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Procº nº 189/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Por despacho de 30 de Outubro de 2001, proferido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, foi admitido o recurso interposto pelo A de um acórdão lavrado por aquele Supremo, com fundamento em oposição com um outro aresto, prolatado em 12 de Fevereiro de 1986 pelo mesmo Alto Tribunal.
Em 12 de Dezembro de 2001, a Conselheira Relatora do indicado Supremo julgou deserto o recurso 'por falta de apresentação tempestiva de alegações (art. 765º nº 3 do C.P.Civil e 102º da L.PTA)'.
Desse despacho foi arguida a respectiva nulidade, 'sem prejuízo de recorrer de agravo do mesmo despacho' pretensão que veio a ser indeferida pelo despacho de 19 de Fevereiro de 2002, do seguinte teor:-
'O req.to de fls. 365 não aponta ao despacho de fls. 325 v qualquer deficiência eventualmente integrável em nulidade, nem, de resto, cita nenhuma norma legal que comine a nulidade para o erro que o req.te aponta àquele despacho.
Indefere-se, assim, a arguição de nulidade do despacho-
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Quanto à parte do mesmo req.to em que se vem recorrer do despacho da Relatora em questão (fls 366, al b)) cabe dizer:
Não é admissível recurso do despacho do relator da Subsecção que julgue deserto o recurso para o Pleno por falta de apresentação e tempestividade das alegações.
Desse despacho cabia reclamação para a conferência da Subsecção e, só do acórdão que o confirmasse ou revogasse cabia recurso para o Pleno.
Por outro lado, também não é admissível a convolação em reclamação para a conferência da Subsecção do req.to de interposição de recurso daquele despacho (neste sentido, entre outros ac. do S.TA 1ª secção de 12-5-99, rec.
44625; de 1/4/98, rec. 32.434, de 6/2/01, rec. 46.623; ac. da 2ª secção de
6/6/01, rec. 26.019).
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Face ao exposto indefere-se o req.to de fls. 365.
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Sem custas, por delas estar isenta a ent. Requerente'.
Do transcrito despacho, na parte 'em que lhe indeferiu a arguição de nulidade que suscitara do despacho que julgou deserto o recurso para o Pleno, por, alegadamente, as suas alegações terem sido entregues fora de prazo', reclamou para a conferência A, sendo que, na peça processual consubstanciadora da reclamação, não suscitou, directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental, reportadamente a norma ou normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional (ainda que alcançada esta - ou alcançadas estas - por via de um processo interpretativo), concluindo esse peça do seguinte modo:-
'1. O Presidente do A veio recorrer para o Pleno do STA com fundamento e oposição de julgados.
2. Aceite o recurso apresentou as suas alegações.
3. Porém, foi notificado de um despacho da Senhora Relatora de fl. ... em que foi decidido.
‘Declaro deserto o recurso interposto para o Pleno por oposição de julgados recebido por despacho de fls. 317. notificado ao recorrente em 31/10/01, por falta de apresentação tempestiva das alegações (artº 765º nº 3 do CPC e 1º e 2º da LPTA).
4. Não se podendo conformar com esta decisão veio arguir a sua nulidade por requerimento apresentado em 4 de Janeiro 2002, alegando em síntese:
4.1. a norma invocada está revogada - artº 3º do D.L. 329-A795.
4.2. Hoje o prazo para apresentar alegações é o que consta do artº 106º da LPTA
- e que por força do art.º 6º da alínea e), do mesmo dispositivo legal, passou a ser de 30 dias.
4.3. Ora, o despacho de aceitação do recurso tem a data de expedição de registo do correio de 31/10/2001.
4.4. Sendo, obviamente, notificado ao recorrente, nos termos do artº 254º, nº 2 do CPC - no dia 5 de Novembro (primeiro dia útil seguinte, após os três dias de dilação).
4.5. Contrariamente ao afirmado no despacho - o dia 31/10/01 não é o dia da notificação. Mas da expedição do correio !!!
4.6. Tendo as suas alegações sido remetidas por fax no dia 4 de Dezembro, pelas
16,35 horas, as mesmas entraram no prazo legal.
5. Sobre a arguição de nulidade do seu anterior despacho a Senhora Relatora produziu o seguinte despacho de fls. 370:
‘O requerimento de fls. 365 não aponta ao despacho de fls. 325 qualquer deficiência integrável em nulidade, nem de resto cita nenhuma norma legal que comine nulidade ... assim indefere-se a arguição de nulidade do despacho’.
6. Parece óbvio que, ao invocar norma que já não existe na ordem jurídica para se não aceitar as alegações - a norma invocada está revogada !!! - está-se a incorrer, necess[a]riamente, numa nulidade processual.
7. O artº 201º determina a nulidade processual de uma decisão que a lei não admita, e que influi na decisão da causa.
8. O que logicamente e necessariamente aconteceu no caso sub judice.
9. Não tendo sido aceite a nulidade invocada, vem pois reclamar-se para a Conferência deste despacho, devendo, consequentemente ser proferido Acórdão, nos termos do artº 700º, nº 3, do CPC, que determina o prosseguimento dos autos e a respectiva aceitação das alegações proferidas , com as legais consequências'.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 24 de Abril de
2002, indeferiu a reclamação, para tanto, em síntese, discorrendo do seguinte modo:-
- a deficiência atribuída ao despacho de que foi arguida nulidade não se integrava em nenhuma das nulidades de processo a que se reportava o artº
201º do Código de Processo Civil, podendo, quando muito e eventualmente, integrar um erro de julgamento, sendo que a errónea qualificação como nulidade, levada a efeito pelo então reclamante, não impedia o tribunal de proceder à correcta qualificação jurídica e, assim, apreciar os fundamentos da reclamação;
- não obstante a revogação do nº 3 do artº 765º do Código de Processo Civil operada pelo artº 3º do Decreto-Lei nº 328-A/95, de 12 de Dezembro, nem por isso o prazo para a produção de alegações seria o de trinta dias, por força dos artigos 106º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e 6º, alínea e), daquele Decreto-Lei;
- e isso porque a revogação, imediatamente aplicável, das normas adjectivas que regiam o recurso para o tribunal pleno, em processo civil, ficou a dever-se ao reconhecimento da inconstitucionalidade do instituto dos
«assentos», vindo, na sua sequência, a consagrar-se, nos casos previstos no Código de Processo Civil (artigos 732º-A, 732º-B e 678º, nº 4), a possibilidade de o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinar a intervenção do plenário das Secções Cíveis;
- a eliminação do recurso para o tribunal pleno, em processo civil, recurso esse fundado em oposição de julgados, foi, por isso, ditada por razões específicas desse ramo de direito, razões essas que se não surpreendem no contencioso administrativo, no qual ao decidido pelo Pleno da Secção, fundado em oposição de julgados, não é atribuída força obrigatória geral;
- assim sendo, muito embora se mostrem revogados os artigos 765º a
767º do Código de Processo Civil pela reforma de 1995 introduzida neste corpo de leis, deveria entender-se que tais normativos continuavam a ser 'aplicáveis, com as necessárias adaptações, à regulação da tramitação do recurso por oposição de acórdãos no âmbito do contencioso administrativo';
- por força do disposto no nº 1 do artº 6º do Decreto-Lei nº
329-A/95, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, o prazo de cinco dias previsto no nº 3 do artº 765º do Código de Processo Civil, concedido para o recorrente alegar e demonstrar a existência de oposição de julgados nos acórdãos passou a ser de dez dias, pelo que, tendo o recorrente sido notificado em 31 de Outubro de 2001 do despacho que admitiu o recurso para o Pleno da Secção, aquando da apresentação da sua alegação, em 4 de Dezembro seguinte, já se mostrava de há muito excedido aquele prazo.
Do assim decidido recorreu o A para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo.
Na alegação que produziu, aquele Centro conclui do seguinte jeito:-
'1º - Com fundamento em oposição de Acórdãos foi interposto recurso para o Pleno, dado que se considera que o Acórdão proferido nos autos nº 47 375 viola o princípio da tipicidade da lei, artº 115º da CRP.
2º - Apresentadas as alegações de recurso a Senhora Relatora considerou que as mesmas foram extemporâneas, por terem sido apresentadas fora de prazo.
3º - Reclamado para a conferência foi proferido o Acórdão que confirmou na integra o despacho recorrido.
4 º - Dado que foi entendido pelo despacho da Senhora Relatora e que o Acórdão proferido pela conferência confirmou, que o prazo para alegar era de dez dias, invocando, expressamente, as normas previstas nos art.ºs 765º a 767º do CPC, que apesar de revogadas continuariam a ser aplicáveis à tramitação do recurso por Oposição de Acórdãos, no âmbito do contencioso administrativo.
5 º - Todavia, o recorrente entende que esta posição assumida no Acórdão recorrido, é uma interpretação inconstitucional dado que aplica normas adjectivas inexistentes, violando-se, consequentemente, os princípios constitucionais de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, previstos nos art.ºs 20º e 268º da CRP.
6º - E bem assim, os princípios da certeza e segurança jurídica.
7º - Aliás, entende-se, em sede de direito adjectivo, cujo prazo para prática do acto processual é peremptório, o princípio da publicidade da norma, é um requisito fundamental.
8º - Caso contrário, viola-se um direito fundamental do cidadão a conhecer, necessariamente e expressamente, qual o prazo para alegar em sede de recurso.
9º - Na realidade, e de acordo com o art.º 3º, do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, foram revogad[o]s expressamente os art.ºs 763º a 770º do CPC.
10º - Tendo como primeira consequência no mundo jurídico, que as normas previstas nestes artigos e aplicáveis ao regime dos recursos para o tribunal pleno deixaram de vigorar.
11º - E nem se diga que o legislador desconhecia que no âmbito da LPTA existem normas por remissão ou da devolução para o código de processo civil.
12º - Técnica legislativa discutível, mas pacificamente aceite - vide art.º 1º da LPTA, em que se determina que o processo nos tribunais administrativos se rege, com as necessárias adaptações, supletivamente, pelo Código de Processo Civil.
13º - Isto é, em tudo o que não estiver expressamente previsto na própria LPTA rege-se as normas do Código de Processo Civil.
14º - Ora, cfr. o art.º 102º da LPTA, todos os recursos ordinários de decisões jurisdicionais se regem pelas regras da lei processual civil.
15º - Sendo todos processados como recursos de agravo, com excepção dos recursos fundados em oposição de acórdãos, a que se aplicaria[m] as regras dos art.ºs
765º e segs.
16º - Mas com um regime próprio no prazo de alegação - sempre trinta dias.
17º - Porém, ao serem revogadas estas normas pelo DL n.º 329-A/95, criou-se, assim, um vazio, uma lacuna na LPTA.
18º - Que o aplicador da lei ou int[é]rprete tem de preencher.
19 º - Mas, enquanto o Tribunal, entre uma lei viva ou norma morta, optou por uma integração ficcionada, com a aplicação de normas já revogadas, o recorrente, sempre entendeu que por razões de coerência sistemática do sistema, e pelo recurso a um princípio unitário que deve vigorar em todo o edifício processual administrativo, o prazo para alegações deve ser o que está consagrado no art.º
106º da LPTA.
20º - Aliás, veja-se a solução que o legislador entendeu juridicamente correcta, na nova Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ao determinar que em caso de recurso para uniformização de jurisprudência, art.º 152º da LPTA, o prazo para alegar é de trinta dias.
21º - Estando em causa interesses legítimos, nomeadamente de certeza e segurança jurídica, não faz de todo em todo sentido uma posição restritiva na integração da lacuna criada.
22º - Por outro lado, não tendo havido publicidade da solução que o Tribunal entende como boa, à mesma falta-lhe um requisito de eficácia relativamente ao sujeito processual.
23º - Assim, e como estamos em situação de fronteira entre a solução adjectivamente consagrada na lei (que não existe), e a interpretação e integração da lacuna sempre discutível, no despacho que determinou e aceitou o recurso deveria ter sido, expressamente, referido qual o prazo para alegar, ou mesmo na notificação que foi remetida poderia ter sido referido o respectivo prazo.
24º - Pelo que, se considera este Acórdão inconstitucional no sentid[o] do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva'.
Não tendo o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 11 de Dezembro de 2002, tomado conhecimento do recurso, veio o A, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido em 24 de Abril de 2002, dizendo que:-
'................................................................................................................................................................................................................................................................................... No Despacho da Senhora Relatora, fls 325 v, e que o Acórdão proferido pela Conferência confirmou e que ora se recorre por inconstitucionalidade, foi entendido que o prazo para alegar para o Pleno no Recurso por Oposição de Acórdãos era de dez dias, invocando-se, expressamente, as normas previstas nos art.ºs 765 a 767º do CPC, que apesar de revogadas - de acordo com [o] art.º 3º, do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, foram revogadas expressamente os art.ºs
763º a 770º do CPC. - continuariam a ser aplicáveis à tramitação do Recurso por Oposição de Acórdãos, no âmbito do contencioso administrativo. O recorrente entende que esta posição/interpretação assumida, quer no despacho de fls 325 v, quer no Acórdão recorrido, é uma interpretação inconstitucional dado que se aplica[m] por analogia normas adjectivas inexistentes
(repristinando-as), violando-se, consequentemente, os princípios constitucionais de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, previstos nos art.ºs
20º e 268º da CRP, e bem assim, violando o princípio da separação de poderes, art.º 111º, nº 1 da CRP e o princípio da subordinação dos Tribunais à Lei, art.º
203º da CRP. Porquanto, Estando-se em sede de direito adjectivo, cujo prazo para a prática do acto processual é peremptório, o princípio da publicidade da norma, é um requisito fundamental, caso contrário, viola-se um direito fundamental do cidadão de conhecer necessariamente e expressamente , qual o prazo que deve ter para alegar em sede de recurso. A questão de inconstitucionalidade foi levantada quer na Reclamação para a Conferência, fls..., quer no recurso de agravo interposto para o Pleno da Secção, do Acórdão da Conferência.
..................................................................................................................................................................................................................................................................................'
O recurso intentado interpor pelo A não foi admitido por despacho proferido em 6 de Fevereiro de 2003 pela Conselheira Relatora do Supremo Tribunal Administrativo, já que, segundo se entendeu, não fora suscitada durante o processo a inconstitucionalidade das normas que foram aplicadas pelo acórdão de que se pretendia recorrer.
É deste despacho que, pelo A, vem deduzida reclamação, dizendo, em síntese, e para o que ora releva que a 'questão da inconstitucionalidade da aplicação de normas inexistentes foi suscitad[a] pelo ora recorrente, quer nas suas alegações da Reclamação para a Conferência do Despacho da Senhora Relatora, quer no Recurso de Agravo para o Pleno'.
Ouvido sobre a reclamação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto junto deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa pronunciou-se no sentido do seu indeferimento.
Cumpre decidir.
2. É manifesta a improcedência da vertente reclamação.
Na verdade, o aresto que se deseja submeter à censura do Tribunal Constitucional é o lavrado pela Subsecção da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em 24 de Abril de 2002, ou seja, aquele que se debruçou sobre a reclamação deduzida pelo A do despacho proferido em 19 de Fevereiro do mesmo ano pela Conselheira Relatora daquele Alto Tribunal.
E, como deflui do extenso relato supra efectuado, aquando da reclamação, o A não equacionou - contrariamente ao que afirma agora na reclamação dirigida ao Tribunal Constitucional - qualquer questão de desconformidade com o Diploma Básico assacada a qualquer norma vertida no ordenamento jurídico infra-constitucional, ou a qualquer dimensão interpretativa conferida a um dado preceito desse mesmo ordenamento.
Ora, tratando-se de um recurso esteado na alínea b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, mister é, inter alia, que a parte que, posteriormente, queira lançar mão dessa recurso, antes da prolação da decisão judicial que se deseja impugnar perante o Tribunal Constitucional, suscite a questão de inconstitucionalidade normativa que, depois, irá submeter à censura deste órgão de administração de justiça.
Neste contexto, e sendo, como se disse, impugnado o acórdão de 24 de Abril de 2002, sobre o ora reclamante impendia o ónus de, antecedentemente ao seu proferimento, ter suscitado a questão de inconstitucionalidade respeitante à normação que cita no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.
E que uma tal actuação não ocorreu, é algo que se depara límpido, sendo que de nada releva, para o efeito de se ter como suscitada a questão de inconstitucionalidade antes da prolação da decisão intentada recorrer, a circunstância de, aquando da alegação do recurso que interpôs para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, ter aí equacionado a desarmonia com a Constituição da interpretação normativa que teria sido levada a cabo pelo despacho proferido pela Conselheira Relatora em 19 de Fevereiro de 2002 (que foi, afinal, o reclamado para a conferência da Subsecção) e que foi confirmado pelo aludido acórdão de 24 de Abril de 2002, e isto, como é claro, porque aquela suscitação somente surgiu após ter sido proferida o acórdão de que agora se pretendeu recorrer .
Termos em que se indefere a reclamação.
Sem custas, por não serem estas devidas [artigos 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro, e 2º, nº 1, alínea g), do Código das Custas Judiciais]. Lisboa, 19 de Março de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida