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Procº nº614/00
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. - MS notificado da decisão sumária que resolveu não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade que tinha interposto dos acórdãos de 29 de Fevereiro de 2000 e de 6 de Junho de 2000, do Supremo Tribunal de Justiça, veio reclamar para a conferência, nos termos do disposto no nº3 do artigo 78º-A, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC).
Fundamenta a sua discordância alegando que '3.[...] como
é obvio, se questiona a 'própria decisão', mas precisamente pela interpretação inconstitucional das normas dos artºs 3º, nº3 e 3 A e 201º, nº1, do C.P. Civil que nela se faz. Com efeito, interpretar tais disposições como permitindo prescindir da contribuição processual de uma das partes diversamente do que ali se postula, é fazer uma interpretação viciada de tais normas, com ofensa, cremos que gritante dos princípios do contraditório e da igualdade substancial das partes que ali se consagram, e reflexamente com ofensa não menos gritante do princípio do artº 13º da C.R.'
Por outro lado, o reclamante entende que o pedido de reforma da decisão é ainda um momento adequado para suscitar a questão de constitucionalidade.
2. - O Ministério Público, em resposta à reclamação apresentada por MS veio dizer que a mesma 'carece manifestamente de fundamento', pois a questão suscitada 'se não configura como uma verdadeira questão de inconstitucionalidade de «normas», mas antes se trata de uma questão
'indissoluvelmente ligada à especificidade de tramitação de certo processo em concreto', 'tendo apenas que ver com o integral cumprimento, nesse processo, da regra do contraditório - e, portanto, com a eventual decisão que dirimiu a questão ali suscitada.'
3. - Escreveu-se na decisão sumária o seguinte:
'Admitido o recurso no STJ, o relator no Tribunal Constitucional exarou um despacho convidando o recorrente a estabelecer a exacta e concisa interpretação das normas dos artigos 3º, nº3, 3º A e 201º, do Código de Processo Civil (CPC), advertindo que o Tribunal, caso viesse a julgar inconstitucional qualquer norma teria de enunciar na decisão o sentido que julgou inconstitucional, por forma a que os operadores do direito pudessem saber qual era esse sentido.
Na resposta, o recorrente veio dizer o seguinte:
1. 'O Tribunal recorrido interpretou os artºs 3º nº 3 e 3º A do CPCivil, como compaginando-se com a falta de audiência e de pronúncia do então recorridos, partindo de um juízo hipotético e apriorístico sobre uma pretensa inutilidade da sua contribuição para a decisão da causa. Uma vez que o Pleno, como se diz no Acórdão recorrido, abordou 'amplamente as teses em confronto', arbitrariamente entendeu que os recorridos nada poderiam adiantar que conduzisse a uma decisão diferente daquela que foi proferida.
2. Quer dizer, interpretou as referidas disposições do C.P.Civil, como permitindo prescindir do contributo de uma das partes, interpretação esta que não pode deixar de ter como violando grosseiramente o princípio da igualdade do artº 13 da C.R.
3. Similarmente o Tribunal recorrido interpretou o nº 1 do artº 201 do C.P.Civil de forma a dar cobertura à omissão de notificação dos recorridos para contra-alegarem, entendendo assim que ela não poderia ter influência no exame e decisão da causa.
4. Deste modo e uma vez mais menorizando e qualificando aprioristicamente de inútil a contribuição dos então recorridos para o exame e decisão da causa.
5. Tal interpretação violou o princípio da igualdade do artº 13 da CR bem como o princípio da proporcionalidade que decorre dos artºs 2 e 18 nº 2 da CR.'
6. – Com este requerimento é, por um lado, manifesto que o recorrente não deu satisfação à exigência formulada de fornecer uma interpretação das normas questionadas que o Tribunal possa enunciar na decisão e com o qual se possa operar juridicamente. Por outro lado, resulta claro do requerimento de resposta, que o que o recorrente afinal questiona não é uma inconstitucionalidade normativa, ou melhor dizendo, uma interpretação inconstitucional das normas em causa, mas antes a própria decisão proferida nos autos. De facto, dizer que 'o Tribunal recorrido interpretou os artºs 3º, nº3 e 3º A do CPCivil, como compaginando-se com a falta de audiência e de pronúncia do então recorrido, partindo de um juízo hipotético e apriorístico sobre uma pretensa inutilidade da sua contribuição para a decisão da causa' é manifestamente pôr em causa a própria decisão recorrida. De igual modo, no que se refere ao nº1 do artigo 201º do CPC, dizer que o tribunal recorrido o interpretou 'de forma a dar cobertura à omissão de notificação dos então recorridos para contra-alegarem, entendendo assim , que ela não poderia ter influência no exame e decisão da causa', é questionar a decisão tal e qual ela foi proferida. Ora, o Tribunal Constitucional, em sede de recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da LTC, sempre tem entendido que apenas as normas ou uma sua interpretação normativa podem ser objecto de tal recurso, mas já não o podem ser as decisões judiciais enquanto tais (veja-se, neste sentido, o Acórdão nº 367/2000, ainda inédito e jurisprudência anterior aí citada). Tanto bastaria para que este Tribunal, faltando um dos requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, não pudesse conhecer do respectivo objecto.
7. – Acresce, porém, que existe um outro motivo para não tomar conhecimento do presente recurso. Na verdade, como o próprio recorrente afirma no seu requerimento de interposição do recurso, 'a questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente no requerimento de reforma do Acórdão de 29.2.00 (...)'. Ora, este Tribunal tem vindo a decidir reiterada e uniformemente que suscitar uma questão de constitucionalidade «durante o processo» é fazê-lo em tempo de o tribunal recorrido poder validamente decidir sobre ela, uma vez que, subjacente a tal perspectiva está a consideração de que, antes de o Tribunal Constitucional se pronunciar em recurso (ou seja em reexame) sobre tal questão, é necessário que a mesma tenha sido apresentada ao tribunal «a quo» para que ele a aprecie quando se pronunciar sobre o mérito da questão que tem para resolver. De acordo com este entendimento, o Tribunal Constitucional tem sustentado que já não é momento adequado para se suscitar uma questão de inconstitucionalidade para os efeitos da alínea b) do nº1 do artigo 70º da LTC fazê-lo em requerimento de arguição de nulidades, pedido de esclarecimento ou reforma da sentença. Este aspecto é, a meu ver decisivo na medida em que o pedido de reforma formulado pelo recorrente assenta unicamente na existência de um manifesto lapso na qualificação jurídica dos factos e não numa sempre possível errada determinação da norma jurídica aplicável (questão que, por agora, não interessa apreciar).'
8. - Em conclusão, por um lado, o reclamante não conseguiu lograr o objectivo a que se propôs com a reclamação deduzida: não só não formulou, nem explicitou qualquer juízo de inconstitucionalidade normativa que vá contra ao já decidido, como, uma tal forma de recolocar a questão, conduz a que nenhum argumento novo, de acordo com o juízo que anteriormente elaborou, seja trazido pelo mesmo como fundamento da sua pretensão, pois, como já se salientou e, por diversas vezes este Tribunal referiu, não podem constituir objecto do recurso de constitucionalidade - pois está fora do alcance e dos poderes de cognição deste Tribunal - a sindicância ou correcção de decisões judiciais proferidas. Por outro lado, o reclamante não suscitou, em tempo, a questão de constitucionalidade interposta ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da LTC') pois a mesma já deveria ter sido suscitada ex ante, no decurso do processo.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
4. - Como se refere - certeiramente - na resposta do Exmo Procurador-Geral adjunto neste Tribunal, a questão suscitada não se configura como uma verdadeira questão de inconstitucionalidade de 'normas' por
'surgir indissoluvelmente ligada à especificidade de tramitação de certo processo em concreto'.
Com efeito, as decisões recorridas, de 29 de Fevereiro de 2000 e de 6 de Junho de 2000, não só não afastam como reconhecem (a primeira expressamente e a segunda implicitamente) que foram omitidas as notificações do recorrente ( e outro) do despacho que admitiu o recurso para o Pleno. Porém, no primeiro acórdão entendeu-se que a irregularidade nunca influiria no exame e decisão do recurso; o acórdão de 6 de Junho limitou-se a decidir que não tendo existido lapso manifesto na qualificação jurídica dos factos, o pedido de reforma do acórdão reclamado tinha de ser indeferido.
Ora a questão de constitucionalidade que o recorrente refere ter suscitado prende-se com a norma do artigo 3º, nº3 e do artigo 3º A, ambos do Código de Processo Civil (CPC).
O nº3 do artigo 3º estabelece precisamente a necessidade de cumprir o princípio do contraditório ao longo do processo, salvo caso de manifesta desnecessidade. Assim, sendo este o teor da norma, não pode ela própria, por si mesma, considerar-se inconstitucional, uma vez que se limita a dar concretização legal ao princípio constitucional do contraditório.
Por outro lado, a verificação da possibilidade de não cumprir o contraditório 'em caso de manifesta desnecessidade' não corresponde a qualquer interpretação normativa da lei:trata-se antes de um caso de mera subsumpção a preencher pelo tribunal recorrido.
Na verdade o que o recorrente questiona é o acto processual da sua não audição que o STJ considera uma irregularidade que, no seu prudente arbítrio, não pode exercer influência no exame da causa.
Estas considerações valem de igual modo na parte respeitante ao artigo 3º A do CPC: o que o recorrente questiona é o acto processual da sua não audição consubstanciado na decisão recorrida enquanto considera 'absolutamente inútil a anulação e consequente repetição do processado dela decorrente'.
Por isso, confirma-se inteiramente a decisão sumária, quando nela se entendeu, por um lado, que 'o recorrente não deu satisfação à exigência formulada de fornecer uma interpretação das normas questionadas que o Tribunal possa enunciar na decisão e com o qual se possa operar juridicamente', e, por outro lado, que se questionou 'a decisão tal e qual ela foi proferida', não se suscitou qualquer inconstitucionalidade normativa.
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC’s. Lisboa, 21 de Março de 2001 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida