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Processo n.º 39/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos B. e o Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(….) 3. Como referido, o recorrente foi convidado a aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, nomeadamente, no que respeita «à identificação precisa e rigorosa da norma ou interpretação normativa» cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie (cfr. despacho de fls. 499).
A resposta do recorrente, acima transcrita, não dá cabal cumprimento àquele convite. Na verdade, os 1. a 7. da resposta, intitulados “Questão Prévia”, nada referem a esse respeito, antes consubstanciam uma crítica a anteriores decisões das instâncias, que, evidentemente, não podem ser objeto de um recurso de constitucionalidade.
Nos pontos 8. a 10. da resposta, o recorrente invoca que o presente recurso foi interposto por “requerimentos de 4.11.2008 e de 10.09.2010” e indica um vasto conjunto de acórdãos como decisões recorridas; e nos pontos 11. e 12. do requerimento, refere que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade de várias preceitos do CPP e do CPP.
É manifesto que o recorrente continua a não identificar as normas ou interpretações normativas que pretende ver apreciadas, ou seja, continua a não delimitar o objeto do recurso de constitucionalidade – aliás, dos recursos de constitucionalidade – que interpôs. Não basta para o efeito, referir um conjunto vasto de preceitos legais, pertencentes a vários diplomas, como objeto do recurso. Necessário é, ainda, que se enuncie, com um mínimo de clareza, a “norma” ou “interpretação normativa” que se extrai de tais preceitos e cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada. Essa exigência é ainda maior quando, como é o caso, o recorrente apresentou vários requerimentos de recurso, pretende recorrer de várias decisões e imputa o vício de inconstitucionalidade a um vasto conjunto de preceitos legais.
Pelas razões referidas, forçoso é concluir que o requerimento de interposição do recurso, mesmo após a resposta ao aperfeiçoamento, continua a não indicar integralmente os elementos exigidos pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC, o que determina o não conhecimento do objeto do recurso.
4. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objeto do recurso. (…)»
2. Notificada desta decisão, o recorrente apresentou requerimento nos seguintes termos:
«A., Recorrente, surpreendido com uma decisão sumária de 8.5.2012, de não conhecimento do objeto do recurso, diz e requer:
1. É inquestionável que à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação, ex vi artigo 69.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC).
2. Integra-se na regulamentação do recurso de apelação, o artigo 704.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual se o relator entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso, antes de proferir decisão, ouvirá cada uma das partes pelo prazo de 10 dias.
3. É inquestionável que inexiste na LTC norma que afaste a aplicação do disposto no artigo 704.º, n.º 1, do CPC.
4. A norma do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, tem paralelo no artigo 705.º do CPC. Mas, esta sempre foi interpretada em conjugação com a do antecedente artigo 704.º, n.º 1.
5. O disposto nos artigos 704.º, n.º 1, e 705.º, é aplicável aos recursos de revista e de agravo em 1.ª e 2:ª instância, ex vi artigos 724.º, n.° 1, 749.º e 762.º, n.º 1, do CPC.
6. Tanto quanto se sabe, nunca nenhum Juiz Desembargador Relator nas Relações, ou Juiz Conselheiro Relator no Supremo Tribunal de Justiça deixou de observar o disposto no artigo 704.º, n.º 1, quando entende poder decidir ao abrigo do artigo 705.º, do CPC.
7. Também não é a norma do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, que afasta a aplicação da norma do artigo 704.º, n.º 1, do CPC, pois também da decisão do seu artigo 705.º, se pode reclamar para a conferência ao abrigo do artigo 700.º, n.° 3, do mesmo diploma.
8. É pois, inquestionável que a norma do artigo 704.º, n.º 1, do CPC, se aplica à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional.
9. O Tribunal Constitucional tem feito a aplicação do disposto no artigo 704.º, n.º 1, do CPC, em muitos recursos, como se pode ver designadamente nos acórdãos publicados:
1) 28/94, de 19.1.94, in acórdãos do Tribunal Constitucional,
2) 11/99, de 12.1.99, in DR II Série, de 24.3.99,
3) 466/2000, de 7.11.2000, in DR II Série, de 7.6.2001,
4) 189/2003, de 8.4.2003, in DR II Série, de 2.6.2003,
5) 660/2004, de 17.11.2004, in DR II Série, de 7.1.2005,
6) 79/2005, de 15.2.2005, in DR II Série, de 6.4.2005,
7) 499/2005, de 4.10.2005, in DR II Série, de 23.11.2005.
10. A omissão da decisão imposta pelo artigo 704.º, n.º 1, do CPC, consubstancia nulidade do artigo 201.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo código: a observância do disposto naquele é imposta também pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, no segmento que garante o processo equitativo em que se inscreve a garantia da prévia audição sobre virtuais decisões de não conhecimento de recursos admitidos no tribunal a quo geradores da legítima expectativa de que será administrada justiça pelo Tribunal ad quem.
11. O não conhecimento do objeto de um recurso pode consubstanciar denegação de justiça se não for assegurada a concretização da garantia constitucional de prévia audição, tanto mais que in casu existe uma questão prévia a resolver, sublinhada no requerimento de 23.4.2012, designadamente nos seus n.ºs 16, 17 e 18, mas sobre a qual inexiste pronúncia: reconstrução do processo fracionado por efeito de aplicação de norma do artigo 720.º do CPC, arguida de inconstitucionalidade.
12. Atento o exposto, o Recorrente requer seja ordenada a audição imposta pelo artigo 704.º, n.º 1, do CPC, com a consequente anulação do despacho de 8.5.2012.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou a seguinte resposta:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 223/2012, não se tomou conhecimento do objeto do recurso.
2º
Do afirmado pelo recorrente, designadamente no ponto 10 do requerimento, resulta que o mesmo está a arguir a nulidade daquela decisão nos termos do artigo 201.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
3º
Ora, tal como se entendeu no Acórdão n.º 468/2008, em que a situação processual era idêntica à que se verifica nos presentes autos, o pedido deve ser apreciado em conferência, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3 da LTC, já que se considera “a arguição de nulidade de uma decisão sumária, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do mesmo artigo, como equivalente, para este efeito, a uma reclamação da decisão do relator”.
4º
No essencial, o recorrente entende que devia ter sido ouvido antes de sido proferida a Decisão Sumária, por aplicação do disposto no artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
5º
Esta questão já foi diversas vezes apreciada pelo Tribunal Constitucional, que sempre entendeu que deve aplicar-se o regime vigente na LTC, podendo, na reclamação para a conferência, o recorrente expor os motivos pelos quais entende que se devia tomar conhecimento do recurso (v.g. Acórdão n.º 468/2006)
6º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Como bem salienta o representante do Ministério Público na sua resposta, apesar de o requerente vir arguir a nulidade da Decisão Sumária n.º 223/2012 (ponto 10 do requerimento) e concluir pedindo a sua “anulação”, este requerimento deve ser apreciado em conferência, sendo equivalente, para esse efeito, a uma reclamação da decisão do relator, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (cfr., no mesmo sentido, em casos idênticos, os Acórdão n.º 468/2008 e 286/2012, onde, aliás, também era parte e mandatário em causa própria, o ora reclamante).
Em síntese, entende o reclamante que devia ter sido ouvido antes de proferida a Decisão Sumária, por aplicação do disposto no artigo 704.º, n.º 1, do CPC.
Sem qualquer razão.
Como este Tribunal Constitucional tem várias vezes salientado, aplica-se neste caso o regime do artigo 78.º-A da LTC, podendo, na reclamação para a conferência, o interessado expor os motivos pelos quais entende que se devia tomar conhecimento do recurso (cfr., entre outros, os citados Acórdãos n.ºs 468/2006 e 286/2012).
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de julho de 2012. – Joaquim de Sousa Ribeiro – José da Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos