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Proc. n.º 21/01
1ª Secção Cons.º Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: I. RELATÓRIO
1. - Nos presentes autos em que se lavrou decisão sumária no sentido de não tomar conhecimento do recurso por estar em falta um dos requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, vieram os recorrentes, JM e mulher MC reclamar para a conferência com a seguinte fundamentação para o seu pedido. Por um lado, alegam que a referida decisão sumária 'apresenta uma contradição entre a sua fundamentação e a conclusão, verificando-se erro relativamente ao artigo invocado', uma vez que a decisão sumária 'refere que não estão preenchidos os requisitos para a interposição do recurso em causa (...) e na conclusão (...) refere exactamente o contrário ao dizer estando preenchidos os requisitos do artigo 76º-A da Lei do tribunal Constitucional'. Por outro lado, vêm, de novo, explicitar que o tribunal recorrido fez uma 'aplicação inconstitucional da norma prevista no artigo 374º, n.º 2 do C.P.P.', uma vez que remeteu a fundamentação da decisão 'para os documentos, sem explicar o processo de formação da convicção do tribunal', o que 'não permitiu aos Tribunais superiores uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório'.
2. - O Ministério Público junto deste Tribunal, devidamente notificado da reclamação interposta, veio responder à mesma, alegando, em síntese, que não constitui 'questão de constitucionalidade normativa idónea para suportar um recurso de fiscalização concreta, a controvérsia acerca da substancial
'correcção' do exame crítico da prova documental – assente na relevância de uma não impugnação do seu teor – feito pelos tribunais judiciais'. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - FUNDAMENTOS
3. - Em primeiro lugar, relativamente à apontada contradição entre os fundamentos da decisão sumária proferida e a sua conclusão, é meridianamente claro que o que ocorreu foi um simples lapso material que é facilmente perceptível e inteligível pelo destinatário. Efectivamente, onde se refere artigo 76º-A da Lei do Tribunal Constitucional, pretende, naturalmente referir-se o artigo 78º-A do mesmo diploma, que regula, precisamente, os casos em que é admissível proferir-se decisão sumária. Aliás, nunca poderia tratar-se do artigo 76º-A da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que esse dispositivo legal é inexistente. Em segundo lugar, e relativamente à questão de mérito a apreciar, a presente reclamação da decisão sumária proferida nestes autos não aduz qualquer argumento que seja susceptível de contrariar o entendimento prolatado por este Tribunal na decisão sumária de 24 de Janeiro de 2001. Analisando a explicitação do juízo de inconstitucionalidade que a reclamante, novamente, elaborou, dela não se extrai qualquer razão que possa abalar o entendimento explanado na referida decisão sumária, uma vez que apenas se assiste à reafirmação dos argumentos já aduzidos no requerimento de interposição de recurso elaborado pelos recorrentes. De facto, escreveu-se na correspondente decisão sumária:
'O relator entende que não se pode conhecer de ambos os recursos, uma vez que se não verifica o pressuposto decisivo: não ter a norma do n.º 2 do artigo 374º do CPP sido aplicada nas decisões recorridas com o sentido inconstitucional que os arguidos recorrentes e o próprio Ministério Público lhe imputam.
(...) O acórdão do Tribunal Colectivo na parte relativa à exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal reporta-se à prova testemunhal que aprecia, aos relatórios de exames toxicológicos e outros exames realizados nos autos e por fim refere-se às diversas guias e conhecimentos de depósito relativos às diversas contas e movimentos de dinheiro antes referenciados. Da conjugação desta parte da decisão com a que menciona os factos provados, dada a forma como foi redigido o texto do acórdão, é manifesto que o STJ entendeu a decisão da 1ª instância e o acórdão da Relação como não tendo aplicado a norma do n.º 2 do artigo 374º do CPP como se a fundamentação se bastasse com a mera indicação das provas sem fazer a sua apreciação. Com efeito, o texto transcrito do Acórdão do STJ ao fazer apelo à natureza dos documentos relevantes para a convicção do Tribunal, fazendo decorrer da sua não impugnação conjugada com o princípio da livre apreciação da prova e com as regras da experiência a validade dos factos por eles provados, permite-lhe concluir que, não tendo sido tais documentos impugnados, são eles suficientes para fundar a referida convicção do colectivo quanto a determinado ponto da matéria fáctica.
(...) De facto, uma vez apurada a validade da prova documental relevante, a sua conexão com a restante matéria tem de resultar dos restantes elementos de convicção alinhados, e estes elementos constam claramente dos factos provados e da exposição concisa feita das restantes provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
(...) Trata-se, como se refere quer no acórdão da Relação, quer no acórdão do Supremo, de documentos não impugnados, pelo que o tribunal considerou a respectiva matéria como provada, ao abrigo do princípio da livre apreciação das provas: em casos como este, a respectiva validade probatória e a demonstração dos factos neles referidos dispensava qualquer outra apreciação crítica, uma vez demonstrada a relação entre tais contas e a matéria criminosa apurada – o que consta fundamentadamente da decisão (...)' Ora, cabia à reclamante demonstrar, através de argumentação aduzida na reclamação, que existiam fundamentos para contrariar o sentido constante da decisão sumária, designadamente, que, quer a Relação quer o STJ, tinham aplicado a norma do artigo 374º, n.º 2 do C.P.P., com o sentido inconstitucional que os recorrentes lhe atribuem. Ou seja, deveriam ter demonstrado que a decisão recorrida tinha aplicado tal norma com o sentido de que a fundamentação se basta com a mera indicação dos factos provados. Todavia, a reclamante não consegue lograr tal objectivo: não só não formula, nem explicita qualquer juízo de inconstitucionalidade normativa que vá contra o já decidido, como uma tal forma de recolocar a questão, conduz a que nenhum argumento novo, de acordo com o juízo que anteriormente elaborou, seja trazido pela mesma como fundamento da sua pretensão. Efectivamente, a simples leitura do seguinte excerto da decisão recorrida é demonstrativo da ausência de fundamentos substantivos de reclamação que levem a um diferente entendimento das coisas:
'Por sua vez os arguidos JM e MC, com a venda de heroína e cocaína auferiram lucros que lhes permitiu não só satisfazer as suas necessidades de alimentação, vestuário e habitação e algumas supérfluas, pois que, e não obstante aqueles mesmos arguidos durante os anos de 1997 1998 apenas terem recebido subsídios de desemprego e de doença, não só adquiriram os telemóveis referidos mas também os veículos automóveis, das marcas e modelos Volkswagen Golf e Seat Marbella, com as respectivas matrículas RF-14-04 e PB-58-54, e o motociclo da marca Honda 750 VFR, de matrícula 95-97-DV, utilizavam nos seus que contactos e deslocações para irem buscar heroína e cocaína a casa da MA e fazerem as entregas aos indivíduos que para comprarem tais produtos os contactavam e procuravam em locais combinados. Para obterem o maior lucro possível na venda desses produtos os arguidos JM e MC desses adulteravam a heroína e a cocaína que vendiam adicionando-lhes fármacos e bicarbonato, utilizando para o efeito os moinhos referidos. Os arguidos JM e MC depositaram parte desses lucros em contas bancárias que abriram no Banco Totta & Açores em nome deles e dos filhos menores C e T. Quando tais contas foram congeladas para apreensão dos montantes nelas depositados apresentavam os seguintes saldos: 214.336$30 na conta à ordem nº
01088830/001; 1.275.856$00 na conta à ordem nº 1088830/002; 1.571.332$50 na conta a prazo nº 01088830/302; 600.000$00 na conta a prazo nº 01088830/301;
48.044$30 na conta à ordem 23842398/001; 386$50 na conta a prazo nº 23842398/301 e 400.583$30 na conta a prazo nº 28570170/300. O JM, entre outros, efectuou os seguintes depósitos na conta nº 01088830/001:
100.000$00 em 16/07/97; 556.000$00 em 06/08/97; 222.030$00 em 18/08/97;
10.000$00 em 02/09/07. Na conta nº 01088830/002 depositou 500.000$00 em 30/10/97; 340.000$00 em
05/01/98; 160.000$00 em 15/01/98 e 280.000$00 em 26/02/98. Nos dias 14/8/97 e
17/9/97 transferiu da conta nº 01088830/001 os montantes de 850.000$00 e
700.000$00 para a conta nº 01088830/001 os montantes de 850.000$00 e 700.000$00 para a conta nº 01088830/302. O haxixe referido pertencia ao arguido 'Zéquinha' que, conhecendo as características de tal substância, o tinha adquirido para consumo próprio sabendo que tal conduta era legalmente proibida e punível. A pistola e as munições referidas também pertenciam ao arguido Z que a detinha sabendo que se tratava de uma arma adaptada para fogo real calibre 6,35 mm, sem manifesto ou registo, e que não tinha qualquer licença de uso, porte ou detenção de arma de fogo. Os arguidos MA, JM e MC, actuaram em conjugação de esforços e comunhão de intentos para conseguirem benefícios económicos indevidos. Conheciam perfeitamente as características e qualidades da heroína e cocaína e sabiam que a sua compra, venda, detenção e conservação, com tal finalidade, era legalmente proibida e punível. Os arguidos MA, JM, MC e Z agiram de livre vontade e conscientes da censurabilidade das respectivas condutas.'
5. - Acresce que, também a partir deste excerto se pode reafirmar de novo - indo ao encontro do explanado na decisão sumária proferida – que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (que naturalmente consumiu a decisão anteriormente proferida pela Relação) não conduziu à interpretação inconstitucional pretendida pelos reclamantes, já que se não bastou, relativamente à fundamentação do decidido sobre a matéria de facto, com a mera listagem ou 'arrolamento' dos meios probatórios.
De facto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que no acórdão condenatório se especificaram as provas relevantes e se relacionaram as mesmas com elementos constantes dos autos, o que assume 'um juízo prudencial baseado na experiência', preenchendo assim a função endo-processual da fundamentação, pelo que se tem de concluir que a decisão recorrida não aplicou a norma questionada com o sentido inconstitucional que os recorrentes lhe atribuem. Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada. Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 2001.03.27 Vitor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida