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Proc. nº 90/2003
2ª Secção Rel.: Cons.ª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, A. deduziu impugnação judicial contra o acto de liquidação da taxa incidente sobre a comercialização de produtos de saúde instituída pelo artigo 72º da Lei nº
3-B/2000, de 4 de Abril, relativa ao mês de Abril de 2002. O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, por sentença de 19 de Dezembro de 2002, considerou o seguinte:
Mas não é só a regulamentação do INFARMED que se mostra inquinada; também a própria norma legal que estabelece a taxa em análise se me afigura desconforme ao princípio da legalidade e, consequentemente, ao disposto no artº 103, n° 2, da Constituição. A criação dos tributos, como já se afirmou, e está estabelecido na referida norma constitucional, encontra-se sujeita ao princípio da legalidade tributária, segundo o qual o estabelecimento de tributos está sujeito a reserva de lei, quer no âmbito formal quer no âmbito substancial; e neste último caso, por ter de ser a lei a estabelecer a incidência e a taxa (pelo menos o núcleo essencial desses elementos) de modo a que se verifique a susceptibilidade de previsão e definição objectiva da obrigação tributária, sem que ocorra a necessidade de os órgãos de aplicação do direito introduzirem critérios ou elementos subjectivos - próprios ou de terceiros - na determinação do tributo devido. Ou seja, o princípio da legalidade tributária materializa-se, para além da reserva de lei, também na tipicidade e determinação (sobre a questão cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pg 328, ss). Ora o que resulta do art.° 72.º da Lei 3-8/2000 é uma indeterminação da base de incidência do tributo pois que se determina que, devendo o mesmo ser pago pelo responsável pela introdução do produto no mercado, no momento dessa introdução, através de autoliquidação, a quantificação do tributo se faça por referência ao preço de venda ao consumidor final que é um valor no momento desconhecido e que o sujeito passivo (e que tem de autoliquidar) desconhece e não domina em absoluto. Tal referência valorativa só teria cabimento num sistema de preços fixos em que o introdutor no mercado sabe de antemão qual irá ser o valor do preço de venda ao consumidor final (e a tal não será alheio o facto de o referido art.° 72.º ter sido, nessa parte, decalcado do estabelecido para a taxa de comercialização dos medicamentos - DL 282/95 - esquecendo-se, porém, o legislador que aqui, ao contrário dos medicamentos, não vigora o preço administrativamente fixado). A apontada desconformidade constitucional da norma de incidência do tributo tem como consequência a invalidade dos correspondentes actos de liquidação.
Consequentemente, a impugnação foi julgada procedente.
2. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma do nº 3 do artigo 72º da Lei nº 3-B/2000, de 4 de Abril. Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente alegou, concluindo o seguinte:
1 - O princípio da reserva de lei fiscal, constante do artigo 103°, n° 2
conjugado com o artigo 165°, n° I, alínea i), da Constituição da República Portuguesa - apenas implica que a lei - editada ou credenciada pelo parlamento - que cria determinado imposto deve determinar (para além dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes) a respectiva incidência e a taxa.
2 - A norma constante do n° 3 do artigo 72° da Lei n° 3-B/2000, desaplicada na decisão recorrida, ao determinar que a 'taxa sobre comercialização de produtos de saúde', ali prevista, incide sobre o volume de vendas de cada produto e tem por referência o respectivo preço de venda ao consumidor final, define, em termos bastantes, a matéria colectável sobre que vão incidir as taxas previstas no n° 2 do mesmo preceito.
3 - Não viola o princípio da tipicidade ou da legalidade fiscal a circunstância de, vigorando um regime de autoliquidação de tal tributo, o obrigado tributário poder estar em situação de dúvida subjectiva acerca do efectivo preço de venda ao público, praticado no período em causa, carecendo, consequentemente, a referida autoliquidação de assentar num valor presumível ou hipotético.
4 - Tais dificuldades práticas, associadas exclusivamente ao regime de liquidação do tributo, são absolutamente estranhas aos princípios da tipicidade e da legalidade fiscal, não podendo naturalmente nelas fundar-se violação da norma constitucional do artigo 103°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá proceder o presente recurso.
Por seu turno, a recorrida contra-alegou, tirando as seguintes conclusões:
A. A denominada 'taxa sobre comercialização de produtos de saúde' deve ser materialmente qualificada como um verdadeiro e próprio imposto. B. A definição da base de incidência objectiva do imposto, por um lado, e a respectiva liquidação e cobrança, por outro, não podem ser consideradas separadamente, para efeitos de aplicação do princípio da legalidade, sempre que a determinabilidade da primeira seja posta em causa pelo regime legalmente estabelecido para estas últimas. C. O número 3 do artigo 72° da Lei n.º 3-B/2000, ao estabelecer que o imposto criado seja autoliquidado no momento da introdução dos produtos de saúde no mercado, implica que a referida liquidação seja efectuada pelos respectivos sujeitos passivos sem que estes conheçam o 'preço de venda ao consumidor final', ou seja, sem que a base de incidência objectiva do imposto seja determinável por tais sujeitos passivos. D. Uma vez que o regime estabelecido no artigo 72° da Lei n.º 3-B/2000 não permite superar a indeterminabilidade da base de incidência do imposto resultante do sistema de autoliquidação legalmente criado, o número 3 daquele artigo é inconstitucional, por violação do disposto no número 2 do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa. E. Na medida em que o imposto criado pelo artigo 72° da Lei n.º 3-B/2000 implica uma tributação sobre o rendimento de pessoas colectivas, e o número 3 do mesmo artigo sujeita os respectivos sujeitos passivos ao pagamento de um valor calculado por referência a um preço estabelecido e recebido por outras entidades que não aqueles sujeitos passivos, este último preceito é inconstitucional, por violação do imperativo resultante do número 2 do artigo 104° da Constituição da República Portuguesa, que exige que a tributação das empresas incida fundamentalmente sobre o seu rendimento real. Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser negado provimento ao recurso obrigatório interposto pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto. Assim se fazendo a costumada Justiça!
Cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentação
3. A questão que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, no Acórdão nº 127/04, tirado em Plenário, com votos de vencido, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma em apreciação. Não suscitando o presente recurso qualquer questão nova que deva ser apreciada, remete-se para a fundamentação do Acórdão nº 127/04 (já disponível na página Internet do Tribunal, em http://www.tribconstitucional.pt/jurisprudência.htm) concluindo-se pela não inconstitucionalidade da norma apreciada.
III Decisão
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma desaplicada pelo tribunal a quo, revogando, consequentemente, a decisão recorrida, que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 17 de Março de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos