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Proc. nº 510/2003
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, figuram como recorrente A., Comissário da Polícia de Segurança Pública, e como recorrido o Ministro da Administração Interna. O recurso foi interposto (do acórdão de 14 de Maio de 2003 do Supremo Tribunal Administrativo) ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – e da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição – e preenche os requisitos estabelecidos pelos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da referida lei: o recorrente indica a norma ao abrigo da qual interpõe o recurso, a norma cuja inconstitucionalidade argui – artigo 136º, nº 2, do Decreto-Lei nº 321/94, de 29 de Dezembro –, o princípio constitucional alegadamente violado – o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição – e as peças processuais em que suscitou a questão de constitucionalidade – por ordem cronológica, o próprio recurso hierárquico necessário interposto do despacho do
(então) Comandante-Geral da PSP para o Ministro da Administração Interna, o requerimento de interposição do recurso do despacho do Ministro da Administração Interna para o Tribunal Central Administrativo e as respectivas alegações do recurso interposto do acórdão prolatado pelo Tribunal Central Administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo.
2. No Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1. O despacho, ora em causa, do Ex.mo Senhor Comandante-Geral da P.S.P., que ordenou a colocação do recorrente no Comando da Polícia d-- -----, na situação de deslocamento, assenta na sua «menor antiguidade».
2. Menor antiguidade essa artificialmente fixada nos temos da norma contida no n.º 2 do art. 136° do D.L. n.º 321/94, de 29 de Dezembro (Lei da Polícia de Segurança Pública), a qual estipula que se tenham como mais antigos, à partida, os oficiais oriundos do curso de formação de oficiais em prejuízo dos oriundos do curso de promoção a chefe de esquadra, do qual o recorrente provém.
3. Tal norma, prevê, assim, diferenças de tratamento entre pessoas de posto, funções, competências, responsabilidades e estatuto remuneratório rigorosamente iguais, nos termos do mesmo Decreto-Lei, como são os comissários oriundos dos cursos de formação de oficiais de polícia e os comissários oriundos dos cursos de promoção a chefe de esquadra, estabelecendo, à partida, como se disse, a
«maior antiguidade» dos primeiros relativamente aos segundos.
4. Não importando aqui saber-se se os oficiais oriundos de um curso têm melhor ou pior preparação académica que os do outro, como se pretende no douto acórdão recorrido.
5. Esse 'julgamento', no que importa, ou seja para se saber se um comissário, tão comissário como qualquer outro, pode ser, enquanto tal, tratado de forma diferente, já foi feito à priori pelo legislador, que considerou igualmente aptos para o posto os oriundos quer de um curso quer do outro.
6. Nem tampouco estão em causa as diferentes expectativas de progressão de uns e de outros. Apenas importam aqui as diferenças de tratamento entre comissários, enquanto comissários que já são, e não em função do que possam ou não vir a ser.
7. O n.º 2 do art. 136° do D.L. n.º 321/94, de 29 de Dezembro viola, assim e manifestamente, o princípio da igualdade, contido, nomeadamente, no art. 13° da Constituição da República Portuguesa, na medida em que trata de forma desigual situações absolutamente iguais. Assim, e na melhor forma de DIREITO, a) Deverá ser julgado inconstitucional, por violação do art. 13° da Constituição da República Portuguesa, o n.º 2 do art. 136° do D.L. n.º 321/94, de 29 de Dezembro; b) E, consequentemente, determinar-se, em conformidade, a reforma do douto acórdão recorrido, como é de Justiça
Por seu turno, o Ministro da Administração Interna apresentou contra-alegações que concluiu assim:
I. O artigo 136°, n.º 2, da Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 321/94, de 29 de Dezembro, não ofende o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa, uma vez que a preferência dada no ordenamento para efeitos de antiguidade, aos oficiais oriundos do curso de formação de oficiais de polícia é objectiva e racional, por se fundamentar no melhor nível de formação destes, em relação aos oriundos da carreira policial de base, possuidores do curso de promoção a chefe de esquadra.
II. Não se demonstrando que ambos os cursos proporcionem a quem os frequenta idêntico nível de preparação para o exercício das funções de oficial da Polícia de Segurança Pública, não há obstáculo a que o legislador consagre, como fez, que seja dada preferência aos oriundos de um curso relativamente ao outro e que reconheça, expressamente, que não há, sequer, equiparação de carreiras.
Cumpre apreciar.
II Fundamentação
3. A norma em crise nos presentes autos é o nº 2 do artigo 136º do Decreto-Lei nº 321/94, de 29 de Dezembro, que estabelece que “os oficiais oriundos dos cursos de formação de oficiais de polícia são considerados mais antigos que os oficiais oriundos do curso de promoção a chefe de esquadra promovidos na mesma data”. Esta norma consagra uma prioridade de que beneficiam os oficiais de polícia que frequentaram os cursos de formação, em detrimento dos oficiais que frequentaram o curso de promoção a chefe de esquadra promovidos na mesma data. No essencial, o recorrente sustenta que a norma é inconstitucional porque implica uma diferença de tratamento “entre pessoas de posto, funções, competências, responsabilidades e estatuto remuneratório rigorosamente iguais”.
4. Na ordenação para efeitos de antiguidade, relevante para a progressão na carreira dos oficiais da PSP, tem-se em conta o tempo de serviço prestado no posto, o que, desde logo, implica uma irrecusável diferença de tratamento entre pessoas de posto, funções, competências, responsabilidades e estatuto remuneratório rigorosamente iguais. Na sua essência, uma ordenação deste tipo discrimina as pessoas dele constantes, de acordo com um determinado critério – precisamente, a antiguidade. A questão que agora se coloca, todavia, é a de saber se para oficiais com a mesma antiguidade (“promovidos na mesma data”) pode valer como critério de preferência (formalizado como “presunção inilidível” de maior antiguidade) a frequência e aprovação nos cursos (superiores) de formação de oficiais da polícia – em detrimento, como se viu, de um curso ad hoc de promoção a chefe de esquadra.
5. Não cabendo ao Tribunal Constitucional apreciar, evidentemente, a dignidade dos cursos referidos ou a sua adequação à formação de oficiais da PSP, compete-lhe apenas verificar se a discriminação referida viola o princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição) ou se, pelo contrário, é compatível com tal princípio. Ora, tal como se expendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Maio de 2003, ora recorrido, o princípio da igualdade, na sua dimensão de limite
à discricionariedade legislativa, não impõe o tratamento igualitário de todas as situações juridicamente relevantes. Implica que sejam tratadas igualmente situações iguais e desigualmente situações desiguais, à luz de critérios de diferenciação constitucionalmente admissíveis. Assim, o princípio da igualdade proscreve distinções desprovidas de justificação racional, tal como vem sustentando a jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, os Acórdãos nºs 1167/96 – D.R., II Série, de 7 de Fevereiro de 1997;
454/97 – D.R., II Série, de 10 de Dezembro de 1997; e 672/98 – D.R., II Série, de 3 de Março de 1999).
6. No caso sub judicio, não existe uma discriminação destituída de fundamento racional ou puramente arbitrária. Na verdade, independentemente de uma avaliação de mérito dos oficiais da PSP e dos respectivos cursos de formação, que não cabe ao Tribunal Constitucional fazer, é plausível uma diferenciação entre a formação ministrada durante cinco anos na Escola Superior de Polícia e o curso de promoção a comissário com a duração de um ano.
É claro que a escolha deste critério de preferência não é obrigatória. O legislador, no âmbito da discricionariedade resultante do mandato democrático que lhe foi conferido, poderia ter acolhido outro critério de preferência para oficiais com a mesma antiguidade (classificações de serviço, louvores, avaliações, etc. ...). Porém, repete-se, o critério eleito é racional e, por isso, compatível com o princípio da igualdade.
III Decisão
7. Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma constante do nº 2 do artigo 136º do Decreto-Lei nº 321/94, de 29 de Dezembro, e, por conseguinte, não conceder provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 10 de Março de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos