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Procº nº 266/2000
2ª Secção (Plenário) Relator:- BRAVO SERRA.
(Consº MOTA PINTO)
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça e em que figuram, como recorrentes, A., B., C. e D., e, como recorrido, o Ministério Público, o ora relator exarou, em 14 de Março de 2003, despacho com o seguinte teor:-
“Este Tribunal, por intermédio do seu Acórdão nº 417/99, proferido de fls. 1358 a 1367, após julgar inconstitucionais, por violação do artigo 32º, nº
1, da Lei Fundamental, as normas constantes dos artigos 412º, nº 1, e 420º, nº
1, ambos do Código de Processo Penal (versão originária do diploma aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro), quando interpretadas no sentido de a falta de concisão das «conclusões» da motivação de recurso implicar[ ] a rejeição liminar deste, sem que ao recorrente fosse previamente dada oportunidade de suprir o vício decorrente dessa falta de concisão, concedeu provimento ao recurso do acórdão lavrado em 24 de Setembro de 1998 pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Na sequência do assim decidido, aquele Alto Tribunal veio, em 18 de Novembro de 1999, a proferir acórdão que determinou a notificação dos recorrentes A., B., C. e D., ‘para, em cinco dias, suprirem o vício da falta de concisão das conclusões da sua motivação, eliminando as deficiências que foram apontadas’ no acórdão de 24 de Setembro de 1998, ‘tornando-as sintéticas, sob pena de rejeição do recurso’.
Após os impugnantes terem apresentado novas «conclusões» da sua motivação, anteriormente produzida, o Supremo Tribunal de Justiça lavrou, em 17 de Fevereiro de 2000, acórdão onde disse:-
‘......................................................................................................................................................................................................................
Cumprindo o determinado pelo Tribunal Constitucional no acórdão de
29-06-1999, este Supremo Tribunal, através do acórdão de 18-11-1999, reformou o acórdão de 24-9-1988 e ordenou a notificação dos recorrentes para suprirem o vício da falta de concisão das conclusões da sua motivação, eliminando as deficiências que foram apontadas no acórdão reformado e tornando-as sintéticas, sob pena de rejeição do recurso.
Na sequência da referida notificação, os recorrentes vieram apresentar outras conclusões.
Sucede que estas, se bem que sejam mais resumidas que as anteriores, continuam a ser bastante extensas e complexas, sendo, aliás, de salientar que os recorrentes usaram agora um tipo de letra mais miúda e ocuparam mais espaço das folhas em largura, o que só aparentemente minorou a anterior extensão e complexidade das conclusões.
Estes defeitos são ainda aumentados pelo apelo que os recorrentes fazem a outras peças do processo, como sucede nas actuais conclusões 9ª, 10ª,
11ª e 12ª.
Portanto, os recorrentes continuam a revelar manifesta incapacidade para enunciar, de forma abreviada, os fundamentos ou razões com que pretendem obter o provimento do recurso, desobedecendo, assim, ao disposto no art. 412º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Continua, pois, a haver falta de motivação, dado que aquel[a]s fazem parte desta, segundo o último normativo acabado de citar.
Por conseguinte, há que concluir que os recorrentes não cumpriram o convite que lhes foi feito para suprirem o vício da falta de concisão das conclusões da sua motivação, pelo que o recurso tem de ser rejeitado, nos termos dos art.ºs 412º, n.º 1 e 420º, n. 1 do C.P.P., na redacção anterior à que lhes foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25.8, por ser a aplicável - v. os art.ºs 6º, n.º
2 e 10º, n.º 1 desta Lei’.
Do aresto de que praticamente se encontra transcrita a totalidade interpuseram os arguidos, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, recurso para o Tribunal Constitucional, sustentando que pretendiam a apreciação da ‘inconstitucionalidade da interpretação das normas dos artºs 412º, 420º do C.P.P. e 690º do C.P.C. aplicável ‘ex vi’ do art.
4º do C.P.P.’, e ainda das normas aplicadas na decisão da primeira instância, para o caso de não ter sequência a impugnação da decisão tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Admitido o recurso, por despacho exarado em 15 de Março de 2000 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, e remetidos os autos ao Tribunal Constitucional, aqui, em 2 de Maio de 2000, o Ex.mo Presidente deste
último órgão de administração de justiça, proferiu despacho, ao abrigo do artº
79º-D da Lei nº 28/82, determinando a intervenção do plenário no julgamento.
Por despacho lavrado em 20 de Junho daquele mesmo ano, o primitivo Conselheiro Relator determinou a efectivação de alegações.
Os recorrentes remataram a alegação por si produzida formulando as seguintes «conclusões»:-
‘1 - O recurso interposto pelos ora recorrentes para o S.T.J. foi rejeitado com fundamento no facto de, não obstante estes terem apresentado ‘outras Conclusões’, estas foram consideradas ‘muito extensas e complexas’;
2 - Porém, dado que ‘são as conclusões de recurso que balizam o respectivo objecto’, não poderiam os recorrentes deixar de verter nas Conclusões os fundamentos dos vícios que apontam à decisão recorrida no corpo da Motivação, sob pena de os mesmos não serem conhecidos pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.
3 - O Tribunal ‘a quo’ faz interpretação do nº 1 do artº 420, ofensiva e limitativa dos direitos de defesa dos arguidos, constitucionalmente consagrados, designadamente o direito de recorrer das decisões que lhe forem desfavoráveis;
4 - O Tribunal ‘a quo’ efectua errada interpretação e aplicação das normas dos artºs 412º e 420º do C.P.P., porquanto estende a consequência processual da falta de apresentação de motivação das conclusões de recurso – rejeição do recurso –, aos casos em que as conclusões apenas não se mostram concisas na sua formulação.
5 - Ao acrescentar um novo fundamento de rejeição dos recursos – a falta de concisão das conclusões de recurso –, o Tribunal ‘a quo’ adopta uma interpretação que não cabe dentro do texto do nº 1 do artigo 420º, interpretação essa que afecta desproporcionadamente uma das dimensões do direito de defesa (o direito ao recurso) garantido pelo artº 32º, nº 1 da Lei Fundamental.
6 - Os direitos de defesa dos arguidos encontram-se ‘protegidos’ pelo princípio da legalidade, isto é: os direitos de defesa só podem ser limitados ou restringidos por lei vigente à data da prática dos factos, pelo que qualquer interpretação, das normas aplicáveis, que restrinja tais direitos de defesa dos arguidos, nomeadamente a quantificação, ou metragem, das conclusões, não constante de qualquer disposição legal – em parte alguma da lei de processo penal (ou até, de processo civil) se estabelece qual a dimensão, ou quantidade, máxima das conclusões – constitui frontal ofensa aos direitos de defesa dos arguidos e flagrante ofensa do princípio da legalidade, sendo, portanto, materialmente inconstitucional.
7- Qualquer interpretação de normas jurídicas que tenha por resultado a diminuição das garantias de defesa dos arguidos em processo penal – como é o caso da interpretação da norma do artº 420º, nº 1, no sentido de a falta de concisão das conclusões ser equiparada à sua total inexistência e, portanto, fundamento para a rejeição do recurso – não pode deixar de se considerar violadora da Lei Fundamental.
8 - Tendo as normas dos artºs 412º e 420º, nº 1 do C.P.P., sido interpretadas e aplicadas pelo Tribunal ‘a quo’ por forma que violou as disposições dos artºs
18º e 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, as disposições do art.
8º, 10º e 11º da Convenção Universal dos Direitos do Homem e as disposições do art. 6 º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, as quais vigoram na ordem jurídica interna nos termos do disposto nos artºs 8º e 16º da C.R.P., encontra-se a interpretação daquelas normas ferida de inconstitucionalidade material’.
Por seu turno, o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu a sua alegação dizendo:
‘1º – É inconstitucional, por traduzir violação conjugada do direito de acesso à justiça e do princípio das garantias de defesa (constantes dos artigos 20º e 32º da Constituição da República) a interpretação normativa dos artigos 412º, n.º 1 e 420º, n.º 1 , do Código de Processo Penal, (na sua redacção originária) que se traduza em – para apurar se o arguido recorrente cumpriu satisfatoriamente o convite para suprir o invocado vício de prolixidade que, segundo o Supremo, inquinava as conclusões da motivação inicialmente apresentada – fazer apelo a um critério puramente formal, assente na extensão material de tal peça processual e no seu aspecto gráfico, sem qualquer conexão com a real complexidade da causa e com a inteligibilidade da impugnação e das pretensões deduzidas em tais conclusões.
2º – Viola ainda o princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo
18º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa de tais preceitos que se traduz em não restringir o efeito do vício formal detectado pelo Tribunal à parcela das conclusões efectivamente por ele afectada, concluindo, sem mais, pelo não conhecimento de todas as questões enunciadas e especificadas pelo recorrente na impugnação que deduziu.
3º - Termos em que deverá proceder o presente recurso’.
Na sua alegação, o Representante do Ministério Público sustentou que o presente recurso deveria ‘considerar-se circunscrito à interpretação normativa, extraída dos artigos 412º, nº 1, e 420º, nº 1, da versão originária do Código de Processo Penal, segundo a qual tem o Supremo a possibilidade de rejeitar o recurso quando considere - com base em critérios de pura extensão material - que as conclusões da motivação do arguido recorrente, mesmo após convite ao suprimento do vício de prolixidade que afectava as inicialmente produzidas, continuam a padecer de excessiva ‘extensão’ e ‘complexidade’’, por isso que, no acórdão ora sub iudicio, o Supremo Tribunal de Justiça teria partido ‘de um critério puramente formal, invocando a extensão material da peça processual apresentada e o próprio arranjo gráfico da mesma’.
Corridos os «vistos», foi, pelo primitivo relator, apresentado projecto de acórdão.
2. Num primeiro passo, há que salientar que não obsta ao conhecimento do objecto do recurso ora em apreço, a circunstância de - conquanto ele seja estribado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 - os impugnantes, antes de ser proferido o acórdão de 17 de Fevereiro de 2000, não terem suscitado a questão de inconstitucionalidade referente aos artigos 412º, nº 1, e 420º, nº
1, ambos do diploma adjectivo criminal, numa interpretação segundo a qual existiria a possibilidade de, no tribunal ad quem, se rejeitar o recurso, quando aí fosse entendido que as «conclusões» da motivação de recurso se apresentavam como extensas e complexas, repousando esse entendimento num critério que atendia
à extensão material da peça processual consubstanciadora da motivação e ao respectivo arranjo gráfico. É que, se essa fosse, efectivamente, a interpretação levada a cabo pelo acórdão em crise (do qual já não cabia recurso ordinário), então haveria de concluir-se que ela representava a adopção de uma dimensão interpretativa diversa daquela que foi acolhida no anterior aresto que fora submetido à censura do Tribunal Constitucional, e que não teria sido previsível antecipar por parte dos ora recorrentes, os quais, e é isso o que mais releva, não dispuseram, processualmente, de oportunidade de, antes da prolação daquele acórdão de 17 de Fevereiro de 2000, equacionar uma tal questão.
3. Todavia, afigura-se como plausível que o Tribunal, por uma outra razão, não venha a tomar conhecimento do objecto do recurso, e daí que, ex vi do disposto nos artigos 69º da Lei nº 28/82 e 704º, nº 1, do Código de Processo Civil, se elabore a presente peça processual.
Na verdade, poderá entender-se que o acórdão pretendido recorrer não levou a efeito uma interpretação dos preceitos ínsitos nos já citados nº 1 do artº 412º e nº 1 do artº 420º, por forma a que dos mesmos se retire a possibilidade de o tribunal a que foi dirigido um recurso de uma decisão condenatória imposta a um arguido poder liminarmente rejeitá-lo por entender que as «conclusões» constantes da motivação desse recurso são extensas e complexas, com base num critério meramente formal (e, consequentemente não substancial ou funcional) assente exclusivamente na extensão material dessas «conclusões» e no seu aspecto gráfico.
Na esteira desse entendimento, seria curial a perspectiva de harmonia com a qual aquele aresto, na realidade das coisas, considerou que as asserções utilizadas nas «conclusões» apresentadas pelos recorrentes - após lhes ter sido endereçado o convite para formularem novas «conclusões», que constituíssem ‘um resumo dos fundamentos porque’ se pedia o provimento do recurso, por forma a tornarem ‘fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal ‘ad quem’’ a
‘delimitação objectiva do recurso, indicando concreta e precisamente as questões a decidir’, pois que ‘conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações’ (cfr. aquilo que, no acórdão de 24 de Setembro de 1998, foi considerado como deficiências que se surpreendiam nas
«conclusões» da motivação do recurso e que o acórdão de 17 de Fevereiro de 2000 determinou, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 417/99, que fossem supridas) - não constituíam, de um ponto de vista lógico-discursivo, uma síntese das razões, quer de facto, quer de direito, explanadas ao longo do
«teor» da alegação e que, na óptica dos impugnantes, deveria conduzir ao provimento do recurso, e, dessa arte não representando uma síntese dessas razões.
E, para ilustrar esse raciocínio, o indicado acórdão de 17 de Fevereiro de 2000 teria esgrimido com os factos de na peça processual onde as novas
«conclusões» foram apresentadas ser utilizado um tipo de letra de menor dimensão do que o utilizado aquando da formulação de «conclusões» da motivação de recurso, e de, em algumas dessas «conclusões», se remeter para o que se encontrava noutras peças do processo, o que conduziria à complexidade das mesmas e ao seu não sintetismo.
Ainda num tal plausível entendimento, então do mesmo resultaria que o Supremo Tribunal de Justiça, na decisão sub specie, não teria feito uma interpretação normativa dos artigos 412º, nº 1, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal de acordo com a qual, para se apurar se as «conclusões» da motivação de um recurso em processo criminal eram prolixas, se atenderia a critérios de pura extensão material (e, logo, meramente formal) delas, baseados, nomeadamente, no número das mesmas ou das páginas ocupadas. Antes, e pelo contrário, aquele Supremo Tribunal teria efectuado um juízo de prolixidade, de complexidade e de não sintetismo dessas «conclusões» em face do que nas mesmas se encontrava escrito, juízo esse repousado, não naqueles critérios, mas sim em critérios de apreciação da substancialidade advindos da própria linguagem, pelo que inexistiria, in casu, a adopção de um critério normativo suportado numa mera materialidade.
A ser assim, esse juízo não poderia, minimamente, ser sindicado pelo Tribunal Constitucional.
E, também na senda do entendimento cuja plausibilidade ora se coloca, porque, ao fim e ao resto, o acórdão em crise não teria feito aplicação do sentido normativo que é tido por inconstitucional, afigura-se não se poder tomar conhecimento do objecto do recurso.
Daí que, nos termos dos já citados artigos 69º da Lei nº 28/82 e 704º, nº 1, do Código de Processo Civil, se determine a notificação das «partes» para, querendo, se pronunciarem em dez dias”.
2. Sobre o transcrito despacho pronunciaram-se, quer o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, quer os recorrentes.
O primeiro, dizendo que, após análise do teor do acórdão recorrido, se não consegue “vislumbrar minimamente qualquer ‘critério de apreciação da substancialidade’ que possa erigir-se em ‘critério normativo’ da valoração do carácter sintético ou prolixo das conclusões da motivação do recorrente - que se não reconduza a uma avaliação estritamente e exarcebadamente formal, alicerçada na extensão material de tal peça processual”, motivo pelo qual entendia estarem verificados os pressupostos do recurso.
Os segundos, sustentando, em síntese, que:
- de entre os poderes do relator enunciados no artº
79º-B da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, (e excepcionado o que se dispõe no artº 78º-A do mesmo diploma) se não contém o de não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade, que assenta, fundamentalmente, na apreciação material - que não meramente formal - da interpretação e aplicação das normas em face da Lei Fundamental, pelo que, ao prolatar o despacho de 14 de Março de
2000, exorbitou o relator as suas competências;
- o acórdão pretendido recorrer não apreciou a substancialidade das alegações dos recorridos nem fundamentou a sua complexidade, para além da referência à sua dimensão e aspectos formal e visual, pelo que não tem sustentação o que é referido no item 3. do citado despacho.
- versando o presente recurso sobre matéria penal, é de exigir muito maior cuidado e rigor na interpretação e aplicação das normas de que possa resultar a violação das garantias dos arguidos.
Cumpre decidir.
3. Entende o Tribunal que, pelas razões carreadas ao despacho do relator, não se poderá tomar conhecimento do objecto do recurso, sendo que as «pronúncias» que sobre tal despacho foram efectuadas pela entidade recorrida e pelos recorrentes não abalam a corte de motivos que levou a que em tal despacho se propugnasse por aquele não conhecimento.
Convém assinalar que é destituída de fundamento a invocação de que o que se comanda no artº 79º-A da Lei nº 28/82, impossibilitaria a efectivação do despacho acima transcrito.
Na verdade, da norma ínsita no artº 69º daquela Lei resulta, inequivocamente, que nos recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade normativa são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação, no qual, sem margem de dúvida, se insere o artº 704º deste diploma adjectivo, e com base no qual foi proferido aquele despacho, devendo-se sublinhar que, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, a Lei nº 28/82 não estabelece que o recurso não possa ser conhecido tão só nos casos a que se refere o nº 1 do seu artº 78º-A.
De outro passo, anote-se que a estatuição - vertida no indicado artº 79º-B - da observância das regras constantes do Código de Processo Civil que não contrariem a natureza do recurso de constitucionalidade não pode, de todo em todo, ser entendida como significando que, caso prosseguindo os autos para alegações, o Tribunal, posteriormente, venha a entender, que não deve tomar conhecimento do objecto do recurso, precludindo, assim, essa possibilidade; e isso porque aquela natureza não apresente quaisquer especiais características que imponham esse entendimento.
É evidente que os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa visam a aferição da compatibilidade com a Lei Fundamental das normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional, ainda que alcançadas mediante um processo interpretativo. Simplesmente, se a dimensão interpretativa cuja compatibilidade com o Diploma Básico se intenta submeter à análise do Tribunal Constitucional não foi aplicada, ou não foi recusada aplicar, na decisão judicial impugnada [consoante se esteja, respectivamente, perante um recurso esteado na alínea b) ou na alínea a), ambas do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82], então o que se deverá concluir é que, numa tal situação, se não depara a existência daquele específico requisito pressupositor de um dos aludidos recursos, pelo que, verificada aquela mesma situação, este órgão de administração de justiça não poderá curar do objecto da impugnação.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do vertente recurso, condenando-se os recorrentes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em oito unidades de conta por cada recorrente.
Lisboa, 8 de Abril de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Maria Helena Brito Mário José de Araújo Torres Carlos Pamplona de Oliveira Maria dos Prazeres Beleza Artur Maurício Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) Maria Fernanda Palma (vencida, pelas razões que constituem, no essencial, a declaração de voto Senhor Conselheiro Mota Pinto) Alberto Tavares da Costa (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmº Conselheiro Mota Pinto, na sua essencialidade) Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com o voto do Exmº Sr. Conselheiro Mota Pinto para a qual, com a devida vénia, remeto) Luís Nunes de Almeida (vencido nos termos da declaração de voto do Exmº Consº. Mota Pinto) José Manuel Cardoso da Costa (vencido, em conformidade com a declaração de voto do Exmº Conselheiro Mota Pinto).
Declaração de voto Votei vencido, em harmonia com o projecto de acórdão por mim apresentado enquanto primeiro relator do processo, por entender que o Tribunal Constitucional deveria ter tomado conhecimento do presente recurso, e que este incide sobre uma norma patente e flagrantemente inconstitucional, aplicada pelo relator no tribunal recorrido. É o que passo a mostrar seguidamente:
1.O presente recurso tinha por objecto a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa dos artigos 412º, n.º 1, e 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal, como se pode ler nas alegações dos recorrentes, “no sentido de a falta de concisão das conclusões ser equiparada à sua total inexistência”, e de, para tal, se utilizar um critério exclusivamente quantitativo: “a quantificação, ou metragem, das conclusões, não constante de qualquer disposição legal”, pois
“em parte alguma da lei de processo penal (ou até, de processo civil) se estabelece qual a dimensão, ou quantidade, máxima das conclusões”. Ou, por outras palavras (próximas das da conclusão do Ministério Público no Tribunal Constitucional): a interpretação de tais normas no sentido de, para decidir que certa alegação não contém conclusões – implicando o não conhecimento do recurso
– se pode considerar relevante um critério apenas formal ou não funcional, baseado na extensão das conclusões formuladas, no tipo de letra ou no número de páginas por elas ocupadas. Ora, ao contrário do que se afirma no aresto de que discordei, entendo que esta norma foi indubitavelmente aplicada na decisão recorrida. Na verdade, como se pode ver pela transcrição contida no acórdão, afirma-se nessa decisão que as conclusões novamente apresentadas – e, num claro esforço de síntese, que logo ressalta da sua leitura, reduzidas pelo recorrente a quase metade (de cerca de
60 a cerca de 30!) das anteriores... – “continuam a ser bastante extensas e complexas”, para logo, aliás, se “salientar que os recorrentes usaram agora um tipo de letra mais miúda e ocuparam mais espaço das folhas em largura, o que só aparentemente minorou a anterior extensão e complexidade das conclusões”, e pretendendo ainda fundamentar-se estes “defeitos” com o “apelo que os recorrentes fazem a outras peças do processo”. Vê-se bem, pois, que a decisão recorrida, se não se ficou pela invocação do tipo de letra (querendo com certeza referir-se também ao tamanho) e da “mancha gráfica” (o maior “espaço das folhas em largura”), se revelou, porém, seguramente incapaz de passar de meras considerações formais para concluir pela extensão e complexidade das conclusões. E vê-se bem, ainda, que se trata, decisivamente, de considerações totalmente omissas quanto a qualquer critério funcional – ou seja, e como é evidente, relativo à função das conclusões no recurso em processo penal –, pelo qual se pudesse avaliar a existência ou não de conclusões. Como bem salientou o Ex.mº representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional, não se consegue aí “vislumbrar minimamente qualquer
‘critério de apreciação da substancialidade’ que possa erigir-se em ‘critério normativo’ da valoração do carácter sintético ou prolixo das conclusões da motivação do recorrente – que se não reconduza a uma avaliação estritamente e exacerbadamente formal, alicerçada na extensão material de tal peça processual”
(último itálico aditado). Considerar, perante tal decisão recorrida, que esta repousou “em critérios de apreciação da substancialidade, advindos da própria linguagem”, sem dizer mais, não só não é ainda fazer apelo a qualquer critério funcional, como implica também, a meu ver, conformar-se com a cobertura, sob “critérios substanciais” imperscrutáveis, e não explicitados, do arbítrio consistente em voluntaristicamente se recusar, pura e simplesmente, a admissão de recursos, invocando “razões” inaceitáveis em processo penal, e, desde logo, para um elementar sentido de justiça.
2.Resolvida assim a “questão prévia” no sentido de que o tribunal recorrido, para se recusar a tomar conhecimento do recurso por a alegação não conter conclusões, considerou relevante um critério apenas formal ou não funcional, havia, em meu entender, que remeter para a desenvolvida fundamentação do Acórdão n.º 275/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Julho de 1999), onde tal norma semelhante foi alvo de demoradas considerações e de fundamentada censura constitucional, para se dever concluir, como nas contra-alegações do Ministério Público neste processo, que “é manifestamente inconstitucional tal interpretação normativa dos preceitos legais que dispõem sobre requisitos formais das peças processuais produzidas pelo recorrente: não é, por um lado, constitucionalmente legítimo interpretar tais requisitos segundo o referido critério puramente formal, assente no número de páginas, artigos e na apresentação gráfica das conclusões do recorrente – tendo necessariamente o tribunal de se socorrer, em tal tarefa, de um critério funcional, conexionado com a inteligibilidade intrínseca da impugnação deduzida pela parte; tal como
[acrescentou-se] se não coaduna com o princípio da proporcionalidade a interpretação normativa que estenda a drástica consequência do não conhecimento a todo o recurso, ampliando o efeito da irregularidade cometida para além da parcela das conclusões que se mostre efectivamente viciada.” No mesmo sentido depunha, também, por exemplo, a afirmação de que “não pode o Tribunal Constitucional sufragar uma interpretação normativa assente numa rigidez formal que posterga, desrazoavelmente, as garantias constitucionais consagradas para o processo criminal”, constante do Acórdão n.º 66/01 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 49º vol., pp. 251-260 – itálico aditado), onde se passaram em revista alguns casos exemplares, e se concluiu que a “argumentação expendida nessa jurisprudência significa o repúdio do tipo de interpretações normativas que se mostrem incompatíveis com a observância dos princípios constitucionais que preservam as garantias de defesa do arguido em processo criminal ou cuidam do acesso à justiça. Dir-se-á, a esta luz, que o nível de exigência formal a estabelecer e respeitar não deve ser levado ao extremo de uma leitura preclusiva, que dite a irremediável e liminar rejeição do recurso, alheada dos parâmetros constitucionais que aqueles princípios moldam, conjugadamente com o da proporcionalidade.” Com estes fundamentos – inteiramente aplicáveis ao caso dos autos por a questão de constitucionalidade ser análoga –, teria concluído pela inconstitucionalidade da interpretação normativa em causa, e teria concedido provimento ao recurso. Paulo Mota Pinto