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Processo n.º 451/02
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRC, relativa ao ano de 1990, no montante de Esc. 42.504.404$00, acrescido de juros de mora no montante de Esc. 19.814.513$00.
Por sentença do Tribunal tributário de 1ª Instância de Lisboa, de 19 de Maio de 1997, de fls. 95 e seguintes, a impugnação foi julgada improcedente.
Inconformada, a impugnante recorreu para o Tribunal Tributário de 2ª Instância. Remetidos os autos ao Tribunal Central Administrativo (cfr. despacho de fls. 114), este Tribunal, por Acórdão de 30 de Junho de 1998, de fls. 123 e seguintes, considerando estar em causa exclusivamente matéria de direito, declarou-se incompetente em razão da hierarquia para o julgamento do recurso, que entendeu caber à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. O Supremo Tribunal Administrativo, porém, por Acórdão de 2 de Fevereiro de 2000, de fls. 154 e seguintes, entendendo, diferentemente, que o recurso não tinha por exclusivo fundamento matéria de direito, julgou-se também incompetente em razão da hierarquia e determinou a remessa do processo ao Tribunal Central Administrativo.
Por Acórdão da 2ª Secção do Tribunal Central Administrativo de 29 de Maio de 2001, constante de fls. 166 e seguintes, foi negado provimento ao recurso. Entendeu o Tribunal Central Administrativo estar assente que no “ano de 1990 a impugnante readquiriu de particulares Obrigações do Tesouro Fomento do Investimento Público” e que as “importâncias pagas pela impugnante às pessoas alienantes desses títulos excederam o valor nominal por um montante que coincidiu com os denominados juros decorridos, isto é, os juros ainda não vencidos desses títulos de dívida relativos ao período compreendido entre a data da sua emissão, primeira colocação ou endosso embora subtraídos do imposto que provavelmente seria retido no momento do vencimento dos juros”. Assim, “face ao preceituado no artigo 75º do CIRC que determina a retenção na fonte do IRC referente a rendimentos de aplicação de capitais tal como são definidos para efeitos do IRS, recaía sobre o impugnante o dever de proceder a tal retenção, já que na redacção do artigo 6º do CIRS se consideravam rendimentos de capitais os juros de dívida pública”. Para além disso, ainda de acordo com o mencionado Acórdão, “o artigo 6º, n.º 1, alínea c), do CIRS quando se refere a juros abrange nesse conceito não só os juros vencidos como igualmente os juros decorridos por uns e outros serem rendimentos da aplicação de capitais e neste caso tem então de considerar-se a natureza interpretativa do Decreto-Lei n.º
263/92”, quando alterou a redacção da referida alínea c) do nº 1 do artigo 6º.
Novamente inconformada, a impugnante interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. Para o que agora releva, nas alegações que então apresentou veio sustentar que “a interpretação efectuada na decisão em apreço, consubstanciada no facto de considerar compreendidos na previsão da norma de incidência – artº 6º, nº 1, al c), do CIRS – a tributação dos juros vencidos ou decorridos, ao atribuir-se este certo e determinado sentido normativo, ofende e viola o princípio da tipicidade tributária, consignado no artº 103º, da CRP, interpretação esta que por desconforme com o texto constitucional é inconstitucional”. E alegou, ainda, referindo-se à alteração introduzida na redacção daquela alínea c) pelo Decreto-Lei nº 263/92, de 24 de Novembro, que, interpretar tal “preceito, de forma a aplicá-lo, considerando-o como norma interpretativa, a situações anteriores à data da sua entrada em vigor – 1992 – com atribuição desse sentido e dimensão normativas, é igualmente inconstitucional, por ofender e violar o também citado princípio da tipicidade tributária, consignado no artº 103º, da CRP'
O Supremo Tribunal Administrativo, porém, por Acórdão de 24 de Abril de 2002, de fls. 191 e seguintes, invocando jurisprudência uniforme e reiterada, decidiu, pelos fundamentos constantes do Acórdão de 14 de Fevereiro de 2002, proferido no recurso n.º 26.803, de que anexou fotocópia, negar provimento ao recurso: “Por diversas vezes já este Tribunal teve ocasião de decidir a questão, entendendo, uniforme e reiteradamente, que os juros de títulos de dívida negociados, decorridos antes do seu vencimento ou reembolso, pagos pelo adquirente ao alienante aquando da transacção efectuada, constituem rendimentos de capitais tributáveis e sujeitos a retenção na fonte no acto do pagamento, nos termos dos artigos 1º, 6º, nº 1, alínea c) (versão original) e 91º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e 75º, nºs 1, alínea c), e 6, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas: vejam-se os acórdãos...”.
No referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Fevereiro de 2002 entendeu-se que o princípio da tipicidade fiscal, vertido, ao tempo da prática dos factos tributários, no artigo 106º, n.º 2, da Constituição
(a que corresponde actualmente o artigo 103º) “apenas repudia a aplicação analógica da lei tributária relativa aos elementos essenciais dos impostos”. Considerou então este acórdão que “os juros de títulos de dívida negociados, decorridos antes do vencimento ou reembolso, pagos pelo adquirente ao alienante aquando da transacção efectuada, são rendimentos de capitais tributáveis e sujeitos a retenção na fonte no acto do pagamento, nos termos dos artºs 1º e 6º nº 1 al. c) (na sua versão original, explicitada em 1992) e 91º do CIRS e artº
75º nº s 1 al. a) e 6 do CIRC.” E afirmou-se ainda, com interesse para o caso dos autos, o seguinte:
“Ora, no caso, a interpretação a que se chega é manifestamente uma interpretação declarativa. O sentido elegido quanto à compreensão normativa do termo verbal dos juros, que é utilizado no texto legal, corresponde directa e claramente a um dos sentidos possíveis que o mesmo texto comporta, como acima se demonstrou.
8.6. E também não existe qualquer violação do princípio da não retroactividade das leis fiscais relativas aos elementos essenciais dos impostos, entendido este, então, como abarcando apenas a proibição de uma retroactividade arbitrária, intolerável, opressiva ou causadora de uma violação demasiado acentuada do princípio da confiança do contribuinte. E não existe porque o sentido a que se chegou é, desde logo, um dos sentidos que o texto da analisada norma originária do CIRS propicia e que todos os outros instrumentos de indagação do seu sentido normativo que se deixaram referidos apoiam. Não precisava o intérprete de se socorrer do DL. n.º 263/92, de 24/11 para chegar à fixação do sentido que o tribunal elegeu. Nesta perspectiva, essa orientação não pode ser considerada como inverosímil ou imprevisível, de modo a que o contribuinte se possa ter como chocante [chocado] ou intoleravelmente surpreendido por ela. A referência a este diploma apenas está feita para fundamentar uma maior convicção quanto à correcção do juízo interpretativo feito pelo tribunal relativamente ao sentido da norma originária aplicada, que não para com base nele sujeitar os factos ocorridos à tributação. Daí que se tenha acima afirmado que '... as alterações introduzidas no art. 6° do CIRS por esse diploma são explicitações ao quadro legal vigente....'.
2. De novo inconformada, a impugnante recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a “apreciação da constitucionalidade do sentido decisório do Acórdão proferido em duas vertentes, a saber, a de interpretar e atribuir à alínea c), do n°1, do artigo 6°, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na sua redacção inicial, um sentido normativo segundo o qual essa norma de incidência compreendia a tributação da transmissão antecipada de títulos e a de conferir ao artigo 1°, do Dec. Lei
263/92, de 24 de Novembro, apenas na parte em que altera o indicado artigo 6°, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, uma dimensão normativa de natureza interpretativa, facto que condiciona o intérprete e origina a sua aplicação retroactiva, bem patenteada na afirmação do recurso versar sobre o art° 6°, n° 1, al. c) (na sua versão original, explicitada em
1992)”.
A recorrente sustenta que “essa interpretação e posterior subsunção constituíram o concreto sentido normativo que lhes foi atribuído na decisão em apreço, configurando verdadeiras rationes decidendi do Acórdão proferido, o primeiro consubstanciado em integrar, por essa via, na previsão dessa norma de incidência tributária, realidades que objectivamente nela não se contêm e o segundo, traduzido na vinculação do intérprete a esse sentido interpretativo, excluindo outros dogmaticamente possíveis e forçando, consequentemente, a aplicação retroactiva dessa norma, são susceptíveis de por em crise o princípio da tipicidade tributária, actualmente consignado no art° 103° e, ao tempo dos factos, no n.º 2, do artigo 106°, da Constituição da República Portuguesa”.
3. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as suas alegações. A recorrente concluiu da seguintes forma:
“A. Os ‘juros decorridos’ não só não constituem um rendimento de capital, em virtude de não provirem da aplicação de um activo, como se não continham na previsão da norma que tributava esse tipo de rendimentos, no caso a redacção inicial da alínea c) do n.º 1 do artigo 6º do Cód. do IRS, mesmo entendendo que o legislador adoptou uma concepção de rendimento acréscimo. B. É esta a opinião de larga Doutrina, como é admitido de forma expressa e corroborada pelo Parecer junto, mantida, amiúde, nos constantes e frequentes artigos de opinião. C. De resto, até foi recentemente dado conta de ter transitado, por dela não ter sido interposto recurso, uma decisão que julgou procedente uma impugnação com base na não tributação como rendimento de capitais de acréscimos idênticos aos dos autos. D. Como é salientado, e bem, pela Dignª Conselheira Drª Fernanda Palma, no
âmbito dos autos de recurso supra referenciados, o princípio constitucional da tipicidade tributária, impõe ao intérprete limitações tais que o impedem de consagrar soluções que não sejam abrangidas pela previsão da norma de incidência tributária. E. É precisamente esta a situação em apreço, onde através desse concreto sentido normativo, foi consignado que os rendimentos resultantes da venda antecipada de títulos da dívida pública, eram tributados como verdadeiros e próprios rendimentos de capital. F. Interpretação e sentido normativo esse, que por ofender, objectiva e intensamente, o supra indicado princípio é inconstitucional. G. De resto, caso a tributação dessa realidade estivesse compreendida na previsão dessa norma de incidência, seria tautologicamente incompreensível a sua alteração através do Decreto-Lei n.º 263/92, que visou, precisamente, consagrar a tributação da substância económica gerada pela venda antecipada do título, que, segundo a Administração fiscal, originava uma situação de evasão fiscal lícita. H. Contudo, como soe, tal regime jurídico apenas poderá ser aplicado às situações jurídico-tributárias que se verifiquem posteriormente à data da vigência desse diploma, e nunca aos factos dos autos, que tiveram lugar em 1990. I. Daí que igualmente se sustente a inconstitucionalidade da interpretação ou sentido normativo conferida à alteração normativa operada por esse diploma, segundo a qual, tal modificação constituiria mera explicitação da previsão da norma de incidência dos rendimentos de capital, consubstanciando, desse modo, uma mera lei interpretativa. J. Não só esse assentimento, pelas razões adiantadas, roçaria o absurdo, como, o que é bem mais grave e consequente, esse sentido e alcance, por não poder ser expectável, pode ser aplicado de forma retroactiva e, desse modo, afectar o princípio da segurança jurídica dos contribuintes. K. Princípio esse de cuja violação este Alto Tribunal tem sido um férreo guardião, desde que a mesma se traduzisse numa lesão grave da segurança jurídica, como se verificou no caso presente, dado ser convicção dos operadores financeiros que a venda de títulos da dúvida pública antes da data do seu vencimento, apenas poderia gerar mais-valias não tributadas. L. De qualquer modo, é mais que duvidoso que a alteração produzida no famigerado artigo 6º do Código do IRS, possa, com rigor, ser qualificada como lei interpretativa, por conter normas modificativas do regime jurídico instituído. M. Por tudo isto, o sentido decisório do Acórdão proferido, quer o de interpretar e atribuir à alínea c) do n.º 1 do artigo 6º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas singulares, na sua redacção inicial, um sentido normativo segundo o qual essa norma de incidência compreendia a tributação da transmissão antecipada de títulos, quer a de conferir ao artigo 1º, do Decreto-Lei 263/92, de 24 de Novembro, apenas na parte em que altera o indicado artigo 6º, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, uma dimensão normativa de natureza interpretativa, facto que condiciona o intérprete e origina a sua aplicação retroactiva, é manifestamente inconstitucional, por ofender o princípio da tipicidade tributária, consagrado no n.º 2, do artigo
103º, da Lei Fundamental Portuguesa. N. Em virtude desse concreto sentido normativo, constituir a única ratione decidendi do Acórdão proferido, quer integrando, por essa via, na previsão dessa norma de incidência tributária, proveitos económicos não previstos, nem subsumidos na previsão do preceito, logo não sujeitos a tributo, quer por, ao atribuir a natureza de lei interpretativa ao Decreto-Lei n.º 263/92, vincular o intérprete a esse unívoco sentido interpretativo, excluindo outros dogmaticamente possíveis, originando uma aplicação retroactiva dessa mesma norma a situações verificadas antes da data da sua vigência, como se verifica na situação em apreço. O. Impõe-se, assim, em nome da justiça e da boa aplicação do direito, que seja declarada a inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 6º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na interpretação segundo a qual nela se abrangia, na sua redacção inicial, a tributação dos proventos económicos gerados pela transmissão antecipada de títulos da dívida pública, e ainda a inconstitucionalidade do sentido ou dimensão normativa conferida ao artigo 1º do Decreto-Lei n.º 263/92, de 24 de Novembro, que lhe atribuiu natureza interpretativa, vinculando o intérprete e originando a sua aplicação retroactiva a situações verificadas antes da data da sua entrada em vigor, por violarem, de forma ostensiva, o princípio constitucional da tipicidade tributária e da não aplicação retroactiva dos impostos.”
Quanto à Fazenda Pública, formulou estas conclusões:
“a) A questão da tributação como rendimentos de capital dos chamados juros decorridos, na redacção inicial do artigo 6º do CIRS, foi objecto de entendimento no sentido de dever ser considerada como rendimento de capital.
b) Tal interpretação foi firmada pelas circulares da DGCI n.ºs
16/89, de 9 de Novembro, e 17/90, de 27 de Maio.
c) A redacção inicial do preceito suportava entendimento veiculado pelas circulares 16/89 e 17/90.
d) O Conceito de rendimento acréscimo que preside à tributação em IRS perspectivava a tributação dos juros decorridos como possível e esperada. e) A explicitação da tributação de outros títulos de crédito negociáveis enquanto usados como tais, é meramente interpretativa, como refere o próprio legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 263/92, de 24 de Novembro. f) A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, nos termos do artigo 13º do Código Civil. g) O parâmetro Constitucional a ter em conta é o resultante do texto constitucional vigente à data da aplicação da norma questionada nesse sentido. h) À data da aplicação da lei interpretativa em causa o conceito de irretroactividade a considerar é o consagrado em jurisprudência do Venerando Tribunal Constitucional no sentido de que ‘a retroactividade terá o beneplácito constitucional sempre que razões de interesse geral o reclamem e o encargo para o contribuinte se não mostrar desproporcionado e mais ainda o terá se tal encargo aparecia aos olhos do contribuinte como verosímil ou mesmo provável’.”
A recorrente juntou ainda dois pareceres de direito.
4. Colocando a hipótese de não ser possível conhecer do objecto do recurso, total ou parcialmente, foi elaborado e notificado às partes o parecer de fls. 306, do qual se transcreve o essencial:
“(...)
2. A recorrente sustenta que o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 263/92, na parte em que altera o artigo 6º, n.º 1, alínea c), do CIRS, integra a ratio decidendi do acórdão recorrido, o qual remete, ao abrigo do disposto no artigo 705º do Código de Processo Civil, para a fundamentação do anterior Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Fevereiro de 2002.
Ora, para negar provimento ao recurso, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que “os juros de títulos de dívida negociados em Bolsa, decorridos antes do vencimento ou reembolso, pagos pelo adquirente ao alienante aquando da transacção efectuada, são rendimentos de capitais tributáveis e sujeitos a retenção na fonte no acto do pagamento, nos termos dos arts. 1º, 6º/c (na sua versão original, explicitada em 1992) e 91º do CIRS e art. 75º/1/c e 6 do CIRC, pelo que a liquidação efectuada não padece de ilegalidade”. E observou ainda que “a interpretação a que se chega é manifestamente uma interpretação declarativa. O sentido elegido quanto à compreensão normativa do termo verbal dos juros, que é utilizado no texto legal, corresponde directa e claramente a um dos sentidos possíveis que o mesmo texto comporta, como acima se demonstrou”; e que “não precisava o intérprete de se socorrer do Decreto-Lei n.º 263/92, de 24 de Novembro, para chegar à fixação do sentido que o tribunal elegeu”, acrescentando que “a referência a este diploma apenas está feita para fundamentar uma maior convicção quanto à correcção do juízo interpretativo feito pelo tribunal relativamente ao sentido da norma originária aplicada, que não para com base nele sujeitar os factos ocorridos à tributação. Daí que se tenha acima afirmado que ‘...as alterações introduzidas no art. 6º do CIRS por esse diploma são explicitações ao quadro legal vigente...’”.
Parece, assim resultar do exposto que a norma do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 263/92, de 24 de Novembro, não foi aplicada pelo Supremo Tribunal Administrativo para negar provimento ao recurso perante si apresentado pela recorrente. Assim sendo, admite-se que o Tribunal Constitucional não possa conhecer, nessa parte, do presente recurso, como resulta da lei (artigo 79º-C da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro ) e o Tribunal tem repetidamente afirmado (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos n.ºs 311/94, 187/95 e 366/96, Diário da República, II Série, respectivamente de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 1996).
3. Por outro lado, e transcrevendo o que se decidiu no acórdão nº
358/2001 deste Tribunal, não publicado, “o Tribunal Constitucional tem considerado, embora não por unanimidade, que não constitui questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de ser apreciada em recurso de fiscalização concreta, a análise de uma possível inconstitucionalidade do processo interpretativo seguido pelo tribunal a quo no preenchimento dos elementos definidores de um determinado tipo legal, em domínios em que vigora o princípio da legalidade.
Na verdade, tem entendido este Tribunal que uma interpretação alegadamente extensiva ou analógica dos elementos do tipo, em matéria fiscal ou penal – e por isso também em matéria contraordenacional –, feita pelo tribunal a quo, é indissociável das circunstâncias do caso e, por isso, a eventual inconstitucionalidade é de imputar à decisão judicial e não à norma aplicada.
Disse o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 674/99 (Diário da República, II Série, nº 47, de 25 de Fevereiro de 2000, p, 3856 ss), onde se discutiu amplamente esta questão e se fez uma análise da jurisprudência anterior sobre a matéria:
“[...] Ora, tal questão – por não respeitar a uma inconstitucionalidade normativa, mas antes a uma inconstitucionalidade da própria decisão judicial – excede os poderes de cognição do Tribunal Constitucional, uma vez que, entre nós, não se encontra consagrado o denominado recurso de amparo, designadamente na modalidade do amparo contra decisões jurisdicionais directamente violadoras da Constituição. De todo o modo, mesmo que se entendesse que este Tribunal ainda era competente para conhecer das questões de inconstitucionalidade resultantes do facto de se ter procedido a uma constitucionalmente vedada integração analógica ou a uma
«operação equivalente», designadamente a uma interpretação «baseada em raciocínios analógicos» (cfr. declaração de voto do Consº Sousa e Brito ao citado Acórdão nº 634/94, bem como o já mencionado Acórdão nº 205/99), o que sempre se terá por excluído é que o Tribunal Constitucional possa sindicar eventuais interpretações tidas por erróneas, efectuadas pelos tribunais comuns, com fundamento em violação do princípio da legalidade. Aliás, se assim não fosse, o Tribunal Constitucional passaria a controlar, em todos os casos, a interpretação judicial das normas penais (ou fiscais), já que a todas as interpretações consideradas erróneas pelos recorrentes poderia ser assacada a violação do princípio da legalidade em matéria penal (ou fiscal)
[...]. Ora, um tal entendimento – alargando de tal forma o âmbito de competência do Tribunal Constitucional – deve ser repudiado, porque conflituaria com o sistema de fiscalização da constitucionalidade, tal como se encontra desenhado na Lei Fundamental, dado que esvaziaria praticamente de conteúdo a restrição dos recursos de constitucionalidade ao conhecimento das questões de inconstitucionalidade normativa [...].”
É, assim, plausível que o Tribunal Constitucional venha a decidir não conhecer do presente recurso, mesmo em relação à versão efectivamente aplicada da al. c) do nº 1 do artigo 6º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
(...)”.
Na resposta de fls. 313, a recorrente manifestou a sua discordância quanto ao parecer, sustentando não existir qualquer obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso e trazendo à colação o Acórdão nº 308/01 no qual, segundo observa, “se perfilhou, assaz e curiosamente, tese diferente da ora propugnada”.
No Acórdão nº 308/2001, note-se desde já, foi apreciado, não um recurso interposto num processo de fiscalização concreta, mas um pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, relativamente ao qual não faz sentido colocar a questão que agora interessa.
5. São os seguintes os textos das normas impugnadas:
– artigo 6º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS, na redacção originária:
'Artigo 6º Rendimentos da categoria E Consideram-se rendimentos de capitais:
(...) c) Os juros, prémios de amortização ou de reembolso e outras formas de remuneração de títulos da dívida pública, obrigações, títulos de participação, certificados de consignação, certificados de depósito, obrigações de caixa ou outros títulos análogos, emitidos por entidades públicas ou privadas, e demais instrumentos de aplicação financeira;
(...)'
– O mesmo preceito, mas na redacção resultante do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 263/92, de 24 de Novembro:
'(...) c) Os juros, os prémios de amortização ou de reembolso e as outras formas de remuneração de títulos da dívida pública, obrigações, títulos de participação, certificados de consignação, certificados de depósito, obrigações de caixa ou outros títulos análogos, emitidos por entidades públicas ou privadas, e demais instrumentos de aplicação financeira, designadamente letras, livranças e outros títulos de crédito negociáveis, enquanto utilizados como tais;
(...)'
O mesmo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 263/92, de 24 de Novembro, aditou ainda um n.º 3 ao artigo 6º, com o seguinte conteúdo:
'Para efeitos da alínea c) do n.º 1, compreendem-se nos rendimentos de capitais o quantitativo dos juros contáveis desde a data do último vencimento ou da emissão, primeira colocação ou endosso, se ainda não houver ocorrido qualquer vencimento, até à data em que ocorra alguma transmissão dos respectivos títulos, bem como a diferença, pela parte correspondente àqueles períodos, entre o valor de reembolso e o preço de emissão, no caso de títulos cuja remuneração seja constituída, total ou parcialmente, por essa diferença'.
6. São, pois, duas as questões que a recorrente pretende ver apreciadas no presente recurso de constitucionalidade: em primeiro lugar, a conformidade à Constituição da norma constante do artigo 6º, nº1, alínea c), do Código sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na versão anterior a 1992, interpretada no sentido de abranger os juros de títulos de dívida negociados entre a data da sua emissão e a do respectivo reembolso ou amortização, juros esses decorridos antes do vencimento ou reembolso do título e pagos pelo adquirente ao alienante aquando da transacção efectuada; em segundo lugar, a conformidade à Constituição da norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei n.º
263/92, que alterou a redacção do citado artigo 6º, n.º 1, alínea c), do CIRS e lhe aditou o n.º 3, igualmente citado, interpretada no sentido de ser aplicável a situações verificadas antes da sua entrada em vigor.
7. Sucede que, entretanto, foi aprovado em plenário do Tribunal Constitucional o Acórdão n.º 196/2003, proferido no recurso n.º 399/2002, de cujo objecto faziam parte as duas questões de constitucionalidade aqui em causa,
e cuja fotocópia se junta.
Nesse acórdão, o Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso. O Tribunal entendeu, relativamente à questão colocada quanto ao artigo 6º, nº1, alínea c), do Código sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na versão anterior a 1992, atrás identificada, que não está em causa uma questão de constitucionalidade normativa susceptível de integrar o objecto de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade; e, no que toca à norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 263/92, nos termos também atrás definidos, que não tinha sido efectivamente aplicada pela decisão recorrida. Ora ocorrem, no caso presente, estes mesmos obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso, pelas razões ali apontadas.
Assim, em aplicação da doutrina definida pelo Acórdão n.º 196/2003, aprovado em plenário, e nos termos e pelas razões dele constantes, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.
Lisboa, 28 de Abril de 2003 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida