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Proc. N.º 623/2003
2.ª Secção Rel.: Cons.ª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A., interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que rejeitou o pedido de suspensão de eficácia do acto do Instituto Nacional de Intervenção de Garantia Agrícola nos termos do qual lhe foi imposta a reposição do montante recebido no âmbito da Ajuda Especial aos Produtores Portugueses de Cereais, na campanha de 1996/97. Fundamento para a rejeição do pedido foi a ilegitimidade passiva do autor do acto suspendendo, a qual se deveria a erro manifestamente indesculpável da recorrente. Nas alegações de recurso, esta sustentou, logo, a inconstitucionalidade dos artigos 36º, nº 1, alínea c), e 40º, nº 1, alínea a), da LPTA, por violação dos artigos 18º, nº 2, 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição. Entendeu que a interpretação de tais preceitos no sentido de que é impossível corrigir a petição em caso de erro manifesto na identificação do autor do acto restringe aqueles direitos fundamentais “sem que exista qualquer fundamento material para tal disciplina jurídica”. A entidade recorrida, por seu turno, concluiu nas suas alegações que “admitir o convite à correcção em caso de erro indesculpável é destituir o direito processual de fundamento, ao contrário do que sucede em caso de erro desculpável, não prescindindo a tutela jurisdicional efectiva de normas ordenadoras, nem habilitando a interpretação de que o Tribunal se substitua às partes, suprindo as deficiências e exercendo uma espécie de patrocínio supletivo já que a função jurisdicional, traduzindo-se numa composição de litígios, não pode transmutar o julgador em parte, como o pretende o Recorrente”. O Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso, dizendo, quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada, que o artigo 40º da LPTA, ao impedir o convite à correcção da petição quando “esteja em causa um erro indesculpável”, não viola o disposto nos artigos 18º, nº 2, 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição já que “a tutela jurisdicional efectiva não exige uma total substituição do Tribunal às partes, suprindo todas as deficiências e exercendo uma tutela efectiva das mesmas, pelo que o ónus de que não esteja em causa uma atitude negligente e descuidada da parte de forma que a mesma não se traduza em erro indesculpável para que se possa convidá-la à correcção, não se traduz na consagração de uma intolerância que implique uma ostensiva e efectiva limitação da garantia constitucional de recurso contencioso, prevista no nº 4 do artigo
268º da CRP”.
2. Inconformada, a A., interpôs recurso de tal acórdão para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, suscitando a inconstitucionalidade das normas do artigo 36º, nº
1, alínea c), em conjugação com o artigo 40º, nº 1, alínea a), da LPTA, “por violação desproporcional (artigo 18º nº 2 da Constituição) do direito de acesso
à Justiça e aos Tribunais e do direito de impugnação contenciosa dos actos administrativos, consagrados nos artigos 20º, nº 1 e 268º, nº 4, da Constituição”.
3. Determinado, por despacho da Relatora, que fossem proferidas alegações, veio a recorrente apresentar alegações que concluiu do modo seguinte:
1) Os art.s 36° nº 1 al. c) e 40° nº 1 al. a) da LPTA, são inscontitucionais na interpretação de sentença recorrida, por violação dos arts. 18° n° 2, 20° nº 1 e
268° nº 4 da Constituição, na dimensão interpretativa segundo o qual a manifestamente errada identificação do acto administrativo implica a rejeição do recurso, sem que o Recorrente seja previamente convidado a efectuar tal correcção. Com efeito,
2) Nos termos do art. 40° nº 1 al. a) da LPTA, não é possível que o Tribunal convide o recorrente a corrigir a identificação do autor do acto recorrido, no caso de tal erro ser manifestamente indesculpável.
3) A lei não define o conceito do que deva entender-se por erro manifestamente indesculpável.
4) Contudo, mesmo nos casos de erro indesculpável na identificação do autor do acto recorrido, o Tribunal deve convidar o recorrente a proceder à respectiva correcção.
5) Resulta destes preceitos que, ocorrendo um erro manifestamente indesculpável na identificação do autor do actor recorrido, o direito do particular de acesso
à Justiça e aos Tribunais, consagrado no art. 20°, nº 1 da Constituição, na parte em que está em causa a impugnação de actos administrativos, fica irremediavelmente afectado, se não lhe for concedida a possibilidade de corrigir esses erros.
6) O regime legal atrás referido traduz-se assim, numa violação destes direitos fundamentais, conjugados com o principio consagrado no art. 18° nº 2 da Constituição, uma vez que a impossibilidade de correcção da petição de recurso, em caso de erro manifesto na identificação do autor do acto recorrido, os restringe de modo desproporcionado, sem que exista qualquer fundamento material para tal disciplina jurídica.
7) Estando assegurado, como está, nos art.s 20° nº 1 e 268°, nº 4 da Constituição, o direito de acesso aos Tribunais, e concretamente o direito de impugnação de actos administrativos, tal direito só pode ser limitado nos casos expressamente previstos na Constituição e devendo a restrição limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18°, nº 2 da Constituição).
8) O legislador, ao permitir a possibilidade de correcção da petição de recurso, está a admitir expressamente que essa correcção não traz qualquer prejuízo incomportável para o processo, sendo compatível com os seus princípios orientadores, que não excluem dessa possibilidade os processos de natureza urgente.
9) Daqui resulta que não existe qualquer fundamento material para se negar igual correcção nos casos que a lei qualifica como de “erro manifestamente indesculpável na identificação do autor do acto recorrido”, uma vez que esta em nada prejudica o processo e os seus princípios orientadores pois se assim fosse, tal correcção seria sempre impossível.
10) Acresce ainda que o próprio legislador se absteve de definir o que é um
“erro manifestamente indesculpável na identificação do autor do acto recorrido”, ficando tal tarefa ao critério livre do Tribunal.
11) Esta impossibilidade de correcção não tem qualquer fundamento material, nem encontra fundamentação nos princípios do processo, constituindo uma “sanção” para o recorrente, a ser aplicada segundo o livre arbítrio do Tribunal. Deste modo
12) A impossibilidade de correcção da petição de recurso, nos casos de erro manifestamente indesculpável na identificação do autor do acto recorrido, mesmo nos processos de natureza urgente, viola o direito de acesso à Justiça e aos Tribunais, concretizado no direito de impugnação dos actos administrativos, consagrado nos arts. 20°, nº 1 e 268º nº 4 da Constituição de forma desproporcional e sem qualquer fundamento material, como exige o art. 18°, nº 2, da Constituição.
13) O Tribunal Constitucional (Acórdão n° 320/02 de 9 de Julho de 2002, in DR,
1ª Série-A) declarou, com força obrigatória geral a inconstitucionalidade, por violação do art. 32° nº 1 da Constituição, da norma do art. 412°, nº 2 do Código Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a possibilidade de suprir tal deficiência.
14) E, do mesmo modo, o Tribunal Constitucional declarou, no Acórdão nº 265/01, de 19 de Julho de 2001, publicado no DR, 1ª Série-A, de 16 de Julho de 2001, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do nº 10 do art.
32°, em conjugação com o nº 2 do art. 18°, ambos da Constituição, da norma que resulta das disposições conjugadas constantes do nº 3 do art. 59° e do nº 1 do art. 63°, ambos do DL 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação segundo a qual a falta de formulação de conclusões na motivação de recurso, por via do qual se intenta impugnar a decisão de autoridade administrativa que aplicou uma coima, implica a rejeição do recurso, sem que o recorrente seja previamente convidado a efectuar tal formulação.
15) Por uma questão de óbvia coerência, também são inconstitucionais as normas dos art.s 36°, nº 1 al. c) e 40° nº 1 al. a) da LPTA, por violação desproporcional - art. 18° nº 2 da Constituição - do direito de acesso à Justiça e aos Tribunais e do direito de impugnação contenciosa dos actos administrativos, consagrados nos art.s 20° n° 1 e 268° n° 4, da Constituição, na dimensão interpretativa segundo a qual a manifestamente errada identificação do Autor do acto recorrido implica a rejeição do recurso, sem que o Recorrente seja previamente convidado a efectuar tal correcção - o que se invoca para todos os efeitos legais.
16) Em consequência, deve ordenar-se a notificação da Recorrente para proceder à referida correcção.
Pelos motivos expostos, e invocando douto suprimento, confiadamente se espera que Vossas Excelências darão provimento ao recurso; e que, em consequência, as normas dos arts. 36°, n° 1 al. c) e 40° n° 1 al. a) da LPT A sejam declaradas inconstitucionais, nos termos pelos motivos e na dimensão acima referidos, ordenando-se que a Recorrente seja notificada para corrigir o requerimento inicial, dirigindo-o contra o Autor do acto cuja suspensão de eficácia pretende, como é de Lei de JUSTIÇA!
Por seu turno, o recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
A) A A., por recurso interposto em 9 de Setembro de 2003, veio questionar a constitucionalidade, e passa-se a citar, “das normas do artigo 36° n.º1 em conjugação com a alínea c) e 40° n.º1 alínea a) do Decreto-Lei n° 267/85, de 15 de Julho - LPTA -, por violação desproporcional - 18°2 - do direito de acesso à justiça e aos tribunais e do direito de impugnação contenciosa dos actos administrativos consagrados nos artigos 20°1 e 268° n.º 4 da Constituição, na dimensão interpretativa, segundo a qual a manifestamente errada identificação do autor do acto recorrido implica a rejeição do recurso, sem que o recorrente seja previamente convidado a efectuar tal correcção”; B) Mais acrescentou que tal questão de inconstitucionalidade havia sido suscitada no “requerimento de interposição de recurso de decisão proferida em 1ª instância no Tribunal Central Administrativo de Lisboa – Processo. n° 217-A/O3 da 4ª Secção”; C) Assim sendo, vem solicitar do Tribunal Constitucional a “declaração de inconstitucionalidade” das normas supra referidas; D) Ora, esta suposta construção não tem a mínima base de sustentação, porquanto a Recorrente parece confundir os autos de suspensão de eficácia - Proc. n°
217-A/03 - com o recurso que interpôs para o TCA no âmbito do mesmo processo e que aí foram distribuídos sob o n° de Processo 7238/03;
E) A Recorrente labora também no erro de entender que existe um “Tribunal Central Administrativo de Lisboa”, entidade que como se sabe é estranha à organização judiciária administrativa; F) A Recorrente refere-se a uma decisão de 1ª instância do “Tribunal Central Administrativo de Lisboa” em matéria de suspensão de eficácia quando verdadeiramente a mesma foi prolatada pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa; G) Tais erros manifestos e - perdoe-se-nos - indesculpáveis deveriam desde logo ter determinado a rejeição pelo Tribunal Central Administrativo do recurso de inconstitucionalidade, porquanto vão inverificados afinal os requisitos descriminados no artigo 70° e no nº2 do artigo 75°-A da Lei do Tribunal Constitucional; H) De facto, repare-se que nem está em causa o erro na identificação da peça processual a que alude o n.º2 do artigo 75°-A. É, de facto, mais grave do que isso: erra a Recorrente na identificação dos autos que pretende subjacentes ao presente recurso de inconstitucionalidade; I) Por outro lado, pretende a Recorrente ver “declarar a inconstitucionalidade do artigo 36° n.º1 alínea c) em conjugação com o artigo 40° n.º1 alínea a) da LPTA, por violação dos artigos 20°1, e 268° n.º4 em conjugação com o artigo 18°2 da Constituição, na dimensão interpretativa segundo a qual a 'manifestação errada de identificação do autor do acto administrativo implica a rejeição do recurso, sem que o recorrente seja previamente convidado a efectuar tal correcção”; J) Ora, e ainda que se se entendesse ser de admitir o presente Recurso de inconstitucionalidade - o que só por dever de patrocínio se admite - nunca poderia ser este o objecto do pedido, já que a “declaração de inconstitucionalidade” é o resultado de Acórdão com força obrigatória geral, nos termos e para os efeitos do artigo 282° da Constituição da República Portuguesa, que apenas pode ser desencadeado nos termos e pelas entidades expressamente referidas no artigo 281° da Constituição; K) Pelo que o pedido de declaração de inconstitucionalidade se apresenta impossível no caso sub judice ou - noutra perspectiva - formulado por entidade sem legitimidade para tal e com utilização de forma de processo manifestamente inadequada. L) Assim, não tendo sido rejeitado pelo TCA, que o admitiu - incorrectamente - nos termos dos artigos 70°, 1b) , 75°, 75°A e 78° da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, deve neste momento ser rejeitado pelo Tribunal Constitucional; M) Ainda assim, e por um dever de cautela, se diga que de qualquer forma não procederiam as razões de fundo alegadas pela Recorrente, porquanto não se verifica violação do princípio constitucional “pro actione”, pelo facto de o Tribunal não ter possibilitado a regularização do pedido de suspensão de eficácia; N) De facto, resulta claro do exposto que a Recorrente configurou incorrectamente a relação processual subjacente - aliás a vários títulos - desde a identificação do acto, à sua própria identificação e, ainda, à autoria daquele, pelo que não parece poder o referido pedido ser objecto - uma vez mais
- de determinação de regularização, nos termos dos artigos 40° da LPTA e 273°,
265° e 266° do C PC, ex vi artigo 1° da LPTA; O) Não procede o entendimento da Recorrente, de que viola a Constituição o entendimento da alínea a) do n.º 1 do artigo 40° no sentido de não ser “possível que o Tribunal convide a Recorrente a corrigir a identificação do autor do acto recorrido, no caso de tal erro ser manifestamente indesculpável, conceito que a lei não define”, porque às razões justificativas do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, se contrapõem, hoc casu, a especial natureza do incidente, caracterizado pela celeridade e urgência na sua tramitação, de que são expressão eloquente os artigos 6°, 78° e 113°, todos da LPTA, em que se qualifica de urgente o processo e se reduzem os prazos normais da tramitação do incidente e do recurso, desaconselhando, assim, a aplicação das normas do referido artigo 40° da LPTA; P) Mesmo no lugar paralelo das normas reguladoras do procedimento administrativo, designadamente os casos dos artigos 76° e 173° e) do CPA, referentes ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, não podem ser aplicáveis, directa ou indirectamente, ao mecanismo acessório da suspensão de eficácia; Q) É que, como se reitera no Acórdão STA 30.017, de 19/11/91, “o processo de suspensão de eficácia dos actos administrativos tem uma tramitação própria e específica, totalmente regulada no artigo 78° da LPTA”; R) Nomeadamente, a redacção do n.º2 do artigo 78° é óbice à invocação do artigo
40°, ambos da LPTA; S) De facto, como se lê na jurisprudência dominante no STA (v.g. Acórdãos
26.835, de 14/3/89, 27.309, de 19/7/89, 28.612, de 25/9/90, 40.466, de 4/7/96), o meio acessório do pedido de suspensão de eficácia do acto - por revestir a forma de processo urgente e célere - não se coaduna com o convite previsto no artigo 40° da LPTA (ou 838° do CA ou 477° do CPC); T) Subscrevendo a doutrina e jurisprudência dominantes, nem mesmo o indirizzo inconstitucional a tal obriga, sob pena de se interpretar o direito à tutela jurisdicional efectiva como um direito a toda e qualquer tutela, com total desrespeito das normas processuais ordenadoras, pelo que vão inverificadas as alegadas violações da Lei Constitucional; U) Ou seja, obviamente não procede o entendimento da Recorrente segundo o qual mereceria juízo de inconstitucionalidade a impossibilidade de regularização do requerimento em que se formula o pedido de suspensão; V) De facto, a interpretar nesse sentido a conjugação da alínea c) do n.º1 do artigo 36° e a alínea a) do n.º1 do artigo 40° da LPTA com o n.º1 do artigo 20°, o n.º 4 do artigo 268° e o n.º 2 do artigo 18° da CRP sempre se poderia dizer que tal princípio de tutela jurisdicional poderia prescindir de toda a formatação adjectiva e/ou processual. Não é o caso: a substituição do Tribunal à Requerente é que mereceria juízo de censura, por claramente violar o princípio da separação de poderes e o princípio de passividade e de sujeição ao pedido que impende sobre a função jurisdicional;
W) E, convenha-se, nos autos de suspensão a que o presente recurso mediatamente respeita, já a Recorrente veio aperfeiçoar a identificação do acto e proceder à sua identificação, posteriormente à apresentação do requerimento de suspensão em juízo. X) Por outro lado, e ainda que esta interpretação de possibilitar a regularização fizesse vencimento - o que, sem conceder, se equaciona , não estamos perante erro desculpável;
Y) Como resulta expressis verbis da alínea a) do n.º1 do artigo 40° da LPTA e como tem sido reforçado v.g. no Acórdão STA 30.995, 96.11.19, “o erro na identificação do autor do acto só pode ser corrigido ao abrigo da alínea a) do artigo 40° LPTA quando não seja manifestamente indesculpável.”; Z) Ora, por erro entende-se sempre a divergência entre a vontade real e declarada, ou como se lê no Ac de 24/1/91, do Tribunal Pleno (AD 353), é indesculpável, “para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 40° LPTA a errada identificação do autor do acto recorrido quando a sua notificação e publicação constava como o havia praticado, apontando-se as resoluções e despachos que justificam a sua intervenção, com a indicação das respectivas datas e lugares onde haviam sido publicado”, em termos reiterados pelo Acórdão do STA de
10/12/91 (AD 375), ou de 12/5/94, tirado no Rec. 32 875; AA) Assim, a falha da ora Recorrente constitui causa de ineptidão do Requerimento do Pedido apresentado, não pode ser regularizada ao abrigo de eventual convite de aperfeiçoamento ao abrigo do artigo 40° da LPTA dada a específica tramitação - natureza acessória, urgente e célere do instituto - da suspensão de eficácia, e mesmo que o instituto permitisse o recurso a regularização, a mesma só pode ser invocada em caso de erro desculpável da Requerente, o que não é manifestamente o caso; BB) Por outro lado improcede o argumento da Recorrente de valer o lugar paralelo da remessa de processo prevista no artigo 4° da LPTA, porquanto a mesma se aplica apenas a casos de incompetência relativa, o que convenientemente a Recorrente omite; CC) Ora, é sabido como são diferenciadas quer a natureza quer a panóplia de efeitos associadas aos casos de incompetência absoluta e relativa; DD) Quanto à alegada violação de direitos fundamentais, a referência aos artigos
20° e 268°/4 não pode prescindir da demonstração de estarmos perante direitos fundamentais fora do catálogo - porquanto não qualificados enquanto tal pela CRP
- o que a Recorrente não logra fazer; EE) Por outro lado, a aplicação do regime do artigo 18° da CRP implica estarmos perante direitos liberdades e garantias ou ao menos perante direitos fundamentais de natureza análoga a direitos liberdades e garantias, o que a Recorrente também não prova; FF) Ainda assim, e mesmo que tivesse demonstrado tal natureza, a Recorrente parece também desconhecer a distinção entre uma mera conformação ou condicionamento e uma verdadeira restrição de direitos; GG) Assim, se estivermos perante uma intervenção legislativa que dificulta o exercício do direito trata-se de uma restrição; mas se estivermos perante uma intervenção legislativa que organiza o exercício do direito, é uma mera conformação, o que não deixa de se considerar no presente caso; HH) Mas mesmo que - estando em causa um direito, liberdade e garantia, o que não vai demonstrado pela Recorrente - se tratasse de restrição, relembre-se que as restrições não são um fim em si mesmo, mas servem um propósito que é o da resolução de um conflito ou de uma colisão; II) E neste caso vão facilmente identificados os “interesses constitucionalmente protegidos a que se refere o artigo. 18°/2, tendo em conta a própria organização processual e a tramitação célere e específica atentos os objectivos e estrutura dos procedimentos cautelares, que se não compadecem com regularizações sucessivas, como no caso dos autos; JJ) De acordo com os n.ºs 2 e 3 do artigo 18°, que estabelecem os requisitos de restrição dos direitos, liberdades e garantias, esta operação implica efectivamente o atendimento ao princípio da proporcionalidade, que deve ser entendido nas três vertentes que o Tribunal Constitucional tem afirmado na sua jurisprudência: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito ou proibição do excesso; KK) Ora, atentos os bens em presença a situação em causa é necessária para acautelar os interesses defendidos pela tramitação específica dos procedimentos cautelares, é adequada em termos de relação causa-efeito - e é manifestamente não excessiva; LL) Por outro lado, e verificado este requisito de proporcionalidade, parece também claro que o regime em nada diminui o núcleo essencial dos preceitos constitucionais em causa, apenas impondo um ónus de conformação processual jurídica mínima; MM) Aliás, refira-se que mesmo a procedência de um pedido de suspensão de eficácia deve acautelar o facto de não ser manifesta a ilegalidade de interposição do recurso contencioso do acto que se pretenda ver suspenso; NN) Assim, a impossibilidade de correcção da petição de suspensão, como refere a Recorrente nas Alegações a que se vem contrapondo, no caso de erro na identificação do autor do acto recorrido, encontra precisamente legitimação constitucional na procura da celeridade processual e na tramitação específica dos procedimentos cautelares, que têm expressa consagração constitucional; OO) Por outro lado, a noção de “desculpabilidade” do erro não fica, ao contrário do que pretende a Recorrente, ao critério livre do tribunal”, implicando desde logo, ao menos de acordo com as regras do artigo 9° do Código Civil, atenção a elementos literais, sistemáticos e teleológicos, nomeadamente quanto ao “telos“ da norma que a Recorrente falha em identificar, porquanto se louva em arestos que reportam, respectivamente, à declaração de inconstitucionalidade dos artigos
412° do CPP e do n° 3 do artigo 59° e do n° I do artigo 63° do Decreto-Lei nº
433/82, de 27 de Outubro, na dimensão interpretativa que habilita a rejeição do recurso com, respectivamente, falta de indicação nas conclusões de motivação das menções contidas nas alíneas a) b) e c) do referido artigo 412° e na falta de formulação de conclusões, no que tange ao Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro; PP) Não ocorre no entanto analogia porquanto nos casos invocados, objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, estão em causa normas penais e contra-ordenacionais, sendo que o direito de defesa no processo penal, pela sua natureza, impõe garantias reforçadas; QQ) Admitir o convite à correcção em caso de erro indesculpável e, para mais, por vezes sucessivas, é destituir o direito processual de fundamento, ao contrário do que sucede em caso de erro desculpável; RR) A tutela jurisdicional efectiva não prescinde de normas ordenadoras, nem habilita a interpretação de que o Tribunal se substitua às partes, suprindo as suas deficiências e exercendo uma espécie de patrocínio supletivo, como o pretende a Recorrente; SS) A função jurisdicional, ela própria, traduzindo-se numa composição de litígios, não pode transmutar o julgador em parte; TT) Assim, a Recorrente confunde o direito à tutela jurisdicional efectiva com o direito a toda e qualquer tutela, em total desrespeito de normas processuais ordenadoras: o que a Recorrente pretende é que o Tribunal se lhe substitua no patrocínio, o que seria claramente violador do princípio da separação de poderes e de sujeição ao pedido que vincula a função jurisdicional, como dito supra; UU) Ou seja, as garantias processuais das partes e o princípio constitucional da proibição da indefesa, não integram o direito ilimitado à inobservância de normas processuais; VV) Por outro lado, não deixe de se dizer que hoc casu estamos perante a inverificada demonstração de um requisito processual - a legitimidade - e não perante meras “exigências de forma”;
WW) A Recorrente erra ainda ao entender louvar-se no Acórdão n° 725/03 do Tribunal Central Administrativo, cuja cópia aliás junta, porquanto - e citando a Recorrente - “se tratar de caso perfeitamente idêntico ao dos autos, uma vez que a decisão ora recorrida teve o mesmíssimo (sublinhado da Recorrente) processo instrutor que originou a prática do acto ora suspendendo.” (sublinhado nosso); XX) Ora, não pode tratar-se do mesmíssimo processo instrutor, já que cada processo instrutor diz respeito a um só acto: ao invés, trata-se de acto relativo à B. e não à A.;
YY) Por outro lado, também não faz sentido a referência ao “acto ora suspendendo” , já que como se sabe o recurso de inconstitucionalidade não tem por objecto a suspensão do acto - seja ele qual for - mas apenas e tão só a apreciação da constitucionalidade das normas em causa.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve: a) O presente recurso ser rejeitado, por inverificação dos seus pressupostos e por impossibilidade do pedido formulado; b) Se assim não se entender, ser-lhe negado provimento, por manifesta improcedência dos argumentos de inconstitucionalidade alegados, como é de Justiça
4. Tendo sido suscitada pelo recorrido, nas suas contra-alegações, questão prévia quanto ao conhecimento do recurso, foi dada oportunidade à recorrente de lhe responder, o que ela fez nos seguintes termos:
1 O Recorrido tenta agarrar-se a um óbvio e insignificante lapso material, para tentar que não se conheça do Recurso. Sem a menor razão.
É certo que a Recorrente, no requerimento de interposição de recurso, escreveu textualmente que “suscitou a questão de inconstitucionalidade no Requerimento de interposição de recurso da decisão proferida em 1ª Instância no Tribunal Central Administrativo de Lisboa, Procº 217-A/O3 da 4ª Secção”. Trata-se de manifesto lapso de escrita. A Recorrente não é tão ignorante que não saiba que o Tribunal de 1ª Instância se chama 'Tribunal Administrativo de Círculo” e que o Tribunal do recurso se chama
“Tribunal Central Administrativo”. Provou bem esse facto, ao solicitar a suspensão de eficácia no processo N°
217/03/ A que correu pela 4ª Secção do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa; e ao interpôr recurso da decisão proferida para o Tribunal Central Administrativo - onde tomou o N° 07238/03 da 1ª Subsecção do Contencioso Administrativo. Isto consta dos autos, de forma clara e iniludível.
É assim óbvio que a Recorrente, ao redigir o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, cometeu um mero lapso material, que pode ser corrigido - e que não tem a menor relevância para o regular andamento dos autos, que em nada perturba. Resulta de um exame, mesmo superficial, dos autos, que a Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade (basta ler os requerimentos de interposição, na sua parte final, e nas conclusões)
1° - Na 1ª Instância, perante o Tribunal Administrativo de Círculo, no Processo
217/03/A, da 4ª Secção; e
2° - Na 2ª Instância, perante o Tribunal Central Administrativo, no processo
07238/03 da 1ª SubSecção do Contencioso Administrativo. Carece assim de fundamento sério ou razoável o alegado nos nºs. 1 a 10 da questão prévia a que se responde .
2 Igualmente improcede o alegado nos nºs. 11 a 16 da mesma questão prévia.
É desde logo liminar que a fiscalização de constitucionalidade que se solicitou
é a “Fiscalização Concreta da Constitucionalidade e da Legalidade “ a que se reporta o artigos 281º, da CRP e não tem nada a ver com a Fiscalização Abstracta a que se refere o artigos 282º. Em primeiro lugar , porque foi suscitada, muito concretamente, no âmbito de um processo judicial. O que desde logo implica a rejeição de que se estaria perante a Fiscalização Abstracta. A Recorrente, em obediência ao disposto no art° 75-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro tinha de indicar , como indicou.
- a alínea do n° 1 do artº 70° ao abrigo da qual o recurso é interposto;
- a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie;
- a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade. O artº 70 da Lei 28/82 está incluído no Subcapítulo II, denominado “Processos de fiscalização concreta”. Também por aqui se vê que não se está perante um caso de apreciação abstracta da inconstitucionalidade. O Recorrido manifesta grande confusão no n° 12 das suas Alegações, ao invocar o artº 282° da Constituição, que se reporta aos casos de “declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral” - o que o Recorrido não pode ignorar . Aliás, constitui pressuposto da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artº 280° n° 3 da Constituição, a existência de três julgamentos de inconstitucionalidade anterior - o que manifestamente não está em causa. O que está em causa - repete-se - é o pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade formulada ao abrigo do disposto no artº 280° n° 1 alínea b) da Constituição.
Termos em que:
1º Requer a correcção do lapso material e que, em consequência, passe a ler-se no requerimento de interposição de recurso que a Recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade;
1° - Na 1ª Instância, perante o Tribunal Administrativo de Círculo, no Processo
217/031 A, da 4ª Secção;
2° - Na 2ª Instância, perante o Tribunal Central Administrativo, no Processo
07238/03 da 1ª Subsecção do Contencioso Administrativo.
2° Deve ser desatendida toda a questão prévia suscitada.
5. A recorrida veio, por seu turno, apresentar resposta à resposta da recorrente, tendo sido determinado, pela Relatora, que tal resposta não fosse junta aos autos, após proferimento de despacho com o seguinte teor: O recorrido veio apresentar resposta à resposta à questão prévia apresentada pela recorrente. Ora, à pronúncia sobre a questão prévia suscitada pelo recorrido não cabe resposta, desde logo pela desnecessidade, uma vez que com a resposta à questão prévia fica assegurado o necessário contraditório. De resto, não resulta, evidentemente, da lei uma infindável e absurda sucessão de respostas nos autos. Assim, determina-se a devolução da peça processual do recorrido apensa por linha.
Tudo visto, cumpre decidir.
II Fundamentação
A) A questão prévia suscitada pelo recorrido
6. Suscita o recorrido a questão prévia do não conhecimento do recurso, em síntese, com três fundamentos: a recorrente identificou incorrectamente o tribunal que proferiu a decisão de primeira instância; a recorrente, ao indicar, no recurso de constitucionalidade, a peça processual em que suscitou a questão de constitucionalidade errou na indicação do número do processo em que tal ocorreu; a recorrente teria indevidamente pedido a declaração de inconstitucionalidade de tais normas. Por estas razões, entende o recorrido que o recurso não deveria ter sido admitido pelo Tribunal Central Administrativo e deveria ser rejeitado pelo Tribunal Constitucional. Estariam em causa os artigos 72º e 75º-A, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional. Analisada a questão suscitada, o Tribunal Constitucional conclui que é improcedente a questão prévia, pelas razões que a seguir se expõem. Assim, desde logo a errónea identificação do nome do tribunal que proferiu a decisão de primeira instância não revelou, no contexto concreto, qualquer deficiência essencial que impedisse a verificação – essa sim essencial – de que a questão de constitucionalidade teria sido suscitada durante o processo de modo adequado a permitir o esgotamento dos meios de recurso ordinário. É tão-somente esse o pressuposto processual que resulta do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. E é esse o pressuposto cuja verificação é imprescindível, conforme tem sido afirmado repetidamente pelo Tribunal Constitucional. Não existindo uma deficiência daquela natureza não estará prejudicado, por isso, o conhecimento do objecto do recurso. Por outro lado, se o Tribunal Constitucional entendesse que existia deficiência impeditiva do conhecimento do objecto do recurso por falta de indicação, no requerimento de recurso, dos elementos exigidos pelo artigo 75º-A, nºs 1 e 2, o que não é manifestamente o caso (já que todas as menções exigidas se verificaram), haveria lugar, apenas, a despacho de aperfeiçoamento nos termos do artigo 75º-A, nº 5, da Lei do Tribunal Constitucional. O lapso da recorrente, porém, não é minimamente impeditivo, no contexto dos autos, da verificação dos pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade. Também no que toca ao lapso quanto ao número do processo é de notar que a recorrente indicou correctamente esse número no início do seu requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional e que nem sequer tinha o ónus de indicar o referido número naquela peça processual. Assim, não só um declaratário normal e imparcial entenderia qual a peça processual constante dos autos em que, afinal, a recorrente suscitou a questão de constitucionalidade como também o erro quanto à identificação do número de processo não afecta a identificação da peça processual. De qualquer modo, tendo este Tribunal compreendido qual era a peça processual em causa, através dos elementos obrigatórios do recurso de constitucionalidade, não houve lugar a despacho de aperfeiçoamento, estando, por isso, definitivamente ultrapassados os erros de identificação que a recorrida aponta. Por último, no recurso de constitucionalidade a recorrente não pede a declaração de inconstitucionalidade, mas apenas que se “aprecie a inconstitucionalidade das normas do artigo 36º, nº 1, em conjugação com a al. c) e 40º, nº 1, al. a) do Dec.-Lei 267/85 de 15 de Julho”. Somente nas alegações de recurso a recorrente se refere, com efeito, à declaração de inconstitucionalidade. Porém, também essa expressão, no contexto de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, não consubstancia qualquer vício do recurso que o torne insusceptível de conhecimento. Assim, do requerimento de recurso não consta aquela menção, cuja utilização posterior nas alegações não pode alterar a natureza de tal recurso. Não tem, assim, o recorrido razão quanto às questões que suscita. Os lapsos que invoca não afectam os requisitos legalmente estabelecidos para o requerimento de recurso (artigos 75º-A, nºs 1 e 2, e 76º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional), que se verificaram todos, nem acarretam a impossibilidade de conhecimento do recurso de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional.
B) A questão de constitucionalidade suscitada
7. A questão de constitucionalidade suscitada é a seguinte: viola algum preceito constitucional o critério normativo segundo o qual um erro manifestamente indesculpável do recorrente quanto à legitimidade passiva do autor do acto administrativo importa a imediata rejeição do pedido sem que haja lugar a qualquer convite para a correcção do erro? Não está, obviamente, em causa qualquer análise da correcta qualificação do erro em questão pelo tribunal recorrido como erro manifestamente indesculpável, mas somente a constitucionalidade do mencionado critério normativo. Porém, não é menos certo que é necessário interpretar o sentido com que o legislador distingue o erro manifestamente indesculpável do erro meramente desculpável para efeitos de impedir o convite ao aperfeiçoamento. Na verdade, um regime tão estrito parece justificar-se pela necessidade de impedir que recaia sobre o tribunal a necessidade de se substituir às partes, exercendo como que uma tutela substitutiva, bem como pela necessidade de evitar uma displicência processual das partes e dos seus representantes, de modo a que não sejam praticados actos inúteis nem se gerem incidentes processuais escusados. Parece ser esta lógica que justifica o regime apertado do erro manifestamente indesculpável. Ora, também esta lógica há-de levar a identificar o erro manifestamente indesculpável como uma categoria de erro que qualquer recorrente teria condições efectivas de evitar cometer, sem qualquer diligência específica, mas apenas com o mais elementar conhecimento dos requisitos legais. O carácter manifesto da indesculpabilidade residiria na evidência dos factos e elementos possuídos e no grau de conhecimento requerido ao agente. A questão que subsiste, no entanto, é a de saber se esta racionalidade afecta, desproporcionadamente, o direito ao recurso e as pretensões materiais subjacentes. Um certo método casuístico da jurisprudência quanto ao que seja erro manifestamente indesculpável pode suscitar a dúvida sobre se não há critérios normativos de identificação do acto manifestamente indesculpável que contendam com direitos fundamentais. Mas não é esse o objecto do presente recurso. O que apenas está em causa, neste recurso, é que haja uma proibição de aperfeiçoamento ou pelo menos que não haja o direito ao aperfeiçoamento quanto a uma categoria de casos – os de erro manifestamente indesculpável – independentemente do seu conteúdo. Assim colocada a questão, com tal radicalidade, o Tribunal Constitucional entende que ainda é compatível com o direito ao recurso, com o acesso ao direito e o direito à tutela judicial efectiva, a selecção de uma categoria extrema de erros manifestamente indesculpáveis em que o recorrente dispôs amplamente de condições para indicar o autor do acto recorrido e não o fez ou não o fez correctamente, não existindo, para quem litiga, um direito a uma “tutela substitutiva” em casos em que esteja ao alcance de qualquer recorrente a indicação correcta do autor do acto recorrido. Não existe, por conseguinte, na Constituição, um qualquer princípio de tutela efectiva de direitos, no âmbito de relações jurídico-administrativas, que impeça que se exija às partes um mínimo de diligência na interposição de recursos e na solicitação de intervenção dos tribunais relativamente à decisão de conflitos, sobretudo quando está em causa o contencioso de anulação. A abrangência concreta deste critério mínimo não é questionada no âmbito deste recurso. E isso não só porque, como se disse, não cabe ao Tribunal Constitucional controlar a qualificação jurídica concreta do erro da recorrente, mas também porque não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer dimensão normativa específica dos critérios determinantes da abrangência de certas categorias de casos.
8. Levanta a recorrente a questão do paralelismo entre o presente problema e o que esteve subjacente às declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas dos artigos 412º, nº 2, do Código de Processo Penal, e 59º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro (Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 265/2001, de 19 de Julho – D.R., I Série-A, de 16 de Julho de 2001, e nº 320/2002, de 9 de Julho – D.R., I Série-A, de 7 de Outubro de 2002). No entanto, tal paralelismo não é procedente sobretudo enquanto se partir da perspectiva de que uma cláusula de erro manifestamente indesculpável, qualquer que seja a sua abrangência, será inconstitucional. Com efeito, aquelas normas referiam-se a deficiências das alegações de recurso de certas menções, as previstas nas alíneas a), b) e c) do artigo 412º, nº 1, que visam delimitar os fundamentos da questão de direito que o recorrente pretende ver discutida. Trata-se, aliás, pela natureza desses elementos, de matéria em que os erros possíveis não serão, em geral, manifestamente indesculpáveis e em que a recorrente apenas não conclui nas condições formalmente impostas por lei. Por outro lado, e decisivamente, tanto no Processo Penal como no Direito de Mera Ordenação Social, se justifica que o direito ao recurso esteja intensamente subtraído à insuperabilidade do erro e que o comportamento processual dos arguidos não esteja subordinado a uma lógica de “parte”, a que andam associadas certas exigências mais rigorosas, visto que estão em causa ramos do direito sancionatório público que, na sua concreta aplicação, implicam a privação ou a restrição de direitos, liberdades e garantias. No âmbito do contencioso administrativo, tendo em conta a natureza de conflitualidade subjacente, a exigência de um mínimo de diligência na interposição de recursos quanto à indicação do autor do acto recorrido, para evitar a litigância inútil e recursos absolutamente infundados, não restringe desproporcionadamente o direito ao recurso, o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva, mantendo-se nos limites adequados a um processo justo e equitativo.
9. Dois argumentos militam ainda a favor da não inconstitucionalidade da norma em crise: a obrigatoriedade de constituição de advogado no âmbito do contencioso administrativo e a previsão legal (cf., respectivamente, artigos 11º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 62º e 63º do Código do Procedimento Administrativo, e 104º e ss. da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos) de vários mecanismos prejurisdicionais ou mesmo jurisdicionais tendentes a garantir que o interessado obtenha elementos e certidões respeitantes ao acto administrativo que pretende impugnar, incluindo a identidade do autor desse acto.
É certo que também no Processo Penal, a que anteriormente se fez referência, é obrigatório que o arguido seja assistido por advogado em vários actos processuais, incluindo, nomeadamente, a interposição de recursos (artigo 64º do Código de Processo Penal). Todavia, tal como se referiu, o Processo Penal implica, na aplicação das penas e medidas de segurança (e mesmo já, antes disso, na aplicação de medidas cautelares e de polícia e de medidas de coacção e de garantia patrimonial), a restrição ou privação de direitos, liberdades e garantias, que está sujeita ao programa restritivo do artigo 18º da Constituição.
III Decisão
10. Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 23 de Março de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos