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Processo n.º 435/10
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, veio o Ministério Público interpor recurso, ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), do acórdão datado de 10 de fevereiro de 2010, que recusou a aplicação das normas do artigo 67.º, n.os 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, com fundamento na sua inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 13.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, designada por CRP).
2. A decisão recorrida considerou procedente a tese dos aqui recorridos – na parte que se mostra pertinente para apreciação do presente recurso – que propugnava pela não aplicação das normas do artigo 67.º, n.os 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, com base na sua inconstitucionalidade material.
Os recorridos instauraram a presente ação administrativa, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, que procedeu à reestruturação da carreira dos trabalhadores da Administração Fiscal, pretendendo obter a condenação do Ministério das Finanças a praticar as condutas necessárias para o restabelecimento dos seus direitos, que referem violados por força de tal alteração legislativa.
Alegam que detinham a categoria de perito de fiscalização tributária de 2.ª classe e que tinham sido opositores ao concurso de mudança de categoria para perito de fiscalização de 1.ª classe, tendo sido aprovados no mesmo. Estavam posicionados, na escala salarial anexa ao Decreto-Lei n.º 187/90 de 7 de junho, no escalão 4, índice 660.
Em virtude da reestruturação ocorrida com o Decreto-Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, passaram a integrar a categoria de inspetor tributário de nível 2, desde 1 de janeiro de 2000, tendo sido posicionados no escalão 2, índice 690 da nova escala remuneratória, constante do anexo V do aludido diploma legislativo, mas sendo remunerados apenas pelo índice 680, atenta a limitação constante do n.º 5 do artigo 67.º desse Decreto-Lei (que determinou a impossibilidade de impulso salarial superior a 20 pontos indiciários, durante o período de um ano subsequente à entrada em vigor do diploma respetivo, nas transições decorrentes do mesmo).
Em abril de 2000, por força do disposto no artigo 67.º, n.º 3 do referido Decreto-Lei n.º 557/99, foram posicionados no escalão 5, índice 690 da anterior escala salarial, anexa ao aludido Decreto-Lei n.º 187/90 – índice para o qual progrediriam, caso não tivesse ocorrido a reestruturação - mantendo-se nessa situação até janeiro de 2003, altura em que foram posicionados no escalão 3, índice 720 da tabela constante do anexo V do aludido Decreto-Lei n.º 557/99.
Ao invés, colegas seus, que detinham a categoria de perito de fiscalização tributária de 2.ª classe, estando posicionados no escalão 3, índice 650 da anterior escala salarial (anexa ao Decreto-Lei n.º 187/90 de 7 de junho), foram posicionados, por força do disposto no n.º 1 do artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 557/99, no escalão 4, índice 655 da nova escala salarial, correspondente à categoria de inspetor tributário, nível 1. Em virtude do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do mencionado diploma, porque o impulso salarial foi inferior a 10 pontos, o tempo de permanência no escalão de origem contou para efeitos de progressão, determinando o posicionamento no escalão 4, índice 695 da nova escala salarial. Por força do disposto no n.º 5 do artigo 67.º, os colegas dos recorridos passaram a auferir remuneração por tal índice, desde novembro de 2001.
Assim, desde novembro de 2001, os aludidos colegas dos recorridos, integrados na categoria de inspetor tributário, de nível 1 – inferior ao dos recorridos, que ocupavam o nível 2 - auferiram remuneração pelo índice 695, enquanto que os recorridos auferiram remuneração, até janeiro de 2003, pelo índice 690.
Em 2003, foi aberto concurso para mudança do nível 1 para o nível 2 da categoria de inspetor tributário, tendo os opositores ao referido concurso, que foram aprovados, transitado para o nível 2, sendo posicionados, com efeitos a partir de janeiro de 2004, no escalão 3, índice 720, da categoria de inspetor tributário de nível 2, ou seja, na mesma posição dos recorridos e exatamente no mesmo índice, apesar da diferença de antiguidade.
Não se conformando com a situação exposta, por não vislumbrarem qualquer razão materialmente justificativa da desigualdade de tratamento exposta, vieram os ora recorridos suscitar a questão da inconstitucionalidade das normas dos n.os 2 e 3 do artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e do princípio consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da mesma Lei Fundamental.
O Tribunal Administrativo e Fiscal julgou procedente tal arguição de inconstitucionalidade material, recusando, em consequência a aplicação das referidas normas transitórias dos n.os 2 e 3 do artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro.
É dessa decisão que o Ministério Público interpõe o presente recurso.
3. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou alegações, onde conclui, nos termos seguintes:
“1º
São inconstitucionais, por violação do artigo 59.º, nº 1, alínea a), da Constituição, enquanto corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, as normas contidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 67.º do Decreto-Lei nº 557/99, de 17 de dezembro, na interpretação segundo a qual, do seu confronto decorre que, por mero efeito da reestruturação de carreiras, funcionários com a mesma categoria de origem, exercendo funções no mesmo serviço público, que tenham transitado ou sejam promovidos a uma mesma categoria, passem a auferir remunerações diferentes, por efeito, apenas, do momento em que ocorreu a transição ou promoção, sendo, aliás, os funcionários com menor antiguidade na mesma categoria e na carreira que passam a auferir remuneração superior.
2º
Termos em que deverá improceder o presente recurso, confirmando-se, assim, a decisão recorrida.”
4. Os recorridos igualmente apresentaram alegações, concluindo da seguinte forma:
“A) O presente recurso, de caráter obrigatório, foi interposto pelo Ministério Público, ao abrigo do n.º 3 do artigo 72.º da LOFPTC, da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no âmbito do Processo 1562/04.9BEPRT, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa especial intentada pelos ora Recorridos e, em consequência, recusou a aplicação das normas constantes nos n.OS 2 e 3 do artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 557/88, de 17 de dezembro, com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do disposto no disposto nos artigos 13.º e na alínea a) n.º 1 do artigo 59.º, todos da CRP, tendo, de resto, o Ilustre Procurador concordado com o sentido decisório da decisão recorrida
B) Os recorridos concordam integralmente com o sentido decisório constante da decisão recorrida, na parte em que conclui pela inconstitucionalidade nas normas constantes dos n.os 2 e 3 do artigo 67.° do Decreto-Lei n.° 557/88, de 17 de dezembro, por violação do disposto no disposto nos artigos 13.° e na alínea a) n.° 1 do artigo 59.°da CRP e, bem assim, com as alegações apresentadas pelo Ilustre Procurador do Ministério Público, na medida em que vão de encontro à referida decisão.
C) O Ministério Público, apesar de concordar, quanto a esta matéria, com o sentido decisório da Sentença recorrida, interpôs o presente Recurso, por considerar que o mesmo era obrigatório, nos termos do n.° 3 do artigo 72.° da LOFPTC.
D) Salvaguardando-se o devido respeito por melhor opinião, os Recorridos consideram que o caso sub iudice se subsume à exceção prevista no n.° 4 do artigo 72.° da LOFPTC, na medida em que, tal como indicado pelo Ministério Público, parece que a presente questão já foi decidida, pelo menos 5 vezes por este Colendo Tribunal, embora em relação à categoria de ‘chefia tributária”, sendo que, de todas essas decisões se concluiu pela Inconstitucionalidade do artigo 67.° do Decreto-Lei n.° 557/99, quando interpretada no sentido de permitir que funcionários com maior antiguidade e experiência aufiram rendimentos menores do que funcionários com menor antiguidade e experiência no cargo que ocupam, por violação do princípio da igualdade, mais concretamente por violação dos artigos 13.° e alínea a) do n.° 1 do artigo 59.° da CRP.
E) Da aplicação das normas transitórias constantes dos n.os 2 e 3 do artigo 67.° do Decreto-Lei n.° 557/99, de 17 de dezembro, que procedeu à reestruturação das carreiras dos funcionários da Direção-Geral das Contribuições e dos Impostos (DGCI), resultou um tratamento arbitrário e injustificado dos funcionários que, no dia 31.12.1999, ocupavam a categoria de peritos de fiscalização tributária de 1.ª classe e que transitaram, por via da alínea b) do n.° 1 do artigo 53.° do Decreto-lei n.° 557/99, e desde 01.01.2000, para categoria de Inspetor Tributário (adiante designada de IT) de nível 2, em relação aos funcionários que, no dia 31.12.1999, ocupavam a categoria de peritos de fiscalização tributária de 2.ª classe e que transitaram por via da alínea b) do n.° 1 do mesmo artigo para a categoria inferior de IT de nível 1, em detrimento e em prejuízo dos primeiramente referidos.
F) Com efeito, à data dos factos os Recorridos pertenciam ao primeiro grupo de funcionários que passou a integrar a categoria de IT de nível 2 e que, por via da aplicação das normas em apreço e pela interpretação propugnada pela Administração Fiscal, constataram que:
(i) Durante o período de novembro de 2001 até janeiro de 2003, os seus colegas de nível/categoria inferior — IT nível 1 — auferiram rendimentos pelo índice remuneratório SUPERIOR de 695, por aplicação da nova escala salarial constante do anexo V do Decreto-Lei n,° 557/99, enquanto que os ora Recorridos, de nível/categoria superior — IT nível 2 — viram o seu rendimento ficar pelo o índice remuneratório INFERIOR de 690, por aplicação da anterior escala salarial, constante do DL n.° 187/90;
(ii) Só em janeiro de 2003, é que os ora Recorridos passaram a auferir por aplicação da nova tabela remuneratória, integrando o escalão 3 da categoria de IT nível 2, com remuneração de índice igual a 720;
(iii) Em janeiro de 2004, os Recorridos e os seus Colegas de categoria/nível inferior passaram a auferir a mesma remuneração de índice igual a 720, por integração na mesma categoria de IT nível 2, no escalão 3 da nova tabela salarial, apesar de os primeiros exercerem funções inerentes a essa categoria, desde abril de 1997, ou seja, há 7 anos, enquanto que estes últimos apenas ingressaram na categoria por concurso terminado no referido mês de janeiro de 2004;
(iv) Aos Colegas dos Recorridos foi aplicada imediatamente a nova tabela salarial, sendo que aos Recorridos esta tabela apenas foi aplicada no ano de 2003, com claro prejuízo destes últimos!
G) O que equivale a dizer que, funcionários que ocupavam categorias profissionais diferentes, por via da presente reestruturação, passaram, a partir de janeiro de 2004, a integrar a mesma categoria e auferir os mesmos rendimentos, pese embora os Recorridos tivessem 7 anos de experiência no exercício das funções perito de fiscalização de 1.ª classe/IT nível 2, contra a parca ou nenhum experiência por parte dos colegas dos Recorridos no exercício daquelas funções.
H) Ad absurdum, (pasme-se!) durante o período de novembro de 2001 e janeiro de 2003, os Colegas dos Recorridos que pertenciam à categoria inferior de IT nível 2 — e que apenas integraram o nível 2 em janeiro de 2004 — auferiram remunerações mais elevadas em 5 pontos salariais quando comparados com os Recorridos.
I) Ou seja, durante 14 meses, os Recorridos detinham uma categoria de nível superior com uma remuneração claramente inferior de índice igual a 690 e os Colegas dos Recorridos detinham uma categoria de nível inferior com uma remuneração claramente superior de índice igual a 695.
J) E tal, apenas ocorreu, porquanto o n.° 3 do artigo 67.° dispunha no sentido de aos ora Recorridos não ser imediatamente aplicável a nova tabela salarial, constante do anexo V do Decreto-Lei 557/99, e, também porque, segundo a interpretação perpetrada pela Administração Fiscal, o tempo de permanência na categoria de origem não contava para efeitos de aplicação da nova tabela salarial e, respetiva, progressão nos novos índices remuneratórios.
K) Esta interpretação conduziu ao absurdo, caricato e impensável tratamento supra descrito, na exata medida em que implicou, sem mais, que funcionários de menor categoria e menor experiência, num primeiro momento, auferissem mais do que funcionários de categoria superior e com muito mais experiência e, num segundo momento, em janeiro de 2004, que os primeiros fossem totalmente equiparados aos segundos, em termos de categoria profissional, índice e nível remuneratório, quando estes últimos já integravam a referida categoria há mais de 7 anos!
L) Acresce que, esta interpretação protagonizada pela Administração Fiscal contrariou a própria ratio constante do n.° 3 do artigo 67.° do Decreto-Lei 557/99, que, ao invés de salvaguardar a expectativa de uma remuneração superior pela progressão na anterior escala salarial, implicou um congelamento arbitrário e injustificado da remuneração dos ora Recorridos.
M) Destarte, se conclui que a interpretação dada ao n.os 2 e 3 do artigo 67.° do Decreto- Lei n.° 577/99, ao beneficiar desigual e arbitrariamente funcionários de categoria/nível inferior aos Recorridos em detrimento destes últimos, sem que, para tal fosse invocado qualquer critério objetivo, é, como bem considerou o Ilustre Procurador do Ministério Público nas suas alegações de Recurso e como considerou o Ilustre Julgador do Tribunal a quo, violadora do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da CRP e do n.° 1 do artigo 59.° da mesma Lei Fundamental, enquanto corolário do referido princípio.
N) Com efeito, no caso em apreço, a única discriminação possível e legalmente admissível, seria no sentido de valorar/discriminar positivamente o maior tempo de permanência na categoria por parte dos Recorridos, e não discriminá-los negativamente, valorizando-se, ao invés, aqueles que só em 2004 iniciaram exercício de funções nessa categoria.
O) Torna-se notório que, em virtude da aplicação das normas transitórias ínsitas nos n°s 2 e 3 do artigo 67.° do DL 557/99, pelo menos na interpretação que delas é feita pela Administração Fiscal, a lei está a penalizar quem, como os Recorridos, em 2004, já se encontrava na categoria desde há 7 (sete) anos.
P) Do mesmo modo, a lei (ou a interpretação que dela se fez) premeia (injustamente) quem, como os colegas dos Autores, só em 2004 transitaram para a categoria de IT nível 2, colocando-os logo, de forma automática, a auferir a mesma remuneração daqueles que já lá estavam desde há 7 (sete) anos no exercício das funções inerentes àquela categoria!
Q) No caso sub judicio, a diferença de tratamento conferida aos Recorridos, que sofreram a aplicação do n.° 3 do artigo 67.° do DL 557/99, em total desarticulação com o n.° 2 do mesmo artigo, é totalmente infundada e arbitrária, não contribuindo em nada para a segurança jurídica, não prossegue qualquer fim legítimo segundo o ordenamento constitucional, e, acima de tudo, é absolutamente injusta.
R) Por outro lado, há uma clara violação do princípio consagrado na alínea a) do n.° 1 do artigo 59.° da CRP, de acordo com a qual todos os têm direito à retribuição do trabalho, a qual deve depender da quantidade, natureza e qualidade do mesmo, isto é, as diferenças remuneratórias apenas se podem basear em motivos legítimos como as maiores ou menores habilitações e experiência.
S) Nestes termos, como bem decidiu o Tribunal a quo, são inconstitucionais, por violação do artigo 59°, n.° 1 da alínea a) e do artigo 13.° da CRP, as normas contidas nos n.os 2 e 3 do artigo 67.° do DL n.° 557/99, quando interpretados no sentido de (i) atribuir remunerações inferiores a funcionários de categoria de origem superior e com maior antiguidade no cargo de inspetor tributário nível 2, às atribuídas a funcionários com categoria de origem inferior ao cargo de inspetor tributário nível 2 e que apenas foram nele investidos após a entrada em vigor do referido diploma e de (ii) fazer equiparar na categoria, nível e índice remuneratório funcionários que já exercem as funções correspondentes àquela categoria, há 7 anos (desde abril de 1997 a janeiro de 2004), e funcionários que, por concurso aberto em 2004, transitaram, sem nenhuma ou pouca experiência, para essa mesma categoria.
T) Ademais, a interpretação supra referida é, igualmente, violadora do direito dos Recorridos de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade, especificamente do seu direito de promoção na função pública em condições de igualdade, constitucionalmente consagrado no n.° 2 do artigo 47.° da CRP, quando interpretada no sentido de permitir que funcionários com menor antiguidade e menor ou nenhuma experiência no exercício de funções correspondentes a uma determinada categoria/nível, sejam promovidos, em termos remuneratórios, automaticamente para o mesmo escalão remuneratório dos colegas que já estão lá posicionados, sem que este privilégio discriminatório (consubstanciado no facto de se ascender ao escalão detido por colegas com um largo número de anos de experiência na categoria/nível, embora não detendo nenhuma experiência na mesma) se funde em qualquer motivo legítimo objetivo e razoável.
U) De tudo o quanto exposto, no que à matéria de inconstitucionalidade respeita, impõe-se concluir, à imagem do alegado pelo Excelentíssimo Procurador do Ministério Público,
“à face do princípio da não inversão das posições relativas de funcionários ou agentes, não pode admitir-se, por carência de justificação objetiva e racional, que, por mero efeito da reestruturação de carreiras, funcionários da mesma categoria profissional que exercem funções num mesmo serviço público e transitem para uma mesma categoria, passem a auferir remunerações diferentes por efeito apenas do momento em que ocorreu a transição. Designadamente, não é tolerável que, por mero efeito da reestruturação, passe a ser auferida remuneração superior por funcionários com menor antiguidade, na mesma categoria e idêntica qualificação”,
Nestes termos,
E nos melhores de direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, ser mantida a Decisão Recorrida, confirmando-se, destarte, a recusa da aplicação das normas constantes nos n.os 2 e 3 do artigo 67.° do Decreto-Lei n.° 557/88, de 17 de dezembro, com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do disposto no disposto nos artigos 13.° e na alínea a) n.° 1 do artigo 59.°, todos da CRP(…)”
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5. O objeto do presente recurso centra-se na apreciação da constitucionalidade material dos n.os 2 e 3 do artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro.
A decisão recorrida recusou a norma resultante da conjugação de tais números da referida disposição legal, na parte em que determina que os funcionários, cuja integração nas novas categorias do grupo de pessoal de administração tributária acarrete um impulso salarial superior a 10 pontos, e que adquirissem em 2000, por progressão na anterior escala salarial, o direito a remuneração superior à que lhes é atribuída pelo regime de transição para as novas categorias, não têm direito a que lhes seja contado o tempo de permanência no escalão de origem, para efeito de progressão na nova escala salarial.
Tal critério normativo foi julgado inconstitucional, por violar o princípio geral de não inversão das posições relativas de trabalhadores por mero efeito da reestruturação de carreiras, conduzindo a dois resultados iníquos, verificados no caso concreto, ou seja, o resultado de trabalhadores com nível superior na categoria – inspetor tributário de nível 2 – auferirem remuneração inferior à de outros com nível inferior na categoria – inspetor tributário de nível 1 – apenas em virtude das regras de transição fixadas no novo diploma, e ainda o resultado de trabalhadores mais antigos no nível 2 da categoria de inspetor tributário auferirem remuneração igual à de outros com menor antiguidade no mesmo nível da mesma categoria, apenas porque estes últimos foram promovidos já na vigência do Decreto-Lei n.º 557/99, auferindo imediatamente pela nova tabela salarial, ao contrário dos colegas que já se encontravam, à data, colocados na posição correspondente.
6. O Tribunal Constitucional já se debruçou sobre a disposição legal aqui em análise, sob a ótica do princípio geral de não inversão das posições relativas de trabalhadores por mero efeito da reestruturação de carreiras, julgando inconstitucionais interpretações normativas conducentes ao resultado de trabalhadores com maior antiguidade em determinado cargo passarem a auferir remuneração inferior à de trabalhadores com menor antiguidade no mesmo cargo, apenas por efeito da entrada em vigor de regime de reestruturação de carreiras e sem qualquer fundamento material.
De facto, existem decisões anteriores do Tribunal Constitucional (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), que tiveram por objeto o mesmo preceito e cuja fundamentação substancial é transponível para a presente situação. É o caso dos Acórdãos n.os 105/2006, 167/2008, 195/2008, 196/2008, 197/2008. Em todos eles se conheceu a questão da inconstitucionalidade material do referido artigo 67.º, conjugado com outras normas legais.
Na verdade, o Acórdão n.º 105/2006 julgou inconstitucionais, por violação do artigo 59.º, n.º 1 alínea a) da CRP, as normas constantes dos artigos 69.º, 67.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, na interpretação segundo a qual os funcionários com a mesma antiguidade na mesma categoria de origem – perito tributário de 2.ª classe – mas com maior antiguidade no cargo de chefia tributária – adjunto de chefe de repartição de finanças de nível 1 – auferem remuneração inferior àqueles que têm menor antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos após a entrada em vigor do mesmo diploma.
Os Acórdãos n.os 167/2008, 195/2008, 196/2008 julgaram inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1 alínea a) da CRP, a norma que resulta dos artigos 69.º, 67.º e 45.º do mesmo Decreto-Lei n.º 557/99, na interpretação segundo a qual funcionários com a mesma ou superior antiguidade na categoria de origem e com maior antiguidade no cargo de chefia tributária auferem remuneração inferior àqueles que têm menor antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos após a entrada em vigor do mesmo diploma. O Acórdão n.º 197/2008, por seu lado, manteve o mesmo sentido da aludida jurisprudência, embora reportando-se apenas ao disposto nos artigos 67.º e 69.º do aludido diploma legal.
Os referidos arestos vieram confirmar a jurisprudência consolidada do Tribunal, a propósito das normas do regime da função pública, no sentido da vinculação – constitucionalmente imposta - à observância de um princípio geral de coerência e equidade nos sistemas de carreiras, que tem, como corolário, a proibição de inversão das posições relativas de trabalhadores, por mero efeito da entrada em vigor de um regime de reestruturação de carreiras ou de alterações do sistema retributivo, ou seja, quando a inversão é determinada pela interferência de um “fator anómalo, de circunstância puramente temporal, estranho à equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a natureza do trabalho ou com as qualificações ou experiência dos funcionários confrontados” (cfr. Acórdão n.º 323/2005, disponível no sítio da internet já aludido).
É este entendimento jurisprudencial que agora se reitera, realçando-se que o artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, consagrando o direito a uma justa retribuição do trabalho, embora não vede a diferenciação da remuneração, impõe que essa diferenciação obedeça a critérios de justiça. Isto é, o princípio da igualdade, no âmbito laboral, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Lei Fundamental, como projeção do princípio geral plasmado no artigo 13.º do mesmo diploma, implica que se trate como igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
A este propósito, pode ler-se, no Acórdão n.º 584/98 (disponível no mesmo sítio da internet):
«O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa – ao preceituar que “todos os trabalhadores [...] têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna” – impõe que a remuneração do trabalho obedeça a princípios de justiça.
Ora a justiça exige que quando o trabalho prestado for igual em quantidade, natureza e qualidade seja igual a remuneração. E reclama (nalguns casos apenas consentirá) que a remuneração seja diferente, pagando-se mais a quem tiver melhores habilitações ou mais tempo de serviço. Deste modo se realiza a igualdade.”
No mesmo sentido, pode ainda ler-se, no Acórdão n.º 313/89, o seguinte:
“O princípio “para trabalho igual salário igual” não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm.”
No caso em apreciação, o facto de o tempo de permanência no escalão de origem, para efeito de progressão na nova escala salarial, não ser contabilizado, em situação de igualdade, para todos os trabalhadores, teve como resultado a distorção na evolução do posicionamento da carreira.
Conduziu, desde logo, ao resultado constitucionalmente intolerável de, trabalhadores com nível superior numa dada categoria - inspetor tributário de nível 2 - auferirem remuneração inferior à de outros que estejam posicionados num nível inferior da mesma categoria - inspetor tributário de nível 1 - devendo-se tal circunstância apenas às regras de transição fixadas no regime legal de reestruturação de carreiras da Direção Geral dos Impostos e não a qualquer fundamento material objetivo.
Este resultado é suficiente para que se considere que a norma desaplicada, cuja constitucionalidade agora se aprecia, - na parte em que determina que os trabalhadores, cuja integração nas novas categorias do grupo de pessoal de administração tributária acarrete um impulso salarial superior a 10 pontos, e que adquirissem em 2000, por progressão na anterior escala salarial, o direito a remuneração superior à que lhes é atribuída pelo regime de transição para as novas categorias, não têm direito a que lhes seja contado o tempo de permanência no escalão de origem, para efeito de progressão na nova escala salarial - introduziu um tratamento desigual entre os trabalhadores que, à data da sua entrada em vigor, passaram a integrar a categoria de inspetor tributário de nível 2 e os que passaram a integrar a mesma categoria de nível inferior, ou seja nível 1, com prejuízo dos primeiros em relação a estes últimos.
A distorção introduzida por efeito da entrada em vigor de um regime de reestruturação de carreiras ou de alterações do sistema retributivo constitui uma violação do princípio geral de equidade e coerência nos sistemas de carreiras da função pública, que proíbe a alteração arbitrária das posições relativas de trabalhadores, determinada pela interferência de um “fator anómalo, de circunstância puramente temporal, estranho à equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a natureza do trabalho ou com as qualificações ou experiência dos funcionários confrontados” (cfr. Acórdão n.º 323/2005, já citado).
7. Pelo exposto, deve julgar-se inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, a norma resultante da conjugação do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 67.º do Decreto – Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, na parte em que determina que o tempo de permanência no escalão de origem não seja contabilizado, para efeito de progressão na nova escala salarial, relativamente a alguns trabalhadores - aqueles cuja integração nas novas categorias do grupo de pessoal de administração tributária acarrete um impulso salarial superior a 10 pontos, e que adquirissem em 2000, por progressão na anterior escala salarial, o direito a remuneração superior à que lhes é atribuída pelo regime de transição para as novas categorias.
III - Decisão
8. Nestes termos, decide-se:
a) julgar inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, a norma resultante da conjugação do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 67.º do Decreto – Lei n.º 557/99 de 17 de dezembro, na parte em que determina que o tempo de permanência no escalão de origem não seja contabilizado, para efeito de progressão na nova escala salarial, relativamente a alguns trabalhadores - aqueles cuja integração nas novas categorias do grupo de pessoal de administração tributária acarrete um impulso salarial superior a 10 pontos, e que adquirissem em 2000, por progressão na anterior escala salarial, o direito a remuneração superior à que lhes é atribuída pelo regime de transição para as novas categorias.
b) julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita.
Sem custas, face à isenção do recorrente.
Lisboa, 12 de julho de 2012 – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – José da Cunha Barbosa – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos