Imprimir acórdão
Proc. n.º 142/04 TC - 1ª Secção Rel.: Consº Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A. e mulher, com os sinais dos autos, propuseram, no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, contra B. e outros, acção declarativa, com processo sumário, pedindo que fosse reconhecido o seu direito de propriedade, por efeito de usucapião, sobre determinado prédio rústico .
Foi devolvida, entre outras, a carta para citação do referido B., tendo os AA requerido a sua citação edital, o que foi deferido.
Entretanto, por informação policial, foi dado conhecimento nos autos que o mesmo Réu teria falecido.
Os AA insistiram com a citação edital, tendo sido feitas várias diligências tendentes a comprovar aquela informação, mas todas sem êxito.
Foi, então proferido o seguinte despacho:
'Não podem os autos prosseguir com a dúvida sobre a ocorrência do
óbito de uma das partes. Essa dúvida caber ao autor suprir.
Aguardem os autos que o autor requeira o que tiver por conveniente.'
Os AA recorreram deste despacho para a Relação de Lisboa, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
'a) Não há meio de provar que alguém, residente no estrangeiro em parte incerta, esteja morto ou vivo.
b) Nesse caso, não há que suspender a acção, mas ordenar a sua citação edital.
c) Não o fazendo, o despacho recorrido violou o disposto no artº
247º n.º 4 do Código de Processo Civil.'
O Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.
Equacionou a questão a recurso nos seguintes termos: '(...) saber se, tendo sido ordenada a citação edital de um R, mas havendo notícia da sua morte, deve esta questão ser previamente esclarecida'.
Escreveu-se no acórdão:
'Na verdade, havendo dúvida séria acerca da morte de uma parte, que, como vimos, pode ter repercussões na verificação dos pressupostos processuais da acção, nomeadamente da personalidade judiciária, que pode ser necessário sanar, importa, para prevenir actos inúteis, como seria a realização da citação edital de alguém já falecido, averiguar se o referido óbito está registado.
Trata-se, fundamentalmente, de diligenciar a obtenção do meio de prova adequado para o efeito, com a certeza de que, não havendo o respectivo registo, nada obstará, no âmbito especificado, ao prosseguimento da acção, com a citação edital do mencionado R.
Ora, a Conservatória do Registo Civil onde se supõe que possa Ter sido lavrado, designadamente o registo do assento de nascimento, com o eventual averbamento do óbito, ainda não deu resposta à questão da morte do R. B., não obstante lhe tivesse sido oficiosamente requisitada, por falta de elementos quanto à data aproximada e local de cada um dos referidos factos (fls. 61).
Os agravantes, embora conhecedores da necessidade desses elementos, não os forneceram aos autos, insistindo no pedido de citação, nem alegaram, justificadamente, a sua impossibilidade.
Assim, podendo ainda os agravantes facultar, ao processo, ou parte deles, susceptíveis de permitir a realização da diligência referida junto da conservatória do registo civil competente, justifica-se, sobretudo depois das infrutíferas diligências oficiosas, que os autos tenham ficado a aguardar que, nesse âmbito, algo fosse requerido pelos agravantes, na sua qualidade de autores da acção.'
E, depois de acentuar o dever processual de informação a que os agravantes estão adstritos, escreveu-se:
'Por isso, devem os mesmos cumprir esse dever ou, não podendo, alegar os motivos sérios que o justifiquem.
Não podem é, simplesmente, com a alegação do citando ter residência incerta no estrangeiro, insistir na respectiva citação edital, como se nos autos não existisse a informação, veiculada por uma entidade policial e, como tal, dever ser considerada séria, de que a pessoa a citar falecera.'
Os AA interpuseram recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, dizendo no respectivo requerimento:
'(...), não se conformando com o douto acórdão de fls. que julgou improcedente o recurso, mormente quando afirma que uma 'informação veiculada por uma entidade policial, e, como tal dever ser considerada séria, de que a pessoa a citar falecera', pretende daquele douto aresto interpor recurso para o Tribunal Constitucional, na medida em que tal afirmação está em desconformidade com o estabelecimento no artº 168.1.a da Constituição da República.
.............................................................................................................'
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho:
'Não tendo a questão da inconstitucionalidade sido suscitada no
âmbito do recurso, não é admissível recurso para o Tribunal Constitucional.
Assim, não admito o recurso interposto a fls. 169.
............................................................................................................'
É este despacho que vem agora reclamado pelos recorrentes.
E dizem os reclamantes:
'1 - O douto acórdão recorrido, no entendimento do reclamante. e salvo o devido respeito, não se submeteu ao disposto no artº 168º.1 do CRP.
2 - Ora, imediatamente a seguir à notificação desse douto aresto, o reclamante reagiu contra o que pensa ser uma inconstitucionalidade, recorrendo para o Venerando Tribunal Constitucional.
3 - Esse recurso não foi admitido porquanto a questão da inconstitucionalidade não teria sido 'suscitada no âmbito do recurso'.
4 - Acontece que só se pode suscitar a questão de inconstitucionalidade quando é praticado o acto em que se pensa que ela ocorreu e não antes, o que seria absurdo.
5 - E a verdade é que o argumento de que uma informação policial, baseada na informação dum vizinho sobre a morte de uma parte pode substituir, face à lei, uma certidão de óbito só ocorre no douto acórdão recorrido.
Por isso, deve o presente recurso ser recebido pois a douta decisão reclamada não fez a melhor interpretação do disposto no artº 72.2 da Lei deste Tribunal'.
O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2 - Os pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade, em fiscalização concreta, aferem-se pelo tipo de recurso interposto previsto em cada uma das alíneas do artigo 70º n.º 1 da LTC.
Deve, por isso, o requerimento de interposição de recurso indicar a alínea do citado artigo 70º n.º 1 da LTC, ao abrigo da qual é interposto o recurso (artigo 75º-A n.º 1 da LTC).
De entre as várias omissões do requerimento de interposição de recurso regista-se, precisamente, a falta da referida indicação.
Pode, porém, inferir-se, no caso, que o recurso interposto se abriga na alínea b) do artigo 70º n.º 1 da LTC.
É, assim, pressuposto do recurso que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigo 72º n.º 2 da LTC).
E foi a falta deste pressuposto que fundamentou o despacho reclamado.
Manifesto é que os reclamantes não suscitaram qualquer questão de constitucionalidade normativa no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Os reclamantes não o negam, pretendendo, porém, que não tiveram oportunidade de suscitar a questão de constitucionalidade, uma vez que ela só surgiu com a prolação do acórdão recorrido e com o que neste se disse.
Mas não tem razão.
É certo que, de acordo com jurisprudência pacífica deste Tribunal, o
ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade só se impõe se a decisão recorrida se não configurar como decisão-surpresa, ou seja uma decisão
(ou um seu fundamento) com que o recorrente não poderia justificadamente contar.
A verdade é que, no caso, tal se não verifica.
Com efeito, o despacho impugnado no recurso interposto para a relação, tendo em conta as diligências até então efectuadas para saber se o R B. já falecera, teve na sua base um informação policial que dava conta desse falecimento.
Esta informação era assim, e pelo menos, susceptível de gerar a dúvida sobre se aquele Réu era vivo, pois só se o fosse se justificaria a requerida citação edital.
Todas as diligências efectuadas tenderam, deste modo, à comprovação, pelo pertinente registo de óbito, do falecimento.
E, como estas não se encontravam ainda esgotadas, por falta de elementos que aos AA cumpria fornecer, os autos ficaram a aguardar o seu impulso processual.
Ora é esta tese que o acórdão recorrido reitera, não extraindo da referida informação policial, mais do que esteve sempre na base das diligências efectuadas em 1ª instância e, finalmente, do despacho recorrido.
Com efeito, o que resulta do acórdão recorrido é, igualmente, que tal informação legitimava uma dúvida que tinha que ser esclarecida antes de se proceder à requerida citação edital.
O que significa que, se os reclamantes punham em causa a constucionalidade desta interpretação normativa (?) já o podiam e deviam fazer no recurso interposto para a Relação de Lisboa, o que não fizeram.
Neste aspecto, não merece, pois, qualquer censura o despacho reclamando.
Não se deixará de dizer que outras razões se perfilam para não admitir o recurso.
Desde logo, os recorrentes não põem em causa qualquer interpretação normativa feita no acórdão recorrido, antes imputando a própria inconstitucionalidade ao acórdão impugnado, com uma violação, de todo incompreensível, do disposto no artigo 168º, ou 168º,1a da CRP (o artigo 168º da Constituição regula a discussão e votação dos projectos e propostas de lei na Assembleia da República).
Por outro lado, mesmo que de interpretação normativa se tratasse e admitindo que ela correspondesse ao que se escreveu na reclamação ('... uma informação policial baseada na informação dum vizinho sobre a norte duma parte pode substituir, face à lei, uma certidão de óbito'), certo é que se não vê no acórdão recorrido qualquer afirmação com tal sentido - não se pretende que a informação policial substitua a certidão de óbito, mas tão só, como se disse, que ela justifica o prosseguimento de diligências, para eventualmente se confirmar, através do competente registo, essa informação.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 24 de Março de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida