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Proc. nº 78/01
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes M, C e A e é recorrido o Ministério Público, foram interpostos 3 recursos para o Tribunal Constitucional, através de requerimentos que têm o seguinte teor: A) O requerimento do recorrente M (fls. 4430)
'M, nos autos de recurso penal em que é arguido, vem interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 70º, nº 1, al. b) da Lei nº 28/82, de 15/11, sendo a norma constitucional que se considera «in casu» violada a dos artigos 32º, nº 6 e 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, e a peça processual em que o recorrente suscita a questão de inconstitucionalidade é designadamente a sua alegação de recurso, quer da decisão da 1ª instância, quer da de 2ª instância'. B) O requerimento do recorrente C (fls. 4475)
'C, arguido nos autos de recurso penal acima referenciados, não se conformando com o douto acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça que manteve a decisão de o condenar a 12 anos de prisão, dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 70º, nº 1, al. b), considerando ter sido violada a norma constitucional dos artigos 32º, nºs 3 e 7 e 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e as ilegalidades suscitadas têm a sua sede nas alegações de recurso das decisões da 1ª e 2ª instância'.
C) O requerimento do recorrente A (fls. 4477)
'A, arguido nos autos de recurso penal acima referenciados, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da al. b) da Lei nº 28/82, de 15/11, sendo as normas constitucionais que se consideram violadas as dos artigos 18º,
32º nºs 1 e 2 e 205º da Constituição da República Portuguesa e artigo 11º, nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, sendo que as peças em que o recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade são os requerimentos de recurso das decisões da 1ª e 2ª instância e respectivas motivações, bem como as alegações'.
2. Já neste Tribunal foram os Recorrentes notificados, por despacho do Relator, para que dessem cabal cumprimento ao disposto no artigo 75º-A da LTC. Em resposta a esta solicitação os recorrentes apresentaram, respectivamente, requerimentos com o seguinte teor: A) O recorrente M (fls. 4487)
'M, recorrente nos autos de recurso acima identificados, vem dizer que no seu requerimento de interposição do recurso já deu cumprimento ao preceituado no art. 75º-A da LTC'.
B) O recorrente C (fls. 4492 e 4493)
'C, recorrente nos autos à margem referenciados vem dar cumprimento ao preceituado no art. 75º-A da LTC, sem contudo deixar de fazer uma breve exposição, que será devidamente aprofundada em sede de próximas alegações escritas:
- O art. 98º do CPP permite que o arguido possa apresentar requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor desde que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais.
- Ora, em 18/10/99 e a fls. 4041 dos autos, o ora recorrente veio requerer a renovação da prova, na salvaguarda do seu direito fundamental de intervenção no processo consagrado no art. 32º, nº 7 da CRP.
- Essa iniciativa própria do ora recorrente, por diversas vezes exercida e documentada nos autos, era bem demonstrativa da falta de entendimento entre o recorrente e o seu então ilustre mandatário na forma como a sua defesa estava a ser conduzida, a qual obviamente não merece qualquer censura por parte do seu actual defensor oficioso e ora signatário, mas tal desentendimento levou a que o referido mandatário não apresentasse o pedido de renovação da prova, ao abrigo do art. 412º do CPP, nas suas motivações de recurso para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça.
- E só em 11/01/00 (cerca de dois meses após o referido requerimento subscrito pelo ora recorrente) e posteriormente à audiência de julgamento (conforme refere o Tribunal da Relação do Porto a fls. 4255) é que é que o ilustre mandatário se veio pronunciar sobre os vários requerimentos, não os ratificando.
- Ficou assim completamente desprotegido o ora recorrente, que em 24/02/00 revoga o mandato ao seu ilustre advogado constituído, tendo o seu actual mandatário, defensor oficioso, sido nomeado em 30/05/00, vendo assim já muito limitado o seu campo de actuação para cumprir em consciência o seu trabalho;
- Mesmo assim, para além do julgamento em sede de STJ, ratificou (à excepção, obviamente, de comentários despropositados e graves à pessoa de um ilustre colega) os vários requerimentos por o seu conteúdo ser fundamental para a defesa do ora recorrente, embora tal não tenha sido aceite pelo STJ;
- Finalmente, o signatário, defensor oficioso do ora recorrente, requereu a aclaração do douto acórdão emitido pelo STJ que manteve a condenação recorrida, contudo, e com o devido respeito, não passou o despacho que manteve a declaração, como se diz em linguagem vulgar «é assim por é assim e ponto final», não tendo a fundamentação sido feita nos termos do art. 205º da CRP, artigo esse que se considera violado. Assim, dando cabal cumprimento ao art. 75º-A da LTC, o presente recurso para esse Venerando Tribunal Constitucional é feito ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 70º da LTC, considerando-se por um lado violados os nºs 3 e 7 do art. 32º e
18º, nº 2 da CRP, tendo a questão da inconstitucionalidade sido suscitada em todos os requerimentos que ao abrigo do art. 98º do CPP juntou aos autos e por outro lado considera-se violado o art. 205º, nº 1 da CRP no despacho resposta ao pedido de aclaração do acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça por falta de fundamentação'. C) O recorrente A (fls. 44882 a 4450)
'1º O ora recorrente pretende recorrer com fundamento na alíneas b) e g) do nº 1 do art. 70º da LTC. Com efeito,
2º o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa prevê que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
3º E a lei, no nº 2 do art. 374º do CPP, impõe a fundamentação «que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível, completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
4º Também este Venerando Tribunal Constitucional já decidiu, por douto acórdão de 2 de Dezembro de 1998 (DR, de 3 de Março de 1999), ser inconstitucional a norma do nº 2 do art. 374º do CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões judiciais se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.
5º Desde a sua motivação de recurso interposto do douto acórdão proferido em 1ª instância – onde expressamente invocou o art. 205º da Constituição – que o ora recorrente tem propugnado pela aplicação desta norma segundo a qual é fundamental e imprescindível a fundamentação em termos de possibilitar o controlo da decisão pelo arguido, de modo a que ele possa conhecer o processo cognitivo de formação da convicção do julgador, de modo a dele poder recorrer se entender que não foram tidas em conta as melhores interpretações de actos e factos trazidos ao processo.
6º Assim, porque ficam precludidos os seus direitos constitucionais a «todas as garantias de defesa, incluindo o recurso», entende o ora recorrente que além daquele art. 205º da CRP foi também violado o art. 32º, nº 1. Além disso,
7º O ora recorrente, nas motivações dos seus recursos, manifestou-se contra as conclusões para si incriminatórias, extraídas dos depoimentos dos co-arguidos, que entraram em manifestas contradições.
8º Manifestou-se, ainda, contra as conclusões, desenraizadas da produção de prova, quanto às agravantes previstas no art. 24º do DL. 15/93.
9º Manifestou-se, ainda, quanto à conclusão extraída pelos julgadores da 1ª instância, de que o ora recorrente se dedicava ao tráfico de droga e que era insensível ao efeito intimidatório das anteriores conclusões. Ora,
10º Estas conclusões, não assentes em matéria de facto líquida, atentam contra o fundamental e constitucional princípio «in dubio pro reo» prevenido no nº 2 do art. 32º da CRP'.
3. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 4495 a 4501).
É o seguinte, na parte decisória, o seu teor
'Nos termos do artigo 75º-A, nº 1, da LTC, o recorrente deve, logo no requerimento de interposição do recurso, indicar 'a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie'. Não o tendo feito, deve o juiz (no tribunal recorrido) ou o relator do processo no Tribunal Constitucional, ex vi dos nºs 5 e 6 do artigo 75º-A já referido, convidar o requerente a prestar a indicação em falta - o que, no caso dos autos, foi feito já no Tribunal Constitucional através do despacho de fls. 4482.
4. Porém, in casu, verifica-se que mesmo após a resposta ao convite do Relator continuam os recorrentes a não indicar, em termos que possam ser considerados suficientes, as normas cuja inconstitucionalidade pretendem que o Tribunal aprecie. O recorrente M limitou-se a, como vimos supra, reafirmar que considerava já ter dado cabal cumprimento ao preceito, nada acrescentando ao seu requerimento anterior. Mas também os recorrentes C e A não esclarecem suficientemente as normas (ou interpretações normativas) cuja inconstitucionalidade pretendem ver apreciada por este Tribunal.
É que, como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, tem o recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão nº 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) 'tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº
269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental'. Porém, como pode ver-se, nem nos requerimentos de interposição do recurso nem nas respostas ao convite de fls. 4482, que supra já transcrevemos, os recorrentes identificam, da forma clara e perceptível que vem sendo exigida por este Tribunal, a exacta dimensão normativa dos preceitos infra constitucionais que pretendem ver confrontados com a Lei Fundamental. Pelo exposto, não pode conhecer-se do objecto dos recurso interpostos pelos recorrentes, por falta dos seus pressupostos legais de admissibilidade'.
4. É desta decisão que vem interposta pelo recorrente C, através do requerimento de fls. 4504 a 4506 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a presente reclamação para a Conferência.
5. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da decisão em epígrafe, veio responder-lhe nos seguintes termos:
'1º - A presente reclamação é manifestamente infundada.
2º - Não sendo obviamente possível vir suscitar inovatoriamente, em sede de reclamação para a conferência, questão de constitucionalidade que o recorrente não curou de especificar adequadamente, na sequência da oportunidade que lhe foi conferida pelo despacho de aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso'. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação.
6. Com a presente reclamação o ora reclamante C vem fundamentalmente contestar que, conforme se decidiu na decisão reclamada, não tenha suscitado adequadamente a questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada. A verdade, porém, é que não lhe assiste qualquer razão. Como se disse já na decisão reclamada, é manifesto que nem no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade (fls. 4475) nem na resposta ao convite do Relator (fls. 4492 e 4493), peças que supra já transcrevemos integralmente, o ora reclamante identifica, como deveria, em termos que possam ser considerados minimamente suficientes, as normas - ou dimensões normativas - que pretendem ver confrontados com a Constituição. Nesses termos, e pelas razões constantes da decisão reclamada - que mantém inteira validade, em nada sendo abaladas pela reclamação apresentada - é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor. III - Decisão Em face do exposto, decide-se desatender a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta Lisboa, 17 de Abril de 2001- José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida