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Processo 684-A/03
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Nos presentes autos, em que figuram como recorrentes A., B., C., D., E. e F., melhor identificados nos autos, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º
614/03, pelo qual decidiu negar provimento ao recurso interposto e, consequentemente, “Condenar os recorrentes em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça”. Elaboradas as contas de custas n.ºs 1/04, 2/04, 3/04, 4/04, 5/04 e 6/04 (uma por cada recorrente), veio o recorrente B. requerer o pagamento da importância mencionada “em 12 prestações fraccionadas, mensais e sucessivas, nos termos do artigo 65º do C.C.J.”, indicando como justificação “não trabalhar há mais de um ano e se encontrar a viver inúmeras dificuldades económicas, desenvolvendo-se em inúmeros esforços para fazer face às despesas do quotidiano do seu agregado familiar”. Por sua vez, o recorrente A. veio reclamar da conta de custas respectiva, nos termos do artigo 60º, n.ºs 1 e 2, do Código das Custas Judiciais, pedindo que a mesma seja reformada, “determinando-se que a taxa de justiça de 1197,15 € é
única, embora a deva suportar solidariamente o recorrente e os demais compartes”. Isto porque:
«(...)
4º (...) a taxa de justiça, como o seu nome indica, consiste no pagamento de um serviço (no caso a Justiça) e não num imposto, sendo certo que a doutrina sempre recusou a qualidade de imposto em sentido técnico-jurídico ao antigo “imposto de justiça”.
5º De resto, a conta n.º 7/2004, relativa a reembolsos ao Cofre Geral dos Tribunais (art. 32º, n.º 2 do C. C. J.), foi entendida pelo Senhor Escrivão de Direito como sendo uma verba única, embora a suportar solidariamente pelos recorrentes.
6º Aliás, e finalmente, o acto objecto dos presentes autos – apreciação de eventual inconstitucionalidade de um diploma legal – é uno e não plúrimo, pelo que o número dos compartes, em litisconsórcio voluntário, é irrelevante para a cobrança de uma verdadeira e própria prestação de serviços.» O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional pronunciou-se, afirmando:
“(...) tem constituído jurisprudência uniforme e reiterada deste Tribunal a de que – mesmo nas situações de tipo litisconsorcial, em que não são formulados pelos vários interessados, recorrentes ou reclamantes, pretensões diferenciadas
– as custas fixadas são devidas por cada um dos interessados. Terá sido precisamente em função de tal orientação jurisprudencial reiterada que a secção interpretou a condenação constante do douto acórdão proferido, emitindo as respectivas guias. Afigura-se, porém, que caberá, em última instância, ao Tribunal esclarecer cabalmente o sentido de tal decisão, procedendo – se for caso disso – a rectificação da omissão de tal parcela do acórdão, relativo a custas, nos termos do n.º 1 do art. 667º (e parte final do n.º 2) do CPC, aplicável subsidiariamente em processo constitucional.” No que se refere ao pagamento em prestações da conta de custas requerido por B., o Ministério Público disse nada ter a opor. Cumpre apreciar e decidir, começando pela reclamação da conta de custas. II. Fundamentos
2.Como este Tribunal tem por várias vezes referido, a reclamação da conta de custas, prevista no artigo 60º do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, não pode visar a modificação ou alteração da condenação em custas, visto que isso implicaria alteração do caso julgado. Este entendimento levou a que se salientasse, por exemplo, no Acórdão n.º 195/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 5 de Novembro de
1999; cfr. também os Acórdãos n.ºs 360/00 e 37/04, disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt):
“No momento da elaboração da conta de custas só pode estar em causa o respectivo modo de execução, afigurando-se natural que a decisão que decida das custas já não possa ser impugnada.
(...) Depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, quando se procede à elaboração da respectiva conta, não se pode utilizar um mecanismo destinado à correcção de aspectos técnicos da feitura da conta pelo funcionário contador, para impugnar a decisão judicial que condena em custas.” Ora, como correctamente salienta o Ministério Público, tem constituído jurisprudência deste Tribunal a de que, mesmo nas situações de pluralidade de recorrentes que não formulam pretensões diferenciadas, as custas fixadas são devidas por cada um dos interessados, desde que se não trate de um caso de litisconsórcio necessário. Assim, salientou-se, por exemplo, no Acórdão n.º
694/98 (disponível igualmente em www.tribunalconstitucional.pt), em que se discutia igualmente se as custas eram devidas por cada um dos recorrentes ou por cada uma das partes em causa:
«(…)
2. Os reclamantes, na impugnação das contas de custas elaboradas nos presentes autos, suscitam uma questão de interpretação do Acórdão na parte em que condenou em custas. Com efeito, as referidas contas foram elaboradas de acordo com uma interpretação literalmente possível do Acórdão (considerar cada um dos sujeitos intervenientes como um reclamante autónomo), sustentando os reclamantes interpretação diversa (cada casal é um reclamante). Assim, neste momento processual está essencialmente em causa a elaboração das contas de custas, ou melhor, a explicitação do sentido da condenação em custas com base no qual as respectivas contas devem ser elaboradas. Nessa medida, a reclamação das contas de custas é um meio processualmente adequado para suscitar a questão da correcção quanto ao modo como foi executada a condenação em custas, para o Tribunal ordenar uma rectificação se esse for o caso. Os reclamantes intervêm nos autos em litisconsórcio necessário (artigo 28º do Código de Processo Civil), o que significa serem conjuntamente sujeitos de uma
única acção (artigo 29º do Código de Processo Civil), com os respectivos cônjuges. Pode, pois, afirmar-se que no presente processo só existem três partes reclamantes: A. V. e esposa, E. C. e esposa, e J. S. e esposa. É neste sentido que a condenação em custas constante do Acórdão n.º 37/98 deve ser interpretada quando se refere a cada reclamante. Por conseguinte, as respectivas contas devem ser elaboradas de acordo com tal interpretação.
(…)» A referida orientação encontra o seu fundamento, designadamente, na circunstância de, em regra, deverem pagar custas todos e cada um dos que dão causa à actividade processual, independentemente da autonomia das pretensões deduzidas – ou seja, em caso de pluralidade de interessados (recorrentes, reclamantes, etc.), cada um deles, salvo na medida em que intervenham em litisconsórcio necessário, pois então é a própria pluralidade que é legalmente imposta.
3.No presente caso, foi em função da referida orientação jurisprudencial que a secção interpretou a decisão, constante do Acórdão n.º 614/03, de condenar “os recorrentes em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça”, emitindo as respectivas guias. Na verdade, estava em causa nesse acórdão um recurso de uma decisão do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa sobre a reclamação de um despacho relativo à distribuição de um recurso penal, não se verificando qualquer litisconsórcio necessário e sendo antes o recurso (tal como o pedido de recusa e a reclamação) subscrito por vários interessados por sua exclusiva opção. A taxa de justiça era, assim, devida por cada um dos recorrentes, não impondo solução diversa, nem quaisquer interpretações em sentido contrário de outras contas (como, alegadamente, da relativa a reembolsos ao Cofre Geral dos Tribunais), nem a qualificação da taxa de justiça, não como um imposto, mas como o pagamento de um serviço, a cargo dos que a ele dão causa (sobre esta qualificação da taxa de justiça, e respectiva fundamentação, cfr., por todos, e com mais indicações, os Acórdãos n.ºs 49/92 e 8/2000, o primeiro publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Junho de 1992, e o segundo disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). Consequentemente, desatende-se a reclamação apresentada contra a conta de custas. Admite-se, todavia, que, apesar de a conta de custas em causa ter sido correctamente interpretada e elaborada, com a dívida por cada um dos recorrentes, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal a este respeito – ilustrada pelo citado Acórdão n.º 694/98 –, a condenação em custas constante do Acórdão n.º 684/03 não foi clara quanto a este ponto, e que é, pois, caso de a rectificar, nos termos do artigo 667º, n.ºs 1 e 2, parte final, do Código de Processo Civil (aplicável por força dos artigos 716º do mesmo Código e do artigo
69º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional), no sentido de esclarecer que o seu sentido corresponde efectivamente àquele com que foi interpretada.
4.Quanto ao pedido do recorrente B., entende-se, em face da justificação apontada, que deve ser deferido, autorizando-se o pagamento das custas em prestações, nos termos e com os limites legais (artigo 65º do Código das Custas Judiciais). III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide: a) Corrigir, nos termos do artigo 667º, n.ºs 1 e 2, parte final, do Código de Processo Civil (aplicável por força dos artigos 716º do mesmo Código e 69º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional), a condenação em custas constante do Acórdão n.º 614/03, com fixação de 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça, por forma a esclarecer que esta se refere a cada um dos recorrentes; b) Desatender a reclamação contra a conta de custas apresentada por A., e, consequentemente, condenar o reclamante em custas, com 10 (dez) unidades de conta de taxa de justiça; c) Autorizar o pagamento das custas em prestações, requerido por B., nos termos e com os limites legais (artigo 65º, n.º1, do Código das Custas Judiciais).
Lisboa, 23 de Março de 2004.
Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos