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Processo n.º 190/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Por decisão da Assembleia Municipal do Município da Póvoa de Varzim tomada em 26 de abril de 2007, conforme Declaração nº 138-C/2007, de 14 de maio de 2007, publicada no DR 130, II série, em 9 de julho de 2007, para a execução da obra «Parque da Cidade 2 fase do Parque Nascente – Área Lúdico Desportiva», da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, e a necessidade de expropriar a A. e marido B., a totalidade do prédio rústico, denominado por «…, … ou …», com a área de 5.047,50 m2, situado no Lugar da Fonte ou Cadilhe, freguesia de Amorim, concelho de Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o nº …/20040132 e inscrito na matriz rústica sob o artigo ...
Tal parcela com o nº PC-106 foi objeto de vistoria ad perpetuam rei memoriam conforme consta de fls. 68 a 75.
O Município da Póvoa de Varzim entrou na posse administrativa da mesma parcela em 27 de setembro de 2007.
Não tendo sido possível a obtenção de acordo quanto à indemnização a pagar pela expropriação da parcela, procedeu-se à arbitragem, finda a qual, foi proferido acórdão em que se fixou o valor da indemnização a pagar aos proprietários da parcela expropriada em € 103.388,30.
Recorreram os Expropriados pretendendo que a indemnização seja fixada, tendo em atenção os juros moratórios e o valor de mercado na ótica da capacidade construtiva nunca inferior a € 150,00/m2, o valor das benfeitorias e o subaproveitamento do equipamento e o prejuízo da perda da exploração do terreno.
A entidade Expropriante interpôs recurso subordinado e terminou pedindo que julgado procedente o recurso subordinado e revogada a decisão arbitral fosse fixada a indemnização pela expropriação da parcela em valor nunca superior a € 93.388,30 e julgado improcedente o recurso dos expropriados e estes condenados como litigantes de má fé em multa cujo montante fosse fixado pelo Tribunal.
Houve resposta dos Expropriados em que, designadamente, pediram a condenação da Expropriante como litigante de má fé.
Após realização de audiência de julgamento foi proferido acórdão pelo Tribunal coletivo que:
1- Julgou parcialmente procedentes os recursos interpostos por expropriante e expropriados e, em consequência, revogou a decisão arbitral e fixou a indemnização pela expropriação em € 172.200,00 (cento e setenta e dois mil e duzentos euros) montante esse a atualizar desde 14 de maio de 2007 até à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, nos termos do art. 24º, do Código das Expropriações, a pagar pela expropriante aos expropriados acrescida de juros vencidos e vincendos calculados à taxa legal, devidos desde a presente data até efetivo pagamento;
2- Mais se condenou a expropriante a pagar aos expropriados juros de mora desde 9 de outubro de 2007 até 8 fevereiro de 2008, calculados à taxa legal sobre a quantia de € 75.712,50;
3- Absolveu-se expropriante e expropriados dos pedidos de condenação a título de litigância de má fé.
Inconformados os expropriados apresentaram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 10 de janeiro de 2012, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Os Expropriados interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, nos seguintes termos:
1º As normas dos nº 4 e 10 do artigo 26º do CE foram aplicadas no presente acórdão, isto não obstante, durante o processo ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade;
2º De facto, na presente apelação esta questão foi objeto de apreciação tendo este Tribunal da Relação considerado estas normas conforme às normas e princípios constitucionais.
Discordamos
3º Estas normas inserem-se no âmbito do critério de avaliação do solo apto para construção previsto no Código das Expropriações. Ora, a avaliação do solo apto para construção expropriado tem de ser de tal forma ampla e justa que não discrimine os expropriados dos não expropriados colocados que estejam em situação idêntica;
4º Um particular não expropriado não valoriza um solo apto para construção com base no custo da construção mas com base no valor da construção;
5º De facto quem valoriza para comprar ou para vender um solo apto para construção tem em atenção aquilo que nele se pode construir e aquilo que vale a construção quando pronta, o seu valor de venda;
6º Por outro lado, não se pode raciocinar com dedução para risco e esforço construtivo quando se raciocina com o custo de construção;
7º O valor da construção, o valor do produto final que é a construção pronta é composto por vários elementos e um deles é o custo da construção;
8º Outro é o valor do terreno, outro são os projetos, etc.;
9º Ora, determinar o valor dum dos elementos que compõem o valor da construção com base numa percentagem doutro elemento da mesma componente é, além de ilógico, impeditivo de se atingir a justa indemnização;
10º Estas questões foram suscitadas nas alegações da apelação nomeadamente nos artigos 154º a 165º e nas conclusões 6ª e 21ª da mesma.
11º E este alto Tribunal considerou que tais normas são constitucionais e que a sua aplicação nestes autos não constitui ofensa aos apontados princípios constitucionais;
12º Estão, assim, verificados os 2 requisitos exigidos pela norma do artigo 70 da LTC citada, a saber :
- ter-se suscitado a questão;
- e a possibilidade de o Tribunal Constitucional a poder apreciar em sede de recurso;
13º Por último não cabe recurso ordinário do douto acórdão;
14º Daí que estejam preenchidos os requisitos legais para a admissão do presente recurso;
15º O critério do nº 4 do artigo 26 do CE é limitativo de se atingir a justa indemnização, o valor de mercado, o valor de substituição do bem perdido;
16º A indemnização só satisfaz os princípios constitucionais quando respeita os princípios da igualdade e permite que o expropriado compre com o seu produto algo equivalente àquilo que perdeu;
17º Um particular compra um terreno apto para construção partindo do valor venal da construção pronta;
18º Um particular vende um terreno para construção em função do valor da construção que nele se pode erigir;
19º A sujeição ao custo de habitação e, ainda por cima relativa a custos controlados de habitação social traduz na avaliação uma entorse intolerável, uma desigualdade inaceitável num estado de direito constitucional como é o nosso;
20º Alem de antijurídica tal solução é manifestamente imoral;
21º Os expropriados por o serem não podem ser prejudicados também na indemnização;
22º E para alem da violação do princípio da igualdade na vertente externa também há a violação da igualdade na vertente interna;
23º É inaceitável que se privilegie a entidade que expropria com a aplicação de preços mais baratos já que tal pratica se traduz num imposto camuflado sem apoio na lei fiscal;
24º E não se diga que o preço fixado é o de mercado e justo quando vemos que nos autos se demonstrou que loteado um solo do outro lado da Avenida do Mar se vende a preços que variam dos 275,00 a 425,00 euros o m2;
25º E não se diga que o preço é justo quando se fosse avaliado fiscalmente valia mais de 90 euros Também não é correta a aplicação do nº 10 porque o risco de perder tem sempre de ter a contrapartida de ganhar;
26º Um particular investe e corre riscos. Só que investe a preços de custo da construção e vende a preços de venda ou seja em principio ganhará;
27º Agora, uma coisa é certa se vender a preços de custo perderá sempre;
28º A norma do nº 10 citada ao impor sem contrapartida a dedução pelo risco é inconstitucional.
Posteriormente apresentaram alegações com as seguintes conclusões:
Iª O critério legal de avaliação do solo apto para construção, previsto nos nº 4 a 10 do artigo 26.º do C.E., contem, em si próprio, uma petição de princípio, um vício lógico que o inquina.
II.ª O valor da construção (o valor pelo qual se transaciona no mercado em condições normais) é o somatório de todos os encargos necessários à sua conclusão e permissão para ser colocada no mercado.
IIIª De entre eles realça-se o custo da construção e o custo do terreno.
IV.ª Ao fazer depender o valor do solo expropriado do custo da construção o legislador está a cometer uma petição de principio, um vicio lógico, porquanto um dos componentes do todo só pode ser uma percentagem do próprio todo e não uma percentagem doutro elemento que como ele integra o todo.
V.ª Petição de principio que, por si só, acarreta a inconstitucionalidade do critério por violação do principio da igualdade e da justa indemnização na interpretação que lhe vai dada no caso concreto, pois que não recompõe a posição jurídica do particular, para quem, a indemnização arbitrada, fica aquém do real valor do bem, aferido em condições normais de mercado.
VI.ª De facto, um particular não expropriado se promover diretamente a construção, não tem esta limitação quanto à valorização do seu terreno e o promotor que adquirir o terreno não o compra em função do custo da construção que nele vai implantar mas sim em função do valor pelo qual transacionará provavelmente (na altura em que compra tem de fazer uma previsão pois até à construção ficar pronta passarão dois anos) depois da construção acabada. Assim agirão dois prudentes pais de família a comprar e a vender.
VIIª A violação dos princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização ainda saem tão mais ofendidos quando o legislador concretiza a noção de custo da construção reportando-a ao custo da habitação propriamente dito (materiais e mão de obra), tomando por referência a construção a custos controlados ou atendendo ao arrendamento social.
VIIIª Nenhum promotor privado que tem, naturalmente interesse lucrativo, vai construir por sua conta e risco, habitação social, seja para vender, seja para arrendar; e mais, o critério assumido é tão mais rígido quando o diploma que o fixa, anualmente, não estabelece diferenciações entre o custo a que se reporta, ou pelo menos diferenciações significativas, dentro da mesma ou em diferentes zonas; ora, o valor da construção, a que a lei anteriormente atendia, é ele sim, diferenciador, de caso a caso, e intervêm na sua composição elementos que, por esta via, são desconsiderados.
IXª O estado está constitucionalmente obrigado a promover habitação condigna para os cidadãos mais desfavorecidos. E, por isso, promove habitação social através das Câmaras e das Cooperativas de Habitação, e favorece-os com a isenção de IRC, com IVA reduzido para a taxa mínima, isenção nas taxas de licenciamento, etc.
Xª E é público e notório que a construção social tem uma qualidade abaixo da média e que no mercado tem pouca saída e pequeno valor comercial, não sendo, aliás, regra vê-los a serem, comercializados.
XIª Assim, ao colocar-se como referência o custo da construção de habitação social, o legislador assumiu que não se enganou quando referiu no n.º 4 o custo da construção (não quis dizer valor de construção) e violou os princípios apontados pois ninguém promove a preços de custo de habitação social, nem este compõe o valor real de mercado de um solo apto para a construção.
XIIª Obrigar os proprietários expropriados a verem os seus solos com aptidão construtiva, e como tal classificados, avaliados a preços de habitação social é forçá-los a pagar um imposto suplementar - imposto encapotado - pois não podem ver os seus terrenos valorizados pelo menos a preços médios de construção como ocorre com os solos , com idênticas valências construtivas, não expropriados.
XIIIª Este nivelamento por baixo, pelo nível mais baixo do custo de construção, põe em subalternidade os proprietários expropriados em relação aos não expropriados traduzindo-se a diferença na valoração, pelo menos, num imposto não tipificado nos termos previstos e por isso ilegal.
XIVª Os proprietários privados não têm obrigação constitucional de promover habitação social. Essa obrigação é exclusiva do Estado e não dos particulares.
XVª Esta ablação de valorização, porque se traduz num imposto que não é nem geral nem abstrato, nem está criado na forma legal e não é transparente, é também por esta via, geradora de inconstitucionalidade.
XVIª O custo de construção é idêntico em todo o país, a diferença de valores tem a ver com a localização, com o terreno e com o seu valor.
XVIIª Assim, em tese geral, é inconstitucional, por limitativo, de se alcançar a justa indemnização. A limitação a 15% do valor do solo, sem a consideração de infraestruturas, é inconstitucional na interpretação efetuada, não só por ser calculado o valor indemnizatório sobre o custo de construção mas também por ser manifestamente limitativa; há zonas em Lisboa ou no Porto em que o terreno vale varias vezes o custo de construção de qualidade nele implantado.
XVIIIª A dedução prevista para inexistência de risco e esforço construtivo também é inconstitucional, à luz da interpretação obtida nos autos, por violação dos princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da justa indemnização quando é conexionado ao custo da construção, e não ao valor de construção.
XIXª Na Póvoa de Varzim, na margem oposta da Avenida do Mar, há um terreno loteado à venda por preços que variavam à data da DUP entre € 275,00 e € 425,00 o m2, o que revela claramente o desfasamento de prismas entre aqueles dois conceitos.
Os peritos deduziram o custo para o loteamento do terreno expropriado. A área expropriada para o parque da cidade é urbana e era a única que estava por construir na margem da Avenida do Mar e tal deveu-se à cativação de que foi objeto.
XXª A decisão recorrida, ao aplicar o critério previsto no nº4 e ss. do artigo 26.º do C. E., na interpretação que fez, aplicou normas inconstitucionais.
De facto a decisão impugnada ficou, em termos de valor para o terreno, que se pretendia justo, num crivo assente em diferentes princípios constitucionais, em valores muito inferiores àquele a que se chega pelo IMI e pelos valores venais de venda na envolvente, por ter adotado o custo da construção em vez do valor de construção, e por ter aplicado a legal dedução a título de risco prevista no nº10 do artigo 26.º, quando tomou como prisma interpretativo um critério, o do custo da construção, que não envolve risco.
XXIª É inconstitucional o n.º4 da citada norma quando interpretado no sentido de excluir os índices referentes ás infraestruturas criadas, não obstante ter sido deduzido aos expropriados, na indemnização, o custo para o prévio loteamento do terreno.
XXIIª É também inconstitucional a mesma norma quando, como acontece no caso sub iudice, leva a tamanho afastamento dos valores reais a qual além de se fundar na aplicação no custo de construção tem uma limitação irreal da percentagem de valorização do terreno – 15% como máximo, sem se atender às infraestruturas previstas no nº 7 do artigo 26 do C.E.
XXIIIª É inconstitucional ainda quando é interpretada de forma a considerar apenas a área construída no perímetro da parcela e não do perímetro da área cativada para o parque há vários anos, por violação do princípio da igualdade, como supra se expendeu.
Termos em que na procedência do presente recurso deve ser declarado inconstitucional no presente caso concreto o critério legal da avaliação previsto no nº 4 e 10 do artigo 26 do CE, na interpretação que dele vai feita, à luz do exposto, devendo a decisão recorrida ser anulada, em função do juízo de inconstitucionalidade, determinando-se que a avaliação seja efetuada com recurso a outros critérios referenciais alternativos para a avaliação, que assim façam cumprir os parâmetros constitucionais aplicáveis ao caso concreto.
Fundamentação
1. Da delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso constitucional é definido em primeiro lugar pelos termos do requerimento de interposição de recurso.
Tem sido entendimento constante do Tribunal Constitucional que, ao definir, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende sindicar, o recorrente delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida qualquer modificação ulterior, com exceção duma redução do pedido, nomeadamente, no âmbito da alegação que produza (vide, Lopes do Rego, em “Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, pág. 207, da ed. de 2010, da Almedina)
Confrontando o teor das conclusões das alegações com o do requerimento de interposição de recurso, constata-se que os Recorrentes ampliaram os termos em que haviam delimitado o objeto do recurso neste requerimento, invocando a inconstitucionalidade de novas dimensões normativas.
Os Recorrentes, no requerimento de interposição de recurso, limitaram-se a invocar a inconstitucionalidade das normas constantes dos n.º 4 e 10, do artigo 26.º, do Código das Expropriações.
Nas alegações agora apresentadas, os Recorrentes vêm também invocar a inconstitucionalidade de determinadas interpretações normativas destes preceitos que imputam à decisão recorrida.
Apesar de reportadas aos referidos n.º 4 e 10.º, do artigo 26.º, do Código das Expropriações, cuja inconstitucionalidade havia sido arguida no requerimento de interposição de recurso, estamos perante novos conteúdos normativos de origem interpretativa, imputados à decisão recorrida, que se diferenciam do sentido do próprio preceito legal, pelo que não é possível considerá-los compreendidos na definição do objeto de recurso efetuada de forma definitiva no requerimento que o interpôs.
Por estes motivos, na apreciação do mérito do presente recurso apenas se efetuará a fiscalização da constitucionalidade das normas imediatamente extraíveis do enunciado literal dos n.º 4 e 10, do artigo 26.º, do Código das Expropriações, estando excluído do seu objeto qualquer uma das agora invocadas interpretações normativas destes preceitos.
2. Do mérito do recurso
Da constitucionalidade n.º 4, do artigo 26.º, do Código das Expropriações
O artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, determina que a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada mediante o pagamento de justa indemnização.
Apesar da Constituição ter remetido para o legislador ordinário a fixação dos critérios conducentes à fixação da indemnização por expropriação, ao exigir que esta seja “justa”, impõe a observância dos seus princípios materiais da igualdade e proporcionalidade, assim como do direito geral à reparação dos danos, como corolário do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da Constituição).
Em termos gerais e utilizando definição comum à jurisprudência deste Tribunal, poder-se-á dizer que a “justa indemnização” há de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores. O valor pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve ter como referência o valor real do bem expropriado.
Ora, o critério geral de valorização dos bens expropriados, como medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, numa sociedade de economia de mercado como a nossa, é o do seu valor corrente, ou seja o seu valor venal ou de mercado, numa situação de normalidade económica.
Como escreveu Alves Correia “… a indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objeto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto” (em “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”, pág. 546, da ed. de 1989, da Almedina).
Apesar deste valor de mercado não poder atender a situações especulativas e poder sofrer algumas correções impostas por razões de justiça que visam evitar enriquecimentos injustificados, donde resultará um “valor de mercado normativo”, é ele que deve constituir o critério referencial determinante da avaliação dos bens expropriados para o efeito de fixação da respetiva indemnização a receber pelos expropriados.
Foi este o critério geral que foi adotado pelo legislador ordinário no Código das Expropriações
“Artigo 23.º (Justa indemnização)
1 – A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
…
5 – Sem prejuízo do disposto nos n. 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
Procurando evitar alguma subjetividade na determinação deste valor, o legislador fixou critérios valorativos instrumentais, relativamente a vários tipos de bens expropriados.
Assim, quanto aos terrenos que se considerem que são aptos para construção dispôs-se o seguinte nos quatro primeiros números do artigo 26.º, do Código das Expropriações:
1 - O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efetuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º
2 - O valor do solo apto para construção será o resultante da média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10%.
3 - Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transações e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na zona e os respetivos valores.
4 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.
O Código das Expropriações de 1999, à semelhança do que havia sucedido com as leis que o antecederam, apontou como elemento de referência para o cálculo da indemnização devida pela expropriação de um terreno com esta aptidão, a construção que nele era possível efetuar num aproveitamento económico normal.
Efetivamente, nos terrenos com esta aptidão o seu valor venal não é determinado diretamente pelas suas características físicas atuais, mas sim por aquilo que nele é possível edificar. É essa potencialidade que lhe confere um especial valor no mercado que deve ser considerado para efeitos de atribuição de uma indemnização justa pela sua expropriação.
Como critério principal para a determinação deste valor o legislador do Código das Expropriações de 1999, optou por se socorrer da média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10% (artigo 26.º, n.º 2).
Contudo, devido à difícil praticabilidade da elaboração pelos serviços competentes do Ministério das Finanças de uma lista das referidas transações e avaliações fiscais e os respetivos valores, este critério não tem funcionado, o que tem obrigado os tribunais a utilizarem o critério subsidiário previsto no n.º 4, do artigo 26.º, do Código das Expropriações, cuja constitucionalidade se encontra neste recurso sob fiscalização (o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 131/2001, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, não julgou inconstitucional o critério constante do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, que não apresentava diferenças substanciais relativamente ao critério aqui sob fiscalização).
Dispõe este preceito que o valor dos solos com esta aptidão se calcula em função do custo da construção que nele é possível erigir, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes do mesmo artigo 26.º.
Conforme resulta do disposto nesses números, o valor da indemnização corresponderá a uma percentagem do “custo da construção”, obtido num juízo de prognose, tendo em atenção o grau de influência que as específicas características do terreno em causa determinam no valor final do prédio edificado.
A expressão “custo da construção” é algo equívoca, tanto podendo referir-se, abstratamente, aos custos da sua realização (materiais, mão de obra, projetos, etc…), como aos custos da sua aquisição pelo consumidor (no Acórdão n.º 677/2006, deste Tribunal, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, julgou-se inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991, interpretada no sentido de equiparar ao custo da construção o “valor da construção” relevante para se determinar o “valor do solo apto para construção”, sendo essa também a opinião de ALVES CORREIA, em Manual de Direito do Urbanismo, vol. II, pág. 287, da ed. de 2010, da Almedina).
Nos diversos números do artigo 26.º utilizam-se indistintamente as expressões “valor da construção” e “custo da construção”, como se referindo à mesma realidade. E o disposto no n.º 5, do mesmo artigo 26.º, para cujos termos remete o anterior n.º 4, não deixa dúvidas sobre o significado daquela expressão quando dispõe que na determinação do “custo da construção” se atende, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
Conforme resulta do artigo 61.º, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 7 de fevereiro, até à publicação de um novo regime, mantêm-se em vigor o regime de renda condicionada a que se reporta o revogado Regime do Arrendamento Urbano (RAU), constante do Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de dezembro.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 288/93, de 20 de agosto, no artigo 5.º, regulou o preço de venda dos fogos de habitação social.
Em ambos os casos, o preço das construções por metro quadrado é fixado anualmente, por zonas do país, por portaria, referindo-se esses valores não a custos de produção mas sim a custos de aquisição pelo consumidor (João Pedro Melo Ferreira, em “Código das Expropriações anotado”, pág. 192-193, da 4.ª ed., da Coimbra Editora, e Luís Perestrelo de Oliveira, em “Código das Expropriações anotado”, pág. 101-102, da 2.ª ed., da Almedina, defendem também esta interpretação do termo “custo da construção”, como a única que forneceria um valor comparável).
Estes são meros valores de referência a que o julgador deve atender na fixação da indemnização, sem prejuízo de poder utilizar o poder que lhe confere o atual n.º 4, do artigo 23.º, do Código das Expropriações – sem prejuízo do disposto nos n.º 2 e 3, do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes do artigo 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
O legislador entendeu que, nestes casos, o valor da indemnização a atribuir pela expropriação deste tipo de terrenos deveria consistir numa percentagem a fixar pelo julgador dentro de determinados limites e tendo em conta determinados parâmetros definidos nos números 5 e seguintes, do mesmo artigo 26.º, do Código das Expropriações, sobre o valor de aquisição que teria o prédio constituído por esse terreno, caso se encontrasse edificado em condições de normalidade.
Simula-se que no terreno expropriado foram erguidas as construções que nele são permitidas, atribui-se um valor a esse prédio idealizado e, finalmente, calcula-se qual a percentagem que nesse valor assume o referido terreno, sendo o resultado a quantia a pagar pela expropriação do mesmo.
É este, em suma, o critério subsidiário definido no artigo 26.º, n.º 4, do Código das Expropriações.
Ora, reconhecendo-se que é a potencialidade construtiva deste tipo de terrenos que lhe confere um especial valor no mercado, o critério analisado, apesar de se basear em juízos de probabilidade e normalidade, ao ter como elemento de referência para o cálculo da indemnização devida pela expropriação o valor de aquisição do prédio com a construção que nele era possível efetuar num aproveitamento económico normal, valoriza precisamente essa potencialidade edificativa, pelo que a sua aplicação permite ao julgador encontrar um valor que respeite a ideia de justa indemnização exigida pelo artigo 62.º, da Constituição.
Poder-se-á dizer, como faz o Recorrente nas suas alegações, que a aplicação dos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada, ou os critérios de fixação da percentagem da relevância do terreno no prédio simuladamente construído, resultam, em alguns casos, no apuramento de valores bastante abaixo dos preços de mercado, mas tais questões já não respeitam à conformidade constitucional do critério subsidiário consagrado no artigo 26.º, n.º 4, do Código das Expropriações, mas sim aos parâmetros definidos nos números seguintes deste preceito, designadamente o n.º 5, onde se indica a legislação onde se devem obter os valores referenciais administrativamente fixados do “custo da construção”, conforme a zona do país onde ela se situe, e o n.º 6 que fixa o valor máximo da percentagem da relevância do terreno no prédio ficcionadamente construído.
Por estas razões, não se verifica que o critério estabelecido no n.º 4, do artigo 26.º, do Código das Expropriações, viole qualquer parâmetro constitucional, designadamente o princípio da justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, da Constituição.
2.2. Da constitucionalidade do n.º 10, do artigo 26.º, do Código das Expropriações
No n.º 10, do mesmo artigo 26.º, do Código das Expropriações em que se determina o modo de cálculo do valor dos solos aptos para construção, dispõe-se que o valor que resultar da aplicação dos critérios fixados nos números 4 a 9, que se analisaram no ponto anterior, será objeto de um fator corretivo pela inexistência de risco e do esforço inerente à atividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação.
Relembre-se que segundo os critérios estabelecidos nos n.º 4 a 9, do artigo 26.º, do Código das Expropriações, o valor do solo apto para construção era apurado do seguinte modo:
- o valor do solo calcula-se em função do custo da construção em condições normais de mercado (n.º 4);
- este custo é determinado tendo em conta, como referencial, os montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada (n.º 5);
- o custo de construção pode ainda ser acrescido ou diminuído se, pelas especiais condições do local, ele for substancialmente reduzido ou agravado (n.º 8);
- o valor do solo varia até 15 % do custo de construção, atendendo-se a vários fatores, nomeadamente, localização, qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona (n.º 6).
- a percentagem fixada pode, ainda, ser acrescida até ao limite das percentagens legalmente estabelecidas para diversos fatores, que aumentam o valor do solo (n.º 7);
- quando o aproveitamento urbanístico que serviu de base à avaliação implicar uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas existentes, deverá abater-se ao cálculo do montante indemnizatório as despesas necessárias ao reforço dessas infraestruturas (n.º 9);
- finalmente, segundo a regra cuja constitucionalidade é questionada neste recurso, o valor determinado pelas regras acima enunciadas será diminuído com a aplicação de uma percentagem máxima de 15 % daquele valor, 'pela inexistência de risco e do esforço inerente à atividade construtiva'.
O legislador ao prever a aplicação deste fator corretivo teve em consideração que os riscos e o esforço da atividade construtiva (custos da organização) são fatores que agravam o peso económico da construção face ao terreno, pelo que entendeu que, sendo a construção apenas idealizada, a inexistência desses fatores deveria ser considerada na determinação do valor de um terreno com aquela aptidão. Assim, segundo este critério, quanto maiores forem esses riscos e aqueles custos no tipo de construção ficcionada, menor será o valor desse terreno.
O Tribunal Constitucional já foi confrontado com a invocação da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 10.º, do artigo 26.º, do Código das Expropriações (a inconstitucionalidade deste preceito foi também defendida por Joâo Pedro Melo Ferreira, em “Código das Expropriações anotado”, pág. 194-195, da 4.ª ed., da Coimbra Editora”), tendo sempre proferido um juízo negativo (no mesmo sentido pronunciaram-se Alves Correia, em “Manual de Direito do Urbanismo”, pág. 285-287, da ed. de 2010, da Coimbra Editora, e Salvador da Costa, em “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores”, pág. 186, da ed. de 2010, da Almedina).
No Acórdão n.º 505/2004 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt, tal como os restantes acórdãos deste tribunal aqui citados), escreveu-se:
“[…]
É, pois, neste domínio da relação externa da expropriação, que a recorrente situa a violação do princípio da igualdade, princípio este que – como se viu – vai implicado naquele outro da «justa indemnização».
Ora, deve dizer-se, em primeiro lugar, que a tese sustentada pela recorrente não é nova na doutrina. Ela foi defendida com argumentação muito semelhante à da recorrente por Melo Ferreira In «Código das Expropriações Anotado», 2ª ed., p. 126. Mas não deixa, também, de assinalar-se que Alves Correia, no ponto 3 do estudo citado, «A jurisprudência do Tribunal Constitucional...», epigrafado como «A questão de constitucionalidade de algumas normas relativas ao conteúdo da indemnização» não refere a norma em causa como sendo uma das que, no Código de 99, merecem um juízo de inconstitucionalidade.
Entende o Tribunal que a norma não enferma de inconstitucionalidade.
Qualificado o solo expropriado como apto para a construção e exigindo a lei (artigo 23º n.º 5 do CE) que o resultado da avaliação corresponda ao valor real e corrente, numa situação normal de mercado, daquele bem, os critérios impostos para tal avaliação – que, tem como referencial, o custo de construção possível – assentam necessariamente em fatores concretos que permitam alcançar tal resultado, ou seja, nem uma subavaliação, nem uma sobreavaliação do bem expropriado.
E é por isso que ao lado de fatores que determinam aumentos à percentagem máxima do custo de construção, outros há que vão implicar uma redução do montante indemnizatório.
Nestes últimos se incluem, nomeadamente, o reforço das infraestruturas necessário para o aproveitamento urbanístico que serviu de base ao cálculo do valor do solo (n.º 8 do artigo 26º do CE) e o risco e esforço inerente à atividade construtiva, encargos que o expropriado, em ambos os casos, não teve que suportar, mas que suportaria se não fosse expropriado e pretendesse o mesmo aproveitamento.
Quer um, quer outro dos fatores significam a concretização da pretensão de igualar a situação de expropriados e não expropriados, de modo a evitar um benefício ilegítimo dos primeiros.
Ora, tal como Alves Correia (estudo citado, pág. 143) se refere ao primeiro fator («A consideração das despesas necessárias ao reforço das infraestruturas existentes, nas situações referidas nesta norma, no cálculo do montante da indemnização é perfeitamente compreensível, pois sem o seu custeamento pelo expropriado não seria possível a realização do aproveitamento urbanístico que serviu de base à determinação do montante da indemnização»), também se poderá dizer, no caso, que, para obter no mercado normal, o preço equivalente ao valor por que bem idêntico é avaliado para efeitos de expropriação (de acordo com a sua aptidão edificativae tendo como referencial o custo de construção) um não expropriado teria que suportar o risco e o esforço inerente à atividade construtiva.
É evidente que nos situamos, como não podia deixar de ser, num campo de prognose; mas trata-se de um juízo plausível e sem arbítrio de que não decorre um tratamento discriminatório entre expropriados e não expropriados.
Por outro lado, importa, ainda, ter em conta que a correção a efetuar ao valor da avaliação, nos termos da norma em causa, se dimensiona em termos flexíveis (até 15 %), o que sempre permitirá a ponderação de circunstâncias particulares do caso, de modo a, tanto quanto possível, ajustar a previsão dos referidos custos ou encargos à realidade hipotética.
Em suma, pois, a norma do artigo 26º n.º 10 do CE não viola o princípio da igualdade e, nesta medida, o princípio da justa indemnização, consagrados nos artigos 13º e 62ºn.º 2 da CRP […]”.
Por sua vez, no Acórdão n.º 499/05, depois de se recordar a decisão proferida no aresto que se transcreveu, acrescentou ainda o Tribunal Constitucional:
“[…]
Subscreve-se esta fundamentação, por manter inteira validade, não tendo a recorrente aduzido razões que não tenham sido já ponderadas ou que convençam da necessidade de rever a análise efetuada.
Acrescentar-se-á apenas que a circunstância de, atualmente e na maioria dos casos, pelo menos em zonas urbanas, o agente da construção ser um promotor imobiliário, com a consequência de o proprietário do terreno, se não fosse expropriado, poder optar por vendê-lo a um promotor imobiliário em vez de construir ele mesmo, não torna arbitrária, na vertente externa do princípio da igualdade, a consideração dos elementos a que a norma em causa manda atender. Os componentes de risco e de esforço com tradução no fator em causa são os mesmos que um potencial comprador, suposto agente económico racional, levaria em conta na determinação do preço por que se disporia a adquirir o terreno. Portanto, o proprietário não expropriado, para aproveitar da aptidão edificativa reconhecida ao terreno, pode eximir-se pessoalmente no «risco e esforço» inerentes à atividade construtiva, mas já não aos reflexos negativos desses fatores na determinação do valor do bem em condições normais de mercado, que é o que releva para a ponderação.
Por outro lado, não se vislumbram razões para afirmar que, por se traduzir em abater uma parcela ao montante que foi encontrado por aplicação dos critérios resultantes dos n.ºs 5 a 9 do mesmo artigo 26.º, a aplicação da norma conduz sistematicamente a uma indemnização abaixo do valor real e corrente dos bens num aproveitamento económico normal. A norma em causa prevê fatores que, de modo geral, são influentes na determinação do valor de transação dos terrenos aptos para construção em condições normais de mercado, e em relação aos quais não há evidência de que se trate de elementos já anteriormente considerados na determinação da base sobre que a dedução nela estabelecida vai operar, designadamente que a sua ponderação já esteja incorporada nos n.ºs 5 e 6 do artigo 26.º.
Finalmente, não é exato que a norma em causa tenha sido interpretada pelo acórdão recorrido como impondo «uma dedução fixa e invariável». Por remissão para a sentença de 1.ª instância, a decisão recorrida considerou que o fator corretivo em causa é de «aplicar nos casos em que tal se justifique e para que partindo-se do custo da construção se alcance aquele valor» [o valor real e corrente do bem, numa situação normal de mercado]. Interpretou-se a norma como permitindo a adequação à situação concreta. Não cabe nos poderes cognitivos do Tribunal apreciar se o coeficiente foi depois aplicado em conformidade com essa interpretação e a matéria de facto apurada no processo.”
[…]”.
Finalmente o Acórdão n.º 312/2006, aderindo à fundamentação dos arestos anteriormente referidos manteve o juízo de não inconstitucionalidade.
Conforme acima se referiu, na análise da 1.ª questão de constitucionalidade, o artigo 26.º, n.º 4, do Código das Expropriações, adotou como critério subsidiário para a determinação do valor da indemnização por expropriação de terreno apto para a construção o do cálculo duma percentagem do “custo da construção”, obtido num juízo de prognose, tendo em atenção o grau de influência que as específicas características do terreno em causa determinam no valor final do prédio edificado. Simula-se que no terreno em causa foram erguidas as construções que nele são permitidas, atribui-se um valor a esse prédio idealizado e finalmente calcula-se qual a percentagem que nesse valor assume o referido terreno, sendo o resultado a quantia a pagar pela expropriação do mesmo. Na determinação dessa percentagem influem os fatores referidos nos n.º 6 e 7, do mesmo artigo 26.º, do Código das Expropriações, como a localização, qualidade ambiental e os equipamentos existentes na zona (n.º 6), o acesso rodoviário, a existência de passeios, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de saneamento, rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, rede de drenagem de águas pluviais, estação depuradoura, rede distribuidora de gás e rede telefónica (n.º 7).
Ora, uma vez que estamos perante a fixação de um valor de um terreno como se nele se tivesse erguido a construção possível, a consideração de fatores como o das despesas que seriam necessárias realizar com o reforço das infraestruturas existentes perante o aproveitamento urbanístico idealizado (n.º 9) ou o dos riscos e dos custos organizacionais da atividade construtiva (n.º 10), correspondendo a realidades inerentes à construção, inserem-se coerentemente no pensamento que subjaz ao critério subsidiário adotado no Código das Expropriações para determinar o valor da indemnização pela expropriação de um terreno apto para construção.
Assim, sendo certo que a ponderação do fator previsto no n.º 10, do artigo 26.º, do Código das Expropriações, não está incluída na previsão de qualquer outro número deste artigo, não se revela que tal ponderação possa afastar o julgador de fixar um valor que respeite a ideia de justa indemnização para a expropriação, exigida pelo artigo 62.º, da Constituição.
Por estas razões, deve o recurso interposto ser julgado improcedente.
Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 26.º, n.º 4, do Código das Expropriações;
b) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 26.º, n.º 10, do Código das Expropriações;
e, em consequência:
c) julgar improcedente o recurso interposto.
Custas pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de julho de 2012 – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – José da Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos