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Proc. nº 176/2004
2ª Secção Rel.: Cons.ª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que figura como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu Decisão Sumária, ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso, por não se verificar o pressuposto do recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na suscitação durante o processo, de modo adequado, de uma questão de inconstitucionalidade normativa. O recorrente vem agora reclamar para a Conferência, nos termos do nº 3 do artigo
78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
É indubitável que, nos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional só pode tomar conhecimento do seu objecto desde que a questão de constitucionalidade seja suscitada durante o processo e antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir que o tribunal a quo possa sobre esta emitir pronúncia. Também não oferece dúvidas que o recurso de constitucionalidade tem sempre como objecto normas jurídicas efectivamente aplicadas nessa mesma decisão.
É, ainda, entendimento pacífico que esse Digníssimo Tribunal considera, para efeito de fiscalização concreta, que o conceito de norma a sindicar tem de ter um sentido funcionalmente adequado ao respectivo sistema de fiscalização, ou seja, têm de ser actos normativos dos órgãos de Estado com poderes legislativos e não, por exemplo, actos administrativos ou decisões judiciais. Porém, menos pacífico tem sido o entendimento acerca de se saber onde demarcar a fronteira entre normas jurídicas e decisões judiciais, para efeito de delimitar o âmbito do poder de fiscalização concreta, sem embargo, como é obvio, de esta fiscalização versar apenas sobre normas e não sobre decisões judiciais. Todavia, o Tribunal Constitucional tem considerado que cabe no seu âmbito de fiscalização decidir se o sentido interpretativo de uma norma aplicada numa decisão judicial concreta é conforme com as garantias definidas pelo legislador constitucional. Ora, no caso sub iudice, com o devido respeito por opinião diversa, afigura-se-nos que a questão de constitucionalidade normativa invocada pelo recorrente preenche, minimamente, os requisitos que lhe permitem merecer desse venerando Tribunal uma apreciação de constitucionalidade, no âmbito de fiscalização concreta. Vejamos, No requerimento de recurso interposto junto do Tribunal da Relação de Guimarães o recorrente formulou as conclusões invocando, nos items n.º 1 a n.º 8, as razões porque considera que não foram cumpridos os requisitos que o legislador ordinário considera exigíveis, para efeitos de fundamentação de sentença (ou acórdão), e conclui, no item n.º 9, que o sentido da interpretação que fez o Tribunal Colectivo de Barcelos do n.º 2 do artigo 374.º, do C.P.Penal, viola frontalmente os artigos 18.º n.º 2, 205.º n.º 1 e 32.º n.º 1, da Constituição. Acrescentando depois, como consequência da mesma interpretação, que não foi apurada a culpa do arguido e que esse resultado interpretativo viola flagrantemente o disposto nos n.º 1 e 2, do art.º 40.º, do C. Penal, bem como o art.º 1.º e 18.º n.º 2 da Constituição – aliás, como resulta do item n.º 20
(último) que, por lapso, não foi numerado no requerimento remetido a esse Tribunal. Donde, com o devido respeito por opinião diversa, afigura-se-nos ter ficado nítido que o recorrente pretende saber se efectivamente as normas constantes daqueles preceitos invocados – o n.º 2 do art.º 374.º do C. P. Penal –
se interpretados no sentido que lhe foi dado pelo Tribunal Colectivo de Barcelos, e que não foram objecto de censura no arresto do Tribunal da Relação de Guimarães, cumprem, de modo aceitável, os requisitos da fundamentação das decisões judiciais que o legislador constitucional impõe, mormente as funções de ordem endoprocessual e extraprocessual que a vasta Jurisprudência desse Venerando Tribunal brilhantemente cunhou. Outrossim, se padecem do vício de inconstitucionalidade por violação frontal dos artigos 205.º n.º 1 e 32.º n.º 1, bem como, de forma indirecta, dos artigos 1.º e 18.º n.º 2, todos da Constituição.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar.
2. O reclamante, pretendendo demonstrar “que a questão de constitucionalidade normativa invocada (...) preenche minimamente os requisitos que lhe permitem merecer (...) uma apreciação de constitucionalidade”, refere que na conclusão 9 das alegações de recurso perante o Tribunal da Relação de Guimarães invocou a
“inconstitucionalidade do sentido da interpretação que fez o Tribunal Colectivo de Barcelos do nº 2 do artigo 374º do Código Penal”. No entanto, o reclamante em momento algum dos presentes autos identificou a interpretação que considera inconstitucional. Com efeito, na motivação do recurso por si interposto perante o Tribunal da Relação de Guimarães, o reclamante insurge-se contra a decisão então recorrida (como se sublinhou na Decisão Sumária), apenas mencionando de modo genérico a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo tribunal. De toda a argumentação desenvolvida não resulta qualquer elemento que permita identificar a que interpretação se refere, apenas se afigurando claro que o reclamante somente pretende impugnar a decisão e não uma norma ou dimensão normativa. Isso mesmo foi assinalado pelo próprio Tribunal da Relação de Guimarães (fls. 523, verso). De resto, nem na presente reclamação é identificada a dimensão normativa contra a qual o reclamante se insurge. Por outro lado, no nº 20 das conclusões das alegações do recurso perante o Tribunal da Relação de Guimarães, o reclamante apenas invoca, uma vez mais, a inconstitucionalidade e a ilegalidade da decisão recorrida (fls. 446 e 447), ao contrário do que parece pretender na presente reclamação. A presente reclamação é, pois, manifestamente improcedente, pelo que se confirmará a Decisão Sumária impugnada.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 17 de Março de 2004
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos