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Proc. nº 88/2000 Plenário Rel.: Consª Maria Fernanda Palma (Cons. Mota Pinto)
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A. intentou, em 22 de Novembro de 1991, no tribunal cível de Lisboa, acção de condenação com processo ordinário contra o Estado Português, pedindo o pagamento de uma indemnização no valor de 1.098.051.400$00, com fundamento no facto de ter sido titular de acções representativas do capital social de várias empresas que vieram a ser nacionalizadas em 1975. Posteriormente ao acto de nacionalização, foram publicados diplomas legais respeitantes à matéria das indemnizações aos titulares das empresas nacionalizadas – o Decreto-Lei n.º
528/76, de 7 de Julho, e a Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro. O artigo 14º da mencionada Lei atribui ao Ministro das Finanças “o poder de fixar o valor das acções ou partes de capital das empresas nacionalizadas”, permitindo o artigo
16º o “recurso a comissões arbitrais para a solução de quaisquer litígios relativamente à titularidade do direito à indemnização e à sua fixação, liquidação e efectivação, «sem prejuízo do recurso para outras instâncias competentes»”. Alegou, assim, o demandante, que:
(…)
9. Os art.ºs 14º, 15º e 16º da Lei das Indemnizações [Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro] são inconstitucionais, na parte em que atribuem ao Governo o poder de fixar os valores devidos aos titulares de direitos afectados pelas nacionalizações. (...)
10. A razão fundamental que afecta a constitucionalidade daqueles preceitos assenta no princípio constitucional da divisão de poderes: compete em exclusivo aos Tribunais a fixação de indemnizações devidas por expropriações ou nacionalizações. Como escreveu Marcelo Rebelo de Sousa, ‘desde há anos – e na vigência ainda da legislação constitucional anterior à Constituição da República Portuguesa de 1976 – que a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo vinha considerando inconstitucional a atribuição pela lei ordinária a órgãos da Administração Pública, da faculdade de livremente fixarem unilateralmente a indemnização por actos de expropriação.’
(...)
13. Perante a inconstitucionalidade manifesta daqueles preceitos que atribuem ao Governo o poder de fixar os valores indemnizatórios pelas nacionalizações, fica aberto aos lesados o caminho do recurso aos Tribunais comuns, estes, sim, competentes para o efeito. A este propósito, Marcelo Rebelo de Sousa escreveu, no citado estudo, o seguinte: Paralelamente à via das comissões arbitrais, uma outra se acha inquestionavelmente aberta aos particulares: a via dos tribunais judiciais ou comuns. O art.º 16º admite-o claramente no seu n.º 1 e, em qualquer caso resultaria da natureza da matéria envolvida. Como antes tivemos ocasião de sublinhar a propósito de outra faceta do tema analisado, o n.º 1 do art.º 16º, ao utilizar a expressão «sem prejuízo do recurso para outras instâncias competentes» está a referir-se ao que o Acórdão n.º 39/88 do Tribunal Constitucional qualifica de «direito de recorrer aos tribunais para a resolução das questões atinentes ao direito de indemnização». Trata-se de uma via paralela à das comissões arbitrais e para cuja cabal compreensão importa relembrar o tipo de litígios que pode justificar que a ela se recorra (...).
14. Também o Prof. Oliveira Ascensão sustenta que o direito fundamental de indemnização pode ser exercido directamente perante os Tribunais que fixarão a indemnização nos termos gerais, mediante o processo normal de avaliação dos bens nacionalizados, segundo as regras estabelecidas no Código de Processo Civil
(Expropriações e Nacionalizações, Imprensa Nacional – Casa da Moeda).
15. Assim, o A. vem recorrer aos Tribunais comuns para obter a satisfação do seu direito a uma ‘indemnização justa’ pela nacionalização das empresas citadas, de que era accionista.
16. Fá-lo, aliás, com grande confiança na independência dos Tribunais e na perspectiva de que Portugal constitui, na realidade e não apenas in nomine, um verdadeiro Estado-de-Direito.
17. Ora, um Estado-de-Direito não pode tolerar que se transfiram para o Estado bens pertencentes a particulares, sem a compensação de uma ‘justa indemnização’, que o mesmo é dizer sem o pagamento do valor dos bens nacionalizados ou expropriados.
18. À excepção dos regimes comunistas que agora acabaram por soçobrar, deixando em escombros a economia dos países a eles submetidos, não se conhece um único caso na Europa em que as nacionalizações não tivessem sido compensadas por indemnizações consideradas satisfatórias.
(...)
21. Em Portugal, seria intolerável que as nacionalizações selvagens de 1975 pudessem ser seguidas da reprivatização das respectivas empresas, sem que aos accionistas espoliados fosse reconhecido o direito a uma justa indemnização.
22. Mais grave ainda seria admitir que ao Governo fosse permitido fixar unilateralmente as indemnizações, sem que os expropriados tivessem o direito de recorrer aos Tribunais, único órgão de soberania com competência para dirimir os conflitos entre o Estado e os cidadãos.
23. O A. vem, pois, pedir ao Tribunal a tutela do seu direito a uma justa indemnização, já que o Governo se vem recusando a reconhecer esse direito, em termos minimamente aceitáveis.
(...)
31. As pseudo-indemnizações atribuídas ao A. ofendem manifestamente o princípio constitucional da ‘justa indemnização’, visto que são irrisórias, se tomarmos em consideração o valor efectivo das participações, os prazos de pagamento estipulados e as taxas de juro fixadas em compensação do diferimento no pagamento das ‘indemnizações’.
32. Com efeito, os valores indemnizatórios atribuídos pelo Governo são muito inferiores aos valores patrimoniais das participações sociais objecto da nacionalização.
33. As taxas de compensação pelo diferimento do pagamento das indemnizações
(taxa média de 3,6%) são muitíssimo inferiores às taxas correntes do mercado e até às taxas de inflação verificadas;
34. Finalmente, os títulos foram entregues ao A. muito posteriormente aos próprios prazos previstos legalmente.
35. Como já se disse e adiante melhor se demonstrará, ao valor fixado para as participações sociais nacionalizadas não corresponde uma indemnização equivalente. E isto porque os períodos muito longos de amortização e as taxas de juro muito baixas, acabaram por degradar o valor nominal atribuído aos bens nacionalizados.
(...)
52. Os critérios que conduziram aos resultados apontados ofendem manifestamente o princípio da «justa indemnização» consagrado no art.º 62º n.º 2 da Constituição, o qual se aplica à Lei n.º 80/77 e à restante legislação reguladora da fixação das indemnizações por nacionalizações (cfr. Oliveira Ascensão, obra cit., pág. 241). Como diz o Prof. Oliveira Ascensão ‘a referência
à indemnização, com a sua função de garantia, tem de receber necessariamente um entendimento material. Indemnização não é qualquer vantagem que se atribua ao titular sacrificado, qualquer «agrado» que a lei lhe decida outorgar. Para realizar a sua função, toda a indemnização garantida por lei tem de ser efectiva e não simbólica. Toda a indemnização tem de compensar o valor substancial que foi subtraído ao particular. A indemnização é justa desde que satisfaça esta função de compensação.
53. Também Freitas do Amaral e Robin de Andrade sustentam, além do mais, que: a) «os critérios de determinação do valor definitivo da indemnização, estão formulados pela lei em termos que lesam gravemente o princípio da justa indemnização constitucionalmente acolhido»; b) «os termos de pagamento das indemnizações definidas pela Lei n.º 80/77 violam o princípio da justa indemnização... porque o valor actualizado dos títulos de dívida entregues é muito inferior ao seu valor nominal, quer no próprio momento em que foram entregues, quer na data da publicação da Lei n.º 80/77».
54. O próprio Tribunal Constitucional, ao apreciar alguns preceitos da Lei n.º
80/77, doutrinou no sentido de que os critérios para fixação das indemnizações devem respeitar ‘o princípio de justiça que vai implicado na ideia de Estado de Direito’. E continuou: ora, isso exige que esses critérios não sejam susceptíveis de conduzir ao pagamento de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados, nem a pagamentos tão diferidos no tempo que equivalham a indemnizações irrisórias ou absolutamente desproporcionadas. E questão é ainda que as distinções que se estabeleceram não sejam manifestamente arbitrárias ou carecidas de todo o fundamento material. Respeitados os parâmetros que se apontaram (ou seja: respeitados princípios que são essenciais num Estado de Direito, como são o da igualdade e o da proporcionalidade, como exigências que são do princípio de justiça), o legislador goza de certa liberdade na definição dos aludidos critérios. [Acórdão n.º 39/88, de 9 de Fevereiro]
55. Aceitando a tese do Tribunal Constitucional, é evidente que os critérios que levaram à fixação das indemnizações, em valores que não atingem, em geral, os 5% da compensação devida aos titulares de participações nacionalizadas, têm necessariamente de julgar-se como contrários ao ‘princípio de justiça’, visto que conduziram à fixação de indemnizações ‘irrisórias’, ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados.
56. Não podem, pois, deixar de considerar-se inconstitucionais os preceitos que estabelecem os critérios responsáveis pelos resultados apontados.”
Notificado para contestar, o Estado português veio defender a sua absolvição da instância, invocando a excepção da incompetência absoluta em razão da matéria, nos seguintes termos: dispõe o art. 51º n.º1 al. h) do ETAF (DL n.º 129/84, de 27-4) que os tribunais administrativos de círculo são os competentes para conhecer das acções sobre responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes de actos de gestão pública (...) donde resulta, à evidência, que o tribunal cível é materialmente incompetente para conhecer desta demanda.
Em 21 de Dezembro de 1992, foi declarada a competência do tribunal em razão da matéria e elaborou-se a especificação e o questionário da respectiva acção. Em 3 de Janeiro de 1996, o 5º Juízo Cível da Comarca de Lisboa julgou a acção não provada e improcedente, absolvendo o réu do pedido, com os seguintes fundamentos:
1º) A indemnização resultante dos critérios definidos pelo legislador ordinário
– a indemnização arbitrada ao autor – não corresponde ao valor real e efectivo dos bens nacionalizados, mas também não tem que corresponder, já que se trata de uma compensação ou indemnização equitativa, baseada em factores diversos, que não apenas nos interesses do proprietário dos bens nacionalizados;
2º) Os critérios definidos não ofendem qualquer princípio constitucional – quanto à indemnização arbitrada ao autor – designadamente o da igualdade e o da justa indemnização implícita na ideia de Estado de Direito e no art. 83º (red. actual) da CRP;
3º) Uma vez que as indemnizações arbitradas ao autor não se fundamentam em qualquer norma inconstitucional, não pode o Tribunal alterar tais indemnizações com base em um qualquer critério não previsto na legislação ordinária, a que alude o cit. art. 83º da CRP, sob pena de violação dos preceitos emergentes dos arts. 205º, 206º e 114º da Lei Fundamental.
2. Inconformado com a sentença, o autor recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo, nas suas alegações, o seguinte: a) O apelante era titular das participações sociais indicadas nas alíneas A) a G) da Especificação em empresas que foram nacionalizadas em 1975, através dos diplomas referidos nas mesmas alíneas; b) Como indemnização pelas nacionalizações, o apelante recebeu, no total, 34.346 Obrigações do Tesouro (do valor nominal de 1.000$00 cada), que lhe foram entregues nas datas indicadas nos documentos de fls. 454 e 455, que aqui se dão por reproduzidos. c) De harmonia com a resposta do Tribunal Colectivo ao quesito 13º-A, o valor financeiro dos títulos que foram entregues ao A. em indemnização, considerando os diferentes prazos de amortização e taxa de juro dos mesmos, corresponde apenas a 25,8% do valor nominal dos títulos, ou seja, ao valor nominal de 34.346 contos, corresponde o valor financeiro de 8.874,2 contos. d) Por outro lado, das respostas do Colectivo aos quesitos 1º a 9º, resulta que o valor das acções do Apelante nacionalizadas era, à data das nacionalizações,
90.826 contos, pelo que o valor por ele recebido em Títulos do Tesouro corresponde apenas a 32,6% do valor das acções fixado pelo Tribunal Colectivo; e) conjugando a menos valia financeira do montante global atribuído ao Apelante
(25,8%), com a menos valia que resultou da deficiente avaliação feita pelo Governo (32,6%), verifica-se que o apelante recebeu, efectivamente, apenas 8,4% do valor dos bens nacionalizados de que era titular. f) Esta indemnização é manifestamente desproporcionada à perda dos bens nacionalizados, ofendendo o direito fundamental à propriedade privada e o direito a uma indemnização justa pela privação desse direito, direitos consagrados constitucionalmente (art.ºs 62º e 83º da C.R.P.). g) A violação desses direitos resultou da aplicação dos dispositivos legais que fixaram o pagamento das indemnizações através da dação em cumprimento com Obrigações do Tesouro amortizáveis a longo prazo e com taxas de juro muito inferiores às taxas de inflação verificadas, e ainda que permitiram que às empresas nacionalizadas tivessem sido atribuídos pelo Governo valores muito inferiores aos valores reais (art.ºs 18º e 19º e quadro anexo, 21º, 24º e 28º da Lei n.º 80/77, e bem assim os art.ºs 1º a 6º do D.L. n.º 528/76, de 7 de Julho, e art.ºs 6º a 8º do D.L. 332/91, de 6 de Setembro); h) Foi com base nesses preceitos legais que o Governo atribuiu ao A. uma indemnização correspondente a 8,4% do valor efectivo dos bens nacionalizados; i) Assim, os preceitos legais citados estão feridos de inconstitucionalidade material, por ofensa dos art.ºs 62º e 83º da C.R.P., devendo os Tribunais recusar a aplicação de tais preceitos (art.º 207º da C.R.P.); j) A douta sentença recorrida incorreu na nulidade prevista no art.º 668º n.º 1, alínea c) do C.P.C., visto que, embora tenha reconhecido os fundamentos de facto em que o A. se baseia e tenha considerado que ‘a nacionalização de bens tem, em princípio, que dar lugar a indemnização e a indemnização que obedeça a um princípio de justiça’, conclui que ‘os critérios definidos não ofendem qualquer princípio constitucional – quanto à indemnização arbitrada ao A. – designadamente o da igualdade e o da justa indemnização, implícita na ideia de Estado de Direito e no art.º 83º (red. actual) da C.R.P.’, verificando-se, assim, uma contradição entre os fundamentos e a decisão; k) a douta sentença recorrida ofendeu o disposto no art.º 207º, com referência aos art.ºs 62º e 83º, todos da C.R.P.; l) a douta sentença recorrida deverá, pois, ser declarada nula e revogada, e substituída por outra que, reconhecendo a inconstitucionalidade material dos preceitos legais citados, condene o Estado R. a pagar ao A. a indemnização pedida, com a redução resultante de, posteriormente à p.i., o A. ter recebido os títulos referidos no requerimento de fls. 554 e 555.”
Notificado para contra-alegar, o Estado Português sustentou a improcedência da apelação, por não aplicação da norma violadora da Constituição e devido ao não preenchimento da nulidade invocada pelo autor. Por acórdão de 21 de Janeiro de 1999, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu negar provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:
(...) O regime que ficou caracterizado – da indemnização determinada pelo fenómeno das nacionalizações e, designadamente, o de atribuir ao Governo a competência para, em definitivo, fixar os critérios conducentes à determinação do respectivo montante, através dos correspondentes instrumentos legais – manteve-se, no essencial, idêntico, não obstante a acalmia do transitório sopro revolucionário, nas sucessivas revisões da CRP (de 1982, 1989 e 1997).
(...) A expropriação por utilidade pública e a nacionalização (embora diluída na categoria genérica das formas de apropriação colectiva dos meios de produção) continuam a ser referidas pela Constituição em lugares diferentes, numa implantação sistemática carregada de sentido; a fonte dos critérios de determinação do montante e pagamento de indemnização continua a ser diferente, num caso e noutro, à sombra dos novos textos – na expropriação é a indemnização definida nos termos da pura justiça comutativa, tal como a lei civil, arts. 562º e segs. do CC e o próprio Cód. das Expropriações a concebem, na apropriação colectiva dos meios de produção, que engloba a nacionalização, a indemnização, porque condicionada por uma série de factores de natureza essencialmente política, é a que a legislação ordinária ‘ad hoc’ definir a cada momento, de harmonia com as superiores conveniências da economia nacional, como resulta da fórmula geral mantida no texto actual do art. 83º da CRP (...) De quanto vem dito resulta a conclusão de que não perfilhamos o juízo de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios decorrentes dos arts. 62º e 83º da CRP, que o apelante vislumbra nas sobreditas disposições legais do DL n.º 528/76, de 7 de Julho, Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, e DL n.º 332/91, de 6 de Setembro. Com efeito, tais disposições não conduzem à atribuição de uma indemnização que viole o princípio de justiça ínsito na ideia de Estado de Direito, tanto mais que, para além do já referido e conforme doutas contra-alegações, na decorrência do disposto no art. 83º da CRP, seria a lei ordinária ‘a corporizar o sobredito princípio que ela própria delimitaria ao conformar os critérios’. Além de que o legislador português optou, em sede de indemnização devida por nacionalizações, por uma via intermediária, entre a seguida pelos países da Europa Ocidental
(menos gravosa para os titulares do direito de propriedade) e a percorrida pelos países do dito Leste Europeu (ausência de indemnização). Ademais, em termos de ‘jure condito’, constitucional e ordinário, afigura-se-nos de repelir uma pretensa ‘inconstitucionalidade’ da norma inconstitucional (art.
83º da CRP), enquanto não programática da ‘full composition’, tanto mais que o conceito de ‘justa indemnização’ da lei ordinária foi ajustado nos parâmetros remissivos dos arts. 82º e 83º da CRP e não apenas aos juros pressupostos do art. 62º, n.º 1 (ou 2) da mesma Constituição e, menos ainda, à perspectiva conducente à reintegração no ‘statuo quo ante’. E, como bem igualmente se refere nas doutas contra alegações, ‘do que o direito
à indemnização tem de ser salvaguardado é do arbítrio e da pura discricionariedade’. O que, no caso que nos ocupa, foi prevenido e evitado mediante o estabelecimento de regras objectivas pela lei ordinária, no quadro do sentido de indemnização programado na própria norma constitucional, a do art.
83º da CRP. A esta luz, não pode, pois, ter-se por irrisório ou gravemente desproporcionado o montante indemnizatório decorrente da aplicação dos critérios constantes dos sobreditos preceitos legais (ordinários), posição esta que, quanto a alguns deles, foi expressamente perfilhada no já aludido Ac. do Trib. Constitucional
[n.º 39/88, de 9 de Fevereiro].
3. Deste acórdão o autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações da seguinte forma: I A MATÉRIA DE FACTO a) O recorrente era titular das participações sociais indicadas nas alíneas A) a C) da Especificação em empresas que foram nacionalizadas em 1975, através dos diplomas referidos nas mesmas alíneas; b) Como indemnização pelas nacionalizações, o recorrente recebeu, no total,
34.346 Obrigações do Tesouro (do valor nominal de 1.000$00 cada), que lhe foram entregues nas datas indicadas nos documentos de fls. 454 e 455, que aqui se dão como reproduzidos. c) De harmonia com a resposta do Tribunal Colectivo ao quesito 13º-A, o valor financeiro dos títulos que foram entregues ao A. em indemnização, considerando os diferentes prazos de amortização e taxa de juro dos mesmos, corresponde apenas a 25,8% do valor nominal dos títulos, ou seja, ao valor nominal de 34.346 contos, corresponde o valor financeiro de 8.874,2 contos. d) Por outro lado, das respostas do Colectivo aos quesitos 1º a 9º resulta que o valor das acções do recorrente à data das nacionalizações [era] 90.826 contos, pelo que o valor por ele recebido em Títulos do Tesouro, com base nos critérios legais, corresponde apenas a 32,6% do valor das acções fixado pelo Tribunal Colectivo; e) Conjugando a menos valia financeira do montante global atribuído ao Apelante
(25,8%), com a menos valia que resultou da deficiente avaliação feita pelo Governo (32,6%), verifica-se que o recorrente recebeu efectivamente apenas 8.4% do valor dos bens nacionalizados de que era titular.
II O DIREITO f) Esta indemnização é manifestamente desproporcionada à perda dos bens nacionalizados, ofendendo o direito fundamental à propriedade privada e o direito a uma indemnização justa pela privação desse direito, direitos consagrados constitucionalmente (art.ºs 62º e 83º da C.R.P.). g) A violação desses direitos resultou da aplicação dos dispositivos legais que fixaram o pagamento das indemnizações através de dação em cumprimento com Obrigações do Tesouro amortizáveis a longo prazo e com taxas de juro muito inferiores às taxas de inflação verificadas, e ainda que permitiram que às empresas nacionalizadas tivessem sido atribuídos pelo Governo valores muito inferiores aos valores reais (art.ºs 18º e 19º e quadro anexo, 21º, 24º e 28º da Lei n.° 80/77, e bem assim os art.ºs 1º a 6º do D.L. n.º 528/76, de 7 de Julho e art.ºs 1º a 8º do D.L. n.º 332/91, de 6 de Setembro); h) Foi com base nesses preceitos legais que o Governo atribuiu ao A. uma indemnização correspondente a 8,4 % do valor efectivo dos bens nacionalizados; i) Assim, os preceitos legais citados estão feridos de inconstitucionalidade material, por ofensa dos art.ºs 62º e 83º da C.R.P., devendo os Tribunais recusar a aplicação de tais preceitos (art.º 207º da C.R.P .); j) Os mesmos preceitos referidos da lei ordinária ofendem ainda os princípios do Estado de Direito consagrados nos artigos 2º, 17º e 18º da CRP; k) Ofendem ainda o disposto nos art.ºs 8º e 16º da CRP, por não respeitarem o direito de propriedade e o princípio da justa indemnização por nacionalizações, consagrados no Direito Internacional vinculativo para Portugal, como a Carta das Nações Unidas e os Pactos de 1966; Declaração Universal dos Direitos do Homem; as Directivas do Banco Mundial de 1992; a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (e designadamente o art.º 1º, n.º 1, do 1º Protocolo Adicional). l) A decisão recorrida, ao considerar que não é aplicável o disposto no art.º
62º da C.R.P. à indemnização por nacionalizações, e ao considerar que esta,
‘porque condicionada por uma série de factores de natureza essencialmente política, é a que a legislação ordinária ‘ad hoc’ definir a cada momento, de harmonia com as ‘superiores conveniências da economia nacional’, e, consequentemente, ao considerar conformes à Constituição os citados diplomas legais, ofendem os preceitos constitucionais referidos nas precedentes alíneas i), j) e k); m) A decisão recorrida, ao considerar ainda que a indemnização atribuída pelo Estado ao A. teria resultado de eventual ‘ilegalidade’ dos despachos ministeriais que fixaram os valores indemnizatórios às acções de que era titular, interpretou erradamente a matéria de facto fixada nos autos e não tomou em consideração a causa de pedir e o pedido formulado pelo A. ora recorrente. n) O Acórdão recorrido ofendeu o disposto no art.º 204º da CRP, ao aplicar os preceitos da lei ordinária citados que ofendem o disposto na Constituição e os princípios nela consignados. o) A douta decisão recorrida deverá, pois, ser revogada, e substituída por outra que, reconhecendo a inconstitucionalidade material dos preceitos legais citados, condene o Estado R. a pagar ao A. a indemnização pedida, com a redução resultante de, posteriormente à p.i., o A. ter recebido os títulos referidos no requerimento de fls. 554 e 555.
Notificado para contra-alegar, o recorrido sustentou a improcedência do recurso. Por acórdão de 13 de Janeiro de 2000, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu negar provimento ao recurso do referido acórdão do Tribunal da Relação, com os seguintes fundamentos:
(…) A Relação deu como provados os seguintes factos:
1 – O Estado, pelo DL n.º 132-A/75, de 14 de Março, nacionalizou o Banco Espírito Santo Comercial de Lisboa e o Banco Português do Atlântico, sendo, então, o A. titular de 28 e de 1.000 acções, respectivamente (A);
2 – O Estado, pelo DL n.º 135-A/75, de 15 de Março, nacionalizou as Companhias de Seguros Mundial Confiança, Pátria e Bonança, sendo, então, o A. titular de
20, 290, 20 e 30 acções, respectivamente (B);
3 – O Estado, pelo DL n.º 205-F/75, de 16 de Abril, nacionalizou a Siderurgia Nacional, sendo, então, o A. titular de 230 acções (C);
4 – O Estado, pelo DL n.º 205-G/75, de 16 de Abril, nacionalizou a Hidroeléctrica do Alto Alentejo, sendo, então, o A. titular de 240 acções (D);
5 – O Estado, pelo DL n.º 221-A/75, de 9 de Maio, nacionalizou a Empresa de Cimentos de Leiria, a Companhia de Cimentos de Tejo e a Secil, sendo, então, o A. titular de 20.399 e 100 acções, respectivamente (E);
6 – O Estado, pelo DL n.º 474/75, de 30 de Agosto, nacionalizou a Sociedade Central de Cervejas, sendo, então, o A. titular de 4 acções (F);
7 – O Estado, pelo DL. n.º 532/75, de 29 de Setembro, nacionalizou a Companhia União Fabril e a U. F. Azoto, sendo, então, o A. titular de 218 e de 30 acções, respectivamente (G);
8 – Os valores indemnizatórios atribuídos pelo Governo às acções do A., reportados às datas das nacionalizações, totalizaram, em 25.04.90, a quantia de Esc. 26.395.203$50, acrescida de juros capitalizados de Esc. 4.529.106$44 e deduzida do I.R.S., no montante de Esc. 226.455$35 (H);
9 – Em 25.04.90, ao valor global das indemnizações daí emergente, ficando, por arredondamento, em Esc. 30.698.000$00, correspondeu a entrega ao A. de 30 698 títulos de dívida pública, distribuídos pelas classes I a XII constantes no quadro anexo à Lei n.º 80/77, de 26.10, como segue:
Classe Títulos de Esc. 1.000.00 I 50; II 75; III 125; IV 200; V 300; VI 425; VII 575; VIII 750; IX 950; X 1.175; XI 1.425; XII 24.648; Totais 30.698 (I);
10 – Em 19.12.91, o valor total da indemnização, com a inclusão dos juros capitalizados, atribuído pelo Governo, era de Esc. 31.108.546$70 e foi pago ao A. em títulos da dívida pública repartidos pelas classes I a XII previstos no quadro anexo à Lei n.º 80/77, nas quantidades e com os valores parcelares constantes do documento de fls. 375/376, dado por reproduzido (J);
11 – Conforme despacho normativo do Ministro das Finanças, sob o n.º 60/92, de
7.5, são os seguintes os valores definitivos por acção quanto a:
1.- Companhia de Cimentos Tejo Esc. 44.244$50;
2.- Companhia de Cimentos de Leiria Esc. 15.498$50;
3.- Siderurgia Nacional Esc.
8.631$00;
4.- Companhia União Fabril Esc.
3.143$50;
5.- Sociedade Central de Cervejas Esc. 4.457$00;
6.- Confiança Esc. 7.704$50; e
7.- Mundial Esc. 1.323$50 (L);
12 – À data da contestação (25.05.92), esteve em curso o processo de revisão relativamente às acções das restantes empresas de que o A. era titular aquando das nacionalizações (M);
13 – A taxa anual de inflação referente aos anos de 1975 a 1988 foi de 15,2%,
20%, 27,4%, 22%, 24,2%, 16,6%, 20%, 24%, 25,5%, 29,3%, 19,3%, 11,7%, 9,4% e
9,6%, respectivamente (N);
14 – O Governo, através da Junta de Crédito Público, fixou: em Esc. 7.651$50 o valor das acções da Pátria, reportado a 15 de Março de 75; em Esc. 3.437$50 o valor das acções Bonança, reportado a 15.03.75; em Esc. 330$50 o valor das acções da Hidroeléctrica do Alto Alentejo, reportado a 16.04.75; em Esc.
3.000$00 o valor das acções Secil, reportado a 25.09.75; e em Esc. 738$50 o valor das acções U. F. Azoto, reportado a 25.09.75 (O);
15 – As acções das empresas Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, Banco Português do Atlântico, Companhia de Seguros Mundial, Companhia de Seguros Confiança, Siderurgia Nacional, Companhia de Cimentos do Tejo, Empresa de Cimentos de Leiria, Sociedade Central de Cervejas e Companhia União Fabril foram objecto de avaliações, reportadas à data das nacionalizações, efectuadas por comissões arbitrais nos termos do art. 16º da Lei n.º 80/77, e do DL n.º 50/86, de 14 de Março, a requerimentos de accionistas, tendo as comissões arbitrais atribuído a tais acções os valores constantes do quadro n.º 5 (art. 38º da p.i.), do seguinte teor:
Empresa
N.º de acçõesAval. por
acçãoAvaliadorData de avaliaçãoValor de avaliação
BESCL287054,8C. Arbitral6 Jul. 90197,534
B.P.Atlant.10008302,9“ “11 Out. 908302,900
A Pátria207651,5Não aval. 153,030
C. S. Bonança303437,5“ “ 103,25
C. S. Mundial202025,4C. Arbitral10 Out. 9040,508
C.S. Confiança29026780,0“ “11 Out. 907766,200
Hid. Alto Alentejo240330,5Não aval. 79,320
Sid. Nacional23010257,6C. Arbitral21 Out. 872359,248
C. C. Tejo399174033,5“ “23 Ago. 9169439,367
E. C. Leiria2060366,1“ “23 Ago. 911207,322
S. C. Cervejas43532,2“ “20 Jun. 9014,129
CUF2183860,2“ “28 Jun. 87841,524
Secil1003000,0Não aval. 300,000
U. F. Azoto30738,5“ “ 22,155
Total: 90826,361 (P)
16 – Tais decisões das Comissões Arbitrais não foram homologadas pelo Governo
(Q);
17 – Em 14.03.75, o valor das acções do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa era de Esc. 7.054$80 (ques. 1º);
18 – Em 14.03.75, o valor das acções do Banco Português do Atlântico era de Esc.
8.302$90 (ques. 2º);
19 – Em 15.03.75, o valor das acções da Mundial era de Esc. 2.025$40 (ques. 3º);
20 – Em 15.03.75, o valor das acções da Confiança era de Esc. 26.780$00 (ques.
4º);
21 – Em 16.04.75, o valor das acções da Siderurgia Nacional era de esc.
10.257$60 (ques. 5º);
22 – Em 09.05.75, o valor das acções da Empresa de Cimentos de Leiria era de Esc. 60.366$10 (ques. 6º);
23 – Em 09.05.75, o valor das acções da Companhia Cimentos Tejo era de Esc.
174.033$50 (ques. 7º);
24 – Em 30.08.75, o valor das acções da Sociedade Central de Cervejas era de, pelo menos, Esc. 3.532$20 (ques. 8º);
25 – Em 25.09.75, o valor das acções da Companhia União Fabril era de Esc.
3.860$20 (ques. 9º);
26 – A entrega dos títulos referidos em 9) verificou-se nos seguintes termos: em 22.06.81 22.538; em 18.03.85 770; em 18.06.86 642; em 01.12.88 1.308; em 13.07.89 1.214; e em 25.04.90 4.256 (10º);
27 – O Estado, até 31.12.94, tinha entregue, em pagamento de indemnização,
195.388.976 obrigações de tesouro, do valor nominal de Esc. 1.000$00 cada –
(ques. 10º B);
28 – Os títulos de indemnização emitidos globalmente, para todos os accionistas de empresas nacionalizadas, até 31 de Dezembro de 1994, tiveram a distribuição
(pelas classes previstas no art. 19º e quadro anexo da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro) constante do seguinte quadro: Classes Quantidade de Obrigações I ....................................................... 16.830.261; II ........................................................ 4.091.670; III ...................................................... 4.521.735; IV ...................................................... 4.841.395; V ....................................................... 4.915.050; VI ...................................................... 4.829.116; VII ..................................................... 4.628.088; VIII .................................................... 4.421.873; IX ...................................................... 4.179.472; X ....................................................... 3.854.759;
XI ...................................................... 3.558.627; XII ................................................. 134.716.930 Total................................ 195.388.976
(ques. 12º-A)
29 – A valia financeira das obrigações aludidas em 27) e 28), considerando os diferentes prazos de amortização e a taxa de juro das mesmas, é a que consta do seguinte quadro:
ClasseQuantidade de títulosEstrutura pelas diferentes classesValia
financeiraValor efectivo
I16.830.2618,61%100,0%16.830.261
II4.091.6702,09%99,1%4.055.588
III4.521.7352,31%97,1%4.391.252
IV4.841.3952,48%94,3%4.565.297
V4.915.0502,52%89,0%4.376.404
VI4.829.1162,47%81,7%3.946.612
VII4.628.0882,37%76,1%3.522.724
VIII4.421.8732,26%64,6%2.858.183
IX4.179.4722,14%49,4%2.064.341
X3.854.7591,97%37,1%1.430.519
XI3.558.6271,82%23,8%846.337
XII134.716.93068,95%20,0%26.950.799
195.388.976100,00% 75.838.319
100,00% 38,814%
(ques. 13º-A)
30 – Foram objecto de avaliações feitas pelas Comissões Arbitrais as 54 empresas identificadas no quadro junto a fls. 596/570 (ques. 13º-B);
31 – Os valores atribuídos a essas empresas pelo Estado, através da Junta de Crédito Público (antes e depois de 1991), representam 49,61% dos valores atribuídos pelas Comissões Arbitrais (ques. 13ºC);
32 – Considerando o referido em 29) e 31), o valor efectivamente pago pelo Estado através das Obrigações do Tesouro é o que consta do quadro seguinte:
ClasseEstruturaAval.Com.Arbitr.Valia FinanceiraValor FinanceiroValor
efectivo
I8,614%49,61%100,0%49,61%4,273%
II2,094%“ “99,1%49,17%1,030%
III2,314%“ “97,1%48,18%1,115%
IV2,478%“ “94,3%46,78%1,159%
V2,516%“ “89,0%44,17%1,111%
VI2,472%“ “81,7%40,54%1,002%
VII2,369%“ “76,1%37,76%0,894%
VIII2,263%“ “64,6%32,07%0,726%
IX2,139%“ “49,4%24,50%0,524%
X1,973%“ “37,1%18,41%0,363%
XI1,821%“ “23,8%11,80%0,215%
XII68,948%“ “20,0%9,92%6,843%
100,00%
(ques. 13º-D)
Sendo estes os factos, vejamos o Direito. Fundamentalmente, a posição do recorrente, vertida nas conclusões das alegações
(que determinam o âmbito do recurso – arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, do C. P. Civil) é a de que a indemnização que lhe foi arbitrada como consequência da nacionalização das empresas em que detinha acções, determinada com base nos arts. 18º e 19º e quadro anexo, 21º, 24º e 28º da Lei n.º 80/77, de 26.10, 1º a
6º do D.L. 528/76, de 7.7, 1º a 8º do D.L. 332/91, de 6.9, é manifestamente desproporcionada à perda dos bens nacionalizados, estando esses preceitos feridos de inconstitucionalidade por ofenderem o disposto nos arts. 2º, 17º,
18º, 62º e 83º da C.R.P. e, ainda, o estatuído nos arts. 8º e 16º da nossa Lei Fundamental, por não respeitarem o direito de propriedade e o princípio da justa indemnização por nacionalizações, consagrados no Direito Internacional vinculativo para Portugal, como a Carta das Nações Unidas, os Pactos de 1966, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, as Directivas do Banco Mundial de
1992 e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (e designadamente o art.º 1, n.º 1, do 1º Protocolo Adicional). Não obstante o recorrente não questionar as nacionalizações das empresas nas quais era detentor das acções descritas no elenco dos factos dados como provados, há que fazer uma abordagem, ainda que sumária, sobre aquela figura, para melhor se poder ajuizar sobre as indemnizações que, por via dessas mesmas nacionalizações, lhe ficaram a caber. Constata-se que os diplomas legais que decretaram as nacionalizações discriminadas na presente acção são anteriores à Constituição de 1976. E foi na vigência desta Constituição que foram publicados os diplomas legais onde se fixaram os critérios de quantificação das respectivas indemnizações
(Dec.-Lei n.º 528/76, de 7.7, Lei n.º 80/77, de 26.10, alterada pelo Dec.-Lei n.º 343/80, de 2.9, por sua vez ratificado, com alterações, pela Lei n.º 36/81, de 31.8), com excepção do Dec.-Lei n.º 332/91, de 6.9, que estabeleceu critérios diferentes para apuramento dos valores indemnizatórios, mais benéficos para os ex-accionistas, designadamente, ao fixar-se o valor de cotação e de rendibilidade com referência à média aritmética simples dos 5 anos anteriores a
1975, salvaguardando-se que, em nenhum caso, esses valores poderiam ser inferiores aos anteriormente atribuídos pelos antecedentes critérios (arts. 5º,
6º, 7º e 8º, n.º 3), e que, pelo seu art. 12º, revogou os artigos 1º a 7º do Dec.-Lei 528/76. Portanto, será à luz dos princípios sociais e económicos imanentes na Constituição de 1976 que terão de ser compreendidas as nacionalizações e o ressarcimento da ablação dos bens que delas foram objecto. Dispunha o seu art. 50º que ‘A apropriação colectiva dos principais meios de produção, a planificação do desenvolvimento económico e a democratização das instituições são garantias e condições para a efectivação dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais.’ Por sua vez, estabelecia o art. 80º que ‘A organização económico-social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento das relações de produção socialistas, mediante a apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como dos recursos naturais, e o exercício do poder democrático das classes trabalhadoras.’ E, quanto à matéria concretamente aqui em causa, prescrevia o n.º 1 do art. 82º que ‘A lei determinará os meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização dos meios de produção, bem como os critérios de fixação de indemnizações.’ Consagra este preceito o princípio geral do direito à indemnização dos accionistas das empresas nacionalizadas, reafirmado no preâmbulo do Dec.-Lei n.º
528/76 e no art. 1º da Lei n.º 80/77. Para Mota Pinto, in Direito Público da Economia, Lições de 1982/83, pg. 170, a nacionalização é um acto político, expresso num acto jurídico, muitas vezes, ao menos formalmente, num diploma legal, e não um acto administrativo que provoca a transferência dos bens da propriedade privada para a propriedade pública e exprime o intuito de gerir os bens no interesse colectivo. O mesmo sentido e natureza do instituto ‘nacionalização’ é dado por Oliveira Ascensão, na Colectânea Estudos sobre Expropriações e Nacionalizações, pg. 34, Nuno de Sousa, no n.º especial do Bol. da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, fls.
261, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa anotada, ed. 1978, pg. 192, para além de outros autores citados no Ac. do Tribunal Constitucional de 9/2/1988, publicado no B.M.J. n.º 374, pg. 114 e segs.. Diz o primeiro daqueles autores que a nacionalização é um acto político de apropriação de bens por via legislativa, que tem efeitos automáticos, não admitindo revisão nem recurso. Para Nuno de Sousa, a nacionalização tem por objecto transferir para a colectividade nacional a propriedade de uma empresa ou de um grupo de empresas privadas, a fim de as subtrair à direcção capitalista e de organizar a sua gestão segundo o interesse geral. Também Gomes Canotilho e Vital Moreira dizem que a nacionalização é, constitucionalmente, uma forma particular de expropriação que tem por objecto meios de produção, enquanto tais, e para continuarem nessa qualidade, agora em propriedade do Estado (i.e. propriedade nacional) e por motivo de utilidade pública económica, em sentido estrito. Efectivamente, é esta noção e objectivo das ‘nacionalizações’ que se conformam com as regras constitucionais supra transcritas. E é a circunstância de a ‘nacionalização’ ser um acto político, com uma patente carga ideológica, económico-social, que leva a que a indemnização, que nela tem a sua génese, tenha um regime diferente da que tem origem nas expropriações por utilidade pública. Com efeito, esta, a expropriação, é um instituto comum que, como nos diz Mota Pinto, nas Lições acima citadas, a fls. 170 e 171, também implica, quase sempre, uma transferência de bens da propriedade privada para a propriedade pública, visando-se uma utilidade pública superior à decorrente do bem na esfera privada, mas que assenta em razões económico-sociais de índole pragmática que, em situações determinadas, exigem que se ponha termo à propriedade privada de um certo bem. Segundo o mesmo Autor, o que se pretende através do instituto da expropriação é tão-só dotar os poderes públicos dos meios materiais necessários à prossecução eficaz dos seus propósitos ‘salutistas’ e ‘desenvolvimentistas’. A salus publica
é o pano de fundo deste instituto. Ora, é inequívoco que a Constituição estabelece regimes jurídicos distintos para a expropriação e para a nacionalização. Desde logo, ressalta a sua localização sistemática. A expropriação encontra-se incluída na parte consagrada aos direitos e deveres fundamentais, como uma limitação ao direito de propriedade privada. A nacionalização, com uma denominação que, por si só, a diferencia da expropriação, está incluída na parte II da Constituição, respeitante à organização económica do País. A expropriação dá sempre lugar ao pagamento da justa indemnização. Na verdade, o art. 62º, n.º 2, prescreve que ‘Fora dos casos previstos na Constituição, a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada mediante pagamento de justa indemnização’, tendo-lhe sido aditada, com a 1ª revisão constitucional (1982) a figura da ‘requisição’ a par da expropriação. Relativamente à nacionalização, o art. 82º, n.º 1, apenas consagra, como já se disse, o princípio geral do direito à indemnização, deixando para a lei ordinária a determinação dos critérios para a sua fixação. Neste segmento, Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua aludida obra, a fls.
205, vincam que ‘A Constituição, ao referir critérios específicos de indemnização, aponta claramente para uma distinção entre o regime das indemnizações por nacionalização … e o das indemnizações por expropriação em sentido estrito.’ Do exposto resulta que a exigência de indemnização completa, como imperativo constitucional, é alheia ao instituto da nacionalização. Quanto a esta, o fundamento do direito à indemnização encontra-se, não no n.º 2 do art. 62º, mas no art. 82º, n.º 1 (v. Ac. do Tribunal Constitucional de
30/01/1990, no B.M.J., 393º, 411). De acordo com este preceito, a indemnização tem sempre que existir. E os critérios fixados, para o cálculo desta, na lei ordinária não podem deixar de respeitar o princípio de justiça, estruturante de um Estado-de-Direito. Escreveu Carlos Ferreira de Almeida, em Direito Económico, I parte, pg. 106, que
‘o sentido quase sempre ideológico e até punitivo que enquadra as nacionalizações e as dificuldades financeiras do Estado – pois que, em regra, é em período de crise que as nacionalizações têm lugar – determinam um maior realismo, admitindo-se como aceitável a indemnização desde que seja «equitativa» ou correspondente a uma «razoável» compensação’. Quer dizer: para o artigo 82º é suficiente que a indemnização seja razoável ou aceitável; que os valores encontrados pela aplicação dos critérios legais não sejam irrisórios nem manifestamente desproporcionados ao valor dos bens nacionalizados. Como os critérios ínsitos nos preceitos legais supra identificados não levam à obtenção de um valor indemnizatório irrisório, não ofendem esses preceitos os dispositivos constitucionais referidos pelo recorrente, nem o art. 1º do Protocolo n.º 1, adicional à Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem, por ele concretamente chamado à colação. Transcrevendo uma citação feita no já mencionado acórdão do Tribunal Constitucional de 9.2.1988, ‘… aquele artigo 1.º não impõe aos Estados a obrigação de indemnizar os seus nacionais quando, por razões de utilidade pública e nas condições previstas na lei, os priva do seu direito de propriedade.’ Assim sendo, tendo o valor da indemnização atribuída ao recorrente sido obtido pela aplicação dos critérios estabelecidos nos mencionados preceitos legais, e sendo o valor fixado razoável e aceitável, é de manter a decisão recorrida.
4. Deste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça o demandante interpôs o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo com isso: ver apreciada a inconstitucionalidade material dos artigos 18º, 19º e quadro anexo, 21º, 24º e 28º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro e dos artigos 1º a 6º do D.L. n.º 528/76, de 7 de Julho e artigos 1º a 8º do D.L. n.º 332/91, de 6 de Setembro, por violação dos seguintes preceitos e princípios: artigos 62º e 83º da CRP; princípios do Estado-de-Direito consagrados nos artigos 2º, 17º e 18º da CRP; artigos 8º e 16º da CRP, por não respeitarem o direito de propriedade e o princípio da justa indemnização por nacionalizações, consagrados no Direito Internacional vinculativo para Portugal, como a Carta das Nações Unidas, os Pactos de 1966, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, as Directivas do Banco Mundial de 1992, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (e designadamente o art.º 1º, n.º 1, do Primeiro Protocolo Adicional).”
O recorrente concluiu as suas alegações da seguinte forma:
(a) Da matéria de facto fixada no processo pelas instâncias jurisdicionais competentes (Tribunal Colectivo de 1ª Instância e Tribunal da Relação), que aqui se dá como reproduzida, resulta que, por aplicação dos critérios estabelecidos nos artigos 18º, 19º (e quadro anexo), 21º, 24º e 28º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, nos artigos 1º a 6º do D.L. n.º 528/76, de 7 de Julho e nos artigos 1º a 8º do D.L. n.º 332/91, de 6 de Setembro, as indemnizações atribuídas aos ex-titulares de participações sociais nacionalizadas em 1975 são inferiores a
10% dos valores reais dos bens nacionalizados.
(b) Na verdade, os mencionados dispositivos legais fixaram o pagamento das indemnizações através de dação em cumprimento com Obrigações do Tesouro amortizáveis a longo prazo e com taxas de juro muito inferiores às taxas de inflação verificadas, e estabeleceram critérios de avaliação que conduziram à atribuição pelo Governo, às empresas nacionalizadas, de valores muito inferiores aos valores reais das mesmas.
(c) Assim, os preceitos legais citados estão feridos de inconstitucionalidade material, por ofensa dos art.ºs 62º e 83º da C.R.P..
(d) Os mesmos preceitos referidos da lei ordinária ofendem ainda os princípios do Estado de Direito consagrados nos artigos 2º, 17º e 18º da CRP;
(e) Ofendem ainda o disposto nos arts. 8º e 16º da CRP, por não respeitarem o direito de propriedade e o princípio da justa indemnização por nacionalizações, consagrados no Direito Internacional vinculativo para Portugal, como a Carta das Nações Unidas e os Pactos de 1966; a Declaração Universal dos Direitos do Homem; as Directivas do Banco Mundial de 1992; a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (e designadamente o art.º 1, n.º 1 do 1º Protocolo Adicional).
(f) A decisão recorrida considerou erradamente que não é aplicável o disposto no art.º 62º da C.R.P. à indemnização por nacionalizações, e que as indemnizações por nacionalizações não têm de ser equivalentes, nem sequer próximas, dos valores dos bens transferidos forçadamente para a titularidade do Estado.
(g) Desse modo, a decisão recorrida considerou, erradamente, que os citados preceitos legais não ofendem as normas e princípios constitucionais apontados.
(h) Deverá, assim, dar-se provimento ao presente recurso, declarando-se a inconstitucionalidade material dos preceitos citados, com todas as consequências decorrentes”
Por sua vez, o Estado Português, representado pelo Ministério Público, concluiu assim as suas contra-alegações:
1º Tendo os montantes indemnizatórios, arbitrados ao autor, sido estabelecidos com base nos critérios normativos constantes dos artigos 1º a 7º do Decreto-Lei n.º
332/91, de 6 de Setembro – que ‘consomem’ os que constavam dos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei n.º 528/76, preceitos, aliás, revogados pelo referido Decreto-Lei n.º 332/91, devendo proceder-se (artigo 8º, n.º 1) à correcção dos montantes já fixados com base nos novos e mais favoráveis critérios legais, editados em 1991
– não ocorreu aplicação das normas do citado Decreto-Lei n.º 528/76, pelo que não deverá conhecer-se da questão da respectiva constitucionalidade.
2º Inexistindo no nosso ordenamento a figura do ‘recurso de amparo’ e estando os poderes cognitivos deste Tribunal Constitucional circunscritos à estrita apreciação de questões de inconstitucionalidade ‘normativa’, apenas cumpre, no
âmbito do presente recurso, apreciar a constitucionalidade dos critérios legais, plasmados nos preceitos que integram o respectivo objecto, de que depende a determinação do valor da indemnização a arbitrar ao autor – e não sindicar os juízos de valor formulados na decisão recorrida acerca da suficiência e adequação das indemnizações arbitradas ao recorrente.
3º Pelas razões e fundamentos acolhidos no Acórdão n.º 452/95, do Plenário deste Tribunal, não padecem de inconstitucionalidade as normas constantes dos artigos
1º a 8º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro, respeitantes ao cálculo do valor da indemnização a atribuir aos titulares de acções ou partes do capital de empresas nacionalizadas.
4º Face ao estatuído nos artigos 80º e 82º da versão originária da Constituição, não padece de inconstitucionalidade o regime estatuído no artigo 19º e quadro anexo da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, enquanto estabelece taxas de juros e prazos de amortização diferenciados para os empréstimos públicos a emitir com vista ao pagamento das indemnizações decorrentes de nacionalizações, com estabelecimento de um regime mais desfavorável para os titulares de montantes de valores particularmente elevados.
5º Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
Corridos os vistos legais, e após discussão no Plenário do Tribunal Constitucional, atingiu-se a decisão que seguidamente se fundamenta.
II Fundamentação
A) Delimitação do objecto do recurso
5. Segundo o respectivo requerimento, o presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho, dos artigos 18º, 19º e quadro anexo, 21º, 24º e 28º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, e dos artigos 1º a 8º do Decreto-Lei n.º
332/91, de 6 de Setembro. São as seguintes as normas impugnadas: a) Do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho (que estabeleceu regras sobre cálculo e pagamento de indemnizações devidas pela nacionalização de diversos sectores económicos):
Artigo 1º
1. O cálculo das indemnizações a atribuir aos detentores de acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas será apurado com base no valor do património líquido da respectiva empresa e ainda, consoante os casos, com base nos valores mencionados nos números seguintes.
2. Sempre que se trate de sociedade anónima, tomar-se-á também em conta o valor das cotações a que as respectivas acções hajam sido efectivamente transaccionadas na Bolsa de Lisboa.
3. Tratando-se de sociedade anónima cujas acções não tenham sido objecto de cotações na Bolsa ou de empresas que não hajam revestido aquela forma social, tomar-se-á então em conta o valor da efectiva rendibilidade da empresa.
Artigo 2º
1. O valor do património líquido de cada empresa será determinado a partir do balanço de gestão, na data da nacionalização, ou, na sua falta, em 31 de Dezembro de 1974, e, em ambos os casos após adequada análise dos critérios valorimétricos utilizados na respectiva feitura, bem como de cuidada apreciação de outras situações contabilísticas.
2. Será objecto de análise especial a valorimetria dos stocks, dos bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição, dos activos fixos e dos valores incorpóreos, dos débitos e dos créditos, devendo ainda ser apurados todos os
ónus efectivos ou potenciais, encontrem-se ou não contabilizados.
3. Na análise a que se refere o n.º 1 serão tidas também em conta todas as situações supervenientes ao fecho dos balanços ali mencionados, desde que respeitem a anterior actividade da empresa e devam reflectir-se na respectiva contabilidade, quer isso resulte de expressa disposição legal, quer de prática contabilística considerada regular e corrente.
Artigo 3º
1. O valor de cotação das acções de cada sociedade anónima será o que resultar da média ponderada das cotações máximas e mínimas em cada ano civil, no período compreendido entre 1 de Janeiro de 1964 e 24 de Abril de 1974, a apurar pela comissão directiva da Bolsa de Lisboa.
2. Quando as acções não hajam sido cotadas durante todo o período de tempo referido no número anterior, a média apurada poderá ser objecto de ajustamento, segundo critérios a fixar com base no índice de cotações.
Artigo 4º
1. O valor da rendibilidade, tratando-se de sociedades anónimas cujas acções não hajam sido cotadas na Bolsa, será aferido pela média dos dividendos cotados, por acção, nos anos de 1964 a 1973, inclusive, e, tratando-se de empresas que não tenham revestido aquela forma social, será calculado com base nos resultados líquidos dos correspondentes impostos empresariais apurados naquele mesmo período e corrigidos quando necessário, de acordo com os critérios fixados pelo artigo 2.º quanto aos balanços especiais.
2. Sempre que as empresas referidas no número anterior tenham tido duração inferior ao período de tempo nele mencionado, o valor da rendibilidade será ajustado segundo critérios a fixar, sempre que tal se mostre viável, com base na rendibilidade do respectivo sector.
Artigo 5º
1. Para o cálculo do valor da indemnização a atribuir por cada acção ou parte de capital adoptar-se-á a fórmula geral: V = & 945;1 C1 + & 945;2 C2 .
2. Aos símbolos mencionados no número precedente são atribuídos os seguintes significados: V - Valor da indemnização por acção ou valor do capital, quando se trate de empresas que não tenham revestido a forma de sociedade anónima; C1 - Valor que, para cada acção ou parte do capital, quando se trate de empresas que não tenham revestido a forma de sociedade anónima, resulte do balanço especial previsto nos termos do artigo 2.º; C2 - Valor de cotação, determinado de acordo com o artigo 3.º, ou valor de capital, apurado segundo taxa adequada, em conformidade com o artigo 4.º;
& 945;1 e & 945;2 - Coeficiente de ponderação, cuja soma será igual a 1, devendo & 945;1 ser maior que & 945;2.
3. Quando se trate de acções oferecidas à subscrição pública com pagamento de prémio de emissão e que não hajam sido admitidas à cotação na Bolsa, poderá ser tomado em consideração, para efeito da determinação de C2, o valor da emissão.
Artigo 6º
1. Os valores a assumir pelos coeficientes de ponderação inseridos na fórmula mencionada no artigo anterior deverão ser fixados pelo Conselho de Ministros, mediante proposta conjunta do Ministro das Finanças e dos Ministros da tutela dos sectores a que as empresas pertençam.
2. As regras a que, quando necessário, obedecerá a elaboração dos balanços especiais de avaliação referidos no artigo 2.º, bem como os coeficientes de ponderação previstos no artigo 3.º, deverão ser definidos por portaria do Ministro das Finanças.
3. A taxa ou taxas calculatórias do valor de rendimento deverão ser fixadas por portaria conjunta do Ministro das Finanças e dos Ministros da tutela do respectivo sector.
b) Da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (que aprovou as indemnizações aos ex-titulares de direitos sobre bens nacionalizados ou expropriados):
CAPÍTULO III Do pagamento da indemnização
Artigo 18º
1. Com excepção do disposto no artigo 20º, o direito à indemnização, tanto provisória como definitiva, efectiva-se mediante entrega ao respectivo titular, pelo Estado, de títulos de dívida pública de montante igual ao valor fixado nos termos e condições constantes dos artigos seguintes.
2. O Governo regulará, por decreto, sob proposta do Ministro das Finanças, as condições de entrega dos títulos.
Artigo 19º
1. Os empréstimos a emitir para os fins previstos no artigo anterior desdobrar-se-ão em várias classes, em função do montante global a indemnizar por titular, às quais corresponderão prazos de amortização e de diferimento progressivamente mais longos e taxas de juros decrescentes.
2. Para os efeitos referidos no n.º 1, a determinação das taxas de juro, anos de amortização e período de diferimento far-se-á em função das classes definidas pelos montantes globais a indemnizar de acordo com o quadro anexo.
(…)
Artigo 21º Sendo os titulares do direito à indemnização pessoas singulares ou colectivas, aquele efectivar-se-á pela entrega de obrigações correspondentes às diversas classes por que se reparte o valor global da indemnização provisória ou definitiva, com excepção dos casos previstos no artigo 22º.
(…)
Artigo 24º Os juros das obrigações vencem-se desde a data da nacionalização ou expropriação ou da data da ocupação efectiva dos prédios, no caso de esta ser anterior, sendo capitalizados os vencidos até à data da emissão das obrigações destinadas ao pagamento das indemnizações provisórias e pagos anualmente os vencidos a partir dessa data.
(…)
Artigo 28º Por decreto-lei poderão ser estabelecidas formas especiais de compensação ou pagamento de indemnizações, tendo em conta a situação financeira do Estado e das respectivas empresas ou sectores, às entidades seguintes: a) Empresas seguradoras nacionalizadas e instituições de previdência; b) Instituições de crédito nacionalizadas; c) Outras empresas públicas ou nacionalizadas; d) Outras pessoas colectivas de direito público.
Anexo Quadro referido no artigo 19º
ClasseMontante a indemnizarTaxa de
Juro
PercentagemAnos de amortizaçãoPeríodo de diferimentoPeríodo
total
I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
XI
XIIAté 50 000$ .............................
De 50 000$ a 125 000$ ...........
De 125 000$ a 250 000$ .........
De 250 000$ a 450 000$ .........
De 450 000$ a 750 000$ .........
De 750 000$ a 1 175 000$ ......
De 1 175 000$ a 1 750 000$ ...
De 1 750 000$ a 2 500 000$ ...
De 2 500 000$ a 3 450 000$ ...
De 3 450 000$ a 4 625 000$ ...
De 4 625 000$ a 6 050 000$ ...
Acima de 6 050 000$ ..............13,0
12,8
12,4
11,8
11,0
10,0
9,8
8,4
6,8
5,0
3,0
2,5
6
6
7
7
9
11
13
15
17
19
21
232
2
2
2
2
2
3
3
4
4
5
58
8
9
9
11
13
16
18
21
23
26
28
c) Do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro (que estabeleceu o novo processo de cálculo das indemnizações conferidas aos ex-titulares de direitos sobre bens nacionalizados e revogou os artigos 1º a 7º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho): Artigo 1.º O cálculo das indemnizações a atribuir aos titulares de acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas será apurado com base no valor do património líquido da respectiva empresa, no valor das cotações a que as respectivas acções hajam sido efectivamente transaccionadas na Bolsa de Valores de Lisboa, bem como no valor da efectiva rendibilidade da empresa.
Art. 2.º O valor do património líquido de cada empresa será determinado a partir do balanço de gestão, na data da nacionalização, ou, na sua falta, em 31 de Dezembro de 1974, e, em ambos os casos, de acordo com as especificações técnicas aprovadas pelas Resoluções do Conselho de Ministros n.ºs 243/80, de 11 de Julho, e 40/82, de 10 de Março, e pela resolução do Conselho de Ministros de 23 de Maio de 1985, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Agosto, quanto à avaliação patrimonial de empresas nacionalizadas, em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma.
Art. 3.º
1 - O valor a atribuir às participações financeiras detidas pelas empresas nacionalizadas será o valor médio entre os resultados do balanço da participante e do balanço da participada, reconduzido este último à situação líquida da empresa.
2 - No caso de não ser possível obter os elementos necessários ao cálculo referido no número anterior, manter-se-á o valor já fixado.
Art. 4.º Tratando-se de empresas que, à data da nacionalização, fossem detentoras de concessões, serão consideradas, para efeito de valorização desses activos incorpóreos, as disposições legais ou contratuais respectivas, ao tempo em vigência, que previssem a entrega por parte do Estado de quaisquer compensações pecuniárias por denúncia da situação contratual.
Art. 5.º
1 - O valor de cotação das acções de cada sociedade anónima será o que resultar da média aritmética simples das cotações máximas e mínimas desses títulos ao portador em cada ano civil e para os últimos cinco anos anteriores a 1975.
2 - Quando as acções não hajam sido cotadas para cada um dos cinco anos referidos no número anterior, o valor de cotação não será considerado.
3 - Quando se trate de acções oferecidas à subscrição pública com pagamento de prémio de emissão e que não hajam sido admitidas à cotação na bolsa, poderá ser tomado em consideração, para efeito da determinação da componente C2, referida na fórmula constante da norma contida no artigo 7.º, o valor da emissão.
4 - Sempre que, no período referido no n.º 1, o valor nominal das acções haja sofrido alteração, serão introduzidas no cálculo adequadas ponderações, em ordem a que todos os termos da sucessão cronológica das cotações fiquem referidos a uma acção do valor nominal vigente à data da nacionalização.
5 - Quanto às empresas que hajam resultado de fusão operada nos últimos cinco anos anteriores a 1975, a falta de valores de cotação das respectivas acções para cada um dos anos anteriores àquele em que se operou a fusão será suprida pela média aritmética ponderada das cotações das empresas envolvidas, usando como pesos as percentagens dos respectivos capitais sociais na data da fusão, no capital total.
Art. 6.º
1 - O valor da efectiva rendibilidade será aferido pela média aritmética simples dos resultados do exercício verificados nos últimos cinco anos anteriores a
1975, acrescidos da correspondente dotação anual para amortizações e monetariamente corrigidos por aplicação dos coeficientes fixados na Portaria n.º
506/75, de 20 de Agosto, sendo que o mesmo período poderá ser reduzido até três anos no caso de indisponibilidade de elementos.
2 - A taxa calculatória a aplicar à média encontrada, nos termos do número anterior, para obtenção do valor de rendibilidade, será de 5%.
3 - Sempre que as empresas tenham tido duração inferior ao período de tempo considerado no n.º 1, será ainda aplicado o disposto nos números anteriores, recorrendo-se quer à anualização da aludida média quer à redução do período de referência da mesma, que no caso limite poderá corresponder a um único ano.
4 - Caso tenham sido verificadas fusões de empresas, aplicar-se-á, com as necessárias adaptações, o critério contemplado no n.º 5 do artigo 5.º
Art. 7.º
1 - Para o cálculo do valor da indemnização a atribuir por cada acção ou parte de capital adoptar-se-á a fórmula geral: V = & 945;1 C1 + & 945;2 C2 + & 945;3 C3
2 - Aos símbolos mencionados no número precedente são atribuídos os seguintes significados: V = valor da indemnização por acção, ou parte de capital quando se trate de empresas que não tenham revestido a forma de sociedade anónima; C1 = valor que, para cada acção ou parte de capital, resulte do balanço especial nos termos do artigo 2.º; C2 = valor de cotação determinado de acordo com o artigo 5.º; C3 = valor de rendibilidade determinado nos termos do artigo 6.º;
& 945;1, & 945;2, & 945;3 = coeficientes de ponderação fixados, respectivamente, em 60%, 20% e
20%.
3 - Sempre que não seja possível calcular C2 ou C3, o valor do coeficiente respectivo será repartido em partes iguais pelos restantes; caso se verifique, em simultâneo, a impossibilidade de cálculo dessas parcelas, & 945;1 igualará a unidade.
CAPÍTULO II Fixação do valor definitivo
Art. 8.º
1 - Os valores de indemnização que se encontrem fixados à data de publicação do presente diploma serão desde logo alterados pela Direcção-Geral da Junta do Crédito Público (DGJCP), à luz dos critérios enunciados no capítulo I, independentemente de qualquer outra formalidade, mas sem prejuízo de solicitação aos titulares do direito à indemnização de qualquer elemento tido por necessário.
2 - O Ministro das Finanças fixará, por despacho, o novo valor de indemnização resultante do estipulado no n.º 1, o qual substituirá o anteriormente atribuído.
3 - Nos termos dos números anteriores, a alteração ao valor de indemnização não poderá conduzir a um valor inferior ao anteriormente atribuído, pelo que nesse caso será este o fixado.”
6. O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Para se poder conhecer desta espécie de recurso, torna-se necessário que a inconstitucionalidade de uma norma tenha sido suscitada durante o processo, que se verifique o esgotamento dos recursos ordinários e que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido. O Ministério Público suscitou a questão prévia do não conhecimento das normas dos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei n.º 528/76, artigos que se encontravam já revogados desde 1991, e cujo conteúdo normativo teria sido “consumido” por outras normas, igualmente impugnadas, constantes do Decreto-Lei n.º 332/91. Ora, na verdade o artigo 12º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro revogou os artigos 1º a 7º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho. Esse diploma de 1991 alterou “o regime jurídico do processo calculatório das indemnizações conferidas aos ex-titulares de direitos sobre os bens nacionalizados”, e, como salienta o Ministério Público, nas suas contra-alegações, pode dizer-se que os critérios normativos para o cálculo das indemnizações constantes dos seus artigos 1º a 7º “consomem” os que constavam dos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei n.º 528/76. Assim, o artigo 1º estabelece a base de cálculo das indemnizações tal como o artigo 1º do diploma de 1976; o artigo 2º dispõe sobre a determinação do património líquido de cada empresa tal como o artigo 2º do Decreto-Lei n.º 528/76; o artigo 5º do Decreto-Lei n.º
332/91 dispõe sobre o valor de cotação das acções tal como o artigo 3º do Decreto-Lei n.º 528/76; o artigo 4º deste último diploma, sobre o valor de rendibilidade, é, por sua vez, “consumido” pelo artigo 6º do Decreto-Lei n.º
332/91; e a fórmula de cálculo, regulada pelos artigos 5º e 6º do diploma de
1976, foi regulada pelo artigo 7º do Decreto-Lei n.º 332/91. Por outro lado, mesmo para os valores de indemnização fixados à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 332/91, o seu artigo 8º, n.º 1, veio dispor que seriam “desde logo alterados pela Direcção-Geral da Junta do Crédito Público (DGJCP), à luz dos critérios enunciados no capítulo I, independentemente de qualquer outra formalidade, mas sem prejuízo de solicitação aos titulares do direito à indemnização de qualquer elemento tido por necessário”, sendo o novo valor de indemnização fixado por despacho, e não podendo o valor da indemnização conduzir a um valor inferior ao anteriormente atribuído (n.ºs 2 e 3 do artigo 8º). Assim, não só os critérios de 1976 se encontravam revogados logo à data da decisão da 1ª instância (que é de 1996), como haviam sido substituídos pelos constantes de outras normas igualmente impugnadas no presente recurso – as do Decreto-Lei n.º 332/91. Para verificar se na decisão recorrida ocorreu aplicação das normas do citado Decreto-Lei n.º 528/76, é decisivo, porém, averiguar se ela se pronunciou sobre a avaliação das indemnizações efectuada apenas à luz dos novos critérios, ou se, ainda que apenas em parte, considerou avaliações efectuadas à luz do Decreto-Lei n.º 528/76, e ainda não alteradas (como o diploma de 1991 dispunha que seriam). Ora, consultando a matéria de facto dada como provada, verifica-se que nela se refere o valor total da indemnização em “19.12.1991” (ponto 10) e um despacho normativo do Ministro das Finanças (n.º 60/92, de 7 de Maio), o qual foi emitido
“[n]os termos do disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 332/91 de 6 de Setembro” e fixou valores definitivos por acção para as indemnizações respeitantes à “Companhia de Cimentos Tejo”, à “Companhia de Cimentos de Leiria”, à “Siderurgia Nacional”, à “Companhia União Fabril”, à “Sociedade Central de Cervejas”, à “Confiança” e à “Mundial” (ponto 11). Como, porém, se lê no n.º 12 do elenco dos factos provados, à data da contestação, isto é, em 25 de Maio de 1992 estava “em curso o processo de revisão relativamente às acções das restantes empresas de que o A. era titular aquando das nacionalizações”. Consultando a tabela com os valores de avaliação das empresas em causa
(constante do n.º 15 dos factos provados), verifica-se que para várias a avaliação fora já efectuada, anteriormente a 1991, e que, mais à frente, entre os factos provados se referem igualmente os valores atribuídos às empresas,
“antes e depois de 1991” (n.º 31). Conclui-se, pois, que estiveram também em causa, no acórdão recorrido, indemnizações avaliadas à luz dos critérios anteriores a 1991, fixados pelo Decreto-Lei n.º 528/76 – designadamente, para as empresas que não foram abrangidas pelo Despacho Normativo do Ministro das Finanças n.º 60/92, de 7 de Maio, e para as quais estava “em curso o processo de revisão” da avaliação. Verificou-se, assim, também uma aplicação (embora apenas parcial) dos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho (devendo, notar-se, ainda, que o acórdão recorrido expressamente assumiu que confrontava estas disposições com a Constituição, na sua versão originária). Não pode, pois, deixar de se tomar conhecimento do recurso também quanto a estas normas, independentemente do que possa ter-se passado ulteriormente, quanto ao processo de avaliação das restantes empresas, que ainda estava em curso mas que não foi considerado pela decisão recorrida.
7. Porém, de entre as normas impugnadas constantes da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, algumas não foram aplicadas pela decisão recorrida. Esta pronunciou-se apenas sobre a constitucionalidade de normas relativas à determinação do valor das indemnizações – incluindo, quer as relativas à avaliação das empresas em causa (as citadas normas dos Decretos-Leis n.ºs 528/76 e 332/91), quer as relativas à forma de pagamento dessas indemnizações (normas da Lei n.º 80/77), na medida em que influem sobre o seu valor. Assim, o artigo 18º, n.º 2, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro – que se limita a prever que o Governo deveria regular “por decreto, sob proposta do Ministro das Finanças, as condições de entrega dos títulos” – e o artigo 28º desse diploma – que previa a possibilidade de estabelecimento, por decreto-lei de “formas especiais de compensação ou pagamento de indemnizações, tendo em conta a situação financeira do Estado e das respectivas empresas ou sectores”, às empresas seguradoras nacionalizadas e instituições de previdência, às instituições de crédito nacionalizadas, a outras empresas públicas ou nacionalizadas e a outras pessoas colectivas de direito público – não podem considerar-se aplicados pela decisão recorrida, que se não pronunciou nem sobre tais condições de entrega nem sobre tais formas especiais de compensação ou pagamento de indemnização. A sua apreciação não será, pois, integrada no objecto do presente recurso.
8. Nestes termos, o objecto do presente recurso limita-se à apreciação da constitucionalidade dos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho, artigos 1º a 8º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro e artigos
18º, n.º 1, 19º e quadro anexo, 21º e 24º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro. Invoca o recorrente a sua desconformidade, com os artigos 62º e 83º da Constituição, com “os princípios do Estado de Direito nos artigos 2º, 17º e 18º da CRP”, bem como, ainda, com o disposto nos artigos 8º e 16º da Constituição, por não respeitarem “o direito de propriedade e o princípio da justa indemnização por nacionalizações, consagrados no Direito Internacional vinculativo para Portugal, como a Carta das Nações Unidas e os Pactos de 1966; a Declaração Universal dos Direitos do Homem; as Directivas do Banco Mundial de
1992; a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (e designadamente o art.º 1, n.º 1 do 1º Protocolo Adicional)”.
B) Apreciação das questões de constitucionalidade
9. No que se refere às normas constantes da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, o Tribunal Constitucional não se pronunciou no sentido da sua desconformidade constitucional, no Acórdão n.º 39/88 (in Diário da República, I série, n.º 52, de 3 de Março de 1988), quanto às normas dos artigos 19º (e quadro anexo) 20º e
21º da Lei n.º 80/77, e, mais recentemente, no Acórdão n.º 85/2003, quanto às normas dos artigos 1º, 13º, 19º (e quadro anexo) e 24º do mesmo diploma. A norma agora impugnada que não foi então apreciada foi, pois, a do artigo 18º, n.º 1, desse diploma de 1977, segundo o qual “o direito à indemnização, tanto provisória como definitiva, efectiva-se mediante entrega ao respectivo titular, pelo Estado, de títulos de dívida pública de montante igual ao valor fixado nos termos e condições constantes dos artigos seguintes”. Tal norma, que remete, quanto aos “termos e condições” de efectivação do direito à indemnização, para os artigos seguintes, não suscita, porém, na argumentação do recorrente, qualquer problema de constitucionalidade específico, estando em causa, apenas, justamente, tais “termos e condições” (cfr., aliás, o artigo 21º, impugnado no presente recurso e também apreciado pelo Acórdão n.º 39/88, nos termos do qual, sendo os titulares do direito à indemnização “pessoas singulares ou colectivas, aquele efectivar-se-á pela entrega de obrigações correspondentes às diversas classes por que se reparte o valor global da indemnização provisória ou definitiva, excepção dos casos previstos no artigo 22º” – casos, esses, relativos às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e às cooperativas, que não estão agora em causa). Na verdade, o que está em causa não é propriamente a forma de pagamento da indemnização, pela entrega de títulos, mas o valor da mesma, pela fixação de classes com prazos de amortização e taxas de juro fixas que, segundo o recorrente, desvirtuariam, tornando manifestamente desproporcional, o valor da indemnização.
10. Escreveu-se no citado Acórdão n.º 39/88, na parte que ora interessa:
(…)
2 – A problemática das indemnizações
2.1 – Um dos fins que se apontam às nacionalizações é o de colocar nas mãos dos poderes públicos funções de direcção e de coordenação da economia, que – com ou sem razão, não importa – se entende estão a ser mal exercidas pela iniciativa privada. Outro objectivo que, com a nacionalização, se pretende atingir é melhorar as condições de trabalho e de remuneração dos trabalhadores da «unidade produtiva» nacionalizada. Como assinala Mota Pinto, Direito Público da Economia, Coimbra, lições de
1982-1983, p. 170, a nacionalização é, assim, um acto político, expresso embora num acto jurídico, com o qual se transferem bens da propriedade privada para a propriedade pública, «com o intuito de [os] gerir no interesse colectivo». O que mais importa na nacionalização – diz Manuel Afonso Vaz, Direito Económico, Coimbra, 1977, p. 187 –, «não é o valor real do património do bem ou bens, mas o facto de se tratar de uma ‘unidade produtiva’». Do que, fundamentalmente, se trata é, pois, de subtrair à propriedade privada determinados bens, em virtude de – como já se disse – se entender que é do interesse da colectividade que eles passem para a titularidade do Estado e sejam geridos de acordo com o interesse geral.
2.2 – A circunstância de a nacionalização ser um acto político (com forte carga ideológica por isso mesmo) vai, naturalmente, ter implicações na questão da indemnização. Assim, informa Mota Pinto, ob. cit., p. 175, que alguns países do Leste europeu, como a Roménia, a República Democrática Alemã, a Checoslováquia, etc., cujas constituições consagravam o princípio da indemnização – contrariamente ao que sucedia com a Constituição da URSS –, nacionalizaram, mas não pagaram quaisquer indemnizações, porque as normas regulamentadoras nunca foram promulgadas. (Sobre o tema, cf. também Fernando José Bronze, «as indemnizações em matéria de nacionalizações», cit.) No Ocidente europeu, porém, os Estados pagaram as correspondentes indemnizações aos titulares dos bens nacionalizados, muito embora a França não tenha indemnizado no caso das empresas que foram nacionalizadas a título sancionatório, por terem colaborado com o regime nazi, como sucedeu com a Renault. E muito embora também, em muitos casos, a indemnização tenha sido apenas parcial e efectuada através de títulos do Estado que, ficando temporariamente imobilizados, viram o seu valor depreciar-se a grande velocidade
– como informa José Fernando Nunes Barata, in Polis, 4, vocábulo
«Nacionalização», colunas 515 e segs. (Sobre o tema, cf. Gaspar Ariño Ortiz, «La indemnizacion en las nacionalizaciones», in Revista de Administración Pública, n.ºs 100-102, 1983, vol. III, pp. 2789 e segs.) Quando, pois, como sucede entre nós, a Constituição garante o direito de propriedade privada (cf. artigo 62.º, n.º 1) e, em certos termos, a livre empresa (cf. artigo 61.º, n.º 1) a nacionalização de bens tem, em princípio, que dar lugar a indemnização – e a indemnização que obedeça a um princípio de justiça.
2.3 – A nossa Constituição preceitua, no artigo 82.º, que a «lei determinará os meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização de meios de produção, bem como os critérios de fixação de indemnizações». Isso depois de, no artigo 62.º, n.º 2, estabelecer que «a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei, e, fora dos casos previstos na Constituição, mediante pagamento de justa indemnização». Um caso há, de facto, previsto na Constituição, em que a expropriação não confere direito a indemnização: trata-se da expropriação de bens económicos ao abandono, quando esse abandono seja injustificado (cf. artigo 87.º, n.º 2, da Constituição). O texto constitucional, na sua versão originária, permitia ainda que a lei determinasse que as expropriações de latifundiários e de grandes proprietários e empresários não desse lugar a qualquer indemnização (cf. o então n.º 2 do artigo
82.º). O legislador ordinário não enveredou, porém, por esse caminho.
2.4 – O regime das indemnizações por nacionalização previsto na lei é, entre nós, como informa Mota Pinto, Direito Económico Português, cit., p. 20) «um regime que é diferente, e mais desfavorável para os anteriores titulares, do consagrado nos países da Europa Ocidental onde houve nacionalizações» e «é, igualmente, diverso da ausência de indemnização que caracterizou as nacionalizações do Leste europeu». «Escolheu – continua o mesmo autor – uma espécie de terceira via: nem indemnização do valor objectivo com tratamento igual dos accionistas, independentemente do volume da carteira de acções de cada um, nem nacionalização sem qualquer indemnização».
2.5 – Foi a Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (alterada pelo Decreto-Lei n.º
343/80, de 2 de Setembro, por sua vez ratificado, com alterações, pela Lei n.º
36/81, de 31 de Agosto), que veio regulamentar os direitos de indemnização a atribuir aos ex-accionistas, ex-sócios ou ex-proprietários de bens económicos nacionalizados. Antes, porém, já o Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho, viera estabelecer critérios para o cálculo e pagamento das indemnizações devidas pelas nacionalizações. O direito à indemnização é pago contra a entrega dos títulos nacionalizados, conforme determinaram os diplomas que decretaram as nacionalizações. Essa entrega efectiva-se pelo depósito de tais títulos em instituições de crédito
(cf. Decreto-Lei n.º 108/76, de 7 de Fevereiro, e Decreto-Lei n.º 469/77, de 11 de Novembro) – depósito que, no entanto, o Decreto-Lei n.º 255/79, de 28 de Julho, dispensou para certas hipóteses. O exercício do direito à indemnização – para além do referido depósito prévio dos títulos nacionalizados – exige a apresentação da declaração de titularidade, a fazer pelos detentores dos títulos (cf. artigo 4.º da Lei n.º 80/77; cf. também Portarias n.ºs 359/78, de 7 de Julho, 663/78, de 15 de Novembro, e
470/79, de 5 de Setembro, e Decreto-Lei n.º 413/79, de 8 de Outubro). A falta injustificada de apresentação da declaração importa a aplicação da classe XII aos títulos. Aquela Lei n.º 80/77 determinou que fossem desde logo arbitradas indemnizações provisórias. Se se tratar de acções que tenham sido oferecidas à subscrição pública com prémios de emissão devidamente autorizado, cujo detentor seja ainda o seu originário subscritor, o valor da indemnização provisória haverá de corresponder ao da subscrição. Tratando-se de outras acções ou partes de capital de empresa nacionalizada, esse valor haverá de corresponder, fundamentalmente, ao valor contabilístico da empresa. Quanto aos prédios rústicos, o valor provisório da indemnização determinar-se-á em função do seu valor fundiário, calculado a partir do rendimento inscrito na matriz (cf. artigo 8.º da Lei n.º 80/77 e artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 528/76). O valor de cada acção ou parte de capital, que foram objecto de nacionalização, será fixado, relativamente a cada empresa, e para efeitos de indemnização definitiva, por despacho do Ministro das Finanças, de acordo com o que dispõe o Decreto-Lei n.º 528/76 (cf. artigo 14.º da Lei n.º 80/77). Pois, conforme ao preceituado no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 526/76, o valor de cada acção ou parte de capital deve ser calculado tendo em conta o valor contabilístico da empresa (a que cabe a ponderação de 0,85) e o valor de cotação (a que corresponde a ponderação 0,15): cf. Decreto-Lei n.º 206/78, de 25 de Julho. O valor contabilístico há-de, ao fim e ao cabo, resultar de um verdadeiro exame à escrita das empresas nacionalizadas com vista à determinação do seu real valor
(cf. artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 528/76). O valor de cotação, esse será o resultante da média ponderada das cotações máximas e mínimas durante cada um dos anos de um período de dez imediatamente anteriores a 24 de Abril de 1974; quando as acções não tenham sido cotadas durante todo esse período, a média apurada será objecto de ajustamentos segundo critérios a fixar com base no índice de cotação; e, tratando-se de empresas sem acções cotadas, o valor de cotação será, no fundo, o correspondente ao valor de rendibilidade (cf. artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 528/76). As indemnizações, quer as provisórias, quer as definitivas, são pagas, em regra, mediante a entrega ao respectivo titular, pelo Estado, de títulos de dívida pública (títulos de indemnização), que vencem juros (cf. artigos 18.º a 24.º da Lei n.º 80/77). Em regra..., porque as indemnizações de montante inferior a
50000$00 podem ser pagas em dinheiro (cf. artigo 20.º da Lei n.º 80/77). Os títulos de indemnização são mobilizáveis para diferentes finalidades, a saber: a) Para pagamento de dívidas contraídas antes da nacionalização pelo titular do direito à indemnização perante a Caixa Geral de Aposentações ou outras instituições de previdência, o Fundo de Desemprego ou instituições de crédito
(cf. artigo 31.º da Lei n.º 80/77, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º
343/80); b) Para caucionar operações de crédito para investimento produtivo e saneamento financeiro, especialmente para investimentos integrados em contratos de viabilização e contratos de desenvolvimento para a exportação (cf. artigo 32.º da Lei n.º 80/77, na redacção dada pela Lei n.º 36/81); c) Para investimento produtivo ou para saneamento financeiro de empresas (cf. artigo 33.º da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, alterado pela Lei n.º 36/81); d) Para aquisição de participações no sector empresarial do Estado susceptíveis de alienação (cf. artigo 34.º da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º
343/80, alterado pela Lei n.º 36/81); e) Para pagamento de impostos directos referentes a obrigações fiscais nascidas antes de 1 de Janeiro de 1977 e correspondentes encargos (cf. artigo 30.º da Lei n.º 80/77); e f) Para aquisição de habitação própria (mais precisamente: como meio de pagamento da entrada inicial ou das prestações de amortização referentes à aquisição ou construção de habitação própria, quando financiada por instituições de crédito, Caixa Geral de Aposentações ou outras instituições de previdência)
(cf. artigo 35.º da Lei n.º 80/77). A possibilidade de mobilização dos títulos de indemnização para aquisição de habitação própria nunca foi, porém, implementada, uma vez que o Governo nunca definiu as condições em que ela se poderia concretizar. Só o titular originário dos títulos, ou, em caso de morte, o seu herdeiro, beneficia deste direito de mobilização dos títulos de indemnização. Para efeitos de mobilização, o valor dos títulos de indemnização é, nalguns casos (os regulados na Lei n.º 36/81), o seu valor nominal; nos demais casos, o Governo pode determinar que esse valor seja superior ao seu valor actualizado de acordo com os critérios do artigo 29.º da Lei n.º 80/77 (cf. artigos 29.º a 34.º da Lei n.º 80/77). Nada obsta a que os títulos recebidos em pagamento de indemnizações – para além de mobilizáveis antecipadamente nos termos apontados – possam ser transaccionados livremente nos mesmos termos dos restantes títulos (cf. artigo
26.º, n.º 2). Do mesmo modo, parece nada haver também que impeça que as respectivas cautelas provisórias sejam transaccionáveis na Bolsa, à semelhança do que sucede com as cautelas das demais obrigações. Posição idêntica é a que vem sustentada no parecer junto pela CIP [v., porém, diferentemente José Simões Patrício, «Nacionalização e empresas nacionalizadas», in Revista de Direito e Economia, ano VIII, n.º 2, pp. 299 e segs. Este autor, argumentando com o intuitus personae da indemnização, inclina-se para que esse direito – pelo menos enquanto não for definitivamente tornado líquido – não é susceptível de ser transmitido ou negociado fora dos casos explicitamente admitidos na lei (p.
327)]. Consoante o valor global da indemnização que cada pessoa tenha que receber, assim lhe serão entregues títulos de indemnização de uma ou outra das doze classes por que eles se desdobram. A cada uma dessas classes (de I a XII) correspondem «prazos de amortização e de diferimento progressivamente mais longos e taxas de juros decrescentes» (cf. n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º
80/77). Assim, a cada uma dessas situações correspondem prazos de amortização que vão de 8 a 28 anos, e taxas de juros que vão de 13% a 2,5%, consoante o valor a indemnizar seja inferior a 50000$00 (classe I) ou superior a 6050 contos
(classe XII) (cf. citado artigo 19.º, n.º 2, e tabela anexa. De registar que 13% era a taxa de desconto do Banco de Portugal em 1977). O regime geral de pagamento das indemnizações aos titulares de acções ou participações nacionalizadas é, assim, um regime diferenciado. Trata-se de uma diferenciação estabelecida em função do número dessas acções ou participações que cada um possuísse no momento da nacionalização: quanto mais elevada for, globalmente, a indemnização devida a cada indemnizando, tanto mais longo será o prazo do seu pagamento e mais baixa será a taxa de juro que, na série degressiva que a lei estabelece, lhes corresponde. Mas, para além deste tratamento diferenciado consoante o número de acções ou participações de que cada pessoa fosse titular, três outras diferenciações estabeleceu a Lei n.º 80/77. São elas: a) A do artigo 22.º da Lei n.º 80/77 (redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, alterado pela Lei n.º 36/81). De acordo com este artigo 22.º, as misericórdias e outras instituições privadas de solidariedade social, as fundações e as cooperativas, bem como as congregações e associações religiosas, desde que provem a titularidade efectiva dos títulos ou bens à data da nacionalização, expropriação ou ocupação, têm direito a receber indemnizações nos termos correspondentes à classe I; b) A do artigo 39.º da Lei n.º 80/77 (conjugado com o Decreto-Lei n.º 31/80, de
6 de Março), relativamente às indemnizações devidas a estrangeiros. Aquele artigo 39.º permite que o Governo estabeleça, por decreto-lei, «formas especiais de indemnização e mobilização de títulos representativos do direito à indemnização quando os titulares forem pessoas singulares ou colectivas de nacionalidade estrangeira à data da nacionalização». Pois aquele Decreto-Lei n.º
31/80, depois de, no artigo 1.º, consagrar a regra de que o pagamento das indemnizações a estrangeiros se fará pela entrega de títulos do Tesouro, veio, justamente, permitir que o Ministro das Finanças atribua títulos de classe diversa daquela que, em princípio, lhes caberia; c) A do artigo único do Decreto-Lei n.º 195/79, de 29 de Junho: a indemnização devida pela transferência para o Estado das linhas e instalações complementares e pela revogação do título que autoriza a exploração e aproveitamento do Lindoso será paga por títulos de dívida pública, todos eles da classe I.
Feito este apontamento, passemos, então, ao confronto das normas, cuja constitucionalidade vem questionada pelo requerente, com as normas ou princípios constitucionais que ele pretende terem sido violados.
(…)
3.2 – Já atrás se anotou que, entre nós, as nacionalizações foram feitas, na quase totalidade, antes da promulgação da Constituição de 1976. Esta, como já se disse, veio consagrar o princípio geral do direito à indemnização dos ex-titulares dos bens ou direitos nacionalizados (cf. artigo 82.º), embora com uma excepção – a do n.º 2 do artigo 87.º A indemnização visa compensar os proprietários privados pelo prejuízo sofrido com a nacionalização – o que é uma exigência do Estado de direito democrático. Aquele direito à indemnização dos ex-titulares dos bens nacionalizados foi, depois, consagrado como princípio geral pelo artigo 1.º da citada Lei n.º 80/77.
3.3 – É o regime legal constante da norma atrás transcrita que, agora, há que confrontar com o princípio constitucional da indemnização. E que conferi-lo, bem assim, com outras normas da lei fundamental que, no caso, interessam. Antes de proceder a esse confronto, indicar-se-á – sumariamente embora – o que, a propósito do binómio nacionalização/expropriação, se dispõe nalguns textos internacionais. E, para além disso, procurar-se-á estabelecer a distinção entre aquelas duas figuras jurídicas – a nacionalização e a expropriação. No plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (10 de Dezembro de 1948) preceitua, no artigo 17.º, que «toda a pessoa, quer isolada quer como colectividade, tem direito à propriedade» (n.º 1) e que «ninguém pode ser arbitrariamente privado dela» (n.º 2). Proíbem-se, assim, as nacionalizações arbitrárias, ou seja, as nacionalizações que não forem determinadas por razões de interesse público, de ordem pública ou como sanção penal, ou que se façam sem atribuição de indemnização ou com indemnização manifestamente inadequada (cf. Giovani Pau, «La nazionalizzazione nei rapporti internazionali», in Studi economico-giuridici, Padova, 1953, pp. 96 e segs.). A indemnização tem, assim, que ser razoável ou, pelo menos, aceitável. O Protocolo n.º 1 (20 de Março de 1952), adicional à Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem (4 de Novembro de 1950), determina, no seu artigo 1.º, que qualquer pessoa «tem direito ao respeito dos seus bens» – daí que «ninguém possa ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais de direito internacional». Significa isto que aquele artigo 1.º não impõe aos Estados a obrigação de indemnizar os seus nacionais quando, por razões de utilidade pública e nas condições previstas na lei, os priva do seu direito de propriedade (cf. Resolução da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, de 16 de Dezembro de 1966, in Pinheiro Farinha, Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, Lisboa, s/d, p. 167). Essa obrigação já a têm, porém, os Estados quando os bens nacionalizados ou expropriados pertencerem a cidadãos estrangeiros. De facto, o Comité de Ministros, quando aprovou o Protocolo n.º 1, sublinhou que
«os princípios gerais do direito internacional, na sua aceitação actual, impõem a obrigação de indemnizar os não nacionais no caso de expropriação» (reunião de
19 de Março de 1952, do Comité de Ministros – Paris). Para além de que, tendo Portugal feito reserva àquele artigo 1.º, por virtude do que, então, preceituava o artigo 82.º, n.º 2, da Constituição [cf. Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, artigo 4.º, alínea a)], a França, o Reino Unido e a República Federal da Alemanha exprimiram a posição de que os princípios de direito internacional postulavam uma indemnização rápida, razoável e efectiva (pronta, adequada e efectiva), quando se trate da expropriação de cidadãos estrangeiros, pelo que aquela reserva haveria de ser entendida como dizendo respeito apenas aos bens dos cidadãos nacionais (cf. Pinheiro Farinha, ob. cit.). A Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (12 de Dezembro de 1974), prescreve, no seu artigo 2.º, n.º 2, alínea c): Cada Estado tem o direito [...] de nacionalizar, expropriar ou transferir a propriedade dos bens estrangeiros, casos em que deverá pagar uma indemnização adequada, tendo em conta as suas leis e regulamentos e todas as circunstâncias que julgue pertinentes [...]. Vale isto por dizer que o direito de proceder a nacionalizações – quer se trate de bens de cidadãos estrangeiros, quer de nacionais seus se reconduz exclusivamente a uma questão de soberania de cada Estado. As normas ou princípios de direito internacional – designadamente aquelas que, segundo a Resolução n.º 1803 (VIII) da mesma Assembleia (14 de Dezembro de 1962), recomendavam que toda a privação do direito de propriedade fosse acompanhada do pagamento de uma «indemnização apropriada» – não são, sequer, aqui consideradas
(cf. Fernando José Bronze, loc. cit.).
3.4 – A doutrina dominante – segundo informa Gaspar Ariño Ortiz, loc. cit. – entende que existe uma distinção material entre nacionalização e expropriação: a nacionalização é um instituto de carácter excepcional, que arranca da ideia de que uma determinada actividade económica deve pertencer à colectividade e, por isso, ser por ela exercida no interesse público. Daí que – diz-se –, quanto a ela, não valha o princípio da indemnização integral (full composition). Justifica-se, na verdade – diz-se –, que, por razões de «soberania», de «alto interesse nacional», de «independência» ou de «integridade da pátria», se paguem indemnizações parciais ou mesmo que, nalgum caso, se nacionalize sem pagamento de indemnização. A expropriação, essa, é um instituto comum ou ordinário, que implica sempre – ainda segundo a mesma doutrina – a fixação de uma indemnização total e prévia da transferência da propriedade. Um outro sector da doutrina sustenta, porém, que, entre nacionalização e expropriação, não há diferenças de natureza. Esta última opinião é sustentada, por exemplo, por G. Ariño Ortiz, loc. cit., que acrescenta que diferenças «tão-pouco deve havê-las de regime jurídico, ao menos nos seus elementos essenciais (um dos quais é a indemnização). Poderá havê-las quanto aos elementos acidentais (de procedimento, prazos, regime de reversão ou modalidades de pagamento), mas não deve havê-las naquilo que são as bases ou elementos estruturais da instituição». (Informa este A. que, «pelo menos no direito interno de cada país, a tendência para o reconhecimento pleno da indemnização nas nacionalizações é hoje predominante».)
3.5 – Entre nós, Mota Pinto diz que a nacionalização «é um acto político, expresso num acto jurídico, muitas vezes, ao menos formalmente, um diploma legal e não um acto administrativo que provoca a transferência dos bens da propriedade privada para a propriedade pública e exprime o intuito de gerir os bens no interesse colectivo». A expropriação também implica, «quase sempre, uma transferência de bens da propriedade privada para a propriedade pública, visando-se uma utilidade pública superior à decorrente do bem na esfera privada. Mas, enquanto a nacionalização assenta numa concepção ideológico-política sobre o papel e o âmbito relativos da propriedade pública dos bens de produção, principalmente das empresas, a expropriação assenta em razões económico-sociais de índole pragmática que, em situações determinadas, exigem que se ponha termo à propriedade privada de um certo bem. O que se pretende através do instituto da expropriação é tão-só dotar os poderes públicos dos meios materiais necessários à prossecução eficaz dos seus propósitos ‘salutistas’ e ‘desenvolvimentistas’. A salus publica é o pano de fundo deste instituto.» (Lições, cit., pp. 170-171.) Luís S. Cabral de Moncada, Direito Económico, Coimbra, 1986, p. 198-200, começando por estabelecer a distinção entre nacionalização e expropriação de forma idêntica à de Mota Pinto, escreve: A distinção entre a expropriação e a nacionalização pode ainda fazer-se claramente de outra perspectiva. A expropriação dá sempre lugar ao pagamento de justa indemnização nos termos do artigo 62.º da Constituição, cujo critério
[...] a lei esclarece. Ora a nacionalização [...] nem sempre comporta o princípio da indemnização e muito menos por um valor idêntico ao que é contabilizado para efeitos de expropriação. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1984, p. 391, depois de dizerem que «a nacionalização é constitucionalmente uma forma particular de expropriação», acrescentam: Para além daquilo que em sentido técnico-jurídico distinga a nacionalização da expropriação em sentido estrito – num caso, mera transferência, normalmente de uma universalidade de bens, para a propriedade nacional; noutro caso, extinção do direito de propriedade privada, normalmente sobre imóveis, transferindo-os para propriedade do Estado ou de terceiro –, a verdade é que, sob o ponto de vista constitucional, a principal diferença está no facto de aquela ter por objecto meios de produção, retirando-os, nessa qualidade, do sector económico privado. Manuel Afonso Vaz, Direito Económico, cit., p. 192, escreve: Por sua natureza, pois, a nacionalização é um acto materialmente político e formalmente legislativo; ao passo que a expropriação é, em si mesma, um acto administrativo [...]. Note-se, finalmente, que a expropriação incide, regra geral, sobre bens imobiliários, ao passo que a nacionalização tem como objecto normal uma universalidade (v. g. a empresa, quotas, ramo de actividade, etc.). E ainda: A nacionalização apresenta-se como um acto político que põe em causa a apropriação privada dos meios de produção, enquanto a expropriação não afecta o princípio geral da apropriação privada, unicamente restringindo, em casos específicos, contemplados na lei, o direito de propriedade, por entender que, em concreto e por razões pragmáticas, a utilidade pública desse bem impõe a restrição. José Simões Patrício, «Nacionalização e empresas nacionalizadas», cit., depois de dizer que se trata de institutos bem diferenciados nos direitos continentais, afirma que «a distinção entre ambos esses institutos costuma fazer-se mais do ponto de vista formal que material». Fernando Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, pp. 49 e segs., pronuncia-se no sentido de que os institutos da nacionalização e da expropriação «são equivalentes, na medida em que oferecem ao particular idênticas garantias, nomeadamente o direito à indemnização». E acrescenta que «as notas distintivas existentes são de carácter formal, distinguindo-se os dois institutos apenas do ponto de vista teleológico».
3.6 – Uma coisa, porém, é certa: no plano constitucional e no tocante ao direito
à indemnização, que é o que aqui interessa, existem, efectivamente, sensíveis diferenças de regime entre o instituto da nacionalização e o da expropriação. Primeiro: a expropriação (expropriação por utilidade pública, entenda-se) dá sempre lugar ao pagamento de «justa indemnização» (cf. artigo 62.º, n.º 2). Dispõe o artigo 62.º, n.º 2: Art. 62.º – 1 – [...]
2 – A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e, fora dos casos previstos na Constituição, mediante pagamento de justa indemnização. A possibilidade de expropriação sem indemnização «de latifundiários e de grandes proprietários e empresários ou accionistas», prevista no n.º 2 do artigo 82.º da Constituição, na sua versão originária, foi eliminada na revisão constitucional de 1982. Deixou, assim, de ser constitucionalmente admissível o confisco que não seja fundado em actividades criminosas (cf., infra, 3.11). A nacionalização, porém, quando tenha por objecto «meios de produção em abandono» e esse abandono seja injustificado, não confere direito a qualquer indemnização. O artigo 87.º da Constituição dispõe, na verdade: Artigo 87.º [...] – 1 – Os meios de produção em abandono podem ser expropriados em condições a fixar pela lei [...]
2 – No caso de abandono injustificado, a expropriação não confere direito a indemnização. Segundo: se, por justa indemnização, dever entender-se «indemnização completa»,
«equilibrada compensação», «entrega de equivalência», «substituição de valor patrimonial», etc. (expressões todas a significar indemnização total) – questão que, aqui, não tem que decidir-se –, então é seguro que essa regra só vale para a clássica expropriação por utilidade pública (e, naturalmente, para a requisição), mas não também para a nacionalização de bens económicos (cf., neste sentido, também Luís S. Cabral de Moncada, loc. cit.). O artigo 82.º da lei fundamental preceitua, com efeito: Artigo 82.º [...] A lei determinará os meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização de meios de produção, bem como os critérios de fixação de indemnizações. Assim – ao menos para o efeito da indemnização – o artigo 62.º, n.º 2, da Constituição atrás transcrito não se aplica à nacionalização de bens económicos. Para esta, rege o citado artigo 82.º que permite à lei definir «critérios de fixação de indemnizações». A este propósito, escrevem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na anotação IV ao artigo 82.º: A Constituição, ao referir-se aqui a critérios específicos de indemnização, aponta claramente para uma distinção entre o regime das indemnizações por nacionalização (as previstas neste artigo) e o das indemnizações por expropriação em sentido estrito (cf. artigo 62.º, n.º 2). Terceiro: se, por justa indemnização, dever ainda entender-se – como pretende certa doutrina – indemnização prévia, com a consideração de que o seu prévio pagamento faz parte da «estrutura institucional da expropriação», constituindo, por isso, um «pressuposto de legitimidade (conditio iuris) do exercício do poder de expropriar» (cf. Garcia de Enterría e Fernández Rodríguez, Curso de Derecho Administrativo, Madrid, 1981, pp. 251 e segs.) – o que, aqui, não tem também que resolver-se –, então essa regra decerto que não vale para as nacionalizações.
[Sobre o conceito de justa indemnização utilizado no artigo 62.º da Constituição, v. Acórdão deste Tribunal n.º 341/86, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Março de 1987, cuja doutrina foi adoptada em arestos posteriores não apenas deste Tribunal como dos tribunais de relação
(cf., a título de exemplo, o Acórdão da Relação do Porto de 28 de Maio de 1987, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XII, 1987, t. 3, p.172).] Se é verdade que um diferimento por tempo indeterminado e incontrolável do pagamento da indemnização pode convertê-la numa falsa indemnização (qui tardius solvit minus solvit) – o que é susceptível de violar a confiança que, num Estado de direito, os cidadãos devem poder depositar na ordem jurídica –, o Estado não tem por que proceder ao desembolso efectivo do preço antes de entrar na posse dos bens nacionalizados («pronta compensação»). O princípio de justiça, que deve reger o dever de indemnizar, é perfeitamente compatível com formas de pagamento diferido, como, por exemplo, a entrega de títulos de dívida pública livremente negociáveis e amortizáveis em prazos razoáveis. A este propósito escrevem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., na anotação XII ao artigo 62.º:
É de referir ainda que a Constituição, embora não exija expressamente que a indemnização seja prévia à expropriação, parece exigir que ela seja um elemento integrante do próprio acto de expropriação («mediante expropriação»). Menos exigente parece ser, também aqui, o regime das indemnizações por efeito de nacionalização (cf. artigo 82.º).
(…) Como se disse já, o artigo 82.º dispõe que a lei determinará os critérios de fixação das indemnizações. Por conseguinte, tendo, embora, que haver sempre indemnização – salvo, naturalmente, no caso do artigo 87.º, n.º 2 –, o critério do sua fixação não tem por que ser o mesmo para todo o tipo de casos. Esses critérios podem, inclusivamente, ser diferentes conforme o tipo e o montante dos bens nacionalizados (cf., neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 407). Questão é que esses critérios, embora diferentes, respeitem o princípio de justiça que vai implicado na ideia de Estado de direito. Ora, isso exige que esses critérios não sejam susceptíveis de conduzir ao pagamento de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados, nem a pagamentos tão diferidos no tempo que equivalham a indemnizações irrisórias ou absolutamente desproporcionadas. E questão é ainda que as distinções que se estabelecerem não sejam manifestamente arbitrárias ou carecidas de todo o fundamento material. Respeitados os parâmetros que se apontaram (ou seja: respeitados princípios que são essenciais num Estado de direito, como são o da igualdade e o da proporcionalidade, como exigências que são do princípio de justiça), o legislador goza de certa liberdade na definição dos aludidos critérios.
(…)
5 – O artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 528/76 e os artigos 19.º e 20.º da Lei n.º
80/77 em confronto com o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) e com o direito à indemnização (artigo 82.º).
5.1 – O artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 528/76 prescreve: Art. 8.º – 1 – As modalidades, os prazos de pagamento e as taxas de juro referentes às eventuais formas de titulação da respectiva dívida pública serão fixados em Conselho de Ministros, mediante proposta do Ministério das Finanças.
2 – Na fixação a que alude o número anterior serão considerados, para efeitos de tratamento diferenciado, diversos escalões, a estabelecer consoante o montante de acções ou partes de capital detidas pelos respectivos titulares. Dispõe assim o artigo 19.º da Lei n.º 80/77: Art. 19.º – 1 – Os empréstimos a emitir para os fins previstos no artigo anterior desdobrar-se-ão em várias classes, em função do montante global a indemnizar por titular, às quais corresponderão prazos de amortização e de diferimento progressivamente mais longos e taxas de juro decrescentes.
2 – Para os efeitos referidos no n.º 1, a determinação das taxas de juro, anos de amortização e período de diferimento far-se-á em função das classes definidas pelos montantes globais a indemnizar de acordo com o quadro anexo. O artigo 20.º da mesma Lei n.º 80/77 estabelece: Art. 20.º – 1 – Tendo em conta as possibilidades orçamentais, o Governo regulará, por decreto-lei, as condições e termos em que poderá fazer-se pagamento em dinheiro, no todo ou em parte, das indemnizações na classe I e das devidas por frutos pendentes, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º, de modo a proceder à respectiva inscrição no Orçamento de 1978 ou, caso não seja possível, aquando da sua revisão.
2 – Nos pagamentos em dinheiro até 50000$00 previstos no número anterior será dada preferência aos titulares de direito à indemnização que o requeiram ao Ministro das Finanças e cujo direito às indemnizações não exceda globalmente o limite superior da classe III.
5.2 – As normas ora em apreço contêm um regime de tratamento diferenciado para o pagamento das indemnizações. Estas, sejam provisórias ou definitivas, são pagas como se viu já (supra, II, 2.4) mediante a entrega ao respectivo titular, pelo Estado, de títulos de dívida pública, distribuídos por doze classes (I a XII), consoante o menor ou maior valor global da indemnização a pagar. A cada uma dessas classes corresponde prazo de amortização e de diferimento progressivamente mais longo e taxa de juros decrescente. Assim: à classe I, de montante até 50 contos, corresponde o prazo de amortização de seis anos e o de diferimento de dois anos (total: oito anos) e a taxa de juro de 13%; à classe XII, de montante superior a 6050 contos, corresponde o prazo de amortização de
23 anos e o de diferimento de cinco anos (total: 28 anos) e a taxa de juros de
2,5% (cf. quadro anexo a que se refere o artigo 19.º). Quando, porém, o montante global da indemnização a pagar for inferior a 50 contos (classe I), o pagamento pode ser feito em dinheiro, em vez de em títulos de dívida pública. Trata-se, portanto, de diferenciações estabelecidas em função do número de acções ou de partes de capital que, no conjunto, cada indemnizando possuísse. De facto, quanto mais elevada for, globalmente, a indemnização a receber, tanto mais longos serão os prazos de amortização e de diferimento e mais baixa a taxa de juro. E, por outro lado, aqueles que tiveram que receber indemnizações inferiores a 50 contos podem ser pagos em dinheiro.
5.3 – Cabe, então, perguntar: serão constitucionalmente legítimas as distinções estabelecidas? Dispõe o artigo 13.º da lei fundamental: Artigo 13.º [...] – 1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social. O princípio da igualdade é um corolário da igual dignidade de todas as pessoas, sobre a qual gira, como em seu gonzo, o Estado de direito democrático (cf. artigos 1.º e 2.º da Constituição). A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio objectivo, «reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade» – acentua Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de 1972, p. 29). O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º. Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados. O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só
é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante.
5.4 – Revertendo à hipótese que ora nos ocupa, já atrás se disse que o artigo
82.º da Constituição não impõe que a lei fixe um critério único, válido para todo o tipo de casos em que são devidas indemnizações por nacionalização de bens. Ao invés, pode ela fixar critérios diferentes que, inclusive, dêem relevo ao tipo e ao montante dos bens nacionalizados. Questão é que esses critérios, embora diferentes, respeitem o princípio de justiça que vai implicado na ideia de Estado de direito (cf. supra, II, 3.7). Designadamente, se não houver outros motivos constitucionalmente relevantes para o estabelecimento de novas distinções, haverá que fixar um mesmo prazo de amortização e de diferimento e uma mesma taxa de juros para as indemnizações cujos montantes globais sejam iguais. O critério para a determinação das indemnizações a pagar por nacionalização não tem, assim, por que assentar unicamente no valor atribuído a cada acção ou parte de capital social a indemnizar. É constitucionalmente legítimo fixar prazos de amortização e de diferimento diferentes e taxas de juros também diferenciadas em função do montante global a pagar (prazos maiores e taxas de juro mais baixas, para as indemnizações de valor global mais elevado; e prazos mais curtos e taxas de juro mais elevadas, para as indemnizações de menor montante). Do mesmo modo, no plano constitucional, nada obsta a que os pequenos accionistas sejam indemnizados em dinheiro e os restantes recebam títulos de dívida pública.
5.5 – O facto de o pagamento haver de processar-se em prazos tanto mais longos quanto maiores forem as indemnizações a receber, aliado à circunstância de, a um prazo mais dilatado, corresponder, na série degressiva das taxas legalmente estabelecidas, uma taxa de juros mais baixa, tem, é certo, como consequência que o valor de cada acção ou parte de capital social dos grandes investidores acaba por ser, realmente, inferior ao das acções ou partes de capital dos pequenos e médios investidores. Isso, porém, só seria, de per si, relevante se o único critério atendível na fixação do montante das indemnizações fosse o do valor do bem nacionalizado. E não é, como já se disse. O princípio da igualdade aponta, com efeito, para a progressiva eliminação de situações de desigualdade de facto de natureza económica na intenção de realizar a igualdade através da lei [cf. artigo 9.º, alínea d), da Constituição, que, como tarefa fundamental do Estado, indica a de «promover [...] a igualdade real entre os Portugueses»]. As diferenciações de tratamento no pagamento das indemnizações, constantes dos preceitos ora sub iudicio, apresentam-se, por isso, com fundamento material bastante. De resto, se tais diferenciações de tratamento infringissem o princípio da igualdade, sempre restaria saber qual dos regimes é que era constitucionalmente inadmissível: se o estabelecido para os grandes investidores, se, antes, o gizado para os pequenos accionistas. E, para além disso, não se vê que haja excesso ou desproporção nas diferenças de prazos e de taxas de juro fixadas. O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, não é, assim, violado.
5.6 – Situando-se as taxas de juro abaixo (nalguns casos, mesmo bastante abaixo) das que são praticadas no mercado monetário e financeiro, é evidente que se verifica uma progressiva desvalorização dos montantes indemnizatórios calculados. Um tal efeito é, porém, minorado pela possibilidade antes assinalada (supra, II,
2.4) que têm os titulares de direito de indemnização provenientes de nacionalização de transaccionarem os títulos e de os mobilizar antecipadamente – mobilização que só é, no entanto, permitida ao titular originário ou a seus herdeiros. E minorado ainda no caso de mobilização antecipada, porque, conquanto a «mobilização» se faça, em regra, pelo valor de «actualização» e não pelo valor nominal, aquela actualização é feita à taxa de juro correspondente à da classe I: 13% (cf. artigo 29.º, n.º 1, da Lei n.º 80/77). É um valor que – embora para a generalidade dos títulos seja inferior ao do mercado é superior ao valor real para os títulos das classes II a XII, uma vez que ele é calculado por uma taxa de juro superior à que lhes corresponde. Assim sendo, é de arredar também a ideia de eventual violação do princípio da indemnização, consagrado no artigo 82.º, uma vez que não se vê que as indemnizações fixadas corram o risco de se transformar em pseudo-indemnizações, isto é, em indemnizações de valor manifestamente desproporcionado ou irrisório.
5.7 – Embora, na presente data, tenham já sido fixados os valores definitivos para as indemnizações respeitantes a várias empresas (cf. Despacho Normativo do Secretário de Estado do Tesouro n.º 22/86, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 12 de Março de 1986; Despacho Normativo n.º 27/86, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 7 de Abril de 1986; Despacho Normativo n.º 93-A/86, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 16 de Outubro de 1986; e Despacho Normativo n.º 62/87, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 20 de Julho de 1987), o certo é que tudo foi feito com considerável atraso em relação às datas em que se operaram as nacionalizações. Ora isto – dir-se-á – é susceptível de violar o princípio da indemnização, consagrado no citado artigo 82.º. Sem razão, porém. Se, com tal situação, for atingido o direito à indemnização, por virtude de este se tornar coisa incerta e, assim, sem consistência, isso ficar-se-á a dever, não propriamente a vício que inquine as normas ora sub iudicio, mas sim a inacção ou falta de diligência da Administração. E se, acaso, essa conduta da Administração radicar na falta de instrumentos legais capazes de conduzir à efectiva execução das normas existentes e, consequentemente, à concreta realização do direito consagrado no artigo 82.º da Constituição, então a eventual inconstitucionalidade será uma inconstitucionalidade por omissão. Mas, como nada foi pedido que aponte nesse sentido, este Tribunal não tem que curar, aqui, dessa questão.
(…)
Por sua vez, no Acórdão n.º 85/2003, partindo-se, no essencial, da fundamentação do Acórdão transcrito, concluiu-se, pela não inconstitucionalidade (…) sempre na base do pressuposto de que o critério indemnizatório das nacionalizações não é idêntico ao das expropriações, não só porque não tem de se pautar por uma justiça absolutamente indemnizatória como também porque pode ter em conta critérios especiais de necessidade política e social. Segundo tais critérios, a prevalência do interesse colectivo sobre o interesse particular subsistirá até ao ponto em que o sacrifício dos direitos dos particulares comece a ser desproporcional e desnecessário, ou atacável em termos de justiça distributiva, como aconteceria, no caso presente, se as indemnizações, no momento em que deveriam ter sido atribuídas, fossem irrisórias ou manifestamente desajustadas relativamente ao valor dos bens nacionalizados, tendo em conta a realidade económica da época. Ora esta última hipótese carece de ser demonstrada do ponto de vista do interesse público e da situação real da economia, tendo ainda em conta que a situação dos cidadãos que deveriam receber as indemnizações através de títulos da dívida pública não é diferente da dos outros cidadãos que eram titulares de títulos de dívida pública de juro fixo, no mesmo momento.”
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem-se, pois, orientado no sentido da não inconstitucionalidade das normas em crise (cfr. também, sobre as nacionalizações, o Acórdão n.º 452/95, publicado no Diário da República, II série, n.º 269, de 21 de Novembro de 1995, no qual se decidiu não declarar a inconstitucionalidade dos artigos 1º a 7º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro).
11. O Tribunal Constitucional reafirma, no caso em apreço, o pensamento da sua anterior jurisprudência, sublinhando os seguintes pontos, decisivos, na solução do problema de constitucionalidade que é proposto, quanto às normas dos artigos
18º, 19º e quadro anexo, 21º e 24º, da Lei nº 80/77:
1º A lógica subjacente à indemnização das nacionalizações não é idêntica à das expropriações dada a natureza do acto de nacionalização, a sua específica justificação política e constitucional em confronto com a expropriação;
2º A indemnização por nacionalização não tem de se pautar por uma justiça absolutamente indemnizatória podendo tomar em conta critérios especiais justificados de necessidade política e social, numa lógica de justiça distributiva, em que são ponderáveis interesses sociais e políticos estruturais;
3º Tais critérios serão constitucionalmente justificados se o grau de prevalência do interesse colectivo sobre o interesse particular que manifestam não implicar sacrifício dos direitos dos particulares manifestamente desproporcionado e desnecessário;
4º Limite de sobreposição do interesse colectivo ao particular é aquele a partir do qual as indemnizações se tornem irrisórias ou manifestamente desajustadas relativamente ao valor dos bens nacionalizados, tendo em conta a realidade económica do momento em que ocorreu o acto de nacionalização;
5º Aquém deste limite são constitucionalmente admissíveis critérios concretos de indemnização justificados por ponderações de necessidade política, económica e social. Ora, como se reconheceu no Acórdão nº 85/2003 a verificação de que estaríamos para além da fronteira do que é constitucionalmente justificável, “careceria de ser demonstrada do ponto de vista do interesse público e da situação real da economia, tendo ainda em conta que a situação dos cidadãos que deveriam receber as indemnizações através dos títulos de dívida pública não é diferente da dos outros cidadãos que eram titulares de títulos de dívida pública de juro fixo, no mesmo momento”. Concluiu-se, assim, ante o exposto, pela não inconstitucionalidade de tais normas.
12. Quanto às normas que estabeleceram os critérios de avaliação das empresas nacionalizadas, para efeito de indemnização, fixados, primeiro, pelos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho e, depois, pelos artigos 1º a 7º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro (bem como o artigo 8º deste último diploma), também existe já jurisprudência do Tribunal Constitucional, que agora se reafirma, remetendo para os respectivos fundamentos. Assim, no referido Acórdão n.º 39/88 disse-se, a propósito dos artigos 3º e 4º do Decreto-Lei n.º 528/76:
(…)
4.2 – Como se vê, as normas que acabam de transcrever-se tratam do modo de determinar o valor de cada acção ou parte de capital das empresas nacionalizadas, para o efeito de indemnização definitiva. Viu-se atrás (supra, II, 2.4) que esse valor é fixado por despacho do Ministro das Finanças em relação a cada empresa. Para esse efeito, tomar-se-á por base o valor contabilístico, que é um valor «real» que se determinará por exame à escrita da empresa nacionalizada, e o valor de cotação, que se encontrará pelo cálculo da média ponderada em cada um dos dez anos que precederam a nacionalização – média essa sujeita a ajustamentos. Quando se trate de empresas sem acções cotadas na Bolsa, o valor da cotação é substituído pelo valor de rendibilidade.
4.3 – Os critérios que se deixam apontados para determinar o valor das acções e partes de capital, com vista à fixação dos valores definitivos das indemnizações, não violam o princípio do direito à indemnização tal como atrás se deixou definido. Na verdade, os valores resultantes da aplicação dos critérios legais não resultarão em valores irrisórios, nem manifestamente desproporcionados ao valor dos bens nacionalizados: toma-se em conta, como se viu, o valor real
(contabilístico), com o factor de ponderação 0,85, e o valor de cotação (ou rendibilidade), com o factor de ponderação 0,15.
É certo que o valor de cotação (ou de rendibilidade) dos títulos nacionalizados se apura tomando por base um período de tempo muito longo (os dez anos anteriores à nacionalização – de 1 de Janeiro de 1964 a 24 de Abril de 1974) e que, na sua parte final, foi um período de inflação significativa. Ora, o princípio da justa indemnização – dir-se-á – reclamava se adoptasse um período de avaliação mais curto, para reduzir ao mínimo os efeitos da desvalorização da moeda. E poderia acrescentar-se: e reclamava também que, na determinação dos montantes das indemnizações a pagar, se tomasse em consideração o valor do avviamento das empresas. Só que – já se disse atrás – aqui não vale o princípio da indemnização total ou integral (full composition). O artigo 82.º basta-se com que se trate de uma indemnização razoável ou aceitável que cumpra as exigências mínimas de justiça que vão implicadas na ideia de Estado de direito. E isso conseguem-no os critérios legalmente fixados. Tanto mais que, embora para apurar o valor de cotação, se tome por base um período relativamente longo (dez anos), o certo é que, como é notório, no último troço desse período as cotações na Bolsa subiram em termos bastante superiores ao das taxas de inflação. Carlos Ferreira de Almeida, Direito Económico, I parte, Lisboa, s/d, p. 106, depois de referir que «a doutrina dominante defende que a indemnização deve ser
‘adequada e efectiva’ ou, noutra formulação, ‘integral’» (cf. informação divergente de G. Ariño Ortiz), acrescenta: O sentido quase sempre ideológico e até punitivo que enquadra as nacionalizações e as dificuldades financeiras do Estado, pois que, em regra, é em período de crise que as nacionalizações têm lugar, determinam um maior realismo, admitindo-se como aceitável a indemnização desde que seja «equitativa» ou correspondente a uma «razoável compensação». José Simões Patrício, loc. cit. – ao mesmo tempo que qualifica de diploma inconstitucional o Decreto-Lei n.º 31/80, que estabeleceu condições especiais para as indemnizações a pagar a estrangeiros (cf. pp. 324 e 327) –, do ponto de vista constitucional não censura os critérios estabelecidos na lei (cf. também Luís S. Cabral de Moncada, loc. cit.). Dir-se-á também que se viola o princípio da justa indemnização quando se manda tomar em conta na determinação do valor dos direitos a indemnizar factos posteriores à data da nacionalização. Este argumento é, no entanto, inconsistente, uma vez que esses factos só são posteriores ao fecho dos balanços da data da nacionalização. São, porém, anteriores a esta, na medida em que são factos que respeitam à «anterior actividade da empresa», com reflexo na respectiva contabilidade, como claramente se diz no artigo 2.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 528/76. Concluindo, pois, este ponto: os preceitos legais apontados não violam o princípio da indemnização constante do artigo 82.º da Constituição.
Já o citado Acórdão n.º 452/95 se debruçou não só sobre as normas que fixavam o prazo para cálculo do valor de cotação e do valor de rendibilidade das acções das sociedades nacionalizadas mas também sobre todos os artigos 1º a 8º do Decreto-Lei n.º 332/91, concluindo pela não inconstitucionalidade das normas em questão. Escreveu-se a propósito daqueles artigos 1º a 7º:
(…)
8.3. Definidos os parâmetros constitucionais da indemnização por nacionalização, vejamos, então, se eles são observados pelas normas constantes dos artigos 1º a
7º do Decreto-Lei n.º 332/91. As normas acima transcritas estabelecem três critérios para o cálculo do montante das indemnizações a atribuir aos titulares de acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas: o valor do património líquido da empresa; o valor das cotações a que as respectivas acções hajam sido efectivamente transaccionadas na Bolsa de Valores de Lisboa; e o valor da efectiva rendibilidade da empresa (artigo 1º). O valor do património líquido de cada empresa é determinado a partir do balanço de gestão, na data da nacionalização, ou, na sua falta, em 31 de Dezembro de 1974, e, em ambos os casos, de acordo com as especificações técnicas aprovadas pelas Resoluções do Conselho de Ministros n.ºs. 243/80, de 11 de Julho, e 40/82, de 10 de Março, e pela Resolução do Conselho de Ministros de 23 de Maio de 1985, publicada no Diário da República,
2ª Série, de 22 de Agosto, quanto à avaliação patrimonial de empresas nacionalizadas, em tudo o que não contrarie o Decreto-Lei n.º 332/91 (artigo
2º). Por sua vez, o valor de cotação das acções de cada sociedade anónima é o que resultar da média aritmética simples das cotações máximas e mínimas desses títulos ao portador em cada ano civil e para os últimos cinco anos anteriores a
1975, não sendo, porém, considerado o valor de cotação, quando as acções não hajam sido cotadas para cada dos referidos cinco anos (artigo 5º, n.ºs. 1 e 2). Finalmente, o valor da efectiva rendibilidade é aferido pela média aritmética simples dos resultados do exercício verificados nos últimos cinco anos anteriores a 1975, acrescidos da correspondente dotação anual para amortizações e monetariamente corrigidos por aplicação dos coeficientes fixados na Portaria n.º 506/75, de 20 de Agosto, podendo o mesmo período ser reduzido até três anos no caso de indisponibilidade de elementos, e sendo a taxa calculatória a aplicar
àquela média de 5% (artigo 6º, n.ºs. 1 e 2). Os coeficientes de ponderação são fixados em 60%, 20% e 20%, respectivamente, para o valor do património líquido da empresa, o valor de cotação das acções e o valor da efectiva rendibilidade
(artigo 7º, n.º 2). Os critérios de determinação do quantum indemnizatório a atribuir aos titulares de acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas, cujos traços gerais vêm de ser apontados – tendo sido, por isso, omitidas algumas particularidades do seu regime – não violam o direito à indemnização, previsto, para a nacionalização de empresas e solos, no artigo 83º da Lei Fundamental, não sendo, por conseguinte, inconstitucionais as normas que os consagram. Duas razões fundamentais legitimam esta asserção. Em primeiro lugar, o critério do valor do património líquido da empresa, apurado com base no balanço de gestão – cujo coeficiente de ponderação é, como se viu, de 60% –, é um critério habitualmente utilizado em situações em que seja necessário determinar o valor de quotas de sociedades, quer nos casos de liquidação de quotas, por morte, exoneração ou exclusão de um sócio, em que o valor da quota deste é fixado “com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação” (cfr. o artigo 1021º, n.º 1, do Código Civil), quer nos casos de determinação da contrapartida da aquisição da quota de um sócio que tenha votado contra a fusão de sociedades e que, por esse facto, tenha o direito de se exonerar (artigo 105º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais), quer ainda nas hipóteses de amortização de quotas [artigo 235º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais]. Em segundo lugar, os critérios apontados não são critérios arbitrários, totalmente desligados do valor económico dos bens nacionalizados, nem conduzem, no plano abstracto em que, neste processo de fiscalização da constitucionalidade, tem de situar-se a análise deste Tribunal, a uma indemnização meramente nominal (blösse Nominalentschädigung), puramente irrisória ou simbólica ou a uma indemnização simplesmente aparente, antes têm virtualidades de levarem, na normalidade das situações – e só destas pode aqui o Tribunal curar – a uma indemnização razoável ou a uma compensação adequada.
É certo que o valor de cotação das acções das sociedades anónimas tem um coeficiente de ponderação de apenas 20% e apura-se tomando por base um período de tempo relativamente longo (últimos cinco anos anteriores a 1975) e que no valor da efectiva rendibilidade não entra o valor do avviamento das empresas. Só que – sem curar agora de saber se o avviamento releva ou não na determinação do valor do património líquido da empresa nacionalizada –, por um lado, não se pode olvidar que a norma do artigo 5º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 332/91 traduz um acentuado progresso em relação ao estatuído na legislação anterior, que mandava atender a um período de dez anos no cálculo do valor de cotação ou do valor de rendibilidade das acções ou partes de capital nacionalizadas e, bem assim, que, como referiu o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 39/88, na parte final do referido período (de cinco anos) as cotações na Bolsa subiram em termos bastantes superiores ao das taxas de inflação. Por outro lado, como foi acentuado anteriormente, não vale, na indemnização por nacionalização, o princípio da indemnização total ou integral (full composition), que rege a indemnização por expropriação, apurado, em regra, com base no valor de mercado
(Verkehrswert), também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo, isto é, um valor de mercado despido de elementos de valorização puramente especulativos (cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico, cit., p. 550 ss., e o mencionado Acórdão deste Tribunal n.º 210/93). No domínio da indemnização por nacionalização, o artigo 83º da Constituição (artigo 82º, antes da revisão constitucional de 1989) basta-se, como foi afirmado um pouco mais acima, com uma indemnização razoável ou aceitável, isto é, com uma indemnização ainda proporcionada à perda dos bens nacionalizados,que cumpra as exigências de justiça, na sua refracção na matéria em causa. Eis as razões – e sem deixar de ter em conta o elevado número de nacionalizações realizadas no nosso país e o facto de elas terem ocorrido, na quase totalidade, antes da entrada em vigor da Constituição de 1976, num contexto revolucionário, e não num período de um Estado de direito devidamente consolidado – pelas quais as normas constantes dos artigos 1º a 7º do Decreto-Lei n.º 332/91 não infringem a Constituição.»
Finalmente, quanto ao artigo 8º do Decreto-Lei n.º 332/91, relativo à fixação do valor da indemnização, o Acórdão n.º 452/95 concluiu igualmente pela inexistência de inconstitucionalidade, reafirmando-se, também quanto a esta norma, como atrás se disse, aquela jurisprudência.
III Decisão
13. Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) não tomar conhecimento das normas contidas nos artigos 18º, nº 2, e 28º, da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro; b) não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei nº 528/76, de 7 de Julho, dos artigos 1º a 8º do Decreto-Lei nº
332/91, de 6 de Setembro, e dos artigos 18º, nº 1, 19º e quadro anexo, 21º e 24º da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro; c) Negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 10 de Março de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Bravo Serra Maria Helena Brito Vítor Gomes Artur Maurício Gil Galvão Paulo Mota Pinto (vencido, em parte, quanto à alínea b) da decisão, nos termos da declaração de voto que junto) Benjamim Rodrigues (vencido, em parte, quanto à decisão constante da alínea b), nos termos da declaração de voto do Exmº Senhor Juiz Conselheiro Paulo Mota Pinto para a qual, com a devida vénia, remeto. Rui Manuel Moura Ramos (vencido, em parte, quanto à decisão constante da alínea b), nos termos da declaração de voto do primitivo relator, Conselheiro Paulo Mota Pinto, para a qual remeto) Carlos Pamplona de Oliveira – vencido, em parte, quanto à alínea b) da decisão por entender – em coerência com a declaração aposta ao Acórdão nº 85/2003 – que as normas dos artigos 18º, nº1, 19º e quadro anexo, 21º e 24º da Lei nº 80/77 de
26 de Outubro são materialmente inconstitucionais por não proporcionarem uma indemnização justa e equitativa. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, quanto à al. b) da decisão, no que toca aos artigos 18º, nº 1, 19º e quadro anexo, 21º e 24º da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, nos termos constantes da declaração que juntei ao Acórdão nº
85/2003) Luís Nunes de Almeida
Declaração de voto
1.Votei vencido quanto às normas dos artigos 18º, 19º e quadro anexo, e 21º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, em conformidade com o projecto de acórdão que, enquanto relator do presente processo, apresentei, e no qual, na parte relevante, depois de se citar os acórdãos n.ºs 39/88 e 85/2003, se dizia:
«A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem-se, pois, orientado no sentido da não inconstitucionalidade das normas em causa (cfr. também, sobre as nacionalizações, o Acórdão n.º 452/95, publicado no Diário da República, II série, n.º 269, de 21 de Novembro de 1995, no qual se decidiu não declarar a inconstitucionalidade dos artigos 1º a 7º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro), apesar de salientar que os critérios para fixação do valor das indemnizações por nacionalização, não tendo que obedecer ao princípio da indemnização integral e podendo diferir dos que se impõem na expropriação, atenta a natureza do acto de nacionalização, não podem, porém, ser “susceptíveis de conduzir ao pagamento de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados, nem a pagamentos tão diferidos no tempo que equivalham a indemnizações irrisórias ou absolutamente desproporcionadas” (itálico aditado).
(...) Ao Acórdão n.º 39/88 foi, porém, aposta declaração de voto pelo Cons. Cardoso da Costa, que, na parte respeitante à norma do artigo 19º, e quadro anexo, da Lei n.º 80/77, é do seguinte teor:
“Todavia, mais claramente inconstitucional, do meu ponto de vista, é o resultado a que conduz o sistema de pagamento das indemnizações, previsto no artigo 19.º da Lei n.º 80/77. É que, mesmo admitindo (dentro da ideia matriz do acórdão) que ao legislador era lícito estabelecer condições de pagamento diferenciadas, em função dos montantes a indemnizar, traduzidas em diferentes classes de títulos de indemnização, com taxas de juros decrescentes e prazos de diferimento e amortização progressivamente mais longos (artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
528/76 e, particularmente, artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 80/77), tal haveria de ter sempre como limite que o valor da indemnização não viesse, por aí, a depreciar-se em termos desrazoáveis ou desproporcionados: de outro modo, pôr-se-ia em causa o próprio «princípio» da indemnização (estabelecendo-se também, por via de consequência, «excessivas» desigualdades de tratamento). Ora, quanto a mim, é isso o que visível ou manifestamente acontece com o escalonamento dos títulos de indemnização operado pelo quadro anexo à Lei n.º
80/77, a que se reporta o n.º 2 do seu artigo 19.º. A análise desse quadro logo o permite concluir, pelo que dispensáveis serão aqui outras considerações. Em todo o caso, não deixará de acrescentar-se que o efeito referido é agravado pelo facto de o legislador haver estabelecido taxas de juro fixas (que por isso não acompanharam, e continuarão a não acompanhar, a evolução das taxas de juro correntes do mercado financeiro) e, por outro lado, nem é compensado, de modo algum, pela possibilidade de os titulares do direito à indemnização transaccionarem os títulos (já que o respectivo valor de transacção será o seu valor depreciado), nem parece que o seja (ou tenha sido) suficientemente pelas diferentes possibilidades de «mobilização» daqueles.” E também ao Acórdão n.º 85/2003 foram apostas declarações de voto de vencido, entre as quais a do ora relator, no sentido de que as normas “conduzem, claramente, a montantes indemnizatórios manifestamente desproporcionados em relação ao valor dos bens nacionalizados.” A posição que se acabou de referir baseia-se na densificação do parâmetro constitucional que o próprio Tribunal Constitucional definiu, justamente, no Acórdão n.º 39/88, no sentido de que a indemnização por nacionalização não tem de equivaler à indemnização por expropriação por utilidade pública, dadas as diferenças de natureza (designadamente, quanto à sua finalidade e de fundamento) entre esses actos, mas de que a Constituição sempre impôs a existência de uma indemnização também nos casos de nacionalização – assim, hoje, o artigo 83º, e, na versão de 1976, o artigo 82º, n.º 1 –, apenas remetendo para a lei os critérios da respectiva fixação, critérios, estes, que podem variar segundo o tipo e o montante dos bens nacionalizados, e, mesmo, consoante a justificação desta, mas, como se lê no citado acórdão n.º 39/88, desde que, “embora diferentes, respeitem o princípio de justiça que vai implicado na ideia de Estado de direito”. O que “exige que esses critérios não sejam susceptíveis de conduzir ao pagamento de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados, nem a pagamentos tão diferidos no tempo que equivalham a indemnizações irrisórias ou absolutamente desproporcionadas. E questão é ainda que as distinções que se estabelecerem não sejam manifestamente arbitrárias ou carecidas de todo o fundamento material.”. Só respeitados estes parâmetros – correspondentes a princípios “essenciais num Estado de direito, como são o da igualdade e o da proporcionalidade, como exigências que são do princípio de justiça”, o legislador goza de certa liberdade na definição dos referidos critérios. Ora, aceitando esta parametrização constitucional, não pode, na óptica do relator, deixar de concluir-se, aplicando-a ao caso dos autos, que as normas em causa, ao determinarem o pagamento das indemnizações por nacionalização através da entrega de títulos de dívida pública com regimes diferenciados e com taxas de juro fixas, correspondentes ao quadro anexo à Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, conduziram a indemnizações de valor manifestamente desproporcionado ou irrisório. Com efeito, basta uma leitura perfunctória do quadro anexo ao artigo 19º, onde se previu em 1977, como taxa de juro fixa mais elevada, para montantes acima de
6 050 000$00, a de 2,5% (dois e meio por cento), para logo saltar à vista a manifesta depreciação, e consequente desproporção, que se introduziu na indemnização paga. Como resulta da resposta ao quesito 13º-D, a esmagadora maioria (mais de dois terços) dos títulos entregues ao recorrente encontravam-se na classe XII do quadro anexo ao artigo 19º da Lei n.º 80/77, o qual, para um valor de indemnização acima de 6050 000$00, previa uma taxa de juro fixa de
2,5%, com um período de amortização de 23 anos e 5 de diferimento É, por outro lado, notório, que, só desde a data da nacionalização até à última data de entrega de títulos considerada na decisão recorrida – ou seja no presente caso, até 1994 (v. ponto 27 dos factos provados) –, se verificou uma muito elevada inflação e uma brutal desvalorização da moeda. Assim, por exemplo, para efeitos de determinação da matéria colectável em IRS, a Portaria n.º 277/94, de 10 de Maio fixou os seguintes coeficientes de desvalorização (em que 1 corresponde ao ano de 1993): 6,89 para 1979, e 14,55 para 1976. Para efeitos fiscais, o legislador mandou, pois, multiplicar por várias vezes, aplicando estes índices, para encontrar a desvalorização da moeda reportada a estes anos, enquanto para o pagamento de indemnizações por nacionalização fixou como taxa de juro fixa, para valores acima de 6 050 000$00
– e a indemnização dos recorrentes ascendia quase a 50 000 000$00 –, o valor de
2,5%. E com igual clareza se patenteia a depreciação da indemnização se se considerar a taxa de inflação entre 1976, ano subsequente ao da nacionalização, e 1994 – o que, por notório, dispensa também demonstração exacta, mas (até 1988) foi também, aliás, objecto de prova (v. ponto 13 dos factos provados). As taxas de compensação pelo diferimento do pagamento das indemnizações foram, pois, muitíssimo inferiores às taxas correntes do mercado e até às taxas de inflação verificadas. Com períodos muito longos de amortização e taxas de juro muito baixas, ficou degradado o valor atribuído aos bens nacionalizados, de tal forma que os valores indemnizatórios atribuídos pelo Governo vieram efectivamente a revelar-se muito inferiores – isto é, várias vezes inferiores – aos valores patrimoniais das participações sociais objecto da nacionalização – resultado, este, não apenas possibilitado, mas ínsito nos próprios valores previstos pelo quadro anexo ao artigo 19º da Lei n.º 80/77. A indemnização em títulos da dívida pública, limitada pela aplicação de critérios legais que previram taxas de juro fixas várias vezes abaixo dos valores da inflação e da desvalorização da moeda (e não apenas “inferior ao normalmente previsto nos mercados económico e financeiro”), veio, pois, a tornar
“manifestamente desproporcionada ao valor dos bens nacionalizados”. Tal depreciação, salientada já na declaração de voto citada, aposta pelo Ex.mº Cons. Cardoso da Costa, fez com que se não tenha tratado de uma “indemnização razoável ou aceitável que cumpra as exigências mínimas de justiça que vão implicadas na ideia de Estado de direito”, e, por isso, com que as normas que a previram não possam ser consideradas conformes à Constituição da República. Isto, aliás, sem que quaisquer razões – como “critérios especiais de necessidade política e social” ou a possibilidade de transaccionar os títulos e de os mobilizar antecipadamente, referidos no citado acórdão n.º 85/2003, ou, mesmo, outros eventos posteriores – possam relevar no sentido de atenuar este resultado. Quanto àqueles critérios, são já tomados em conta na possibilidade referida, de a indemnização por nacionalização diferir da que é devida nos casos de expropriação por utilidade pública, tendo apenas que ser razoável ou não manifestamente desproporcionada – como este Tribunal reconheceu, primeiro, no referido Acórdão n.º 39/88. E quanto à invocação da possibilidade de transaccionar os títulos e de os mobilizar antecipadamente – o que só é, no entanto, permitido ao titular originário ou a seus herdeiros –, para realizar o seu valor e assim atenuar os efeitos da inflação e da desvalorização da moeda, não considera que o valor de transacção no mercado não poderá nunca deixar de incorporar, no sentido da sua depreciação, a consideração da taxa de juro fixa muito abaixo dos valores da inflação e da desvalorização da moeda. E o mesmo se diga da invocação de que há que ter em conta a “realidade económica da época” ou a comparação com a situação de “outros cidadãos que eram titulares de títulos de dívida pública de juro fixo, no mesmo momento”. Esta comparação é evidentemente improcedente: aos titulares de bens nacionalizados foi retirada, por acto coactivo, a titularidade dos bens, e é-lhes, depois, imposto um limite máximo de juro, fixo, várias vezes abaixo da depreciação monetária; diversamente, os adquirentes de títulos que venciam taxas fixas baixas são prejudicados por terem efectuado uma escolha, que se veio a revelar um mau negócio, ao adquirirem tais títulos, sem preverem a depreciação monetária.» Com estes fundamentos, teria, pois, julgado inconstitucionais, por violação dos artigos 62º, n.º 1, e 83º da Constituição, conjugados com o princípio da proporcionalidade, as normas dos artigos 18º, 19º e quadro anexo e 21º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, enquanto delas decorre que o pagamento das indemnizações devidas por nacionalização se faz com títulos de dívida pública vencendo taxas de juros fixas de valor várias vezes abaixo da depreciação monetária registada, pois tal solução conduziu, no presente caso, a uma indemnização manifestamente desproporcionada ao valor dos bens nacionalizados.
2.Tal como no projecto de acórdão que apresentei, acompanho o juízo de não inconstitucionalidade relativamente às restantes normas de que cumpria tomar conhecimento – a saber, os artigos 1º a 6º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho e 1º a 8º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro, e o artigo 24º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro. Obtida a conclusão de inconstitucionalidade referida no número anterior, propunha-se nesse projecto um juízo de não inconstitucionalidade quanto a estas outras normas, nos seguintes termos:
«Pelas razões constantes deste acórdão n.º 452/95, para as quais se remete, entende-se que as normas impugnadas do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro não são inconstitucionais. Designadamente, importa relevar que a determinação do valor da indemnização por nacionalização não tem de obedecer ao princípio da indemnização total ou integral (full composition), e que os critérios do valor do património líquido, apurado com base no balanço de gestão e do valor da cotação das acções, são critérios aceitáveis de avaliação do valor de partes sociais. Mesmo, porém, para as normas do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho, e apesar de o prazo a considerar para a determinação dos valores de cotação e de rendibilidade ser o dobro – dez anos, rectius, desde 1964, enquanto para o diploma de 1991 são os cinco anos anteriores a 1975 –, e de se não autonomizar a consideração do aviamento das empresas, pode considerar-se que tal não é, nem foi, no presente caso, só por si, susceptível de afectar a obtenção de um valor indemnizatório razoável ou aceitável, não manifestamente desproporcionado, desde logo, pelas razões referidas no acórdão n.º 39/88 – onde se refere, não só o sentido que os actos de nacionalizações tiveram mas também, descendo à realidade da evolução dos indicadores no período em questão (e em contraposição ao acentuar da inflação nos últimos anos a considerar), “que, como é notório, no
último troço deste período as cotações na Bolsa subiram em termos bastante superiores ao das taxas de inflação.” Entende-se, pois, que, no caso dos autos, a depreciação que tornou manifestamente desproporcionada a indemnização resulta, não tanto, dos critérios para avaliação das empresas resultantes das normas em questão, quer das de 1976, quer das de 1991, mas do regime do pagamento da indemnização (das taxas de juro e dos períodos de amortização) já considerado quando se tratou das normas da Lei n.º 80/77 – isto, para além da divergência entre os valores de avaliação fixados pela Comissão Arbitral e os fixados pelo Estado, também invocada pelo recorrente, a qual, porém, na medida em que não resulta dos critérios normativos em causa (pois estes também regem a avaliação pela Comissão Arbitral), mas antes da sua aplicação aos factos, não pode ser controlada pelo Tribunal Constitucional, ao qual apenas compete fiscalizar a constitucionalidade de normas.
(...) Resta, ainda, a norma do artigo 24º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, nos termos da qual os juros das obrigações entregues em pagamento de indemnização se vencem “desde a data da nacionalização ou expropriação ou da data da ocupação efectiva dos prédios, no caso de esta ser anterior, sendo capitalizados os vencidos até à data da emissão das obrigações destinadas ao pagamento das indemnizações provisórias e pagos anualmente os vencidos a partir dessa data.” Ora, alcançada a conclusão de inconstitucionalidade relativamente às normas dos artigos 18º, 19º e quadro anexo e 21º da Lei n.º 80/77, pode também concluir-se que a norma do artigo 24º não viola a Constituição. Com efeito, a depreciação do valor da indemnização resulta dos largos períodos de amortização (incluindo o diferimento) e da taxa de juro fixa, muito baixa comparativamente à realidade económica, fixados no referido quadro anexo. Se fossem outros, mais próximos das taxas que no mercado se vieram a registar, tais taxas de juros, ou se o período de amortização tivesse sido substancialmente mais curto, não seria só por si o dies a quo para vencimento dos juros das obrigações, a sua capitalização até à data de emissão ou pagamento anual depois desta data, que tornaria manifestamente desproporcionada a indemnização, por conduzir a uma sua depreciação. Este resultado deriva, pois, daquelas outras normas, e não do artigo 24º, pelo que esta não é de considerar desconforme com a Constituição.» Foi, pois, nestes exactos termos e pressupostos que acompanhei a conclusão pela não inconstitucionalidade das normas dos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei n.º
528/76, de 7 de Julho e 1º a 8º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro, e do artigo 24º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro.
Paulo Mota Pinto