Imprimir acórdão
Proc.º n.º 31/2004.
3ª Secção. Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 2 de Fevereiro de 2004 o relator proferiu a seguinte decisão:
“1. Tendo, pelo 2.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de
-------------, requerido A. contra sua mulher, B., providência de entrega dos filhos menores de ambos, C., D. e E., veio, em 21 de Janeiro de 2002, a ser proferida sentença que, julgando procedente a oposição deduzida pela requerida, não determinou, em consequência, o regresso daqueles menores ao local da sua residência habitual em Itália.
Não se conformando com o assim decidido apelou o requerente para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 28 de Novembro de 2002, negou provimento à apelação, o que motivou o apelante a agravar para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que, todavia foi admitido como de revista.
Na alegação adrede produzida, o apelante, inter alia, escreveu:
'......................................................................................................................................................................................................................................................
A supressão de grau de jurisdição admitida no artigo 715º do CPC, teve apenas em vista a vantagem em termos de celeridade processual, mas nunca pretendeu instaurar ‘uma quebra de sistema no processo civil’, autorizando a prática da negativa de prestação jurisdicional, não apenas porque o legislador não ignorava o quanto disposto pelo artigo 156º, do CPC, bem como não teria feito inserir no regime do artigo 744º, o seu nº 3.
O elogiável valor da celeridade processual não se sobrepõe ao dever de prestar jurisdição, imperativo de Ordem Pública ao qual se não pode furtar o Juiz, em qualquer hipótese, salvo sempre o devido respeito.
Jurisdição célere não pode ser confundida com a permissão de negativa de jurisdição, salvo sempre o devido respeito.
Desta forma, o douto acórdão não poderia invocar o artigo 715º, do CPC, antes de cumprida a exigência de integração da prestação jurisdicional prevista de forma imperativa pelo artigo 744º, nº 5, do CPC.
Ao fazê-lo, acabou por conhecer de matéria de que não podia tomar conhecimento, sem antes restar atendido o comando imperativo do referido artigo
744º, nº 5, do CPC.
Outrossim, o recorrente suscita e pede seja reconhecida a inconstitucionalidade material do artigo 715º, nº 1, do CPC, quando interpretado e aplicado no sentido de que ‘...o tribunal de recurso pode declarar nula a sentença de 1ª instância e conhecer do objecto da apelação, mesmo no caso de que o relator não tenha determinado a imperativa baixa dos autos, prevista pelo regime do 744º, do CPC, em seu nº 5 ...’
Isto porque tal seria conceder a verdadeira autorização, ainda que implícita, salvo sempre o devido respeito, para a prática da negativa da prestação jurisdicional, o que não se revela compatível com o disposto pel[os] artigos 2º, 20º, 202º, 203º, 205º 211º, nº 1, 216º, todos da Constituição da República.
As referidas disposições não admitem a possibilidade de negativa de prestação jurisdicional, ainda que implícita, uma vez que não se revela compatível com os princípios do[ ] Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º, com o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, previstos no artigo 20º, bem como com o exercício da função jurisdicional e sujeição dos tribunais à legalidade, compreendidos nos artigos 202º, 203º, 205º, 211º, nº 1 e
216º, todos da Constituição da República.
Desta forma, nos termos dos artigos 716º e 668º, nº 1, ‘d’ , ambos do CPC, pede o recorrente seja reconhecida a nulidade do douto acórdão recorrido, determinando-se a sua revogação, para que seja determinado o cumprimento da imperativa baixa dos autos prevista pelo artigo 744º, nº 5, do CPC, afastando-se a violação desta disposição e dos artigos 153º, 660º, nº 2, 668º, 4 e do nº 1 do artigo 744º, do CPC, salvo sempre o devido respeito.
Mas ainda que assim não fosse e, pudesse ter sido perpetrada pelo tribunal de primeiro grau, a negativa de prestação jurisdicional (o que se admite por argumento), nos termos dos artigos 716º e 668º, nº 1 ‘d’, do CPC, seria de proclamar a nulidade do douto acórdão recorrido.
Ainda que fosse possível a invocação do artigo 715º, do CPC, nele promovida, mesmo sem a observância do dever previsto pelo artigo 744º, nº 5, do mesmo Código, não podia o douto acórdão ter tomado conhecimento da matéria respeitante à invocada nulidade.
Isto porque a aplicação do artigo 715º, do CPC, acha-se expressamente condicionada à prévia audição das partes, nos precisos termos do seu nº 3, igualmente aplicável à hipótese presente, salvo sempre o devido respeito.
Assim, antes de ter sido proferida a douta decisão sobre a matéria não apreciada, deveria ter sido determinada a prévia audição das partes, salvo sempre o devido respeito.
Não tendo sido observada a referida disposição, não estava o Venerando Tribunal da Relação apto a conhecer do objecto da apelação, nos termos do artigo
715º, do CPC.
E neste sentido, revela-se materialmente inconstitucional, o artigo 715º, do CPC, quando interpretado e aplicado no sentido de que ‘... o tribunal de recurso pode declarar nula a sentença, conhecendo do objecto da apelação, sem que as partes sejam ouvidas previamente a este respeito...’
Porque tal entendimento não se revela compatível, salvo sempre o devido respeito, com a garantia do contraditório inerente ao processo equitativo, consagrado no artigo 20º da Constituição da República.
Inconstitucionalidade material que o recorrente suscita e pede que seja reconhecida por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça.
Desta forma, salvo sempre o devido respeito, nos termos dos artigos 716º e 668º, 1, ‘d’, pede o recorrente seja reconhecida a nulidade do douto acórdão recorrido, determinando-se a sua revogação, para que seja determinado o cumprimento do disposto pelo nº 3, do artigo 715º, do CPC, afastando-se a violação deste disposição legal.
........................................................................................................................................................................................................................................................ CONCLUSÕES:
........................................................................................................................................................................................................................................................
5º. Razão porque, nos termos dos artigos 716º e 668º, 1, ‘d’, o recorrente suscita no presente recurso de agravo a nulidade do douto acórdão recorrido, que acabou por conhecer matéria de que não podia tomar conhecimento, sem que cumprido o preceito de ordem pública estabelecido pelo artigo 744º, nº
5, do CPC, em conformidade com o disposto pelos artigos 156º e 660º, nº 2, do mesmo Código.
6º. Revogando-se, em consequência, o douto acórdão recorrido, determinando-se o cumprimento da determinação do artigo 744º, nº 5, do CPC.
7º. E por violação dos artigos 2º, 20º, 202º, 203º, 205º, 211º, nº 1,
216º, todos da Constituição da República, que consagram o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, o dever de sujeição dos tribunais à legalidade, o recorrente suscita e pede seja reconhecida a inconstitucionalidade material do artigo 715º, do CPC, quando interpretado e aplicado no sentido de que ‘...o tribunal de recurso pode declarar nula a sentença de 1ª instância e conhecer do objecto da apelação, mesmo no caso de que o relator não tenha determinado a imperativa baixa dos autos, prevista pelo regime do 744º, do CPC, em seu nº 5
...’.
8º. E porque a aplicação do artigo 715º, do CPC, acha-se expressamente condicionada à prévia audição das partes, nos precisos termos do seu nº 3, o douto acórdão incorreu na nulidade prevista pelos artigos 716º e 668º, 1, ‘d’, ambos do CPC, igualmente suscitada no presente agravo.
9º. Razão porque merece igualmente ser revogado, reconhecendo-se a invocada nulidade e determinando-se a observância da audição das partes, prevista pelo nº 3, do artigo 715º, do CPC, violado pelo douto acórdão recorrido, salvo sempre o devido respeito.
10º. E neste sentido, o recorrente suscita e pede que seja reconhecida a inconstitucionalidade material do artigo 715º, do CPC, quando interpretado e aplicado no sentido de que ‘... o tribunal de recurso pode declarar nula a sentença, conhecendo do objecto da apelação, sem que as partes sejam ouvidas previamente a este respeito...’, porque tal entendimento não se revela compatível com a garantia do contraditório, inerente ao processo equitativo, consagrado no artigo 20º da Constituição da República.
......................................................................................................................................................................................................................................................’
O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 8 de Maio de 2003, conhecendo das arguidas nulidades, nos termos dos artigos 668º, nº 4, 744º e
755º, todos do diploma adjectivo civil, entendeu não se verificarem as mesmas, pois que, quanto à primeira delas (a consistente em se não ter determinado a
«baixa» dos autos à 1ª instância para que aí fosse efectuada pronúncia sobre a nulidade arguida no recurso de apelação da sentença aí proferida), o acórdão de
28 de Novembro e 2002 concluiu pela manifesta irrelevância da questão, atinente
à eventual sujeição dos menores a um processo de expulsão de Portugal, para a decisão da causa, sendo que uma tal determinação redundaria na prática de um acto inútil; e, quanto à segunda (que dizia respeito em, sobre a questão da indicada não determinação, se não terem, previamente, ouvido as «partes»), porque, tendo o apelante suscitado a primeira nulidade, não constituiria para ele «surpresa» que a Relação apreciasse tal matéria, sendo que as demais
«partes» tiveram, nas «contra-alegações», ocasião de se pronunciaram, pelo que não foi violado o contraditório.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão tirado em 25 de Novembro de
2003, negou provimento ao recurso.
É a seguinte a fundamentação carreada àquele aresto:
‘....................................................................................................................................................................................................................................................... Cabe decidir. Duas questões processuais são objecto do recurso de agravo em apreço:
1ª) Verificando-se omissão de pronúncia na decisão da 1ª instância, sobre determinada questão suscitada pelo requerente, a Relação não pode conhecer da mesma, nos termos do artº 715°, nº2 do C.P.Civil, sem antes fazer observar a imperativa determinação da baixa dos autos, nos termos do artº 744°, nº5, do C.P
.Civil?
2ª) Decidindo a Relação conhecer da mencionada questão, nos termos do artº 715°, nº2, do C.P.Civil, tal conhecimento acha-se expressamente condicionado à prévia audição das partes, nos termos do nº 3 do referido artº 715º? Face às questões referenciadas que têm a ver tão só com a interpretação e aplicação de preceitos legais processuais, não interessa transcrever os factos materiais provados no acórdão recorrido. Decidindo:
1ª) Da decisão da 1 a Instância o requerente recorreu de apelação para o Tribunal da Relação de Évora. O recurso foi recebido e julgado como sendo de apelação. Nos termos do artº 699° do C.P.Civil, que ao recurso de apelação diz respeito:
‘Findo o prazo para apresentação das alegações, o recurso que não deva considerar-se deserto é expedido para o Tribunal superior, com cópia dactilografada da decisão impugnada, sem prejuízo do disposto no nº4 do artigo
668° e no nº3 do artigo 669°.
Nos termos do artº 668°, nº4 do C.P.Civil:
‘Arguida qualquer das nulidades da sentença em recurso dele interposto, é lícito ao juiz supri-la, aplicando-se com as necessárias adaptações e qualquer que seja o tipo de recurso, o disposto no artº 744° do C.P.Civil’. Decorre destes preceitos legais, que o Juiz de 1ª instância, que proferiu a decisão impugnada, podia suprir qualquer nulidade arguida nas alegações de recurso, atento o disposto no artº 744° do C.P.Civil, com as necessárias adaptações. Mas se o Juiz entender que deve manter a decisão impugnada, terá de o dizer expressamente por despacho? Entende-se que não, pois nos termos do nº4 do artº 668°, resulta tão só, que o disposto no artº 744° só é aplicável se o Juiz decidir suprir a invocada nulidade. No caso dos autos apresentadas que foram as alegações e contra-alegações, o Sr. Juiz ‘a quo’ cumpriu o disposto no artº 699° do C.P .Civil, dizendo a fls. 369:
‘Cumpridas as formalidades legais, subam os autos ao Tribunal da Relação de
Évora’.
É visível, pois, que o Sr. Juiz decidiu manter na íntegra a decisão impugnada, deixando para a Relação a decisão sobre a invocada nulidade. Bem andou, pois, a Relação em não ordenar a baixa do processo à 1ª Instância, nos termos do nº5 do artº 744° do C.P .Civil, que atentas as especialidades do recurso de apelação atrás referenciadas, só se aplica ao recurso de agravo.
2ª) Toda a fundamentação da decisão da 1ª instância recorrida se dimensionou na análise da verificação ou não dos pressupostos da oposição à acção intentada pelo recorrente, previstos no artº 13° da Convenção sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia, em 25 de Outubro de 1980.
Verificados que foram esses pressupostos o Tribunal ‘a quo’ decidiu não ordenar o regresso imediato dos menores para o local da sua residência habitual, em Itália. O recorrente, nas conclusões recursórias do agravo, invocou a nulidade da decisão recorrida por não se ter pronunciado sobre a hipótese alegada da expulsão dos menores, que tendo nacionalidade exclusivamente italiana, não possuem autorização de residência, nos termos do Dec.-Lei n° 60/93, de 3 de Março, bem como do Dec.- Lei n° 244/98, de 8 de Novembro. No acórdão recorrido considerou-se que na sentença não se conheceu desta questão, pelo que incorreu na invocada nulidade e passou a conhecer da mesma, nos termos do artº 715°, nº1, do C.P .Civil. A questão suscitada nas alegações recursórias é a de saber se antes do conhecimento da questão omitida na decisão da 1 a instância, o relator devia ter expressamente ouvido cada uma das partes, nos termos do nº 3 do artº 715° citado. Desde logo interessa analisar se na sentença recorrida se cometeu a nulidade, que o recorrente veio arguir nas conclusões da apelação. Como resulta do artº 664° do C.P .Civil:
‘O Juiz não está sujeito às alegações das partes na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito ...’. No caso presente o Juiz tinha tão só de analisar se estavam ou não verificados os requisitos exigidos pelo artº 13° da Convenção de Haia referida, para concluir se devia ou não ordenar o regresso dos menores a Itália. Verificados que foram os requisitos referido naquele artº 13°, o Sr. Juiz ‘a quo’ denegou o pedido da requerente, não ordenando o regresso dos menores a Itália. Nada mais tinha para conhecer. A questão da expulsão dos menores de Portugal estava a juzante de acção - oposição em apreço, pelo que era desinteressante para a decisão do pleito. Assim, bem andou a 1 a instância em não conhecer de tal questão, embora o pudesse ter dito para evitar equívocos. A esta conclusão chegou também a Relação, ao conhecer da referida, nos termos do artº 715°, nº1, do C.P .Civil, pois a julgou irrelevante para decisão da causa. Não foi, pois, cometida a arguida nulidade de omissão de pronúncia sobre a questão em apreço, que mais não é do que um exercício habilmente falacioso de alegar .
Considera-se, pois, inócuo e meramente formal o conhecimento da questão referida pela Relação. Sempre se dirá, no entanto, que a audição das partes sobre, designadamente as questões descritas no nº2 do artº 715° do C.P .Civil, só terá razão de ser se a Relação entender que a apelação é procedente. Neste caso, o entendimento da Relação foi no sentido da improcedência da apelação, pelo que desnecessário se tornava ouvir as partes, designadamente o recorrente, que, aliás, já se tinha pronunciado sobre a questão nas conclusões recursórias.
....................................................................................................................................................................................................................................................[’]
Do acórdão, cuja fundamentação acima se encontra extractada, recorreu o requerente para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por seu intermédio pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade material do artº 715º do Código de Processo Civil ‘quando interpretado e aplicado no sentido de que ‘... o tribunal de recurso pode declarar nula a sentença e conhecer do objecto da apelação, mesmo no caso de que o relator não tenha determinado a imperativa baixa dos autos, prevista pelo regime do artº 744º, nº 5, do CPC...’” e “quando interpretado e aplicado no sentido de que ‘... o tribunal de recurso pode declarar nula a sentença, conhecendo do objecto da apelação, sem que as partes sejam ouvidas previamente a este respeito...’’.
O recurso veio a ser admitido por despacho lavrado em 17 de Dezembro de
2003 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a presente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da vertente impugnação.
Como se viu, as normas pretendidas apreciar - bem entendido o requerimento de interposição do recurso - são as precipitadas no preceito constante do artº 715º do Código de Processo Civil interpretado:-
- no sentido de o tribunal de recurso, reconhecendo embora ter existido uma nulidade na sentença impugnada, poder não determinar a «baixa» dos autos a que se reporta o nº 5 do artº 744º do mesmo Código e vir a conhecer da apelação;
- no sentido de o tribunal de recurso, conquanto reconheça a existência de uma nulidade na sentença, poder vir a conhecer do objecto da apelação sem que as partes sejam ouvidas previamente a este respeito.
Não se coloca em causa que a conformidade constitucional das dimensões interpretativas imediatamente acima enunciadas tenha sido, antes da prolação do aresto ora intentado recorrer, questionada pelo recorrente.
Mas, tratando-se, como se trata, de um recurso esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, mister é que aqueles sentidos interpretativos tenham constituído a ratio juris da decisão ínsita no acórdão em apreço.
E, quanto a este particular, como deflui da transcrição supra efectuada, pode afirmar-se que, efectivamente, o acórdão tirado no Supremo Tribunal de Justiça não levou a efeito uma aplicação do preceito inserto no artº
715º com as dimensões interpretativas em causa.
2.1 De facto, o que aquele Alto Tribunal, por um lado, entendeu foi que o Tribunal da Relação de Évora não determinou a «baixa» dos autos à 1ª instância, nos termos do nº 5 do artº 744º do Código de Processo Civil, justamente porque estava então em causa um recurso de apelação, sendo aquele artº 744º aplicável unicamente às situações em que o juiz da 1ª instância, num recurso de agravo, decide suprir as nulidades que são assacadas à sentença apelada e não, assim, às situações em que o juiz se limita a manter na íntegra a decisão apelada, remetendo para o tribunal de 2ª instância o juízo a proferir sobre as arguidas nulidades.
Ora, isto significa que, na perspectiva do Supremo Tribunal de Justiça, o nº 5 do artº 744º do Código de Processo não cobra aplicação na hipótese, como era o caso daquela que estava a apreciar, em que, sendo apelada uma sentença da
1ª instância, o juiz não se pronuncia sobre tais arguições, suprindo-as, ou suprindo algumas delas.
E, a ser assim, como é, isso vale por dizer que não é possível entender-se se aquele Supremo, se estivesse colocado perante uma situação em que o juiz veio a pronunciar-se, suprindo-a, uma arguida nulidade, sustentaria o entendimento de que era possível ao tribunal de 2ª instância entrar no conhecimento do objecto da apelação sem que determinasse a «baixa» do processo à
1ª instância nos termos do nº 5 do artº 744º do referido compêndio normativo.
2.2. Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça igualmente entendeu que, no que concerne à circunstância de na sentença tirada na 1ª instância não ter sido conhecida a eventual possibilidade, alegada pelo recorrente, de desfecho positivo de um processo de expulsão de Portugal dos seus filhos menores, isso não constituir qualquer nulidade, pois que a tomada de posição concernente a tal circunstância era irrelevante para a decisão a tomar quanto à causa, e que era, tão só, a de analisar se, in casu, estavam, ou não, verificados os requisitos exigidos pela artº 13º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de Outubro de
1980 e aprovada pelo Decreto nº 33/88, de 11 de Maio.
E perfilhou também a óptica segundo a qual esse entendimento - ou seja, o de a aludida circunstância não integrar a nulidade de omissão de pronúncia - foi, semelhantemente, adoptado pelo Tribunal da Relação de Évora.
O mesmo é dizer que o acórdão ora recorrido não reconheceu a existência de nulidade e, precisamente por isso, não teve, como não tinha, de entrar na questão de saber se, ocorrendo ela, o tribunal de 2ª instância, para passar ao conhecimento do objecto da apelação, haveria de ouvir cada uma das partes nos termos do nº 3 do artº 715º.
Concluindo-se que o sentido interpretativo conferido pelo acórdão impugnado ao preceito vertido no artº 715º do Código de Processo Civil não foi nenhum daqueles que o recorrente questionara antes do seu proferimento, falta, no caso sub specie, o assinalado pressuposto da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta”.
Da transcrita decisão reclamou o recorrente A. nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Na peça processual consubstanciadora da reclamação, aduziu o reclamante os seguintes argumentos:-
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
1. Por douta decisão sumária de fls. 464/471, restou proclamado o não conhecimento do objecto do recurso, em decorrência do douto entendimento expresso no sentido de que, as razões de decidir consignadas no douto acórdão recorrido, não envolveram as suscitadas inconstitucionalidades materiais do artigo 715° do C PC.
2. Salvo sempre o devido respeito do quanto consignado na douta decisão sumária, acredita o recorrente que este Venerando Tribunal Constitucional pode conhecer da matéria suscitada no recurso, uma vez que a douta decisão recorrida enfrentou as suscitadas inconstitucionalidades.
3. A primeira questão constitucional versada no recurso, respeita à aplicação e interpretação do artigo 715° do C PC, no sentido de que ‘...o tribunal de recurso pode declarar nula a sentença e conhecer do objecto da apelação, mesmo no caso de que o relator não tenha determinada a imperativa baixa dos autos, prevista pelo regime do artigo 744°, n° 5, do C PC...’.
4. Assim, a referida questão de inconstitucionalidade encontra sua razão de ser exactamente na expressão ‘imperativa baixa’ dos autos, 'prevista pelo regime do artigo 744°, n° 5, do C PC’.
5. Conforme consignado na douta decisão sumária (cfr. ponto 2.1 - fls.
470), o douto acórdão recorrido teria entendido ao contrário, do defendido pelo recorrente, que a referida baixa dos autos decorrente do regime do artigo 744°, n° 5, do C PC, ‘não seria imperativa’, por não estar em causa um recurso de agravo, mas sim de apelação.
6. E é aqui, salvo sempre o devido respeito, que perpetrou equívoco o douto acórdão recorrido, incidindo na referida inconstitucional interpretação do artigo 715° do C PC, salvo sempre o devido respeito.
7. Exactamente porque, para o recorrente, face ao disposto pela Constituição da República, que não permite ao Juiz de primeiro grau ‘escolher a matéria sobre a qual se pretende pronunciar’, tal baixa é ‘imperativa’, inclusivamente para o recurso de apelação.
8. Isto porque, estando em causa o exame da constitucionalidade do artigo 715° do CPC, na perspectiva do sistema em que se encontra inserido (no que se refere ao exame da nulidade de uma sentença de primeiro grau, pela Relação) , tendo o recorrente referido a existência de uma exigência de ‘baixa imperativa’, decorrente de imperativo Constitucional e, mencionando inclusive e textualmente o artigo 744°, n° 5, do C PC (que presta obediência aos comandos Constitucionais), ao ter tal baixa sido reconhecida como ‘não imperativa’, pelo douto acórdão recorrido, restou perpetrada a inconstitucionalidade material suscitada pelo recorrente, salvo sempre o devido respeito.
9. E a Constituição da República não permite qualquer distinção entre apelação e agravo (como afirmou existente o douto acórdão recorrido), no que se refere à exigência de pronunciamento expresso sobre a arguição de nulidade, uma vez que não permite ao Juiz ‘escolher a matéria sobre a qual se deve pronunciar’, praticando, em última análise, omissão de pronúncia, em verdadeira negativa de prestação jurisdicional, salvo sempre o devido respeito.
10. Não é por outra razão que os referenciados artigos 715° e 744°, n
5, encontram-se inseridos num sistema em que o artigo 668°, n° 4, do mesmo CPC, refere-se inclusive expressamente a ‘...qualquer que seja o tipo de recurso...’
11. Assim, ao contrário do sustentado pelo douto acórdão recorrido, salvo sempre o devido respeito, a Constituição da República (assim como o regime do CPC que lhe presta obediência), não permite o entendimento de que a ‘baixa dos autos’ não seja ‘imperativa’, simplesmente por estar em causa um recurso de apelação, salvo sempre o devido respeito.
12. O que, aliás, implicaria na instituição de uma injustificada desigualdade entre os Juízes de primeiro grau e os de segundo grau, pois estes
últimos sempre estariam sujeitos à baixa obrigatória (eventualmente determinada pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça), enquanto aqueles estariam livres para não se pronunciarem sobre as questões, que lhes foram colocadas, que aguardavam a devida prestação jurisdicional, salvo sempre o devido respeito.
13. Desigualdade não compatível com a Constituição da República, salvo sempre o devido respeito.
14. Desta forma, quando a douta decisão sumária destacou que ‘...Ora,. isto significa que, na perspectiva do Supremo Tribunal de Justiça, o n° 5 do artº 744° do Código de Processo não cobra aplicação na hipótese, como era o caso daquela que estava a apreciar, em que, sendo apelada uma ,sentença de 1ª instância, o juiz não se pronuncia sobre tais arguições, suprindo-as, ou suprindo algumas delas...’ acaba por demonstrar que o douto acórdão recorrido incidiu exactamente na suscitada inconstitucionalidade material do artigo 715° do C PC, pois entendeu, ao contrário do recorrente, que a Constituição da República não exige a ‘imperativa baixa dos autos’, permitindo a distinção entre
‘apelação e agravo’, no que se refere à obrigação de decidir, salvo sempre o devido respeito.
15. E se a Constituição da República permite ou não o tratamento diferenciado entre a apelação e o agravo, quanto à imperatividade da baixa dos autos, somente este Venerando Tribunal Constitucional poderá responder, conhecendo oportunamente do objecto do recurso, salvo sempre o devido respeito.
16. Desta forma, salvo sempre o devido respeito, entende o recorrente que os Ex.mos Senhores Juizes Conselheiros, ponderando o quanto antes referenciado, em sede de conferência, poderão concluir pela necessidade de dar resposta a tal questão constitucional, revogando assim a douta decisão sumária que houve por bem não conhecer do objecto do recurso.
17. E quanto à segunda questão de inconstitucionalidade versada no recurso, respeitante à interpretação e aplicação do artigo 715° do C PC, no sentido de que ‘...o tribunal de recurso pode declarar nula a sentença, conhecendo do objecto da apelação, sem que as partes sejam ouvidas previamente a este respeito...’, acredita o recorrente, que pode ser conhecida por este Venerando Tribunal Constitucional.
18. Conforme consignado na douta decisão sumária (cfr. ponto 2.2 - fls.
471), ‘...o acórdão recorrido não reconheceu a existência de nulidade e, precisamente por isso, não teve, como não tinha, de entrar na questão de saber se, ocorrendo ela, o tribunal de 2ª instância, para passar ao conhecimento do objecto da apelação, haveria de ouvir cada uma das partes nos termos do n° 3 do artº 715°...’.
19. Ocorre, porém, salvo sempre o devido respeito, que o douto acórdão recorrido entrou na questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente, tendo consignado expressamente que ‘...sempre se dirá, no entanto, que a audição das partes sobre, designadamente as questões descritas no n° 2 do artº 715 do C.P. Civil, só terá razão de ser se a Relação entender que a apelação é procedente. Neste caso, o entendimento da Relação foi no sentido da improcedência da apelação, pelo que desnecessário se tornava ouvir as partes, designadamente o recorrente, que, aliás, já se tinha pronunciado sobre a questão nas conclusões recursórias. É manifesto que a interpretação feita do artº 715° do C.P.Civil, não colide minimamente com o disposto pelos artºs 2°, 20°, 202°,
203°, 205°, 211°, n° 1 e 216°, da Constituição da República Portuguesa...’.
20. É certo, como referenciado na douta decisão sumária, que o douto acórdão entendeu não existir a referenciada nulidade.
21. Mas ocorre, porém, que tal afirmação não poderia ser tida como a sua razão de decidir, por uma circunstância fundamental: a referida nulidade foi reconhecida pelo douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação, que, nesta parte, transitou em julgado.
22. Ou seja, operou-se caso julgado formal, no âmbito do processo, sobre a existência da apontada nulidade.
23. O que restou questionado, perante o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, no agravo interposto pelo recorrente, foi exactamente o modo posterior através do qual o douto acórdão havia providenciado pelo seu suprimento.
24. Não foi por outra razão, aliás, que o douto acórdão recorrido adentrou no exame da suscitada inconstitucionalidade material do artigo 715° do C PC, uma vez que, tendo transitado em julgado a decisão que reconheceu a nulidade da douta sentença de primeiro grau, não poderia decidir a matéria suscitada no agravo invocando a sua não existência, que se encontrava fora do
âmbito do recurso, que versou sobre o modo como a Relação havia providenciado pelo seu suprimento, em desacordo com a Constituição da República, salvo sempre o devido respeito.
25. Assim, salvo sempre o devido respeito, contrariamente ao consignado na douta decisão sumária, a razão de decidir do douto acórdão recorrido foi exactamente o não reconhecimento da suscitada inconstitucionalidade material do artigo 715° do CPC, uma vez que a afirmação de inexistência da suscitada nulidade, reconhecida por decisão trânsito em julgado nesta parte, representa apenas um obiter dictum, que não dispõe de relevância para a solução da questão.
26. E com a devida vénia, sublinha-se desde logo o equívoco perpetrado pelo douto acórdão recorrido, uma vez que o artigo 715° do C PC, não dispõe que o tribunal deve observar o contraditório apenas quando considerar o recurso de apelação procedente, salvo sempre o devido respeito.
27. Outrossim, salvo sempre o devido respeito, sublinha-se igualmente o equívoco da afirmação de que o recorrente já se havia pronunciado sobre a questão em seu recurso, uma vez que nunca se pronunciou sobre o efeito de tal nulidade no mérito da questão discutida, limitando-se a pedir o seu reconhecimento, para que fosse determinado ao tribunal de primeiro grau que proferisse nova douta decisão, que de tal vício não viesse a padecer, salvo sempre o devido respeito.
28. Desta forma, tendo o douto acórdão recorrido adentrado no exame da matéria da suscitada inconstitucionalidade e, sendo o seu não reconhecimento a sua fundamental razão de decidir, acredita o recorrente que a presente reclamação possa ser atendida, para que seja o recurso conhecido em seu objecto, salvo sempre o devido respeito.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio propugnar pela manifesta improcedência da reclamação, já que, no seu entendimento, o reclamante não teve
“em conta a especificidade da concreta situação processual dos autos, impeditiva da aplicação normativa por ele questionada”.
E adiantou:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
3°
Assim, o Supremo Tribunal de Justiça considerou, no acórdão recorrido:
- que não foi cometida, pelo tribunal de 13 instância, a arguida nulidade da omissão de pronúncia;
- que, no caso, se não justificava a baixa oficiosa dos autos à primeira instância, para reparação ou sustentação do ‘agravo’, já que estava em causa um recurso de apelação e a decisão do juiz, ao mandar subir os autos à Relação, devia ser interpretado como de manutenção na íntegra da decisão impugnada.
4º
Tal significa que não foi aplicada sequer a norma do artigo 715° do Código de Processo Civil, que pressupõe o reconhecimento de uma nulidade da sentença ou a não apreciação de certa questão, relevante para o mérito, por erradamente a mesma ter sido qualificada como ‘prejudicada’ ou precludida, por nenhuma das situações procedimentais, ali enunciadas, se ter verificado, na
óptica do acórdão recorrido”.
A recorrida B. não veio efectuar pronúncia sobre a reclamação.
Cumpre decidir.
2. Assinalou-se na decisão impugnada que o Supremo Tribunal de Justiça, no aresto pretendido impugnar perante o Tribunal Constitucional, perfilhou o entendimento de acordo com o qual o nº 5 do artº
744º do Código de Processo Civil não cobra aplicação nos casos em que está em causa um recurso de apelação, porquanto o seu âmbito se circunscreve ao recurso de agravo, o que não era o caso do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora.
Ora, como deflui da transcrição da alegação produzida na revista para aquele Alto Tribunal, o ora recorrente nunca equacionou a questão da desconformidade constitucional daquele preceito, quando em causa estava um recurso de apelação, assim não colocando o problema - que, na reclamação (cfr. seus items 9 e 15), dá a entender que teria colocado na alegação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - de que “a Constituição não permite qualquer distinção entre apelação e agravo” ou se a Lei Fundamental “permite ou não o tratamento diferenciado entre a apelação e o agravo”.
Por isso, reitera-se aqui o que foi dito no terceiro parágrafo do ponto 2.1. da decisão agora em causa.
E, como refere o Ex.mo Representante do Ministério Público, tendo o Supremo Tribunal de Justiça entendido que não foi cometida a nulidade arguida e dirigida à sentença da 1ª instância, por isso que perfilhou a perspectiva de acordo com a qual, estando em causa um recurso de apelação, não se justificava que a Relação determinasse a «baixa» do processo àquela 1ª instância para reparar ou sustentar o agravo, e sendo que a decisão, proferida pelo juiz, na apelação, ao mandar «subir» os autos à 2ª instância, devia ser interpretada como de manutenção na íntegra da decisão impugnada, isso só pode significar que o aludido Supremo nem sequer aplicou o normativo precipitado no artº 715º do diploma adjectivo civil.
Pelo que tange à segunda questão colocada no recurso para este Tribunal (a saber:- a inconstitucionalidade de uma interpretação normativa do citado artº 715º que conduza a que o tribunal superior, sem ouvir previamente as «partes», conheça do objecto da apelação, não obstante ter reconhecido a ocorrência de uma nulidade na sentença), é por demais óbvio que o acórdão intentado recorrer não levou a cabo uma tal interpretação.
E não levou, desde logo pela simples razão de que uma tal ocorrência não foi dada por verificada por tal aresto.
Ora, concluindo o Supremo Tribunal de Justiça (bem ou mal não releva agora) que não se verificou nulidade, é de evidência que não podia censurar a decisão tomada na Relação no sentido de ter tomado conhecimento da apelação sem notificar as «partes».
De facto, somente seria possível dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça teria levado a efeito a interpretação questionada na hipótese de, não obstante reconhecer ter havido nulidade na sentença proferida na 1ª instância, ter julgado que, mesmo assim, a Relação, para conhecer da apelação, não teria de ouvir previamente as «partes».
Só que essa hipótese não foi a que sucedeu nos autos, de acordo com a perspectiva do Supremo, que não reconheceu a existência de nulidade.
E não interessará, neste particular, saber se a existência de nulidade tinha, ou não, sido reconhecida pelo tribunal de 2ª instância. O que releva é que isso assim não foi entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça (não interessando, pois, saber se um tal eventual reconhecimento pelo tribunal de 2ª instância teria constituído caso julgado formal; de facto, ainda que o tivesse constituído, o Supremo não atendeu a essa eventual circunstância).
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 11 de Março de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida