julgado ‘prejudicado o conhecimento do recurso do despacho que admitiu N. a intervir como assistente nos autos’;
- foi alterado ‘o regime de subida do recurso do despacho que cont[é]m a decisão instrutória’, o qual deveria ‘correr nos próprios autos’.
Remetido o processo à primeira instância e cumprido o determinado, novamente «subiu» o mesmo ao Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão 2 de Julho de 2003, negou provimento ao recurso da decisão instrutória que pronunciou os arguidos, condenando cada um na taxa de justiça de oito unidades de conta.
Notificados da conta de custas, vieram os arguidos requerer a
‘reforma de custas’, esgrimindo, em síntese, com o argumento segundo o qual, tratando-se de doze recorrentes - o que redundava em que a condenação global atingisse as noventa e seis unidades de conta -, ponderando que se estipulava no artº 87º do Código das Custas Judiciais que nos recursos do jaez do decidido a taxa de justiça era fixada entre uma e trinta unidades de conta, e que foi decidido um só recurso, cuja apreciação não podia ser reputada de especial complexidade, o limite consagrado naquela disposição legal foi claramente ultrapassado.
Igualmente os arguidos vieram arguir a nulidade do acórdão de 2 de Julho de 2003, sustentando que o mesmo se não pronunciou sobre a questão, suscitada na motivação do recurso interposto da decisão instrutória que os pronunciou, de saber se houvera, ou não, desistência da queixa por parte da assistente.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 12 de Novembro de
2003, veio rectificar o anterior acórdão de 2 de Julho de 2003, por forma a negar provimento ao recurso dos arguidos na parte em que vinha suscitada a questão da desistência da queixa, e indeferiu o pedido de reforma quanto a custas.
Quanto a este último particular, o aresto discreteou assim:
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Passando ao conhecimento da questão relativa à taxa de justiça na qual cada um dos arguidos/recorrentes foi condenado, dir-se-á que a lei adjectiva penal, no seu art. 513º, sob a epígrafe de Responsabilidade do arguido por taxa de justiça, estabelece que - n.º 1 - é devida taxa de justiça pelo arguido quando for condenado em 1.ª instância, decair, total ou parcialmente, em qualquer recurso ou ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição, e que - n.º 3 - a condenação em taxa de justiça é sempre individual e o respectivo quantitativo é fixado dentro dos limites estabelecidos para o processo correspondente ao crime mais grave pelo qual o arguido foi condenado.
Deste modo, tendo sido os recorrentes condenados individualmente em taxa de justiça, nada há a reformar, tanto mais que decaíram no recurso que interpuseram, sendo certo que ao fixarmos em 8 UC a taxa de justiça a pagar por cada um, tivemos em conta, obviamente, o critério legal, qual seja o previsto no art. 82º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, bem como o mínimo e o máximo da taxa de justiça aplicável - art. 87º, n.ºs 1. al. b) e 3, daquele referido diploma.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Notificado do acórdão de que parte acima se encontra transcrita, vieram os arguidos do mesmo recorrer para o Tribunal Constitucional, o que fizeram por via de requerimento com o seguinte teor:
‘F. e outros, arguidos no processo à margem identificado, não se conformando com o douto Acórdão dessa Relação, vêm do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Os recorrentes pretendem que seja apreciada a Constitucionalidade das normas dos artºs 82.º n.º 1 e 87.º n.º 1 b) e 3 do Cód. das Custas Judiciais na douta interpretação desse Venerando Tribunal, no Acórdão proferido no processo à margem indicado, por entender[em] que esses preceitos, nessa interpretação, violam os Princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto no art.º 20.º, dos direitos de defesa dos arguidos previsto no art.º
32.º n.º 1, e da proporcionalidade previsto nos artºs 18.º n.º 2, 266.º n.º 2, cuja aplicação directa vem prevista no art.º 18.º n.º 1, todos da C.R.P. A questão da inconstitucionalidade não foi previamente suscitada, na motivação do Recurso para o Venerando Tribunal da Relação, nem podia tê-lo sido, uma vez que está em causa a aplicação e interpretação dada às normas respeitantes às custas do recurso, de que só agora os arguidos tiveram conhecimento, sendo processualmente impossível levantar-se esta questão aquando da interposição do aludido recurso. Isto é, no caso em apreço a questão de inconstitucionalidade só pode ser deduzida perante o Tribunal Constitucional por tal questão respeitar a uma aplicação normativa com que não podia razoavelmente contar, numa perspectiva ex ante. Pelo que deverá o recurso ser apreciado, como tem sido Jurisprudência pacífica. Assim, e porque estão em tempo e têm legitimidade, deverá ser admitido o recurso para o Tribunal Constitucional’.
O recurso veio a ser admitido por despacho proferido em 3 de Dezembro de 2003 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, vindo os autos a ser remetidos ao Tribunal Constitucional em 16 de Janeiro de
2004.
2. Não obstante aquele despacho, porque o mesmo não vincula este
órgão de administração de justiça (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Anote-se, num primeiro passo, que o requerimento de interposição de recurso não obedece à totalidade dos requisitos constantes dos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, já que não indica qual a alínea do nº 1 do artº 70º da mesma Lei ao abrigo da qual o recurso é interposto e, pretendendo-se sindicar um sentido normativo que teria sido conferido a determinados preceitos pela decisão ora intentada impugnar, não indica qual seria esse sentido.
Não tendo, no Tribunal a quo, sido cumprido o dever imposto pelo nº
5 do aludido artº 75º-A, não se justifica, pelo que adiante se exporá, que, neste Tribunal, se lance mão do prescrito no nº 6 do mesmo artigo.
E não se justifica já que, não se podendo tomar conhecimento do objecto do presente recurso, atentas as razões que se irão aduzir, a formulação do convite a que se reporta o mencionado nº 6 redundaria na prática de um acto perfeitamente inútil.
Do jeito como se encontra redigido o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, é crível que a impugnação no mesmo corporizada se esteie na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
E, assim sendo, mister seria que os ora recorrentes, antes da prolação da decisão judicial pretendida impugnar perante este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade, tivessem suscitado a desconformidade com a Lei Fundamental por banda das normas ínsitas nos artigos
82º, nº 1, e 87º, números 1, alínea b), e 3, do Código das Custas Judiciais (ao que parece, do compêndio normativo aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro).
Brandem os impugnantes com o argumento segundo o qual, processualmente, lhes não foi possível, antes do proferimento do acórdão de 12 de Novembro de 2003 - que é o recorrido -, suscitar a questão de inconstitucionalidade.
Não têm, porém, razão, já que dispuseram, amplamente, de oportunidade processual para questionar, do ponto de vista da sua desarmonia com a Constituição, os preceitos em causa.
Na verdade, os recorrentes vieram solicitar a reforma, quanto a custas, do acórdão de 2 de Julho de 2003, tercendo, então, armas no sentido de que a decisão impositora de custas constante daquele aresto não seria legal, esgrimindo com as prescrições vertidas no artº 87º do Código das Custas Judiciais.
Ora, se os mesmos recorrentes entendessem que as disposições legais, com fundamento nas quais foi ditada, pelo acórdão de 2 de Julho de 2003, a sua condenação em custas, enfermavam de contraditoriedade com o Diploma Básico, essa questão poderia e deveria ter sido equacionada justamente no pedido, que então formulavam, de reforma atinente à tributação.
O que não fizeram. E, ao não procederem assim, podendo tê-lo feito, haverá de concluir-se que, no caso sub specie, os recorrentes não cumpriram o
ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade reportada aos normativos cuja apreciação pretendem que seja levada a efeito por este Tribunal.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta por cada um”.
Da transcrita decisão vieram os recorrentes - invocando o “artigo 688º do C.P.C. (ex vi artigo 69º LTC)” e dizendo, a final, que requeriam que fosse “a questão em causa submetida à conferência”, “nos termos do artigo 700 , n.º 3 do C.P.C. (ex vi artigo 69º da LTC)” - apresentar reclamação na parte em que “indeferiu parcialmente a admissão de recurso”.
Em síntese, louvaram-se na consideração segundo a qual, muito embora a decisão reclamada indicasse que os ora reclamantes dispuseram, amplamente, de oportunidade para questionar a desconformidade constitucional das normas constantes dos artigos 82º, nº 1, e 87º, números 1, alínea b), e 3, ambos do Código das Custas Judiciais, já que o podiam ter feito aquando da solicitação do pedido de reforma quanto a custas do acórdão tirado pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 2 de Julho de 2003, o que era certo é que, na óptica dos reclamantes, sendo a reforma quanto a custas feita mediante reclamação, nos termos do artº 60º daquele Código, não podiam os então recorrentes, nessa reclamação, “discutir questões de fundo”, ou seja, não podiam discutir “o fundamento do direito quanto às custas”, sendo que “aquela reclamação visava unicamente aferir se teria ou não havido um mero lapso na aplicação da taxa de Justiça a aplicar naquele recurso”.
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio-se pronunciar no sentido da manifesta improcedência da mesma.
Para tanto, sustentou:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
2 - Na verdade, é evidente que os recorrentes podiam e deviam ter suscitado, no
âmbito do pedido de reforma do decidido quanto a custas, a questão de constitucionalidade que só no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional colocara,.
3 - Sendo certo que tal pretensão seria decidida pelo Tribunal da Relação que - ao dirimir a dita reforma - sempre poderia naturalmente não aplicar normas inconstitucionais”.
Por seu lado, a assistente N. não efectuou qualquer
«pronúncia» sobre a reclamação.
Cumpre decidir.
2. Num primeiro aspecto, cumpre assinalar que não é compreensível a invocação do artº 688º do Código de Processo Civil, já que este preceito se refere às reclamações, dirigidas aos presidentes dos tribunais superiores, reportadas a despachos, proferidos nos tribunais inferiores, que não admitam recursos interpostos ou os retenham, o que, manifestamente, não é o presente caso.
Depois, igualmente não é compreensível a invocação do nº
3 do artº 700º do mesmo compêndio normativo, já que, a querer-se impugnar a decisão proferida nestes autos em 16 de Fevereiro de 2004 e acima transcrita, deverá lançar-se mão do preceituado no nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Por último, e quanto ao aspecto de que ora se cura, não se entende o desiderato de impugnação da aludida decisão de 16 de Fevereiro de
2004 tão só na parte em que “indeferiu parcialmente a admissão de recurso”.
Na verdade, por intermédio dessa decisão não se indeferiu parcialmente a admissão do recurso, antes se não tendo tomado conhecimento da totalidade do objecto do mesmo.
3. Isto posto, volvamos a atenção para a reclamação em apreço.
Adiante-se, desde já, que é por demais óbvia a sua improcedência.
Na realidade, permite a alínea a) do nº 1 do artº 380º do Código de Processo Penal que, a requerimento do interessado, o tribunal efectue a correcção da sentença quando não tiver sido (para o que agora releva) integralmente observado o nº 4 do artº 374º do mesmo corpo de leis.
E foi certamente com base nesse preceito que os ora reclamantes vieram solicitar a reforma quanto a custas do citado acórdão de 2 de Julho de 2003.
Sendo isto assim, como é -, e tal como se assinalou no despacho reclamado -, se os então recorrentes entendessem que os normativos que, naquele aresto, ditaram a sua condenação em custas, enfermavam de desarmonia com a Lei Fundamental, teriam, na ocasião em que solicitaram a reforma, de equacionar a questão, por forma a que o tribunal a quo, confrontado com ela, lhe conferisse solução.
Por isso se pode, afoitamente, dizer, como se disse no despacho sub specie, que os então reclamantes dispuseram de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade que tão só veio a ser levantada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Não merece, por isso, censura a decisão reclamada, acrescentando-se, por último, que, permitindo o artº 60º do Código das Custas Judiciais que o juiz, a requerimento dos interessados (como no caso sucedeu), reforme a conta (o que é aplicável ao processo criminal por força do nº 1 do artº 99º do mesmo Código), quando a mesma não estiver em harmonia com as disposições legais, é por demais evidente que de entre estas disposições se hão-de considerar igualmente as contidas em normas ou princípios constitucionais que eventualmente imponham uma leitura dos preceitos ordinários em conformidade com tais normas ou princípios ou, inclusivamente, uma recusa de aplicação daqueles preceitos ordinários, caso os mesmos se mostrem contraditórios com as mencionadas normas ou princípios.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se em vinte unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 22 de Março de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida