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Proc. nº 212/98
1ª Secção Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, J... interpôs recurso contencioso de decisão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, no
âmbito do qual foi condenado em custas.
Ao recorrente tinha sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de prévio pagamento de preparos e custas. Todavia, perante informações entretanto obtidas, foi promovido pelo Ministério Público e determinado pelo Juiz do processo o desconto de 1/6 no vencimento então auferido por J..., para efeitos de pagamento de dívida de custas.
Notificado da decisão, o ora recorrente deduziu embargos de executado, sustentando a inexigibilidade da obrigação, face ao apoio judiciário que lhe havia sido concedido (requerimento de 15 de Junho de 1993, fls. 10 dos presentes autos). O Juiz entendeu que o desconto no vencimento tinha sido correctamente determinado, nos termos do artigo 54º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, e indeferiu o pedido de embargos (despacho de 15 de Julho de
1993, fls. 13v).
2. J... interpôs recurso desse despacho, em 27 de Setembro de 1993 (fls.
15 e 1). Na motivação do recurso invocou a inconstitucionalidade da interpretação dada aos nºs 1 e 2 do artigo 54º do Decreto-Lei nº 387-B/87, por violação do artigo 20º, nº 1, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa.
O Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso por entender que o meio adequado para impugnar o despacho que determinou o desconto no vencimento seria a interposição de recurso jurisdicional e não a dedução de embargos de executado ao abrigo do artigo 813º do Código de Processo Civil
(acórdão de 8 de Novembro de 1994, fls. 35).
3. É deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que J... interpõe o presente recurso, com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da norma do artigo 54º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, por considerar que a interpretação que lhe foi dada contende com o nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa
(requerimento de 7 de Fevereiro de 1995, fls. 50).
O recurso foi admitido por despacho de 22 de Fevereiro de 1996 (fls.
67).
Após reclamações várias, o processo foi remetido ao Tribunal Constitucional, tendo sido proferido despacho para produção de alegações.
O recorrente concluiu assim as suas alegações:
'28º– [...] o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e seguidamente o Supremo Tribunal Administrativo, ao terem conferido àquele preceito o sentido valorativo consignado nas decisões recorridas, atribuíram-lhe, a nosso ver, uma interpretação que o ferem de inconstitucionalidade, por ofender às disposições do art. 2º e 20º da CRP.
29º– Com efeito, ao adoptarem tal interpretação face ao normativo questionado, violou-se o princípio da confiança, ínsito no fundamento de um Estado de Direito Democrático, no qual se postula uma ideia de certeza dos cidadãos e da comunidade, não só perante a ordem jurídica como na própria actuação do Estado, traduzida num mínimo de confiança e segurança do direito das pessoas.
30º– É que, ao conceder-se o apoio judiciário e de seguida fazê-lo, inopinadamente, cessar, com base na interpretação do art. 54º, obrigando o seu detentor a pagar com juros as custas do processo, alicerçando-se apenas numa suposta aquisição de bens, sem que, para isso, o interessado fosse ouvido.
31º– Torna-se evidente que semelhante interpretação surge aos olhos da comunidade como inadmissível e arbitrária, afectando, patentemente o conteúdo da situação jurídica alcançada em consequência do direito existente.
32º– De resto, esse sentido extrapolado da norma, atinge ainda a sua desconformidade ao nível da ordem constitucional, na dimensão afirmativa esteada no nº 1 do art. 20º da CRP, garantindo que o acesso ao direito e aos tribunais, não pode ser denegado por insuficiência de meios económicos.
33º– Daí que, ao alicerçar-se a decisão contestada na interpretação conseguida nos tribunais recorridos, postergou-se não só os princípios do Estado de Direito Democrático como se negou ao recorrente o direito de acesso ao Tribunal para defesa dos seus interesses legítimos. Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. por certo, doutamente, suprirão, deve declarar-se a inconstitucionalidade da norma do art. 54º do D.L. nº 387-B/87, 29/12, com o sentido interpretativo dado pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e posteriormente caucionado pelo Supremo Tribunal Administrativo, certo sendo que semelhante interpretação colide, necessariamente, com os ditames de um Estado de Direito Democrático, vazados no art. 2º e violou-se frontalmente as disposições do nº 1 do art. 20º, ambos da CRP, devendo, por isso, revogar-se o acórdão recorrido e, em consequência, ser reposta a legalidade nele subvertida.'
Por sua vez, o Ministério Público, observando que o acórdão recorrido não fez aplicação da norma do artigo 54º do Decreto-Lei nº 387-B/87, pronunciou-se no sentido de que o Tribunal Constitucional não deve tomar conhecimento do presente recurso.
Notificado para tomar posição, querendo, quanto à questão prévia de não conhecimento do recurso suscitada pelo Ministério Público, o recorrente não respondeu dentro do prazo fixado na lei.
II
4. Sendo o presente recurso fundado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constituem seus pressupostos:
– que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de uma norma (ou de uma determinada interpretação de uma norma);
– que essa norma (ou a norma com essa interpretação) tenha sido aplicada, como ratio decidendi, na decisão recorrida, não obstante a acusação de inconstitucionalidade.
Ora, a decisão sob recurso é o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de Novembro de 1994, e não o despacho do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 15 de Julho de 1993.
Através desse acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso interposto por J... do despacho do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que determinou o desconto no seu vencimento, por entender que o meio adequado para impugnar tal despacho deveria ter sido a interposição de um recurso jurisdicional (recurso de agravo) e não o meio utilizado pelo recorrente – a dedução de embargos de executado.
O Supremo Tribunal Administrativo limitou-se assim a resolver uma questão de natureza estritamente processual, não chegando a pronunciar-se sobre a questão de mérito então suscitada pelo recorrente – a questão de saber se e em que termos o tribunal pode exigir o pagamento de custas a quem beneficia de apoio judiciário, com fundamento em alteração da sua situação económica.
A razão de decidir encontra-se portanto exclusivamente na consideração de que, não tendo o recorrente oportunamente interposto recurso de agravo do despacho que determinou o pagamento de custas mediante desconto no seu vencimento, tal despacho transitou em julgado e não pode ser impugnado através de embargos de executado ao abrigo do artigo 813º do Código de Processo Civil.
A norma aplicada na decisão – o fundamento ou a razão de decidir – foi assim a norma do artigo 813º do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de não admitir a dedução de embargos de executado quando a dívida exequenda tenha sido reconhecida por decisão judicial transitada em julgado.
O acórdão recorrido não aplicou portanto a norma questionada pelo recorrente no presente processo (a norma do artigo 54º do Decreto-Lei nº
387-B/87, de 29 de Dezembro).
5. Conclui-se deste modo que não se encontra verificado no presente processo um pressuposto essencial do recurso interposto, assim se julgando procedente a questão prévia de não conhecimento do recurso suscitada pelo Ministério Público.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso interposto.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 unidades de conta.
Lisboa, 29 de Junho de 1999- Maria Helena Brito Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida