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Proc.º n.º 771/2000.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 15 de Janeiro de 2001 proferiu o relator decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. Da sentença proferida em 14 de Agosto de 2000 no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que rejeitou o pedido suspensão de eficácia da deliberação tomada pela Câmara Municipal de Cascais em 24 de Novembro de 1999
[‘Aprovação da fixação do traçado do prolongamento da A5 (IC15) até à Areia], pedido esse formulado por SM e JL, recorreram estes últimos para o Tribunal Central Administrativo.
Na alegação adrede produzida pelos então recorrentes, pode ler-se, por entre o mais, o seguinte:-
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29. Havendo uma prévia identificação dos ora aqui administrados e interessados por parte da recorrida, aquando da deliberação tomada, imperativo se torna que estes devessem Ter sido notificados de uma resolução definitiva que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
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31. Isto é, os recorrentes não foram notificados, uma vez que em seu entender a publicitação do acto/deliberação, através de Edital, em 29 de Novembro de 1999, não releva ou substitui a sua notificação pessoal e formal, enquanto interessados.
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33. No caso em apreço os actos administrativos que imponham deveres, sujeições ou sanções ou causem prejuízos (artº 66º nº 1 al. b) do Código de Procedimento Administrativo) ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos ou afectem as condições do seu exercício, (al. c) do mesmo normativo, devem ser notificados aos interessados, sempre com as formalidades prescritas no artº 68º do mesmo diploma.
34. Resulta do exposto, que em sede de notificação obrigatória e de seu conteúdo a publicitação do acto administrativo por publicação em Boletim ou Edital não substitui a notificação pessoal!
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36. A jurisprudência do STA é pacífica no sentido de que: a) ‘O direito a notificação dos actos administrativos previstos no nº 3 do artº
268 da Constituição da República impõe à Administração o dever de, dar conhecimento dele aos interessados mediante uma comunicação oficial e formal, na forma prevista na Lei, designadamente no artº 30º da LPTA; (Ac. STA 38.735 de
96.06.18). b) I – A norma do artº 29º, nº 1 da LPTA, quando interpretada no sentido de o prazo do recurso contencioso se contar a partir da publicação quando esta seja obrigatória, é inconstitucional por colidir com o disposto no artº 268º nº 3, 1ª parte da C.R.P., na redacção dada pela Lei Constitucional nº 1/89. II – Impondo aquele dispositivo constitucional o dever de notificação aos interessados dos actos administrativos que são susceptíveis de afectarem a sua esfera jurídica – exigência que tem assento no C.P.A. – é a partir dessa notificação que deve contar-se o prazo para a interposição de recurso contencioso, mesmo que o acto seja de publicação obrigatória e tendo sido já publicitado.
37. Mais não fosse, o Tribunal Constitucional no seu Ac. Nº 489/97, e 2.07.97, in DR, II Série de 18710/97, julgou inconstitucional, por violação dos arts. 268 nº 4 conjugado como o nº 3 de C.R.P., a norma do artº 29º nº 1, quando interpretada no sentido de a mesma mandar contar o prazo para o recurso contencioso de acto administrativo sujeita a publicação obrigatória da data dessa publicação e não da sua notificação.
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Por acórdão de 12 de Outubro de 2000, o Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso.
Pode ler-se, inter alia, naquele aresto:-
‘................................................................................................................................................................................................................................................. C) – Não se verifica, na interpretação dada ao artº 29º, nº 1 da L.P.T.A. pela decisão recorrida, qualquer inconstitucionalidade, designadamente por ofensa ao disposto no artº 268º, nºs 3 e 4 da C.R.P. A deliberação de 24.11.99, que aprovou a fixação do traçado de prolongamento da A5 (IC 15 – Autoestrada Lisboa-Cascais) até Areia, não é um acto de notificação obrigatória, estando apenas sujeito a publicação obrigatória (cfr. Artº 88º da LAL e artº 91º do DL 169/99, de 18 de Setembro). Ora, a deliberação de 24.11.99 foi publicada em Edital, em 29 de Novembro de
1999 (facto 4 da decisão recorrida), sendo esta data o ‘dies a quo’ do cômputo do prazo do recurso, como resulta do disposto no artº 29º, nº 1, ‘in fine’ da L.P.T.A., que estatui que o prazo para a interposição de recurso de acto expresso conta-se da publicação, quando esta seja imposta por lei. D) – Não faz sentido o que se alega sob os nºs 27, 28 e 29 das alegações de recurso. A deliberação que aprovou o prolongamento da A5, não tinha que ser notificada aos recorrentes, só porque estes foram identificados no ‘Tomo Único do Processo de Expropriação – Bases de Avaliação, como titulares das parcelas expropriadas nº 8 e 30’. Este acto não é um acto individual, no sentido de que respeita à generalidade dos cidadãos. Não houve, assim, qualquer ofensa às normas dos artº 28º, nº 1 e 29º nº 1, da L.P.T.A., ou do artº 66º, nº 1, b) e c) do CPA). E) Ao rejeitar o recurso, com observância do disposto no artº 76º nº 1, c) e §
4º do artº 57º do R.S.T.A. a decisão do T.A..C. não merece reparo. O acto estava sujeito a publicação obrigatória, o que se verificou pelo edital de 29.11.99, contando-se, a partir desta data, o prazo de dois meses para a interposição do recurso. Mesmo que esse recurso tivesse dado entrada, e não deu, com o requerimento do pedido acessório ora em apreço, de 6.7.00, já o prazo de 2 meses previsto no artº 28º, nº 1 da L.P.T.A., se encontrava precludido.
.................................................................................................................................................................................................................................................’
Do acórdão de que parte se encontra transcrita acima solicitaram os então recorrentes a respectiva aclaração, pretensão que foi indeferida por aresto de 30 de Novembro de 2000, nele se dizendo, no que ora releva:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................ b) A deliberação suspendenda reveste a natureza de acto plural e como tal não tinha de ser notificada pessoalmente aos recorrentes.
............................................................................................................................................................................................................................................’
É do acórdão de 12 de Outubro de 2000 que vem, pela recorrente SM, interposto recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com vista, por um lado,
à apreciação da desconformidade com a norma vertida no nº 4, em conjugação com o nº 3, um e outro do artigo 268º da Constituição, do normativo ínsito no nº 1 do artº 29º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de mandar contar o prazo para o recurso contencioso de acto administrativo sujeito a publicação obrigatória da data dessa publicação e não da data da sua notificação ao interessado; por outro, porque tal normativo foi já julgado inconstitucional pelo Acórdão nº 489/97, do Tribunal Constitucional.
O recurso veio a ser admitido por despacho de 21 de Dezembro de 2000.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Na verdade, como deflui do relato supra efectuado, a ora recorrente, aquando do recurso para o Tribunal Central Administrativo, pugnou, por uma banda, que o acto administrativo consubstanciado na deliberação tomada pela Câmara Municipal de Cascais em 24 de Novembro de 1999 deveria ser perspectivado como um acto administrativo que lhe deveria ser notificado pessoalmente, uma vez que dele decorreria para a mesma a imposição de deveres ou sujeições ou era passível de lhe criar prejuízos; de outra banda, e na sequência dessa postura, defendeu que, tratando-se de um acto que carecia de lhe ser pessoalmente notificado, o prazo para a respectiva impugnação haveria de contar-se da data em que ocorrera aquela notificação e não da data da sua publicitação que, in casu, ocorrera através da afixação de um edital.
E, quanto a este último particular, sustentou que uma interpretação de harmonia com a qual do artº 29º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos resultava que o prazo para o recurso contencioso de acto administrativo sujeito a publicação obrigatória se contava da data dessa publicação e não da data da sua notificação ao interessado, seria ofensiva da Lei Fundamental.
Ora, o que sucede – e isso resulta igualmente do relato acima efectuado – é que o acórdão intentado impugnar não repousou numa interpretação do nº 1 do artº 29º igual àquela que os então impugnantes tinham para si como desconforme à Constituição.
Efectivamente, o que se surpreende no aresto em crise é que o mesmo – bem ou mal, não interessa agora – entendeu que da deliberação tomada pela Câmara Municipal de Cascais e cuja suspensão de eficácia foi solicitada não tinha de ser dado conhecimento pessoal aos então recorrentes, embora, por força do artº
88º da Lei das Autarquias Locais e do artº 91º do Decreto-Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, tal deliberação tivesse de ser obrigatoriamente publicada.
E, não havendo, na óptica do acórdão em apreço, a obrigatoriedade de dação de conhecimento pessoal aos então recorrentes, claramente que se não impunha sequer colocar a questão da interpretação normativa questionada, interpretação essa que, convém sublinhá-lo, nunca foi sufragada em qualquer passo do aresto agora desejado impugnar.
E porque o acórdão em questão nunca perfilhou aquele sentido interpretativo, óbvio é que o vertente recurso não poderá repousar na alínea g) do nº 1 do já falado artº 70º.
É que, no Acórdão nº 489/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37º volume, 473 a 478 e na 2ª Série do Diário da República de 18 de Outubro de 1997) o juízo de inconstitucionalidade que nele se efectuou não pôde deixar de se reportar aos casos em que o acto administrativo sujeito a publicação obrigatória era também notificado ao interessado no mesmo. Para se chegar a uma tal conclusão basta atentar no que se referiu nos parágrafos quinto e seguintes do ponto 4 daquele acórdão.
Em face do que se deixa dito, e porque se não congregam os pressupostos do recurso, quer estribado na alínea b), quer na alínea g), uma e outra do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, não se toma conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta'.
Da transcrita decisão sumária reclamou a recorrente para a conferência dizendo, em síntese, que não concorda com o passo daquela decisão de harmonia com o qual foi entendido que o acórdão proferido no Tribunal Central Administrativo não repousou numa interpretação da norma constante do artº 29º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos tal como, do ponto de vista da sua desconformidade constitucional, foi questionada pela impugnante, já que, o 'mero facto do acordão impugnado haver negado a obrigatoriedade de dação de conhecimento pessoal aos então recorrentes do acto administrativo recorrido
(deliberação camarária de 24.11.99) ipso facto não afasta de forma nenhuma a questão normativa da interpretação do artº 29º, nº 1 da LPTA desconforme à Constituição', e isso 'por haver sempre sido extraída norma que quer de forma explicita como implícita quando interpretada no sentido da mesma mandar contar o prazo para o recurso contencioso de acto administrativo sujeito a publicação obrigatória da data dessa publicação e não da sua notificação'. Por outro lado, na óptica da ora reclamante, estarão reunidos os pressupostos do recurso alicerçado na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Ouvida sobre a reclamação, a Câmara Municipal de Cascais propugnou pelo respectivo indeferimento.
Cumpre decidir.
2. O Tribunal anui, no essencial, ao que se contém na decisão sumária sub iudicio e, assim, também perfilha a perspectiva segundo a qual o aresto pretendido impugnar partiu da premissa de que o acto em causa não reunia as características de um acto administrativo de conteúdo individual ou que tivesse como destinatário determinado ou determinados administrados e, consequentemente, não tinha o mesmo de ser notificado à ora reclamante.
E, como esta questionou a compatibilidade com a Lei Fundamental da norma ínsita no nº 1 do artº 29º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos quando entendida no sentido de o prazo para impugnar os actos administrativos sujeitos a notificação e publicação dever contar-se a partir desta última, é evidente que se assiste a uma situação em que inexiste a aplicação, por parte da decisão desejada recorrer, da norma cuja desconformidade com a Constituição foi questionada.
Por isso se não reúnem, no caso, os requisitos permissores do recurso fundado na alínea b) do citado nº 1 do artº 70º.
Por outro lado, tendo em conta a decisão tomada no Acórdão deste Tribunal nº 489/97, depara-se claro que a situação do vertente processo - que, verdadeiramente, seria, em face da decisão tomada no Tribunal Central Administrativo, consubstanciada na questão de saber se, tratando-se de um acto administrativo que não tem de ser notificado pessoalmente por não ser um acto individual ou que tenha de ter por destinatário um administrado, a contagem do prazo para a sua impugnação se conta a partir da respectiva impugnação - não permite lançar mão do recurso baseado na alínea g) do falado nº 1 do artº 70º.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 14 de Março de 2001 Bravo Serra Maria Fernanda Palma Luís Nunes de Almeida