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Processo n.º 532/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. C... interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (de 1 de Junho de 2000), que negou provimento ao recurso por si interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo (de 27 de Maio de
1999), que, por sua vez, tinha negado provimento ao recurso contencioso que ele interpusera do despacho do MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, de 22 de Setembro de 1997.
Pede se aprecie 'a constitucionalidade das normas do artigo 94º do Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho, e do artigo 75º do Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, com a interpretação que lhes foi dada no acórdão recorrido, a qual viola os preceitos constitucionais dos artigos 13º, 18º, nºs 1, 2 e 3, 168º, nºs 1, alíneas b), d) e v), 3 e 4, e 277º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa'.
Neste Tribunal, alegou o RECORRENTE, formulando as seguintes conclusões:
1. O douto despacho recorrido fundamentou a dispensa de serviço do Recorrente nas normas do nº 4 do artº 94 do DL 231/93 de 26/6 e do nº 3 do artº 75 do DL
265/93 de 31/7.
2. Tais diplomas estão feridos de inconstitucionalidade orgânica, em virtude de o Governo ter legislado com competência legislativa originária e não ter sido autorizado a fazê-lo pela Assembleia da República, em matéria de sua reserva relativa de competência legislativa (alíneas b), d) e v) do nº 1 do artº 168º da CRP ).
3. O Recorrente é um agente militarizado integrado na força de segurança G.N.R..
4. Só com a recentíssima publicação da notável Lei 145/99 de 1 de Setembro passou o Recorrente a estar sujeito a um regulamento disciplinar constante de diploma próprio, tal como já anteriormente acontecia para os militares, para os funcionários públicos e para os agentes militarizados da força de segurança P.S.P..
5. A medida sancionatória que resultar de um processo disciplinar ou do processo próprio de dispensa de serviço é, pela sua própria natureza, sempre uma sanção de natureza estatutária, e porque em ambos os casos é afectada a carreira profissional e a situação funcional do militar, modificando-a em prejuízo do agente.
6. O processo próprio de dispensa de serviço, por visar a aplicação de uma sanção estatutária, tem a natureza de um processo sancionatório tal como o processo disciplinar, por visar a aplicação de uma pena, tem também a natureza de um processo sancionatório.
7. O facto de a sanção de dispensa de serviço prevista no nº 2 do artº 94 do DL
231/93, de 26 de Junho (LOGNR) ter a natureza de sanção estatutária não lhe retira o carácter de pena disciplinar e isto porque a sanção estatutária denominada 'dispensa de serviço' constitui, tal como a pena disciplinar expulsiva, uma sanção estatutária expulsiva, não constituindo, enquanto tal, um género próprio, autónomo e distinto da pena disciplinar.
8. Os referidos DL 231/93 (LOGNR) e 265/93 (EMGNR) são alegadamente resultado do exercício da função legislativa do Governo nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 201º da CRP ('Fazer decretos-lei em matéria não reservada à Assembleia da República'), como deles expressamente consta.
9. E de ambos estes diplomas consta inegavelmente abundante matéria respeitante a direitos e garantias, ao regime estatutário geral e regime disciplinar dos agentes militarizados da G.N.R. (vg., alíneas a), b) e c) do nº 7 e nº 8 do artº
39º, e artºs 92º, 93º e 94º, todos da LOGNR – e artºs 2º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º,
10º, 11º, 14º, 15º, 19º, 22º e 75º do EMGNR).
10. Tais normativos (direitos, liberdades e garantias, regime disciplinar e regime da função pública) constituem matéria de reserva relativa de competência da Assembleia da República, como tal consignadas nas alíneas b), d) e v) do nº 1 do artº 168º da C.R.P..
11. A reserva de competência legislativa da Assembleia da República nesta matéria vale não apenas para as restrições mas também para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e garantias (vd. artºs do Título II da parte I, nº 8 (actual 10 do artº 32º), 17º, 18º, 20º, 21º, 22º e 23º da C.R.P., e – Vital Moreira – C.R.P. anotada, 3ª Edição – pág. 672).
12. Igualmente, implicando a sanção de 'dispensa de serviço' o termo da manutenção funcional, o 'despedimento' do Recorrente, atinge irremediavelmente o seu direito à segurança no emprego consagrado no artº 53º da C.R.P..
13. Por outro lado, no respeitante às alíneas d) e v) do artº 168º da C.R.P. cabe à Assembleia da República definir a natureza do ilícito e os tipos de sanções e as regras gerais do processo disciplinar relativos a todos os ordenamentos sectoriais públicos ou de carácter público, em cujo âmbito, no mínimo, se inclui a força de segurança GNR (cf. nº 4 do artº 272º - Título IX – Administração Pública, da C.R.P.).
14. Assim, o acto impugnado, ao ter fundamentado a 'dispensa de serviço' aplicada ao Recorrente nos artºs 75º do EMGNR e 94º - 1, 2 e 4 da LOGNR, fundamentou-se em normas formal e organicamente inconstitucionais, por as mesmas respeitarem a direitos e garantias fundamentais, ao regime geral de punição de infracções disciplinares e bases do regime e âmbito da função pública, matérias de reserva relativa da Assembleia da República – alíneas b), d) e v) do artº
168º da C.R.P. (3ª Revisão) – o que inquina o acto recorrido de vício de violação de lei.
15. O Governo legislador do EMGNR e da LOGNR quis prever um processo sancionatório e uma medida sancionatória com CARACTERÍSTICAS INOVADORAS, fazendo-o de uma forma subreptícia e ilegal ao redefinir a natureza do ilícito, definir o tipo de sanção e as regras gerais de outro tipo de processo – o processo próprio de dispensa de serviço.
16. Mesmo que erroneamente se entendesse que de mera repetição e transcrição se tratara, sempre importaria saber se os diplomas, onde tal matéria tinha sido já anteriormente regulada e que em 1993 teriam sido 'copiados', tinham sido proferidos pelas entidades com competência legislativa para os proferir, pois, o vício no caso inverso de incompetência originária contaminaria os diplomas que posteriormente os tenham vindo a acolher.
17. O Governo não só inovou legislativamente em relação às normas constantes dos DL 333/83, 465/83 e 142/77, como também estes primeiros dois diplomas ora referidos foram decretados sem a indispensável autorização da Assembleia da República nos termos da C.R.P. então vigente (1982).
18. Hoje em dia, no fundamental, não existe nenhuma diferença significativa, nem quanto à sua missão nem quanto à sua tutela, entre a força de segurança GNR e a força de segurança PSP (estas sim, distintas na missão – vd. artº 275º da CRP – e na tutela, das Forças Armadas).
19. E o que também se constata, é que tanto para o comum trabalhador privado, como para o funcionário público em geral, como ainda também para o agente militarizado membro da força de segurança PSP, a ruptura do vínculo de emprego, fundada em justa causa, sempre se decide após a verificação e comprovação desta ser invariável e imperativamente apurada em sede de processo disciplinar integralmente assegurador das garantias de defesa do arguido.
20. No entender do Recorrente não existe uma só razão distinta ou argumento plausível que justifique e legitime poder ter sido, como foi, decidida a ruptura do vínculo de emprego através da originalíssima dispensa de serviço, processo inexistente, ao invés do processo disciplinar, nos restantes casos supra indicados.
21. A indevida sujeição dos membros da GNR à medida estatutária de dispensa de serviço constitui notória violação daquele requisito e dos princípios constitucionais da proibição do excesso e da salvaguarda do núcleo essencial do direito fundamental (vd, por todos J.J.GOMES CANOTILHO – Direito Constitucional,
4ª edição, págs. 482 a 493), ínsitos nos nºs 2 e 3 do artº 18º da CRP , consubstanciando inequivocamente a violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade arguida pelo Recorrente.
22. Em boa verdade, além de deverem ter fundamento na Constituição, cumpre sempre apurar se a especificidade estatutária concreta exige aquela concreta restrição ao direito fundamental afectado (vd. J.J. GOMES CANOTILHO, ob. cit. págs. 501 a 503). No caso dos autos claramente se constata o desrespeito pelos princípios da exigibilidade e da salvaguarda do núcleo essencial, em virtude de, por maior que seja o persistente esforço, não se conseguir vislumbrar o que possa justificadamente exigir a existência da dispensa de serviço na GNR e a sua não existência na PSP, mas sobretudo e até nas próprias Forças Armadas!
23. O Recorrente discorda fundamentadamente do modo processualmente ínvio como foi punido, e do tipo e da medida da sanção com que foi punido.
24. Ao invés do considerado no douto Acórdão recorrido o princípio da igualdade foi ofendido, não porque não tenha sido aplicada a mesma medida a todos os membros da GNR envolvidos na prática de factos idênticos aos do Recorrente, mas precisamente porque o processo de dispensa de serviço em todos os casos seguidos e a medida de dispensa de serviço a todos aplicada resulta manifestamente excepcional e a sanção desigual e desproporcionada em relação comparada às aplicadas (penas de inactividade, suspensão e até prisão disciplinar) em abundantes e variados outros casos, públicos e notórios, a membros das forças de segurança GNR e PSP que cometeram ilícitos de muito maior gravidade (basta relembrar os casos do cabo Casca (homicídio de dois colegas da GNR – VINHAIS) e sargento Santos (homicídio e decapitação de um civil – SACAVÉM), pronunciados e até já condenados).
25. O douto acórdão recorrido não reconhecendo a inconstitucionalidade das normas referidas tal como concretamente emergiram e foram aplicadas pelo despacho ministerial recorrido e negando provimento ao recurso contencioso, violou e fez errónea a aplicação dos artºs 13º, 18º nºs 1, 2 e 3, 168º nº 1 alíneas b), d) e v) e 277º nº 1 da C.R.P. na versão anterior à última revisão. Termos em que, pelas razões e fundamentos expostos supra, devem ser reconhecidas as arguidas inconstitucionalidades e, revogando-se o douto acórdão recorrido, ser dado provimento ao recurso.
Alegou igualmente o MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, que concluiu assim:
1. A dispensa do serviço da Guarda Nacional Republicana não é uma pena disciplinar, mas uma medida estatutária, de natureza essencialmente militar, como tem sido jurisprudência uniforme e pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, como entende a Procuradoria Geral da República e como entendia a Comissão Constitucional.
2. O Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho (artº. 94), e o Decreto-Lei nº
265/96, de 31 de Julho (artº 75º), não padecem de inconstitucionalidade orgânica ou material, por violação dos artigos 13º, 18º, nºs 1, 2 e 3, 168º, nºs 1, b), d) e v), e 277º da Constituição da República Portuguesa.
3. Não padecem de inconstitucionalidade orgânica porque o Governo, ao legislar, limitou-se a reproduzir, sem inovar, matéria constante de diplomas anteriores
(Leis nºs 29/82, de 11 de Dezembro, e 11/89, de 1 de Junho, bem como o DL
333/83, de 14 de Julho), não ofendendo a reserva de competência legislativa da Assembleia da República. Na verdade,
4. Seria absurdo pedir uma autorização legislativa para decretar uma medida já prevista, nada inovando na ordem jurídica. O Governo, ao requerer uma autorização legislativa, deve referir aquilo que pretende alterar. Se não tencionava alterar nada, não poderia proceder a tal indicação, e careceria de sentido o pedido de autorização.
5. Não precisando o Governo de autorização legislativa, uma vez que não inovou, não pode ocorrer qualquer inconstitucionalidade por a precedente lei de autorização legislativa ter caducado.
6. O tratamento da dispensa de serviço, pelo legislador, fora do âmbito do ilícito disciplinar, releva da liberdade conferida ao poder legislativo, sendo certo que configurou aquela medida como realidade distinta da sanção disciplinar
(cfr. o Decreto-Lei nº 203/78, de 24 de Julho, o qual interpretou autenticamente o RDM).
7. Não estando perante normas que se refiram a qualquer infracção disciplinar, nunca poderia ocorrer a aduzida inconstitucionalidade por violação do artigo
168º, nº 1, alínea d), da CRP.
8. Também não poderia verificar-se a arguida inconstitucionalidade por violação do artigo 168º, nº 1, alínea v), uma vez que a medida de dispensa do serviço, restrita aos militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, não pode considerar-se matéria a incluir no conceito de 'bases gerais do regime jurídico da função pública'.
9. As normas referidas na conclusão II não padecem de inconstitucionalidade material, uma vez que a existência e aplicação aos elementos da GNR, do processo e da medida estatutária de dispensa do serviço não ofende os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, já que a restrição ao direito à segurança no emprego é feita nos termos da CRP e de forma proporcionada – com exigência de justa causa e com amplo direito de audiência e defesa do militar -, estando sujeitos a esta medida todos os militares, das Forças Armadas e da GNR.
10. É claramente inadequada a comparação entre a aplicação da medida estatutária de dispensa do serviço e a imposição de penas disciplinares a elementos de outra Força de Segurança, sem se indicar concretamente em que consiste a desigualdade e a desproporção.
11. As comparações válidas para se ajuizar do respeito pelo princípio da igualdade devem referir-se a situações qualitativa e quantitativamente iguais, não se extraindo dos autos elementos que permitam chegar a tais conclusões, sendo certo que não faz sentido estar a confrontar a situação em apreço com outras que se inserem em estatutos funcionais e profissionais distintos. Termos em que [...] deve ser negado provimento ao recurso, por não se verificar nenhuma das aduzidas inconstitucionalidades.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. As normas sub iudicio: O despacho do Ministro da Administração Interna (de 22 de Setembro de 1997), referido inicialmente, determinou a dispensa do recorrente do serviço da Guarda Nacional Republicana e a sua passagem à situação a que alude o n.º 4 do artigo
75º do Estatuto do Militar da Guarda Nacional Republicana, em virtude de – como se pode ler no acórdão recorrido – se ter considerado 'provado, no procedimento administrativo próprio, que [o recorrente] tinha feito entrega na sua Unidade de um certificado de habilitações literárias falsificado, para averbamento no seu processo individual, tendo em vista a progressão na carreira'. Ora – escreveu-se no mesmo aresto –, «de acordo com o artigo 94º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (LO/GNR), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho, podem ser dispensados do serviço os militares da Guarda, por iniciativa do Comandante-Geral, ouvido o Conselho Superior da Guarda, mediante decisão do Ministro da Administração Interna, 'sempre que o comportamento do militar indicie desvios notórios dos requisitos morais, éticos, técnico-profissionais ou militares, que lhe são exigidos pela sua qualidade ou função, implicando tal medida a instauração de processo próprio com observância de todas as garantias de defesa e com a pensão de reforma que lhe couber'». Como resulta do trecho do acórdão que se transcreveu, no julgamento do caso de que emergiu o presente recurso, foram aplicadas a norma constante do artigo 94º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei n.º
231/93, de 26 de Junho (com excepção do seu n.º 3 e do segmento do n.º 1 referente à dispensa do serviço a pedido do militar), e a que consta do artigo
75º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho), com excepção das alíneas b) e c) do seu n.º 1.
Pois bem: o artigo 94º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho), cuja rubrica é dispensa do serviço, dispõe como segue:
1. A dispensa do serviço dos militares dos quadros permanentes da Guarda ocorre a pedido dos próprios ou por iniciativa do comandante-geral.
2. A dispensa do serviço, quando da iniciativa do comandante-geral, pode ter lugar sempre que o comportamento do militar indicie notórios desvios dos requisitos morais, éticos, técnico-profissionais ou militares que lhe são exigidos pela sua qualidade e função, implicando tal medida a instauração de processo próprio com observância de todas as garantias de defesa e com a pensão de reforma que lhe couber.
3. A dispensa do serviço a pedido do militar é da competência do comandante-geral.
4. A adopção da medida prevista no n.º 2 deste artigo é da iniciativa do comandante-geral, ouvido o Conselho Superior da Guarda, competindo a decisão final ao Ministro da Administração Interna.
5. Da decisão do Ministro da Administração Interna cabe recurso nos termos da lei.
O essencial da disciplina constante deste artigo 94º vinha já do artigo 70º da anterior Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 333/83 de 14 de Julho), que, no seu n.º 1, dispunha: 'o militar da Guarda Nacional Republicana no activo ou na efectividade de serviço que não convenha ao serviço ou ainda por razões de ordem moral, física, militar e técnico-profissional poderá ser dispensado do serviço ou passar às situações de reserva, reforma ou separado do serviço, após apuramento processual dos factos'; e, no n.º 2, acrescentava: 'a decisão é da competência do comandante-geral, mediante parecer favorável do Conselho Superior da Guarda, ficando sujeita a homologação ministerial quando se trate de militar com mais de 5 anos de serviço'.
O capítulo VI do título I do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho), subordinado
à epígrafe efectivos, situações e quadros, contém V secções. A secção I
(disposições gerais) compreende os artigos 60o a 65º, nos quais se definem as situações em que os militares se podem encontrar: activo, reserva e reforma. A secção II (artigos 66º a 76º) regula as situações do activo. A secção III
(artigos 77º a 84º) regula a situação de reserva. E a secção IV (artigos 85º a
89º) regula a situação de reforma. O artigo 75º do Estatuto, aqui também sub iudicio, cuja rubrica é dispensa por iniciativa do comandante, prescreve como segue:
1. Não pode continuar no activo nem na efectividade de serviço o militar dos quadros da Guarda cujo comportamento se revele incompatível com a condição
'soldado da lei' ou que se comprove não possuir qualquer das seguintes condições: a). Bom comportamento militar e cívico; b). Espírito militar; c). Aptidão técnico-profissional.
2. O apuramento dos factos que levam à invocação da falta de condições referidas no número anterior é feito através de processo próprio de dispensa de serviço ou disciplinar.
3. A decisão de impor ao militar a saída do activo e da efectividade de serviço
é da competência do Ministro da Administração Interna, sob proposta do comandante-geral, ouvido o Conselho Superior da Guarda.
4. A dispensa do serviço origina o abate nos quadros e perda dos direitos de militar da Guarda, sem prejuízo da concessão da pensão de reforma nos termos da lei.
A disciplina deste artigo 75º constava já também dos artigos 37º e 38º do anterior Estatuto do Militar da Guarda Nacional Republicana (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 465/83, de 31 de Dezembro). Na verdade, o n.º 1 desse artigo 37º prescrevia: 'não pode continuar no activo, nem na efectividade de serviço, o militar que não convenha ao serviço da Guarda ou que se comprove não possuir qualquer das seguintes condições: a). boas qualidades morais; b). bom comportamento militar e civil; c). espírito militar; d). aptidão técnico-profissional; e). aptidão física e psíquica adequada'. O n.º
2 desse mesmo artigo 37º dispunha: 'o apuramento dos factos que levam à invocação de o militar não convir ao serviço é feito através de processo adequado'. O n.º 5 do mesmo artigo 37º preceituava: 'a decisão de impor ao militar a saída do activo e da efectividade de serviço carece sempre de parecer favorável do Conselho Superior da Guarda [...] e é da competência do comandante-geral, ficando sujeita a homologação ministerial nos casos em que o militar transita de situação'. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 38º citado rezava assim: 'são abatidos definitivamente aos quadros da Guarda, sendo imediatamente transferidos para o ramo das Forças Armadas, conforme a sua procedência, ingressando no escalão que lhes pertencer, os militares que: a). sejam julgados incapazes de todo o serviço e possam transitar para a situação de reforma; b). tenham sofrido a pena acessória de demissão; c). sejam dispensados do serviço da Guarda'. [Cf. ainda o artigo 26º do Estatuto da Praça da Guarda Nacional Republicana (aprovado também pelo referido Decreto-Lei n.º 465/83, de 31 de Dezembro), que determinava que o soldado provisório ou o soldado que, 'durante o curso de formação de praças e o período de instrução complementar', 'não dêem provas de poder vir a ser militar e agente de autoridade disciplinado, competente, digno e respeitado são, mediante proposta fundamentada do comandante da unidade, imediatamente dispensados do serviço'].
A dispensa do serviço implica, assim, que o militar, a quem tal medida for aplicada, tem que deixar a Guarda Nacional Republicana, que o mesmo é dizer o
'exercício efectivo de cargos e funções próprias do posto nos casos e condições previstos'; perde os direitos de militar da Guarda (salvo o direito à pensão de reforma); e é abatido aos quadros. Tal medida é aplicada, com observância de todas as garantias de defesa, em processo próprio de dispensa do serviço ou em processo disciplinar, aos militares da Guarda cujo comportamento 'indicie notórios desvios dos requisitos morais, éticos, técnico-profissionais ou militares que lhe são exigidos pela sua qualidade e função', ou seja, que revelem não possuir 'bom comportamento militar e cívico, espírito militar ou aptidão técnico-profissional'.
Tanto a Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, como o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, concebem a medida de dispensa do serviço como uma medida sem a natureza de sanção disciplinar – recte, como uma medida que a Lei Orgânica qualifica como medida estatutária. Tal resulta do confronto entre a epígrafe do capítulo V do título II da Lei Orgânica (regime penal, disciplinar e estatutário) e os artigos 92º e 94º da mesma lei, e entre os artigos 5º, 74º e 75º do Estatuto. Na verdade, da epígrafe do capítulo V do título II da Lei Orgânica, consta que nele se trata do regime penal, disciplinar e estatutário, mas o artigo 92º - que versa sobre o regime penal e disciplinar – determina que o regime disciplinar aplicável aos militares da Guarda é, embora 'com os ajustamentos adequados às características estruturais deste tipo de tropas', o constante do Regulamento de Disciplina Militar (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 9 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 226/79, de 21 de Julho); e o artigo 94º, esse, regula a dispensa do serviço, que, desse modo, surge como uma medida estatutária, e não como uma sanção disciplinar. Por sua vez, o Estatuto, no seu o artigo 5º, prescreve também que ao militar da Guarda é aplicável o Regulamento de Disciplina Militar, embora 'com os ajustamentos adequados às características estruturais deste corpo militar e constantes dos respectivos diplomas legais'; e, nos artigos 74º e 75º, regula a dispensa do serviço (no artigo 74º, se requerida pelo interessado; no artigo
75º, quando imposta pelo Ministro da Administração Interna, sob proposta do comandante-geral), a qual aparece, assim, como uma medida que não tem a natureza de sanção disciplinar. [Estes artigos 74º e 75º fazem parte do capítulo VI do título I, que está subordinado à rubrica efectivos, situações e quadros].
A sujeição dos militares da Guarda ao regime disciplinar constante do Regulamento de Disciplina Militar tem, naturalmente, a ver com o facto de eles serem 'soldados da lei' que se obrigam 'a manter em todas as circunstâncias um bom comportamento cívico e a proceder com justiça, lealdade, integridade, honestidade e competência profissional, por forma a suscitar a confiança e o respeito da população e a contribuir para o prestígio da Guarda e das instituições democráticas' (cf. artigo 2º do Estatuto). Essa sujeição era, de resto, imposta pela da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei n.º
29/82, de 11 de Dezembro) e pela a Lei n.º 11/89, de 1 de Junho, que estabeleceu as Bases gerais do estatuto da condição militar. Na verdade, a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas preceitua, no artigo
69º, n.º 1, que 'é aplicável aos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes e dos contratados em serviço efectivo na Guarda Nacional Republicana' o disposto nos seus artigos 31º (restrições ao exercício de direitos por militares), 32º (a justiça e a disciplina são reguladas, respectivamente, no Código de Justiça Militar e no Regulamento de Disciplina Militar) e 33º (condiciona o exercício do direito de queixa ao Provedor de Justiça). De sua parte, a Lei n.º 11/89, de 1 de Junho, contendo, como se disse, as bases do estatuto da condição militar, prescreve, no seu artigo 16º, que ela se aplica aos militares da Guarda Nacional Republicana. Resulta do que se disse que, no domínio do artigo 69º, n.º 1, da Lei da Defesa Nacional (Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro), do artigo 16º da Lei n.º 11/89, de
1 de Junho (Bases gerais do estatuto da condição militar), do artigo 92º, n.º 1, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho) e do artigo 5º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana
(Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho), as penas disciplinares aplicáveis aos militares da Guarda eram – embora, como se disse, 'com os ajustamentos adequados
às características estruturais deste corpo de tropas' – as previstas no Regulamento de Disciplina Militar. Ou seja, entre outras, as penas de reserva compulsiva, reforma compulsiva e separação do serviço (cf. artigo 34º).
Vale isto por dizer que, no domínio das normas legais acabadas de indicar, aos militares da Guarda, mediante processo disciplinar, podia ser aplicada a pena de separação do serviço; e podia também aplicar-se-lhes, em processo próprio de dispensa do serviço ou em processo disciplinar, a medida (estatutária) de dispensa do serviço.
Entretanto, porém, foi publicada a Lei n.º 145/99, de 1 de Setembro, que aprovou o Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana. O artigo 2º desta Lei n.º 145/99 veio revogar, a partir da entrada em vigor do dito Regulamento, 'as disposições legais e regulamentares na parte em que prevêem ou determinam a aplicação do Regulamento de Disciplina Militar (RDM) aos militares da Guarda Nacional Republicana'. E o artigo 4º da mesma lei – que veio estabelecer, 'para todos os efeitos legais e regulamentares', 'a correspondência entre as penas previstas no Regulamento de Disciplina Militar e no presente Regulamento de Disciplina' – dispôs, na alínea g) do n.º 1, que 'as penas de reforma compulsiva e de separação do serviço correspondem-se nos dois regimes'. Aos militares da Guarda – a quem, presentemente, são aplicáveis as penas disciplinares de repreensão escrita, repreensão escrita agravada, suspensão, suspensão agravada, reforma compulsiva e separação do serviço (cf. artigo 27º do respectivo Regulamento) – continua, pois, a poder aplicar-se, em processo próprio (com observância de todas as garantias de defesa) ou em processo disciplinar, a medida de dispensa do serviço, que a lei concebe como medida estatutária sem carácter de sanção disciplinar. De facto, como o artigo 2º desta Lei n.º 145/99, de 1 de Setembro, revogou apenas 'as disposições legais e regulamentares na parte em que prevêem ou determinam a aplicação do Regulamento de Disciplina Militar (RDM) aos militares da Guarda Nacional Republicana', mantêm-se em vigor o artigo 94º da Lei Orgânica e os artigos 74º e 75º do Estatuto, que prevêem a aplicação, nos termos atrás indicados, da medida de dispensa do serviço.
Passemos, então, à análise da questão da constitucionalidade das normas em causa.
4. A questão de constitucionalidade:
4.1. O recorrente sustenta que o facto de a medida que lhe foi aplicada
(dispensa do serviço da Guarda Nacional Republicana) 'ter a natureza de sanção estatutária não lhe retira o carácter de pena disciplinar', já que ela
'constitui, tal como a pena disciplinar expulsiva, uma sanção estatutária expulsiva' – o que vale por dizer que não constitui, 'enquanto tal, um género próprio, autónomo e distinto da pena disciplinar' (cf. conclusão 7). As normas legais aqui sub iudicio versam, assim, em seu entender, sobre
'direitos, liberdades e garantias, regime disciplinar e regime da função pública', que se inscrevem na 'reserva relativa de competência da Assembleia da República, como tal consignadas nas alíneas b), d) e v) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição da República Portuguesa'. E, por isso, o Governo só as podia produzir munido de autorização legislativa.
O recorrente diz ainda que a referida medida (a medida de dispensa do serviço) atinge irremediavelmente o seu direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição. E acrescenta que são também violados os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
4.2. Diferente é a tese da entidade recorrida e a do acórdão impugnado. Segundo este aresto, tal medida não tem o carácter, nem a natureza de pena disciplinar. E não o tem, porque, 'ainda que o efeito prático na carreira profissional seja idêntico ao da aplicação de uma pena expulsiva', o que, com a sua aplicação, se procura 'não é sancionar o comportamento do agente', 'mas sim retirar as consequências de uma situação objectiva em que o agente se colocou de deixar de reunir as condições necessárias, nos aspectos ético, moral e de carácter, ao exercício das funções próprias do corpo especial a que pertence'.
4.3. Para decidir as questões de constitucionalidade que os autos colocam, mais do que apurar a real natureza da medida de dispensa do serviço, aplicável aos militares da Guarda Nacional Republicana, (ou seja, mais do que apurar se ela reveste a natureza de sanção disciplinar ou se é uma medida de saneamento de quadros, de carácter meramente estatutário), importa averiguar se é possível aplicá-la sem ser como punição de uma infracção disciplinar. E isto, porque ela constitui, inegavelmente, uma medida sancionatória, pois que implica, para aquele a quem for aplicada, a expulsão da Guarda Nacional Republicana.
4.3.1. Sublinhou-se acima que a lei concebe tal medida como uma medida estatutária sem natureza de sanção disciplinar. No entanto, decisivo para apurar a natureza da medida, não é a qualificação que dela faz o legislador. Decisivo
é, antes, o que ela realmente é.
Pois bem: o Conselho da Revolução – que, à data, era o 'órgão político e legislativo em matéria militar' (cf. o artigo 142º da Constituição, na sua versão inicial) – editou, em dado momento, o Decreto-Lei n.º 203/78, de 24 de Julho, 'firmando a interpretação autêntica a dar aos [...] preceitos' que, no Regulamento de Disciplina Militar, definem as atribuições dos conselhos superiores de disciplina (cf. o respectivo preâmbulo). No artigo 2º, n.º 1, deste Decreto-Lei n.º 203/78, de 24 de Julho, dispôs-se que
'a apreciação da capacidade profissional ou moral de militares pelos conselhos de disciplina, prevista na segunda parte do n.º 2 do artigo 34º e nas alíneas c) e d) do artigo 134º do citado Regulamento, é independente de quaisquer processos disciplinares ou criminais respeitantes à actuação dos mesmos militares, e não é prejudicada pela extinção do procedimento disciplinar ou criminal, excepto no caso de morte'. A Comissão Constitucional foi chamada a apreciar a constitucionalidade desse Decreto-Lei n.º 203/78, de 24 de Julho. Debruçou-se, então, sobre a natureza jurídica de uma medida que é idêntica à de dispensa do serviço, aqui sub iudicio. Tratou-se da medida de separação do serviço, prevista na segunda parte do n.º 2 do artigo 34º do Regulamento de Disciplina Militar, aplicável aos militares das Forças Armadas como sanção de natureza não disciplinar.
A Comissão Constitucional assentou em que as 'chamadas medidas de natureza estatutária (sanções estatutárias ou sanções de estado)' 'são proferidas à margem e independentemente de procedimento disciplinar'. Acrescentou que – por força do disposto no artigo 34º, n.º 2, do Regulamento de Disciplina Militar, que prescreve que 'as penas de reserva compulsiva, reforma compulsiva e separação do serviço só poderão ser aplicadas em processo disciplinar após a apreciação dos conselhos superiores de disciplina respectivos, ou quando resultem da apreciação da capacidade profissional e moral dos elementos das forças armadas que não revelem as qualidades essenciais para o exercício das suas funções militares, nos termos do artigo 134º'; e por força, bem assim, do preceituado no artigo 134º do mesmo Regulamento, que, no n.º 1, estabelece que,
'na deliberação que proferir, o conselho discriminará os factos cuja acusação julgou procedente, a sua qualificação como ilícito, concluindo pela sujeição do arguido à medida disciplinar que no seu prudente arbítrio entender; e que, no n.º 2, determina que 'poderá igualmente o conselho pronunciar-se pela passagem compulsiva do arguido às situações de reserva, de reforma ou pela separação de serviço, conforme se revele incompatível a sua permanência na efectividade de serviço ou nas fileiras' – a separação do serviço (tal como a reserva compulsiva e a reforma compulsiva) é, de umas vezes, aplicada como pena disciplinar, e, de outras, como sanção de diversa natureza. Sublinhou a 'natureza autónoma das medidas estatutárias, com fundamentos e fins diversos dos das penas disciplinares ou criminais'. E concluiu que a medida de separação do serviço, cuja aplicação os conselhos de disciplina podem propor nos termos dos citados artigos 34º, n.º 2, parte final, e 134º, n.º 2, tendo embora o mesmo nome da pena disciplinar de separação do serviço, tem, contudo, natureza diferente (ou seja: não é sanção disciplinar, mas estatutária), sendo por isso que ela pode ser aplicada, ainda que o procedimento disciplinar ou criminal se tenha extinguido, outro tanto acontecendo com a reserva compulsiva e com a reforma compulsiva [cf. o parecer n.º 32/79, de 6 de Novembro de 1979 (publicado nos Pareceres da Comissão Constitucional, 10º volume, páginas 81 e seguintes)]. No mesmo sentido se tinha, aliás, pronunciado a Procuradoria-Geral da República, embora com duas vozes discordantes: as dos vogais TAVARES DA COSTA e FERREIRA VIDIGAL [cf. o parecer n.º 54/79, de 19 de Outubro de 1979 (publicado no Diário da República, II série, de 26 de Março de 1980)]. Nesse parecer, a Procuradoria-Geral da República, depois de anotar que, no anterior Regulamento de Disciplina Militar (aprovado pelo Decreto n.º 16.963, de
15 de Junho de 1929), as medidas de reforma compulsiva, reserva compulsiva e separação do serviço não constituíam penas disciplinares, tendo antes 'natureza estritamente estatutária proferidas à margem e independentemente de procedimento disciplinar', sublinhou que o actual Regulamento 'inovou, ao configurar a reserva compulsiva, a reforma compulsiva e a separação do serviço como penas, aplicáveis qua tale a factos de ilicitude disciplinar. Por outro lado, manteve a possibilidade de os conselhos superiores de disciplina se pronunciarem quanto à aplicação administrativa de medidas de idêntico conteúdo, em resultado de apreciação sobre a capacidade profissional ou moral de militares'. E, mais adiante, o parecer precisou que a reserva compulsiva, a reforma compulsiva e a separação do serviço, enquanto sanções de corpo ou estatutárias (isto é, enquanto sanções não disciplinares), 'traduzem menos a ideia de sanção que a ruptura de vínculo entre o serviço e o militar, por se haver concluído pela impossibilidade de cumprimento dos deveres funcionais. Diferentemente do que sucede no ilícito disciplinar, os factos só interessam, aqui, enquanto possam indiciar aquela ruptura'.
Na Comissão Constitucional, também não foi unânime o entendimento de que, no Regulamento de Disciplina Militar, as medidas de reforma compulsiva, de reserva compulsiva e de separação do serviço eram, de umas vezes, penas disciplinares, e, de outras, sanções de natureza diversa (recte, sanções estatutárias, sem carácter disciplinar). Desse entendimento discordaram os vogais JORGE CAMPINOS e LUÍS NUNES DE ALMEIDA. O Conselheiro LUÍS NUNES DE ALMEIDA – depois de acentuar que 'o que caracteriza uma sanção como estatutária não é o tipo de infracção que ela visa punir, nem o processo conducente à respectiva aplicação, nem a entidade que a pode aplicar'; e que «o que permite caracterizar uma certa sanção como sanção estatutária é o facto de ela [...] 'afectar a situação jurídica' do agente, 'atingindo-o como tal'; isto é, uma certa sanção é sempre uma sanção estatutária desde que afecte o estatuto profissional do agente, desde que o atinja 'na sua carreira profissional ou situação funcional, modificando-as em seu prejuízo'» – sublinhou que 'as penas de reserva compulsiva, de reforma compulsiva e de separação do serviço são sempre [...] sanções estatutárias', mas que isso 'de forma alguma lhes retira o carácter de pena disciplinar'. Acrescentou: 'o que acontece é que entre as penas disciplinares previstas no Regulamento de Disciplina Militar se encontram penas morais, como a repreensão e a repreensão agravada; penas restritivas da liberdade, como a prisão disciplinar e a prisão disciplinar agravada; e penas estatutárias ou profissionais, como as já várias vezes referidas e, ainda, a pena de inactividade'. E – depois de precisar que 'as penas de reserva compulsiva, reforma compulsiva e de separação do serviço, como sanções estatutárias de carácter expulsivo que na realidade são, assumem uma extraordinária gravidade' – concluiu que 'não é minimamente aceitável a tese segundo a qual a apreciação da capacidade profissional e moral é independente de procedimento disciplinar e da existência de infracção disciplinar'; que 'mais inaceitável ainda se revela aceitar que possa haver casos em que a incapacidade moral ou profissional não assente numa infracção disciplinar'; e que 'os factos susceptíveis, de acordo com o Regulamento de Disciplina Militar, de justificar a apreciação da capacidade moral ou profissional devem ter a natureza de um ilícito disciplinar e a decisão final é uma verdadeira decisão em matéria disciplinar, sendo a incapacidade moral ou profissional objecto de uma punição disciplinar, com todas as consequências daí resultantes', como a Comissão já tinha, aliás, decidido no parecer n.º 18/77 (publicado nos Pareceres citados, 2º volume, página115 e seguintes).
Abre-se aqui um parêntesis para recordar algo que se disse atrás: existe identidade entre a medida de separação do serviço, aplicável aos militares das Forças Armadas, e a de dispensa do serviço, aplicável aos militares da Guarda Nacional Republicana. Esclarece-se, agora, que essa identidade resulta evidente, quando se tenha presente que a medida de separação do serviço 'consiste no afastamento de um militar do exercício das suas funções, com perda da sua qualidade de militar, ficando privado do uso de uniforme, distintivos ou insígnias militares, com a pensão de reforma que lhe couber' (cf. artigo 32º do Regulamento de Disciplina Militar); e que a medida de dispensa do serviço implica, justamente, como se viu acima, que o militar, a quem seja aplicada, tem que deixar a Guarda Nacional Republicana, que o mesmo é dizer o 'exercício efectivo de cargos e funções próprias do posto nos casos e condições previstos'; perde os direitos de militar da Guarda (salvo o direito à pensão de reforma); e é abatido aos quadros. A identidade entre as duas medidas evidencia-se também, se se tiver em conta que a medida de separação do serviço pode ser aplicada 'quando resulte da apreciação da capacidade profissional e moral dos elementos das forças armadas que não revelem as qualidades essenciais para o exercício das suas funções militares'
(cf. artigo 34º, n.º 2, do Regulamento de Disciplina Militar), ou seja, quando
'se revele incompatível a sua permanência [...] nas fileiras' (cf. artigo 134º, n.º 2 do mesmo Regulamento); e que a medida de dispensa do serviço pode ser aplicada aos militares da Guarda Nacional Republicana, cujo comportamento
'indicie notórios desvios dos requisitos morais, éticos, técnico-profissionais ou militares que lhe são exigidos pela sua qualidade e função' (cf. artigo 94º, n.º 2, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana), ou seja, que revelem não possuir 'bom comportamento militar e cívico, espírito militar ou aptidão técnico-profissional'(cf. 75º, n.º 1, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana).
4.3.2. Prosseguindo, deve, então, concluir-se que, semelhantemente ao que acontece com a sanção de separação do serviço (aplicável aos militares das Forças Armadas), a sanção de dispensa do serviço (aplicável aos militares da Guarda Nacional Republicana), é uma sanção estatutária, ou seja, uma sanção que atinge o militar na sua carreira profissional. Esse facto (ou seja, o facto de a dispensa do serviço ser uma sanção estatutária) não permite, porém, que ela seja aplicada sem ser para punir uma infracção disciplinar: é que, como o militar que a sofre tem que deixar a Guarda Nacional Republicana; perde os direitos inerentes a essa qualidade de militar, com excepção do direito à pensão de reforma; e é abatido aos quadros respectivos; seria inadmissível que essa sanção pudesse ser aplicada independentemente da existência de infracção disciplinar. Inadmissível, não tanto pelo facto de a lei permitir a sua aplicação sem ser em processo disciplinar (pois ela sempre tem que ser aplicada em processo próprio, com observância de todas as garantias de defesa), mas sobretudo porque é inaceitável que possa concluir-se que o comportamento do militar indicia 'notórios desvios dos requisitos morais, éticos, técnico-profissionais ou militares que lhe são exigidos pela sua qualidade e função' (ou seja, que o militar revela não possuir
'bom comportamento militar e cívico, espírito militar ou aptidão técnico-profissional') – e concluir-se em termos de justificar a aplicação de uma sanção que afecta tão gravemente o seu estatuto profissional – sem, previamente, se fazer prova de que ele praticou uma infracção disciplinar muito grave. Na verdade, a pena de separação do serviço, prevista na alínea f) do artigo 28º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana – que, recorda-se,
'consiste no afastamento definitivo da Guarda, com extinção do vínculo funcional
à mesma e a perda da qualidade de militar, ficando interdito o uso de uniforme, distintivos e insígnias militares, sem prejuízo do direito à pensão de reforma'
– só pode ser aplicada pela prática de infracções disciplinares muito graves
[cf. artigo 42º, n.º 1, alínea c), do mesmo Regulamento], ou seja, por
'comportamentos dos militares da Guarda, violadores dos deveres a que se encontram adstritos, cometidos com elevado grau de culpa e de que resultem avultados danos ou prejuízos para o serviço ou para as pessoas, pondo gravemente em causa o prestígio e o bom nome da instituição, dessa forma inviabilizando a manutenção da relação funcional' (cf. o n.º 1 do artigo 21º do mesmo Regulamento), como são, a título de exemplo, 'usar de poderes de autoridade não conferidos por lei ou abusar dos poderes inerentes às suas funções [...]';
'agredir, injuriar ou desrespeitar gravemente qualquer militar da Guarda ou terceiro, em local de serviço ou em público'; 'praticar, no exercício das suas funções ou fora delas, crime doloso, punível com pena de prisão superior a três anos, que revele ser o militar incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício das função'; 'encobrir criminosos ou ministrar-lhes auxílio ilegítimo'; 'atentar gravemente contra a ordem, a disciplina, a imagem e o prestígio da instituição'; 'revelar, sem autorização, dados relativos à actividade da Guarda, classificados com grau de reservado ou superior, ou, em geral, matérias que constituam segredo de Estado, de justiça ou profissional';
'inobservar as normas de segurança ou deveres funcionais, com grave prejuízo da actividade operacional da Guarda e dos bens e missões que lhe estão confiados'
(cf. as várias alíneas do n.º 2 do mesmo artigo 21º). Ora, a sanção de dispensa do serviço, que aqui está a ser analisada, quanto aos efeitos que produz no estatuto profissional do militar da Guarda – e estes são os que verdadeiramente relevam, e não propriamente a finalidade tida em vista pela Administração ao aplicá-la – tem, como se viu, conteúdo idêntico, se não mesmo igual, ao da pena disciplinar de separação do serviço, aplicável a esse mesmo militar. Dizer isto é concluir pela improcedência do argumento (utilizado pelo acórdão recorrido para decidir pela não inconstitucionalidade) de que, com a aplicação de tal medida, se não procura 'sancionar o comportamento do agente', 'mas sim retirar as consequências de uma situação objectiva', consistente em que o agente deixou 'de reunir as condições necessárias, nos aspectos ético, moral e de carácter, ao exercício das funções próprias do corpo especial a que pertence', o que – acrescenta o mesmo aresto – justifica que ela se aplique independentemente do cometimento de uma infracção disciplinar, pois se trata de uma medida de saneamento dos quadros, que é admissível no domínio das denominadas relações especiais de poder (cf. também o citado parecer da Procuradoria-Geral da República).
4.3.3. As normas sub iudicio, o princípio da proporcionalidade e o direito à segurança no emprego: Admitir a aplicação da sanção de dispensa do serviço sem ser para punir uma infracção disciplinar muito grave, mas apenas para sanear os quadros da Guarda Nacional Republicana, expulsando os militares que, do ponto de vista do seu comandante-geral – ponto de vista homologado pelo Ministro da Administração Interna, após audição do Conselho Superior da Guarda – não reunam 'as condições necessárias, nos aspectos ético, moral e de carácter, ao exercício das funções próprias do corpo especial a que pertencem', é esquecer que os direitos fundamentais dos cidadãos, cujo núcleo essencial é intocável, se encontram sob reserva da Constituição e que, por isso, só com autorização constitucional podem ser restringidos (cf. artigo 18º), o que, desde logo, significa que, sejam quais forem as implicações que, nos quadros do Estado de Direito, possa ter o facto de alguém se encontrar numa situação que possa qualificar-se como relação especial de poder, elas nunca podem ir ao ponto de legitimar, ratione constitutionis, uma lei que permita que, independentemente do cometimento de uma infracção disciplinar muito grave, se expulse da Guarda Nacional Republicana um militar que, aos olhos do seu comandante-geral, dê provas de 'notórios desvios dos requisitos morais, éticos, técnico-profissionais ou militares que lhe são exigidos pela sua qualidade e função'. Nos quadros do Estado de Direito, o facto de alguém se encontrar numa situação de especial proximidade em relação à Administração não significa que fique colocado em estado de sujeição, em termos de, para ele, deixarem de valer as garantias constitucionais e legais. A sanção de dispensa do serviço, quando possa ser aplicada sem ser para punir uma infracção disciplinar muito grave, não pode, pois, encontrar credencial em qualquer preceito constitucional. Designadamente, não a encontra no artigo 270º da Constituição – que foi introduzido pela revisão constitucional de 1982, tendo a revisão de 1997 acrescentado o inciso 'bem como por agentes dos serviços e forças de segurança – o qual, presentemente, prescreve que 'a lei pode estabelecer restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, bem como por agentes dos serviços e forças de segurança, na estrita medida das exigências das suas funções próprias' [Sobre o sentido e alcance deste artigo 270º, na versão de 1982, cf. o acórdão n.º 103/87 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 9º, páginas 975 e seguintes)]. Na verdade, a sanção de dispensa do serviço, importando a expulsão do visado da Guarda Nacional Republicana, fazendo-o perder o emprego, o que, desde logo, põe em causa é o direito ao lugar – não, obviamente, na sua vertente de ius ad officium, mas na de ius in officio (ou seja, a segurança no emprego) –, e não qualquer dos direitos que o artigo 270º autoriza seja restringido. Ao que acresce que a sua aplicação (a aplicação da medida de dispensa do serviço) nas condições apontadas (ou seja, sem se requerer a prova da prática de uma infracção disciplinar muito grave) não cumpre a exigência de que toda a restrição se deve limitar 'ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente previstos' (cf. artigo 18º, n.º 2, da Constituição).
Há-de, pois, convir-se que as normas legais aqui sub iudicio, ao permitirem a aplicação da medida de dispensa do serviço independentemente do cometimento de uma infracção disciplinar que a justifique e sem ser em processo disciplinar, são inconstitucionais: antes de mais, porque violam o princípio da proibição do excesso e, desse modo, o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo
53º da Constituição, que dispõe que 'é garantido aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos'. Esta garantia – que vale, naturalmente também para os militares da Guarda Nacional Republicana [sobre a aplicação da garantia da segurança no emprego aos trabalhadores da Administração Pública – e isso são os militares da Guarda Nacional Republicana – cf. os acórdão nºs 154/86 e 285/92 (publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volumes 7º, tomo I, páginas 185 e seguintes, e volume 22º, páginas 159)] – significa, pelo menos, que eles não podem ser expulsos das fileiras, salvo apurando-se, em processo próprio, com observância das garantias de defesa, que cometeram infracção disciplinar de gravidade tal que torne impossível a sua manutenção ao serviço e a sua pertença
à corporação.
4.3.4. Contra a conclusão a que acaba de chegar-se, dir-se-á que, em direitas contas, ao aplicar-se a medida de dispensa de serviço, mais não se faz do que punir uma infracção disciplinar, pois – dispõe o nº 3 do artigo 75º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana – a sua aplicação pressupõe 'o apuramento de factos que levam à invocação da falta de condições referidas no número anterior'; e que tal se faz em processo disciplinar especial, que isso é o 'processo próprio de dispensa de serviço', que decorre 'com observância de todas as garantias de defesa' (cf. o nº 2 do artigo 94º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana).
Pois bem: como decorre do que se disse atrás (cf. supra, 4.3.2), não se contesta que o 'processo próprio de dispensa de serviço' cumpra as funções do processo disciplinar – e que, assim, possa ser visto como um processo disciplinar especial. Há-de convir-se, no entanto, que, ao mandar aplicar a medida de dispensa de serviço a 'factos que levam à invocação da falta' de 'bom comportamento moral e cívico', de 'espírito militar' ou de 'aptidão técnico-profissional' (cf. os nºs
1 e 2, do citado artigo 75º) – é dizer: que levam à conclusão de que 'o comportamento do militar' indicia 'notórios desvios dos requisitos morais,
éticos, técnico-profissionais ou militares que lhe são exigidos pela sua qualidade e função' (cf. o nº 2 do mencionado artigo 94º) -, as normas sub iudicio não cumprem aquele mínimo de determinabilidade que é de exigir a normas legais que prevejam a aplicação de penas disciplinares expulsivas. E, desse modo, tais normas violam o princípio que se extrai das disposições conjugadas dos artigos 2º, 18º, nº 2, 29º, nº 1, 47º, 53º e 266º da Constituição, que o acórdão nº 666/94 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 29º, página 349) enunciou como segue: 'as normas de direito disciplinar que prevejam medidas expulsivas [...] têm que conter um grau de precisão tal que permita identificar o tipo de comportamentos a que elas podem aplicar-se'. Nesse acórdão nº 666/94, o Tribunal recordou a jurisprudência da Comissão Constitucional sobre a matéria e citou o acórdão nº 282/86, no qual se sublinhara que, 'quando as penas envolvidas implicarem a privação ou restrição de um direito fundamental', 'as regras constitucionais que condicionam e limitam tais restrições – designadamente o princípio da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2) – implicam que tais penas só sejam previstas para situações que justifiquem a sua gravidade'. E, depois de referir que a regra da tipicidade das infracções só vale, qua tale, no domínio do direito penal, pois as suas exigências fazem-se sentir em menor grau no domínio do direito disciplinar, em que as infracções não têm que ser inteiramente tipificadas, acrescentou o aresto: Simplesmente, num Estado de Direito, nunca os cidadãos (cidadãos-funcionários incluídos) podem ficar à mercê de puros actos de poder. Por isso, quando se trate de prever penas disciplinares expulsivas – penas, cuja aplicação vai afectar o direito ao exercício de uma profissão ou de um cargo político
(garantidos pelo artigo 47º, nºs 1 e 2) ou a segurança no emprego (protegida pelo artigo 53º) -, as normas legais têm que conter um mínimo de determinabilidade. Ou seja: hão-de revestir um grau de precisão tal que permita identificar o tipo de comportamentos capazes de induzir a inflicção dessa espécie de penas – o que se torna evidente, se se ponderar que, por força dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, elas só deverão aplicar-se às condutas cuja gravidade o justifique (cf. o artigo 18º, nº 2, da Constituição). No Estado de Direito, as normas punitivas de direito disciplinar que prevejam penas expulsivas têm de cumprir uma função de garantia. Têm, por isso, que ser normas delimitadoras.
É que a segurança dos cidadãos (e a correspondente confiança deles na ordem jurídica) é um valor essencial no Estado de Direito, que gira em torno da dignidade da pessoa humana – pessoa que é o princípio e o fim do poder e das instituições (artigos 2º e 266º, nºs 1 e 2, da Constituição).
As normas sub iudicio, mandando aplicar a medida de dispensa de serviço a comportamentos que indiciem 'notórios desvios dos requisitos morais, éticos, técnico-profissionais ou militares que lhe são exigidos pela sua qualidade e função' (artigo 94º, nº 2) – é dizer: a factos que levem 'à invocação de falta' de 'bom comportamento militar e cívico', de 'espírito militar' ou de 'aptidão técnico-profissional' – não fornecem, pois, à entidade com competência para aplicar tal medida 'um critério de decisão que lhe permita agir com segurança no momento de avaliar este ou aquele comportamento desviante', do mesmo modo que
'não possibilitam, em termos razoáveis, o controlo judicial das decisões assim tomadas – o que tudo significa que não defendem os seus destinatários contra o arbítrio' (as palavras são do citado acórdão nº 666/94). Não cumprindo tais normas, em termos razoáveis, a função de garantia, elas são inconstitucionais, por violação do princípio que atrás se indicou.
4.3.5. As normas sub iudicio e o princípio da igualdade: A violação do princípio da igualdade não a imputa o recorrente às normas aqui sub iudicio. Imputa-a, isso sim, à própria decisão de se lhe aplicar a medida de dispensa do serviço e ao processo de decisão adoptado. De facto, ele sustenta que tal princípio foi violado, 'porque o processo de dispensa de serviço [...] seguido e a medida de dispensa de serviço [...] aplicada resulta manifestamente excepcional e a sanção desigual e desproporcionada em relação comparada às aplicadas (penas de inactividade, suspensão e até prisão disciplinar) em abundantes e variados outros casos, públicos e notórios, a membros das forças de segurança Guarda Nacional Republicana e Polícia de Segurança Pública que cometeram ilícitos de muito maior gravidade'. Este Tribunal, sendo competente apenas para o conhecimento de inconstitucionalidades normativas, não pode, obviamente, sindicar eventuais violações do princípio da igualdade do tipo apontado.
4.3.6. As normas sub iudicio e a reserva parlamentar: Tendo-se concluído pela inconstitucionalidade material das normas sub iudicio, desnecessário se torna ir apurar se, ao editá-las, o Governo invadiu a reserva parlamentar.
4.3.7. Em conclusão: as normas aqui sub iudicio – ou seja: a norma constante do artigo 94º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho (com excepção do seu n.º 3 e do segmento do n.º 1 referente à dispensa do serviço a pedido do militar), e a que consta do artigo 75º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho), com excepção das alíneas b) e c) do seu n.º 1 – são inconstitucionais: elas violam o princípio que se extrai dos artigos 2º, 18º, nº 2, 29º, nº 1, 47º, 53º e 266º da Constituição.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). julgar inconstitucionais – por violação do princípio que se extrai dos artigos 2º, 18º, nº 2, 29º, nº 1, 47º, 53º e 266º da Constituição – a norma constante do artigo 94º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho (com excepção do seu n.º 3 e do segmento do n.º 1 referente à dispensa do serviço a pedido do militar), e a que consta do artigo 75º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana
(aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho), com excepção das alíneas b) e c) do seu n.º 1;
(b). conceder provimento ao recurso; e, em consequência, revogar o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade, a fim de ser reformado em conformidade com o aqui se decidiu sobre essa questão.
Lisboa, 13 de Março 2001 Messias Bento Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração de voto junta) Luis Nunes de Almeida (vencido, nos termos do decidido nos Acórdãos nº 504/00 e nº 26/01) Voto de vencida
1. Votei vencida, em síntese, porque entendi não violar a Constituição – e designadamente a garantia de segurança no emprego, os princípios constitucionais aplicáveis ao direito sancionatório público, ou o princípio da proporcionalidade – a possibilidade de o militar da GNR ser dispensado do serviço, mediante a comprovação da prática de factos que indiciem
'notórios desvios dos requisitos morais, éticos, técnico-profissionais ou militares que lhe são exigidos pela sua qualidade e função' (nº 2 do artigo 94º da Lei Orgânica da GNR, aprovada pelo Decreto-lei nº 231/93, de 26 de Junho), mediante a 'instauração de processo próprio com observância de todas as garantias de defesa' (cfr. a mesma disposição), por 'iniciativa do comandante-geral, ouvido o Conselho Superior da Guarda, competindo a decisão final ao Ministro da Administração Interna' (nº 4), sujeita a recurso, nos termos da lei (nº 5), e sem prejuízo da 'pensão de reforma que lhe couber' (nº
2).
É de subscrever o que se afirmou no acórdão nº 504/00 do Tribunal Constitucional (cfr. também o acórdão nº 505/00):
'Na verdade, como aliás se escreveu no acórdão sub iudicio, o militar da Guarda Nacional Republicana só será abatido aos respectivos quadros após se ter concluído, em processo próprio, que não reúne as condições essenciais para o exercício das respectivas funções, sendo que, pela natureza das suas atribuições e pelo modelo de organização daquele corpo especial de tropas, são de exigir dos seus militares condições especiais de permanente aptidão física, psíquica e psicológica, comportamentos pautados por estritos rigores éticos de coesão interna e acentuado espírito de disciplina, condições e comportamentos estes que, a não serem seguidos, são justificativos da não manutenção efectiva da acima indicada «relação laboral».
Não poderá, desta sorte, equiparar-se a medida de dispensa de serviço a um caso de despedimento sem justa causa.
A exigência de uma causa adequada à cessação da efectiva «relação laboral» e a exigência de um processo que assegure plenamente garantias de defesa em relação ao militar está amplamente consagrada nas normas em apreciação.'
Pelo que toca à questão da não observância do 'mínimo de determinabilidade' que seria de exigir à norma legal em apreciação, importa ter presente que não pode efectuar-se uma leitura isolada do nº 2 do artigo 94º, como se tal preceito não devesse conjugar-se com as normas que, no Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, estabelecem os deveres fundamentais dos respectivos militares (cfr., em particular, a al. m) do seu artigo 14º). Lembre-se, aliás, que o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local permite a aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva perante 'infracções que inviabilizarem a manutenção da relação funcional' (nº 1 do artigo 26º), 'em caso de comprovada incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções' (nº 3 do artigo 26º).
Por último, estando em causa, no caso em apreciação, a prática, não contestada pelo recorrente, de um comportamento de cuja gravidade não pode duvidar-se – a entrega na sua unidade de um certificado de habilitações falso, para que o mesmo fosse averbado no seu processo individual, e por cuja obtenção pagou a quantia de setenta mil escudos –, não pode também entender-se que a interpretação feita pelo Tribunal recorrido da disposição legal impugnada seja merecedora de qualquer censura constitucional.
2. Não votaria, igualmente, a inconstitucionalidade orgânica das normas em questão pelos motivos constantes dos citados acórdãos nº 504/00 e
505/00. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza