Imprimir acórdão
Proc. nº 303/2000
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figuram como recorrentes LD e JA, e como recorridos a Ministra da Saúde, CC, EL e EB, a recorrida Ministra da Saúde apresentou as contra-alegações no 3º dia útil após o termo do prazo, requerendo a junção da peça processual nos termos do artigo 145º, nº 5, do Código de Processo Civil. Não solicitou, porém, guias para o pagamento imediato da respectiva multa.
A Relatora proferiu despacho, datado de 12 de Dezembro de 2000, ordenando o cumprimento do disposto no nº 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil.
2. A Ministra da Saúde, notificada do despacho de 12 de Dezembro de
2000, vem reclamar para a Conferência, alegando em síntese o seguinte:
O Estado está isento de custas, nos termos do artigo 2º, nº 1, do Código das Custas Judiciais;
tal como sucede com o Ministério Público, a Ministra da Saúde tem a faculdade de apresentar as suas contra-alegações até ao terceiro dia útil posterior ao prazo legal;
uma vez que a Ministra da Saúde actua, in casu, como órgão da Administração, ou seja, do Estado, este não poderá ser condenado em multa, por ser o seu único credor.
A Ministra da Saúde conclui, afirmando que, caso assim não se entenda, ter-se-iam por não válidas as contra-alegações, seguindo-se os ulteriores termos do recurso.
Cumpre decidir.
3. A multa a que se refere o artigo 145º, nºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, sanciona a falta de diligência na prática dos actos processuais, dentro dos respectivos prazos (cf., entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 723/98, de 16 de Dezembro - inédito). Nessa medida, não se confunde com as despesas do processo, a que se refere o artigo 2º do Código das Custas Judiciais. Na verdade, enquanto as custas consubstanciam o valor pecuniário devido por parte dos sujeitos processuais pelo funcionamento do sistema judicial, ou seja, pela sua utilização, a multa a que se refere o artigo
145º do Código de Processo Civil traduz-se num meio de evitar a prática de actos processuais fora do prazo legal, o que pode ter ocorrido por esquecimento ou negligência do interessado (sublinhe-se que o interessado beneficia, por via desta solução, de uma prorrogação do prazo, prorrogação essa que pode também dar cobertura a situações em que o atraso se encontra justificado, apresentando a prova do justo impedimento particulares dificuldades - cf. o já citado Acórdão nº 723/98).
Assim, a isenção subjectiva a que se refere o artigo 2º do Código das Custas Judiciais não abrange, naturalmente, as multas processuais (cf., de novo, o Acórdão nº 723/98, onde o Tribunal Constitucional concluiu que o benefício do apoio judiciário não abrange o pagamento de multas processuais).
4. A Ministra da Saúde invoca, por outro lado, a isenção do Ministério Público, pretendendo beneficiar do mesmo regime.
O Ministério Público encontra-se, na verdade, isento do pagamento de custas (artigo 2º, nº 1, alínea b), do Código das Custas Judiciais) e, na prática, tem- se entendido que a isenção abrange também as multas processuais
(cf., entre outros, os Acórdãos nºs 59/91, de 7 de Março, D.R., II Série, de 1 de Junho de 1991, e 754/96, de 11 de Junho - inédito). Não se questionará agora essa prática - a qual, porventura, não será isenta de dúvidas.
Porém, não existe inevitavelmente analogia absoluta entre o Ministério Público e o Governo no exercício das suas funções, no que se refere ao pagamento de multas processuais. Se é verdade que as funções de sujeito processual inerentes ao estatuto do Ministério Público (cf. artigo 219º da Constituição) podem justificar aquela isenção (cuja conformidade constitucional, de resto, não está agora em apreciação), o mesmo não se tem de passar em relação a um Ministro no exercício das suas funções administrativas. Com efeito, o Ministério Público, no exercício dos seus poderes estatutários, surge funcionalmente como interveniente processual, devendo actuar de acordo com critérios de estrita legalidade e objectividade. O exercício de actividade processual por um Ministro não é o essencial dos seus deveres funcionais e não deixa de corporizar um específico interesse, embora público, que, no contexto processual, o coloca na posição de parte. Desse modo, não violará o princípio da igualdade não lhe reconhecer o direito a um prazo mais alargado do que o que se reconhece à generalidade dos sujeitos, pela dispensa do pagamento da multa e distingui-lo, nesse ponto, do Ministério Público a quem compete funcionalmente a intervenção processual. Nem há, por conseguinte, uma imposição constitucional de que, independentemente de lei expressa, decorra a exigência de isenção de sanções processuais dos Ministros no exercício das suas funções.
5. A circunstância de se tratar de um órgão do Estado em nada colide com o que acaba de se sustentar. Na verdade, nenhum princípio constitucional impõe que o Estado (a Ministra da Saúde, no exercício das suas funções) deva dispor de prazos processuais superiores ao dos demais sujeitos. Não existe, pois, qualquer fundamento constitucional que imponha, por si, essa solução (as funções da Ministra da Saúde não o justificam, pois não decorre do seu exercício normal a necessidade de intervir em processos judiciais – a condução da política de saúde e a direcção da Administração Pública quanto à saúde não implicam, tipicamente, a participação em acções judiciais). Assim sendo, nada obsta, na ausência de posição do legislador sobre a questão, a uma identidade de tratamento relativamente aos demais intervenientes processuais
(os particulares).
O que se disse em nada é afectado pela circunstância de o Estado ser credor e devedor da multa processual. Em primeiro lugar, e para além da evidente autonomia dos tribunais relativamente ao Governo na perspectiva da separação de poderes, há uma autonomia orçamental de ambos que afecta, nesse plano, a validade daquele argumento. Por outro lado, pode ser ainda considerado como adequado ao princípio do Estado de direito democrático que não se discrimine o Governo relativamente aos particulares quanto ao exercício atempado dos respectivos ónus processuais. De qualquer modo, pelo facto de a lei geral não conceder qualquer privilégio deste tipo ao Governo e não existir uma imposição constitucional nesse sentido, nem sequer na perspectiva da igualdade relativamente ao Ministério Público, não deverá o Tribunal Constitucional, como intérprete da lei na dimensão da sua constitucionalidade, pronunciar-se no sentido de uma tal distinção.
6. Improcede, pois, a presente reclamação.
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar improcedente a presente reclamação. Lisboa, 14 de Fevereiro de 2001 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa