Imprimir acórdão
Processo n.º 520/99
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório A foi julgado e condenado na pena de dois anos de prisão, por Acórdão de 18 de Maio de 1998 da 9ª Vara Criminal do Tribunal de Círculo de Lisboa, pela prática, na forma consumada, de um crime previsto e punido pelo artigo 36º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, tendo a execução desta pena ficado suspensa por um período de três anos, declarando-se que em caso de eventual revogação de tal suspensão beneficiaria do perdão de um ano de prisão ao abrigo do disposto no artigo 14º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho e do perdão de outro ano de prisão, nos termos dos artigos 8º, n.º 1, alínea d), e 11º da Lei n.º 15/94, de 11 de Maio. Foi ainda condenado no pagamento ao Estado da quantia de 32 375 658$00, em parte solidariamente com outros condenados, acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido até integral pagamento. Inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, logo suscitando a 'inconstitucionalidade orgânica e material da Portaria n.º 414-A/87 e dos Despachos Conjuntos de 19/04/85, e de 14/04/86' (que, no entanto, não tinham sido invocados na fundamentação do acórdão recorrido, o qual se baseou, para a condenação, no preenchimento das normas da alínea a) do n.º 1, do n.º 2, da alínea a) do n.º 5 do artigo 36º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, e no artigo 30º, n.º 2 do Código Penal de 1982), e invocando também a violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição pelos artigos 433º e 410º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal. Aquele Supremo Tribunal, por Acórdão de 29 de Abril de
1999, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido. Desta decisão interpôs o arguido recurso de constitucionalidade ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), sustentando, no essencial, que
'[....] o ora Recorrente fora condenado, ainda que em pena suspensa, pela prática continuada, do crime p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 36º, n.ºs 1, a), 2 e 5, a), do D.L. n.º 28/84, de 20/01, e n.ºs 6, a), 21, 25, 27, 31 e 32 da Portaria n.º 414/87 de 18/05 na forma consumada; pela prática, na forma tentada de um crime, p. e p. pelas normas já mencionadas e ainda pelos arts. 22º e 23º do C.Penal; pela prática de quatro crimes, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 36º, 1, a), do D.L. n.º 28/84 e n.ºs 9, 11, 13 e 15 do Despacho Conjunto dos Secretários de Estado dos Assuntos Parlamentares e do Orçamento de 14/04/86; e ainda pela prática de quatro crimes, p. e p. pelos dispositivos conjugados dos arts. 36º, n.º 1, a), do D.L. n.º 28/84, com referência aos Despachos Normativos n.ºs 72/84 e 73/84, sendo um crime com referência à Portaria n.º 2107/86, de 13/05 (n.ºs 1, 2, 3, 4, 9, 12 e 13) e outro com referência à Portaria n.º 414/87 de 18/05 (n.ºs 8, 10, b) e 51 a 57).
3. Ora, os referidos diplomas do governo (portarias e despachos normativos), para além de denotarem um vício infelizmente habitual na administração, qual seja a tentação de legislar pela via regulamentar, a constituir clara violação das competências próprias daquele órgão de soberania (v. arts. 198º e 199º da C.R.P.), contêm disposições – nomeadamente os números 1, 2, 3, 4, e 7 do Despacho Conjunto de 14/0486 – as quais, por não ter havido expressa autorização legislativa da Assembleia da República, e por versarem sobre matérias de Direitos, liberdades e garantias e, de modo especial, sobre o conteúdo do estatuto da informação, ferem aqueles diplomas de Inconstitucionalidade Orgânica, por violação clara do art.º 165º da C.R.P. (antigo art.º 168º, a).
4. Mais, as disposições mencionadas no número anterior, dadas as descriminações que vieram criar entre os operadores jornalísticos, nomeadamente entre publicações do mesmo género, com desrespeito pela Liberdade de Imprensa, nessa sua importante vertente, e portanto com grave prejuízo também da Liberdade de Expressão e de Informação, constituíam manifesta, quanto grosseira violação dos arts. 37º e 38º da C.R.P., encontrando-se também feridas de Inconstitucionalidade Material.
5. Na motivação do seu recurso para o S.T.J., considerou ainda o Recorrente que os arts. 433º e 410º do C.P.P. violavam o artº 32º, n.º 1, da C.R.P., na medida em que impediam o tribunal ‘ad quem’ de considerar outros elementos, além dos que constavam da decisão recorrida.
6. Ora, nos termos do art.º 204º, da C.R.P., ‘nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os Princípios nela consagrados’.' Admitido o recurso, o recorrente concluiu assim as suas alegações:
'1. A Portaria n.º 414-A/87, e o despacho conjunto das Secretarias de Estado dos Assuntos Parlamentares e do Orçamento de 14/4/86, com fundamento nas quais o recorrente foi condenado no processo comum n.º 1.105/98, por decisão confirmada pelo S.T.J., pretendendo regular o regime de apoios financeiros à imprensa, através de algumas das suas disposições faziam depender a atribuição do subsídio de papel ou de difusão, ou a medida dessa atribuição, às empresas jornalísticas, do ‘número de vendas médias por edição.’
2. Desse modo introduziam um elemento de diferenciação no financiamento de publicações, ou empresas editoras de publicações da mesma natureza.
3. Tal diferença de tratamento constituía uma discriminação injusta e ilegítima, que o texto constitucional não consentia, nomeadamente por aplicação do n.º 6, do art. 38º, na versão que lhe foi dada pela 1ª revisão constitucional (de 82).
4. Efectivamente o referido preceito constitucional consagrava a liberdade de imprensa não apenas como direito perante o Estado, de defesa perante os obstáculos do poder, um direito ou liberdade através do Estado, já que impunha a este um dever de promover medidas de apoio não discriminatórias à imprensa.
5. Tal preceito constituindo um comando directo ao Estado, sujeitava este em matéria de subvenções à imprensa, ao limite da proibição do arbítrio e ao princípio da igualdade de imprensa, pelo que, competindo ao Estado definir o
âmbito dos destinatários, e a forma de subvenção, dentro dos quais não poderia haver outro tratamento que não o da igualdade, abrangendo sempre todas as empresas em estreita relação de concorrência.
6. Assim sendo, mesmo o legislador ordinário (fosse o Parlamento, ou o Executivo sob autorização legislativa), estaria em matéria de subvenções ou apoios à imprensa vinculado àquele conteúdo preceptivo do n.º 6, do art. 38º, da C.R.P., só podendo limitá-lo, nos termos e através do processo específico que a própria Constituição prevê para limitar os direitos liberdades e garantias.
7. Pelo que se deve considerar que as disposições dos diplomas infralegais em causa, nos termos referidos, violavam claramente o preceito incluído no n.º 6
(in fine), do art. 38º, da C.R.P., encontrando-se viciados de inconstitucionalidade material.
8. Também o facto de os diplomas infra-legais em causa disporem sobre matéria limitativa de direitos fundamentais (‘liberdade de imprensa’), situada na zona de reserva relativa de competência legislativa do Parlamento, por não ter incidido sobre elas, ou não estarem habilitados por lei de autorização legislativa, as torna portadoras do vício de inconstitucionalidade orgânica, por terem sido emitidas por órgão incompetente em razão da matéria, tendo-se arrogado uma competência que, de harmonia com o art. 168º da C.R.P., não lhe pertencia.
9. Devem os arts. 433º e 410º do C.P.P. ser considerados inconstitucionais, por violarem o art. 32º, n.º1, da C.R.P., na medida em que impediam o Tribunal de recurso de considerar outros elementos de prova, além dos que constavam da decisão recorrida, e de não considerar a admissão de mais prova (como a que foi junta com a motivação do recurso ordinário), por serem assim asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido.' Por sua vez, as contra-alegações do Ministério Público encerraram assim:
'1º – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de determinada norma fazer assentar a concessão de um subsídio à imprensa na necessidade de o órgão de comunicação social em causa demonstrar a existência de tiragens e vendas que alcancem um determinado número de exemplares – condicionando a obtenção de subsídio público ao nível de audiência, à relevância e repercussão social da publicação e ao montante dos custos associados à produção, a compensar por tal subsídio.
2º – A definição da disciplina primária e substantiva do apoio financeiro público à imprensa – cuja relevância constitucional decorre explicitamente do art. 38º, n.º 4, da Lei Fundamental – não pode constar de meros diplomas regulamentares, carecendo (como decidiu a Comissão Constitucional nos pareceres n.ºs 26/77 e 29/77) de ser regulada em diploma legal credenciado por autorização parlamentar.
3º – Assentando a condenação do arguido no preenchimento da fattispecie do tipo legal de crime p. p. no artigo 36º do Decreto-Lei n.º 28/84, como consequência das manobras fraudulentas que realizou, prestando falsas declarações sobre o número de vendas efectivamente realizadas, com vista a criar nas autoridades competentes para outorgar subsídios públicos uma falsa convicção sobre dados inquestionavelmente relevantes para a respectiva concessão, nenhuma repercussão pode ter em tal decisão condenatória um juízo de eventual inconstitucionalidade formal ou orgânica das normas regulamentares que previam os requisitos de concessão dos ditos subsídios públicos.
4º – Na verdade, tais normas regulamentares não integram a fattispecie normativa em que assentou a condenação, desempenhando função meramente instrumental e tendente a explicitar e demonstrar as manobras ou expedientes fraudulentos utilizados pelos arguidos – sendo obviamente a alegada inconstitucionalidade orgânica insusceptível de legitimar ou apagar tais procedimentos fraudulentos.
5º – Termos em que – atento o carácter instrumental dos recursos de fiscalização da constitucionalidade – carece de interesse processual a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente.' Notificado para responder à questão prévia suscitada pelo Ministério Público, o recorrente pronunciou-se no sentido de que:
'(...) é tudo menos óbvio que as citadas normas regulamentares tenham o papel secundário e meramente instrumental na estrutura da decisão recorrida, que o digníssimo agente do Ministério Público pretende.
4. Tenha-se em conta que o concreto juízo decisório, que confirmou a decisão da
1ª instância, a qual considerara procedente a acusação do Ministério Público, fez apelo, na sua formulação, aos diplomas regulamentares recorridos, nos seguintes termos: ao imputar ao arguido o crime de fraude na obtenção de subsídio fá-lo com base nas ‘disposições conjugadas’ dos arts. 36º, do DL n.º
28/84, e arts. 6º, 21º, 25º, 27º, 31º e 32º da Portaria 414-A/87, ou daquele Decreto-Lei com disposições dos despachos conjuntos dos Secretários de Estado referidos no recurso.
(...)
6. É que, constituindo a factualidade típica da norma incriminatória em causa, o fornecimento de informações inexactas relativas a factos importantes para a sua concessão, considerando-se inconstitucional, por violação material e orgânica da C.R.P., e portanto sem validade, as normas regulamentares que previam esses factos, ou seja, deixando esses factos de ser considerados determinantes para a atribuição do subsídio, perde dignidade penal a conduta do recorrente, no sentido de que deixa de poder considerar-se ilícita ou anti-jurídica (podendo mesmo acrescentar-se que a prática generalizada de desrespeito pelos diplomas regulamentares em causa, como ficou provado no âmbito da audiência de discussão e julgamento, era mais conforme à Constituição do que os referidos normativos).
(...)' Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos Em resumo, nas conclusões das alegações para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente suscitou as seguintes questões de constitucionalidade: a) inconstitucionalidade material dos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 7 do Despacho Conjunto do Secretário de Estado Adjunto do Ministro de Estado e do Secretário de Estado do Orçamento, de 2 de Abril de 1985, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Abril de 1985; b) inconstitucionalidade orgânica dos mesmos normativos; c) inconstitucionalidade material dos n.ºs 3, 4, 11, 12 e 13 do Despacho Conjunto do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e do Secretário de Estado do Orçamento, de 14 de Abril de 1986, publicado no Diário do República, II Série, de 29 de Abril de 1986; d) inconstitucionalidade orgânica dos mesmos normativos; e) inconstitucionalidade material dos 'arts. 6º, e), 21º, 25º, 27º, 31º' da Portaria n.º 414-A/87, de 18 de Maio; f) inconstitucionalidade orgânica dos mesmos normativos; g) inconstitucionalidade material dos artigos 410º e 433º do Código de Processo Penal. Por sua vez, na resposta ao despacho de aperfeiçoamento do seu requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – despacho esse proferido no tribunal a quo –, o recorrente manteve a suscitação da inconstitucionalidade orgânica dos despachos conjuntos de 2 de Abril de 1985 e de 14 de Abril de 1986
(alíneas b) e d), supra), referiu-se à inconstitucionalidade material dos
'números 1, 2, 3, 4 e 7 do Despacho Conjunto de 14/04/86' (referenciando os normativos antes impugnados do despacho conjunto de 2 de Abril de 1985 ao despacho conjunto de 14 de Abril de 1986), invocou a inconstitucionalidade material e orgânica dos números 6. e), 21, 25, 27, 31 e 32 da Portaria n.º
414[sic]/87 (alíneas e) e f), supra, acrescentando o n.º 32 que, entretanto, já tinha sido referido nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
– embora não nas suas conclusões), e suscitou a inconstitucionalidade material dos artigos 410º e 433º do Código de Processo Penal (sem mais). Finalmente, nas conclusões das alegações, o recorrente veio circunscrever o objecto do recurso de constitucionalidade a três diplomas, embora em relação a dois deles tivesse deixado de identificar as normas impugnadas:
– inconstitucionalidade orgânica e material da Portaria n.º 414/87;
– inconstitucionalidade orgânica e material do despacho conjunto dos Secretários de Estado dos Assuntos Parlamentares e do Orçamento de 14 de Abril de 1986;
– inconstitucionalidade material dos artigos 410º e 433º do Código de Processo Penal. Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 20/97 (publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Março de 1997), 'delimitado o objecto do recurso pelo requerimento de interposição, pode este ser posteriormente circunscrito – mas não ampliado – pelos recorrentes (...) tal como pode ser restringido nas conclusões das alegações apresentadas no Tribunal Constitucional', invocando-se vária jurisprudência deste Tribunal e o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil. Assim, face 'ao abandono pelo recorrente da pretensão de ver apreciada a constitucionalidade das normas' do despacho conjunto de 2 de Abril de 1985, publicado a 19 desse mês (o excerto citado é do Acórdão n.º 243/97, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36º, pp. 609-614), logo haveria de concluir-se não poder conhecer-se agora da sua conformidade constitucional, por opção que tem de ser imputada ao recorrente. Resta, porém, ainda saber se se pode tomar conhecimento do recurso da conformidade constitucional (das normas impugnadas) da Portaria e do despacho ainda impugnados, por uma outra razão: o Supremo Tribunal de Justiça, na sequência da contra-motivação do recurso apresentada pelo Ministério Público, entendeu que não, o mesmo tendo sido defendido pelo Ministério Público no Tribunal Constitucional, nas suas contra-alegações (embora com a significativa diferença de aqui se ter entendido, como se viu, que a 'definição da disciplina primária e substantiva de apoio financeiro público à imprensa (...) não pode constar de meros diplomas regulamentares, carecendo (...) de ser regulada em diploma legal credenciado por autorização parlamentar' – podendo invocar-se o lugar paralelo do apoio financeiro às associações apreciado no Acórdão n.º
711/97, publicado no Diário da República, I Série-A, de 24 de Janeiro de 1998, enquanto além se considerou que a 'instituição de um regime de apoio económico
às empresas jornalísticas não depende de autorização legislativa, nem constitui matéria reservada à competência legislativa da Assembleia.'). E entendeu que não porquanto, como se escreveu no acórdão recorrido, o 'Tribunal a quo [na circunstância a 9ª Vara Criminal do Tribunal de Círculo de Lisboa] não foi chamado a aplicar as normas arguidas de inconstitucionalidade na dimensão em que o recorrente suscita a questão da constitucionalidade.' Ou, como se escreveu nas contra-alegações que o Ministério Público apresentou neste Tribunal:
'perante tal actuação fraudulenta do arguido, expressa nas falsas declarações que prestou acerca de dados de facto essenciais para o reconhecimento da sua pretensão, deixa de ter relevância a questão da inconstitucionalidade formal ou orgânica invocada, por ser evidente que a mesma – mesmo que existisse – era insusceptível de legitimar as manobras fraudulentas que estiveram na base do preenchimento do tipo legal do crime que ditou a condenação do arguido: o artigo
36º do Decreto-Lei n.º 28/84 (cfr. fls. 1143 e 1144).' (Nestas folhas, o Supremo Tribunal de Justiça conclui, após transcrever os n.ºs 1,2 e 5 do referido artigo
36º: 'O acervo factológico recolhido e firmado autoriza, sem reservas, a subsunção jurídica que o tribunal a quo realizou, enquadrando-o naquele tipo legal' – único em causa, repete-se, uma vez que a referência aos despachos e Portaria impugnados só no relatório da decisão do tribunal de 1ª instância tinham sido referidos). Vejamos então o teor das disposições do artigo 36º do Decreto-Lei n.º 28/84, de
20 de Janeiro, invocadas na decisão recorrida:
'Artigo 36º Fraude na obtenção de subsídio ou subvenção
1– Quem obtiver subsídio ou subvenção: a) Fornecendo às autoridades ou entidades competentes informações inexactas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção; b) (...) c) (...) será punido com prisão de 1 a 5 anos e multa de 50 a 150 dias.
2 – Nos casos particularmente graves, a pena será de prisão de 2 a 8 anos.
3 – (...)
4 – (...)
5 – Para os efeitos do disposto no n.º 2, consideram-se particularmente graves os casos em que o agente: a) Obtém para si o para terceiros uma subvenção ou subsídio de montante consideravelmente elevado ou utiliza documentos falsos; b) (...) c) (...)
6 – (...)
7 – (...)
8 – (...)' Como se escreveu no Acórdão n.º 604/99,
'na incriminação por desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado, está em causa o êxito dos programas que o Estado se propõe levar a cabo, pelo que uma incorrecta aplicação dos dinheiros públicos pode comprometer ou mesmo frustar o interesse público subjacente. A medida justifica-se pela gravidade dos efeitos dessa aplicação e pela necessidade de se proteger o interesse do correcto emprego dos dinheiros públicos nas actividades produtivas, como se realça no ponto 6 da nota preambular ao Decreto-Lei n.º 28/84 e tem sido destacado pela jurisprudência deste Tribunal' (invocando-se os Acórdãos n.ºs 213/95 e 302/95, publicados no Diário da República, II Série, de 26 de Junho e 29 de Julho, respectivamente, que se pronunciaram pela não inconstitucionalidade das normas dos artigos 36º e 37º do referido Decreto-Lei n.º 28/84). Como é dito na decisão recorrida (por remissão para as alegações do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça) e nas contra-alegações do Ministério Público neste Tribunal, as normas regulamentares impugnadas limitavam-se a estabelecer os termos da concessão de subsídios e o círculo dos seus potenciais beneficários, enquanto que o crime em causa se traduzia em comportamentos deceptivos adoptados para pôr em causa os objectivos de política económica (mal ou bem, regular ou irregularmente) estabelecidos pelo legislador, comportamentos, esses, consistentes no fornecimento às autoridades ou entidades competentes de 'informações inexactas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção' e na obtenção de uma subvenção ou subsídio de montante consideravelmente elevado ou utilizando documentos falsos. Ora, o teor das normas regulamentares material e organicamente tidas por desconformes com a Constituição em nada altera o facto de terem, confessadamente, sido fornecidas de modo deliberado tais informações inexactas relativas a factos importantes para a concessão do subsídio, e de o recorrente ter obtido, por essa via, um 'subsídio de montante consideravelmente elevado', circunstâncias que preenchem o tipo de crime agravado previsto e punido nas referidas disposições do artigo 36º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro. Ao contrário do que o recorrente alegou em resposta à questão prévia suscitada pelo Ministério Público neste Tribunal, a consequência de um eventual julgamento de inconstitucionalidade das normas regulamentares que disciplinavam a atribuição e distribuição do subsídio não poderia, pois, repercutir-se na 'perda de dignidade penal da conduta do recorrente', na medida em que todos os elementos do tipo legal de crime por que foi condenado se encontram no artigo
36º do Decreto-Lei n.º 28/84. Nestes termos, atento o carácter instrumental do recurso de constitucionalidade
(cfr. v. g., Acórdãos n.ºs 453/93, 440/94 e 389/00, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 6 de Maio de 1994, de 1 de Setembro de 1994 e de 13 de Novembro de 2000), a decisão que sobre esta questão viesse a ser proferida seria desprovida de utilidade, por não poder interferir com a decisão recorrida. E procede, pois, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público – e que vale igualmente para obstar ao conhecimento da conformidade constitucional do despacho conjunto de 2 de Abril de 1985, que, como se viu, o recorrente desistiu de impugnar perante este Tribunal nas suas alegações de recurso. Não pode, pois, tomar-se conhecimento do recurso quanto às normas dos despachos conjuntos do Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Estado e do Secretário de Estado do Orçamento de 2 de Abril de 1985 (publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Abril de 1985) e quanto às normas do despacho conjunto do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e do Secretário de Estado do Orçamento, de 14 de Abril de 1986 (publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Abril de 1986), atento o carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, por a decisão que viesse a ser proferida não poder interferir com a decisão recorrida (e, quanto às primeiras, também por o recorrente ter abandonado tal pretensão nas conclusões das suas alegações de recurso). Restam, pois, como normas sujeitas à apreciação da sua conformidade constitucional, as dos artigos 433º e 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, normas, estas, que foram impugnadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, tendo este proferido, em relação a elas, um juízo de não inconstitucionalidade. Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 573/98, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Novembro de 1998, já
'São incontáveis as vezes que este Tribunal teve de apreciar a constitucionalidade das normas dos artigos 410º, n.º 2, e 433º do Código de Processo Penal, e sempre ele concluiu, embora com vozes discordantes, pela sua compatibilidade com a Lei Fundamental. Fê-lo, primeiro, no Acórdão n.º 322/93
(publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Outubro de 1993), e, depois, em muitos outros que seguiram na sua esteira, designadamente nos Acórdãos n.ºs 356/93, 443/93, 141/94, 170/94, 171/94, 172/94, 399/94, 504/94,
635/94, 55/95 e 177/96. E, mais recentemente, o Tribunal reafirmou esta jurisprudência, no Acórdão n.º 533/98 (...)' O único desvio a esta posição resultou do Acórdão n.º 486/98 (não publicado, mas disponível em www.tribunalconstitucional.pt), tendo o citado Acórdão n.º 573/98, tirado em Plenário, procedido à sua revogação, e decidindo não julgar inconstitucionais as referidas normas. Juízo, este, que aqui se aplica, tanto mais que, nesta matéria, o recorrente se limitou a invocar a inconstitucionalidade das normas, não aduzindo qualquer argumentação nesse sentido. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
Não tomar conhecimento do recurso quanto às normas dos despachos conjuntos
do Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Estado e do Secretário de
Estado do Orçamento de 2 de Abril de 1985 (publicado no Diário da República,
II Série, de 19 de Abril de 1985) e normas do despacho conjunto do
Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e do Secretário de Estado do
Orçamento, de 14 de Abril de 1986 (publicado no Diário da República, II
Série, de 29 de Abril de 1986);
Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 433º e 410º, n.º 2, do
Código de Processo Penal, confirmando, nesta parte, a decisão recorrida; d) Condenar o recorrente em custas, fixando em 15 (quinze) unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2003. Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário Torres Benjamim Rodrigues Luís Nunes de Almeida