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Proc. nº 452/00
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Não se conformando com a decisão proferida no Tribunal Judicial da Comarca de Braga sobre questão prévia suscitada, na fase de instrução - traduzida em ter sido decidida determinada questão atinente à prescrição do procedimento criminal, sem realização de um novo debate instrutório - recorreram os arguidos JS, JG, MP e RS, para o Tribunal da Relação do Porto.
2. O recurso foi admitido, para subir nos autos conjuntamente com o que viesse a ser interposto da decisão final que pusesse termo à causa e com efeito meramente devolutivo.
3. De novo inconformados, vieram os recorrentes aos autos para reclamarem contra a não subida imediata e com efeito suspensivo do recurso.
4. Na sequência foi proferido pelo Mmo. Juiz a quo o despacho a que se refere o art. 668º, nº 4 do CPC, confirmando a decisão anterior.
5. Subida a reclamação, foi a mesma indeferida por despacho do Mmo. Juiz Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 29 de Maio de 2000, que fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
'O caso em apreço circunscreve-se ao fim e ao cabo, ao problema da subida do recurso e do seu efeito. Como é sabido tem sido jurisprudência uniforme neste Tribunal, em situações como a dos autos, como, aliás, acontece na jurisprudência de outras Relações, que o despacho que retêm o recurso de agravo só deverá subir imediatamente – art.
407º, nº 2 do CPP – quando a sua retenção o inutilize em absoluto, o que como é evidente não é o caso dos autos. A retenção de um recurso torná-lo-á absolutamente inútil quando a eficácia do despacho recorrido produza um resultado irreversivelmente oposto ao efeito buscado pela interposição (Rel. Coimbra 5/05/81, Oliveira Matos, C.J. 3, 200, R.C. o4/12/84, Baltazar Coelho, C.J. – 5, 29). Na verdade, os ora reclamantes nem de longe nem de perto alegam matéria fáctica que nos leve a concluir pela inutilidade da retenção do recurso. Em suma, ao fim e ao cabo a retenção não inutiliza em absoluto o recurso de agravo, poderá, é certo, dar-lhe maior acutilância, o que não é mesmo que o inutilizar em absoluto. Nesta conformidade, sem mais considerações por escusadas, indefiro a presente reclamação'.
6. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 70º da LTC, o presente recurso de constitucionalidade. Pretendem os recorrentes, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a constitucionalidade das normas dos artigos 407º, nº 2 e 408º, nº 1, alínea b) do CPP, na interpretação que delas fez a decisão recorrida.
7. Notificados para alegar, os recorrentes JG, MP e RS, vieram aos autos para dizer que desistiam do recurso, desistência que foi admitida por despacho do relator de fls. 460. O arguido JS apresentou as suas alegações, em que concluiu da seguinte forma:
'1 – O recurso interposto pelo recorrente deve subir imediatamente e com efeito suspensivo.
2 – Tal situação impedirá que o recorrente e demais arguidos sejam sujeitos a julgamento, sem esgotarem todos os meios de defesa ao seu alcance.
3 – Ao não subir o recurso, ficará a instrução por concluir;
4 – Tal situação configura uma violação do princípio das garantias de processo criminal;
5 – Sem o efeito suspensivo, os arguidos e o aqui recorrente, verão os seus direitos e liberdades ameaçados;
6 – E ao ser julgado sem que o recurso seja apreciado, colocar-se-á em perigo o bom nome e reputação do recorrente e demais arguidos e a sua própria dignidade;
7 – Já que o julgamento, que até já está marcado para 8 de Janeiro de 2001, será uma exposição pública da imagem do recorrente, sobre a qual qualquer cidadão pode fazer o juízo que entender. Ao não admitir a subida imediata do recurso com efeito suspensivo violou o Tribunal de 1ª instância e depois o Tribunal da Relação do Porto, as normas contidas nos art.s 25º, nº 1, 1ª parte, 26º, nº 1 e 32º, nºs 1 e 2, in fine, da Constituição, com referência às normas dos art.s 407º, nº 2 e 408º, nº 1, al. b) do CPP'.
8. Notificado para responder, querendo, às alegações do recorrente, disse o Ministério Público, a concluir:
'1º - A norma do art. 407º, nº 2 do Código de Processo Penal, interpretada em termos de estabelecer um regime de subida diferida para o recurso em que se questiona a validade da decisão de certa questão prévia, dirimida precedentemente à pronúncia do arguido, não afronta o princípio das garantias de defesa.
2º - Termos em que deverá improceder o recurso'.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II – Fundamentação
9. Delimitação do objecto do recurso. Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, o recurso interposto pelo ora recorrente, o previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC, pressupõe, além do mais, que a decisão recorrida tenha feito efectiva aplicação das normas cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada. A verdade, porém, é que de entre as normas referidas pelo recorrente como constituindo objecto do recurso, os artigos 407º, nº 2 e 408º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal, apenas a primeira foi efectivamente aplicada pelo despacho recorrido. Como, bem, sublinha o Ministério Público, 'o despacho recorrido não aplicou a norma constante do artigo 408º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal, uma vez que o recurso em causa não se reporta ao «despacho de pronúncia» mas à «questão prévia» a ele atinente - e sendo a «nulidade» invocada, e que integra tal questão, diversa da prevista nos artigos 310º, nº 2 e 309º do CPP'. Dessa forma, o presente recurso deve ter-se por circunscrito à norma constante do artigo 407º, nº 2 do Código de Processo Penal, enquanto interpretada em termos de dela resultar um regime de subida diferida para os recursos atinentes a questões prévias suscitadas relativamente ao despacho de pronúncia.
10. Julgamento da questão de constitucionalidade. Este Tribunal teve já oportunidade, por diversas vezes, de se pronunciar sobre a constitucionalidade da norma constante do artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal, enquanto interpretada em termos de dela resultar um regime de subida diferida para o recurso de decisões que, na fase instrutória, decidam questões prévias, tendo sempre considerado que a mesma não era inconstitucional. Assim, considerou já o Tribunal Constitucional que aquela norma quando interpretada em termos de considerar 'como não sendo absolutamente inúteis os recursos do despacho que indefira o pedido de realização de diligências de prova em fase de instrução, se subirem, forem instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa, não viola qualquer princípio ou norma constitucional, designadamente os artigos 1º, 2º,
13º, 16º, 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa' (cfr. nesse sentido, os acórdãos nºs 474/94, publicado no Diário da República, II série, de
8 de Novembro de 1994), 964/96 (publicado no Diário da República, II série, de
23 de Dezembro de 1996), 1205/96, (publicado no Diário da República, II série, de 14 de Fevereiro de 1997; 104/98 publicado no Diário da República, II série, de 20 de Março de 1998 e 68/2000 (publicado no Diário da República, II série, de
4 de Outubro de 2000). Por sua vez, no acórdão nº 551/98 (ainda inédito), decidiu igualmente o Tribunal que a não subida imediata do recurso interposto da decisão que considerava inexistir nulidade decorrente da notificação edital da acusação, não violava qualquer preceito ou princípio constitucional, designadamente o princípio das garantias de defesa ou o princípio da presunção de inocência do arguido. Pois bem: é a jurisprudência firmada naqueles acórdãos que agora há que reiterar, por os argumentos então aduzidos, para os quais se remete - e que, de seguida, em parte se recordam - manterem inteira validade na situação que agora constitui objecto dos autos. Assim, para concluir que não existe violação do princípio das garantias de defesa, pode ler-se, desde logo, no citado acórdão nº 474/94:
'A subida diferida de recursos assenta claramente numa exigência de celeridade processual - como bem refere, nas suas alegações, o Procurador-Geral adjunto - que em processo penal é um 'valor constitucionalmente relevante'. Assim, fazendo a lei processual penal subir imediatamente apenas os recursos cuja utilidade se perderia em absoluto se a subida fosse diferida, obvia-se a que a tramitação normal do processo seja afectada por constantes envios do processo à segunda instância para apreciação de decisões interlocutórias e, por outro lado, pode vir a evitar-se o conhecimento de muitos destes recursos que podem ficar prejudicados no seu conhecimento pelo sentido da decisão final.
É certo que o provimento de um recurso deste tipo leva à inutilização dos actos processuais que forem praticados após a sua interposição e que estejam na dependência do acto ou despacho recorrido. Importa aqui, porém, acentuar que o regime de subida diferida em nada diminui as garantias de defesa do arguido que, face ao provimento do recurso, sempre verá a sua posição ser reconhecida jurisdicionalmente. Acresce que - conforme se refere no Acórdão nº 338/92 [...], citando o Acórdão nº 31/87 - 'a Constituição não estabelece qualquer direito dos cidadãos a não serem submetidos a julgamento, sem que previamente tenha havido uma completa e exaustiva verificação de existência de razões que indiciem a sua presumível condenação. O que a Constituição determina no nº 2 do artigo 32º é que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, pelo que o simples facto de se ser submetido a julgamento não pode constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um atentado ao bom nome e reputação'. Deve, por isso, concluir-se que a subida diferida de um recurso de despacho que indefira a realização de diligências na fase de instrução não afronta o princípio das garantias de defesa do arguido nem o princípio da dignidade do cidadão pela sua submissão ao julgamento penal'.
E, no que se refere ao princípio da presunção de inocência, acrescentou-se no mesmo aresto:
'Tal regime de subida de recurso não viola também, manifestamente, o princípio da presunção de inocência do arguido uma vez que o modo de subida de tal recurso não altera por qualquer forma o estatuto do arguido, antes permite que, com um julgamento mais célere, se defina, de modo terminal, a posição do arguido face aos factos apurados'.
Ainda sobre o mesmo ponto, acrescentou-se, mais recentemente, no acórdão nº
68/2000:
' (...)
4.3. Argumenta-se, ex adverso, dizendo que como, no nosso sistema processual, não há recurso da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público (cf. o artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal) – e a irrecorribilidade desse despacho tem-na este Tribunal julgado compatível com a Constituição [cf., por último, o acórdão nº 387/99
(ainda por publicar)] -, então, a subida diferida do recurso interposto do despacho que indefere a realização de diligências de prova na fase da instrução afecta necessariamente o princípio da presunção de inocência do arguido e impede que ele use um meio capaz de evitar uma indevida sujeição a julgamento, porque não baseada na suficiência de indícios. Sem razão, porém. De facto, o arguido – para além de continuar a presumir-se inocente – só pode ser submetido a julgamento, se, 'até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação' ao mesmo 'de uma pena ou de uma medida de segurança' – dispõe o nº 1 do artigo 308º do Código de Processo Penal. Por conseguinte, não é o facto de o recurso não subir imediatamente que, em si, pode conduzir a que o arguido seja indevidamente submetido a julgamento ou a que deixe de presumir-se inocente.
É certo que o juiz, quando indefere a realização de diligências de prova, pode ajuizar mal sobre a utilidade das mesmas; e, ao receber o recurso com subida diferida, pode errar quanto ao juízo de não inviabilização da prova. São riscos 'inerentes à ponderação das exigências de celeridade' processual
(para dizer com o citado acórdão nº 1205/96). Ora, a celeridade processual é, ela também, um valor constitucional, pois é direito do arguido o ser julgado 'no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa' (cf. o nº 2 do artigo 32º da Constituição): é o direito a um processo que, além de justo, seja célere'. III Decisão Em face do exposto, decide-se negar provimento ao presente recurso de constitucionalidade. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 31 de Janeiro de 2001 José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Messias Bento Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração de voto aposta ao acórdão nº 68/2000) Luís Nunes de Almeida