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Processo n.º 119/12
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, foi proferido despacho de admissão de recurso de constitucionalidade interposto por A. e B..
2. No processo-base, os recorrentes, oponentes à execução para prestação de facto, que lhes foi movida por C. e D., recorreram da sentença que julgou improcedente a oposição que deduziram.
Notificados do acórdão do Tribunal da Relação, datado de 6 de outubro de 2011, que negou provimento ao recurso, os recorrentes apresentaram peça processual, em que simultaneamente referem vir “arguir a nulidade desse acórdão” e, “por cautela, (…) interpor recurso para o Tribunal Constitucional, requerendo que o mesmo seja recebido, seguindo-se os demais termos”.
Os exequentes, aqui recorridos, pronunciaram-se pela improcedência da arguição de nulidade e, no tocante ao recurso para o Tribunal Constitucional, vieram dizer que os executados não formularam qualquer requerimento de interposição de recurso, nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante LTC). Assim, uma vez que a alusão ao recurso de constitucionalidade não configura mais do que uma “mera intenção”, consideraram os exequentes não haver razão para se pronunciarem “sobre a admissão ou não admissão do referido recurso”.
O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 10 de novembro de 2011, conheceu da arguição de nulidade apresentada, procedendo a uma correção e esclarecimento e indeferindo o requerimento quanto à parte restante, ressalvando do alcance da decisão o excerto relativo à interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, cuja apreciação relegou para momento ulterior.
Notificados de tal acórdão, os recorrentes apresentaram nova peça processual, referindo que “vêm, por cautela de patrocínio, declarar que mantêm interesse na requerida interposição de recurso para o Tribunal Constitucional”.
Em 12 de janeiro de 2012, o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu despacho, admitindo o recurso para o Tribunal Constitucional.
3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, que a indicação dos elementos expressamente previstos nos n.os 1 a 4 do artigo 75.º-A, da LTC, e a identificação da decisão recorrida, subsumível à previsão normativa de uma das alíneas do artigo 70.º do mesmo diploma, constituem requisitos formais de apreciação do recurso e não mero cumprimento de um dever de cooperação do recorrente para com o Tribunal.
Nestes termos, se faltar a menção de algum desses elementos, tal falha poderá ser suprível através do mecanismo previsto nos n.os 5 e 6 do referido artigo 75.º-A.
Situação diversa é, porém, a que se configura nos autos, porquanto não se verifica a falha de algum ou alguns dos aludidos requisitos, mas a totalidade dos mesmos, o que torna o requerimento de interposição de recurso inepto e insuscetível de manifestar uma vontade de sentido inteligível, quanto ao respetivo objeto e fundamento (cfr., a propósito de situação semelhante, o Acórdão com o n.º 252/08, disponível em www.tribunalconstitucional.pt )
Na verdade, os recorrentes apenas referem que, “desde já e por cautela” vêm “interpor recurso para o Tribunal Constitucional”, omitindo a identificação clara e inequívoca da decisão recorrida, a alínea do n.º 1 do artigo 70.º, ao abrigo da qual recorrem, e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretendem que o Tribunal aprecie.
Nestes termos, por manifesta inidoneidade do respetivo requerimento de interposição, não é admissível o recurso.
(…) Sempre se dirá que, ainda que se admitisse como possível extrair do requerimento de arguição de nulidade do acórdão de 6 de outubro de 2011 – em que os recorrentes enxertam a manifestação da pretensão de recorrer para o Tribunal Constitucional, “por mera cautela” – indícios quanto ao preenchimento dos requisitos previstos no artigo 75.º-A, n.os 1 e 2 da LTC, que pudessem, prima facie, ser explicitados mediante convite ao aperfeiçoamento, sempre a admissibilidade do recurso de constitucionalidade estaria prejudicada.
Na verdade, face à posição defendida pelo recorrente, seria equacionável a interposição de recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Porém, nos termos do n.º 2 do referido artigo 70.º, a admissibilidade dos recursos, previstos na alínea b) do n.º 1 do mesmo normativo, depende do esgotamento dos recursos ordinários.
O pressuposto da prévia exaustão dos recursos ordinários apenas se verifica quando a decisão recorrida já não admita recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização da jurisprudência, entendendo-se que se encontram esgotados todos os recursos ordinários, para este efeito, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual (n.º 4 do artigo 70.º da LTC).
A jurisprudência constitucional tem entendido que, no conceito legal de “recurso ordinário”, se incluem os incidentes pós-decisórios, desde que não sejam manifestamente anómalos ou inidóneos, nomeadamente por não estarem previstos no ordenamento jurídico ou por servirem fins intencionalmente dilatórios.
A consagração do requisito de admissibilidade em análise corresponde à adoção do princípio da exaustão das instâncias, que visa restringir o acesso ao Tribunal Constitucional, limitando-o apenas às pretensões que já tenham sido previamente analisadas pela hierarquia judicial correspondente, o que redundará no resultado de o objeto de recurso de constitucionalidade ser circunscrito à decisão definitiva, à última pronúncia dentro da ordem jurisdicional a que pertence o tribunal a quo.
Assim, quando o recorrente interpõe recurso ordinário ou deduz arguições de vícios da decisão recorrida, dentro da ordem jurisdicional respetiva, deve aguardar a decisão que venha a ser proferida na sequência da utilização de tais meios processuais impugnatórios, não sendo admissível que antecipe o momento do recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. Acórdãos n.os 534/04, 24/06, 286/08 e 331/08, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, no presente caso, os recorrentes, notificados do acórdão de 6 de outubro de 2011, vieram arguir a nulidade do mesmo e, concomitantemente, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, presumindo-se que incidente sobre o mesmo aresto.
Pelo exposto, à data da interposição do recurso – momento relevante para aferição dos respetivos pressupostos de admissibilidade – o acórdão de 6 de outubro de 2011, que presumimos corresponder à decisão recorrida, não se apresentava como uma decisão definitiva, por não estarem ainda esgotados os meios impugnatórios acionados pelos recorrentes, no âmbito da ordem jurisdicional respetiva.
Salienta-se que a circunstância de os recorrentes, notificados da decisão que aprecia a arguição de nulidades, virem manifestar interesse no conhecimento do recurso de constitucionalidade anteriormente interposto, não altera a conclusão a que chegámos.
Na verdade, tal declaração de manutenção de interesse não corresponde a um novo recurso de constitucionalidade, mas apenas à reafirmação do interesse em ver apreciado o requerimento anteriormente apresentado, em momento inadequado, como já vimos.”
4. Fundamentando a sua discordância relativamente à decisão reclamada, referem os reclamantes que, quando interpuseram recurso para o Tribunal da Relação, suscitaram a questão de constitucionalidade relativa à interpretação dos artigos 393.º e 394.º do Código de Processo Civil, “no sentido de que é legítimo (…) proceder à investidura do requerente na posse ou requerer execução de sentença para prestação de facto (…) entendendo que essa possibilidade se situa “dentro das possibilidades interpretativas permitidas pelo texto da lei” (…) em manifesta violação do princípio da legalidade prescrito pelo artigo 21.º da Constituição”.
Quando foram notificados do acórdão, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto, arguiram a nulidade do mesmo e, à cautela, interpuseram logo recurso para o Tribunal Constitucional, para não correrem o risco de o seu recurso ser considerado extemporâneo. Na peça processual apresentada, os requerentes referiram que estava em causa a interpretação inconstitucional do artigo 394.º do Código de Processo Civil, por violação do princípio da legalidade, “por ter sido escolhida uma solução jurídica “não tutelada e ditada por valores não tutelados”, insistindo que o Tribunal da Relação devia pronunciar-se sobre a invocada inconstitucionalidade”. Acresce que juntaram, a tal requerimento, o texto da oposição apresentada no tribunal de 1.ª instância, de que resultava igualmente a questão de inconstitucionalidade que pretendiam ver apreciada e o princípio constitucional violado.
Concluem, desta forma, que não é correta a afirmação da decisão reclamada quanto ao não cumprimento de “qualquer dos requisitos aludidos no artigo 70.º” da LTC.
No tocante à alegada “extemporaneidade por antecipação” da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, referem os recorrentes que “ante uma interpretação dos artigos 393º e 394º do Código de Processo Civil que têm por violadora do princípio da legalidade, disseram-no em oposição, na 1ª instância, repetiram-no em recurso na 2ª instância, voltaram a repeti-lo em arguição de nulidade do acórdão, recorreram, por fim, para o Tribunal Constitucional (…) fazendo-o, de certo, atempadamente.”
Concluem assim os reclamantes, peticionando a revogação da decisão reclamada e a sua substituição por decisão que admita o recurso, seguindo-se os seus ulteriores termos.
5. Os reclamados não apresentaram resposta.
II - Fundamentos
6. A reclamação deduzida parte do pressuposto de que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – ao invés de corresponder a uma peça autossuficiente, formulada em obediência aos requisitos especificamente exigidos, de forma clara e inequívoca, nos n.os 1, 2, 3, 4 do artigo 75.º-A da LTC – pode traduzir-se numa mera declaração de interposição de recurso, a título cautelar, enxertada em peça processual diversa: no caso, arguição de nulidade de acórdão proferido pelo tribunal a quo.
Tal pressuposto, porém, não tem qualquer fundamento.
A LTC fixa, relativamente ao recurso de constitucionalidade, uma série de requisitos do respetivo requerimento de interposição e ainda exigentes pressupostos de admissibilidade, que conferem a este tipo de recurso uma natureza mais rígida do que a dos recursos previstos no regime geral. Assim, ainda que a não indicação de “algum dos elementos previstos” no artigo 75.º-A da LTC possa ser suprida, mediante o convite ao aperfeiçoamento previsto nos n.os 5 e 6 do mesmo preceito, não pode este regime excecional aplicar-se quando a omissão de indicação abrange a totalidade dos referidos elementos, a ponto de desvirtuar a natureza do requerimento de interposição de recurso, tornando-o inepto e insuscetível de manifestar uma vontade de sentido inteligível, quanto ao respetivo objeto e fundamento, como refere a decisão sumária posta em crise.
Não podem, pois, os reclamantes, que não observaram qualquer dos requisitos legalmente exigidos para o requerimento de interposição de recurso, legitimamente pretender que o Tribunal Constitucional reconstitua, a partir de outras peças processuais destinadas a apreciação por diferente tribunal, o possível objeto e fundamento do recurso de constitucionalidade. Nas mesmas circunstâncias, não podem igualmente os reclamantes esperar que, através de um convite ao aperfeiçoamento, o Tribunal Constitucional permita que seja suprida a omissão de todos os referidos requisitos, assim concedendo uma ilegítima prorrogação do prazo de interposição de recurso.
Pelo exposto, não tendo sido aduzidos, pelos reclamantes, argumentos que infirmem a correção do juízo formulado na decisão reclamada, apenas resta reafirmar toda a fundamentação constante da mesma e, em consequência, concluir pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III - Decisão
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação apresentada e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada proferida no dia 6 de junho de 2012.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de julho de 2012 – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos