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Processo n.º 360/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 322/2012:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido Futebol Clube de …, foi interposto recurso, em 01 de março de 2012 (fls. 252 e 252-verso), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em 16 de fevereiro de 2012 (fls. 239 a 247), com fundamento na “inconstitucionalidade da decisão da Comissão Arbitral (cf. Ponto III das suas alegações de recurso, sob os números 16 e 17, e conclusões n.ºs 5 e 6) e a consequente violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito (art.º 2 da CRP), das regras de atribuição de exercício dos poderes soberanos (art.º 3 da CRP), do direito de acesso aos tribunais (art.º 20/n.º 1 da CRP) e das regras que atribuem aos tribunais a competência para administrar justiça (art.º 202/n.ºs 1 e 2 da CRP), bem como o disposto nos artigos 59.º/n.ºs 1, a) e 3, 1º, 2º e 18º/2, todos da Constituição” (fls. 251).
Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. O recurso foi admitido por despacho do Relator junto do tribunal “a quo”, proferido em 24 de abril de 2012 (fls. 253). Porém, por força do n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que deve começar-se por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. De acordo com o modelo português de fiscalização da constitucionalidade, o Tribunal Constitucional apenas pode sindicar a constitucionalidade de normas jurídicas (artigo 277º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), estando-lhe vedado o conhecimento de questões relativas à constitucionalidade de outros atos jurídico-públicos, designadamente, de atos políticos, de atos administrativos e de decisões jurisdicionais. Ora, quer em sede de requerimento de interposição de recurso, quer em sede das alegações proferidas perante o tribunal recorrido, o recorrente apenas fixou como objeto a decisão proferida pela comissão arbitral da Liga Portuguesa de Futebol, conforme, aliás, resulta da própria epígrafe do capítulo correspondente das suas alegações: “III. Inconstitucionalidade da decisão da Comissão Arbitral” (fls. 140).
É certo que o recorrente procurou assimilar aquela decisão arbitral, enquanto ato jurisdicional de génese voluntária, a uma norma jurídica. Senão, veja-se a seguinte passagem:
«Qualquer sentença transitada em julgada, é norma jurídica do caso que decidiu. Por isso a decisão inexistente, porque proferida por entidade a quem faltava poder para julgar, em absoluto, e por isso usurpando esse poder de julgar, é norma inconstitucional porque viola diretamente a Constituição, nomeadamente o princípio do Estado de Direito (art.º 2.º); as regras de atribuição de exercício dos poderes soberanos (art.º 3.º); o direito de acesso aos tribunais (art.º 20.º, 1); e as regras que atribuem aos tribunais a competência para administrar a justiça (art.º 202.º, 1 e 2).» (fls. 141)
E, mais adiante, em sede de conclusões:
«(…) Essa decisão em que o Tribunal se fundou, é um ato inconstitucional que violou o disposto nos art.ºs 2.º, 3.º, 20.º, 1 e 202.º, 1 e 2 da Constituição. E por isso, o seu valor normativo é também inconstitucional. Consequentemente é inconstitucional a decisão recorrida.» (cfr. § 6ª, a fls. 146)
Porém, a aproximação efetuada não tem qualquer justificação dogmática ou juscientífica. O recorrente poderia – quando muito – ter arguido a inconstitucionalidade da específica norma que confere força de decisão jurisdicional (ainda que arbitral) à decisão proferida pela comissão arbitral. Mas não foi isso que fez, antes tendo insistido no argumento da inconstitucionalidade da própria decisão arbitral, a qual, aliás, nem sequer foi alvo de recurso para este Tribunal.
Neste contexto, não pode conhecer-se do objeto do presente recurso, na medida em que o mesmo não versa sobre a constitucionalidade de uma específica norma jurídica (artigo 277º, n.º 1, da CRP, e 79º-C da LTC), mas antes sobre a constitucionalidade de decisão arbitral proferida em autos absolutamente independentes dos autos ora recorridos.
III – DECISÃO
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso interposto.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza, na modalidade de dispensa de taxa de justiça (fls. 222).»
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir reclamação nos seguintes termos:
«(…) vem: - por não se conformar com a mesma, reclamar para conferência, nos termos previstos no artº 78-A/nº 3 da Lei nº 28/82, de 15.11, na sua redação atual.»
3. Notificado para o efeito, o recorrido veio responder nos seguintes termos:
«1. O Recorrente não dispõe de fundamentação legal para reclamar da Decisão Sumária proferida, pela Exma. Sr.ª Juíza Conselheira Relatora, em 20/06/2012, através da qual se decidiu não conhecer do objeto do recurso.
2. Em fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional aprecia apenas questões de constitucionalidade normativa e não lhe compete, nomeadamente, sindicar a decisão proferida peta Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol em autos distintos dos autos recorridos.
3. Com efeito, este não é um objeto idóneo do recurso de constitucionalidade, o qual se consubstancia na análise exclusiva de normas ou questões normativas.
4. Neste sentido, a Conferência deverá confirmar a referida Decisão Sumária, pois este Tribunal limita-se a verificar a conformidade jusconstitucional da interpretação normativa dos tribunais comuns.
Termos em que deve a reclamação ser indeferida, com as devidas e legais consequências.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. O modo como o reclamante concebeu a presente reclamação conduz diretamente ao seu fracasso, na medida em que não invocou qualquer fundamento que pudesse contrariar o sentido decisório da decisão reclamada.
Por conseguinte, mais não resta do que indeferir o pedido formulado.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza, na modalidade de dispensa de taxa de justiça (fls. 222).
Lisboa, 26 de setembro de 2012. – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Rui Manuel Moura Ramos.