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Proc. n.º 698/03
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1 - A., dizendo-se inconformada com o acórdão, de 4 de Junho de
2003, do Supremo Tribunal Administrativo, que, concedendo provimento ao recurso interposto pela FAZENDA PÚBLICA, revogou a sentença, de 8 de Outubro de 2002, do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa e julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra o acto de liquidação da taxa incidente sobre a comercialização de produtos de saúde, do montante de 2 547
689$00, dele recorre para o Tribunal Constitucional, pretendendo que este aprecie a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 72º da Lei n.º
3-B/2000, de 4 de Abril, da norma regulamentar correspondente à Circular n.º
1/2000, do INFARMED e da norma regulamentar correspondente à “Declaração de Vendas” estabelecida por Despacho do Conselho de Administração do INFARMED, de
28 de Abril de 2000, por violação do disposto nos artigos 103º, n.º 2, e 104º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
2 - O acórdão recorrido, seguindo na esteira da decisão de 1ª instância, qualificou o tipo tributário em causa como um imposto “ou, ao menos, como um tributo que, dada a sua natureza, há-de ter um tratamento constitucional semelhante”. Todavia, divergindo dela, entendeu que a sua incidência se achava definida em “termos da sua determinabilidade, assegurando aos interessados um suficiente grau de densificação”, como é exigido pelo art. 103º, n.º 2, da Constituição, dado que a definição da incidência real do tributo constante do n.º 3 do art. 72º da referida Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, «se concretiza no
“volume de vendas” de cada produto e que o seu valor é pago mensalmente com base nas respectivas “vendas mensais”» e que, sendo «certo que deve ter por referência, “o preço de venda ao consumidor final” [...] tal aparece apenas de modo subordinado, de um mero “valor de referência limite”» e que «se se quisesse erigir como factor de incidência real o preço de venda ao consumidor final, a lei não se teria referido ao volume de vendas e às respectivas declarações de venda». Ao invés, a decisão de 1ª instância havia concluído que a base de incidência era o preço de venda ao consumidor final e que este era indeterminável, impossibilitando a liquidação do imposto, tendo as normas regulamentares produzidas pelo INFARMED natureza inovatória. No tocante a estas normas, o acórdão recorrido entendeu que elas “surgem como mero regulamento executivo e instrumental”, dado que a parte final do n.º 3 do referido art. 72º
“refere-se apenas ao pagamento do tributo, cujos termos e elementos serão definidos pelo Instituto, a entidade credora: nenhum elemento de incidência resta, pois, para o Regulamento”.
3 - Nas suas alegações de recurso, apresentadas no Tribunal Constitucional, a recorrente, retomando a lógica argumentativa desenvolvida desde a petição inicial da impugnação, refuta o juízo de constitucionalidade das normas constitucionalmente impugnadas, concluindo pelo seguinte modo:
«A. A denominada “taxa sobre comercialização de produtos de saúde” corresponde a um verdadeiro imposto, devendo como tal respeitar as exigências do princípio da legalidade em matéria de impostos, decorrentes do artigo 103º, n.º 2, da CRP, designadamente, a respectiva criação, taxa e incidência deverão constar de lei formal.
B. O número 3 do artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, que criou a
“taxa sobre comercialização de produtos de saúde”, é materialmente inconstitucional, uma vez que não define a base de incidência objectiva do imposto criado.
C. O conceito geral de preço de venda ao consumidor final dos produtos de saúde, no qual se baseia a incidência objectiva do imposto em causa, não é passível de ser concretizado pelos respectivos sujeitos passivos, no momento de efectuar a autoliquidação do imposto, o que torna a sua base de incidência objectiva indeterminável.
D. A redacção do número 3 do artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000 assentou no facto de o legislador, inspirado na taxa de comercialização de medicamentos, ter
“importado” o esquema de funcionamento desta última, sem se aperceber que, ao fazê-lo, estava a criar um imposto cuja base de incidência não é determinável pelos respectivos sujeitos passivos, dado não existir, no que respeita aos produtos de saúde, um regime de preços fixos que permita saber, a priori, o preço de venda ao consumidor final.
E. A expressão “tendo por referência o preço de venda ao consumidor final” não surge de forma subordinada, como mero limite, no texto do número 3 do artigo
72º da Lei n.º 3-B/2000, mas antes como a própria definição da base de incidência objectiva do imposto, já que o que se afirma é que esta última corresponde à aplicação da taxa estabelecida sobre o volume de vendas dos sujeitos passivos, calculado por referência, não ao preço por estes praticado, mas antes ao preço de venda ao consumidor final.
F. A Circular n.º 1/2000 do INFARMED, bem como o modelo de “Declaração de Vendas” estabelecido por despacho do Conselho de Administração deste Instituto, são indirectamente ilegais e inconstitucionais, por violação do artigo 72.º, número 3, da Lei n.º 3-B/2000 e do princípio da legalidade em matéria tributária previsto no artigo 103º, número 2, da CRP.
G. Na medida em que o imposto criado pelo artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000 implica uma tributação sobre o rendimento de pessoas colectivas, e o número 3 do mesmo artigo sujeita os respectivos sujeitos passivos ao pagamento de um valor calculado por referência a um preço estabelecido e recebido por outras entidades que não aqueles sujeitos passivos, este último preceito é inconstitucional, por violação do imperativo resultante do número 2 do artigo 104º da Constituição da República Portuguesa, que exige que a tributação das empresas incida fundamentalmente sobre o seu rendimento real.».
4 - Por seu lado, a Fazenda Pública contra-alegou defendendo o julgado, concluindo pelo seguinte modo:
«1ª O tributo em questão configura um imposto, sendo que os seus elementos essenciais resultam com suficiente e adequado grau de concreção (sendo, nessa precisa medida, determinados ou, ao menos, determináveis), ou seja, com a densidade ou espessura normativas bastantes, directa e imediatamente da lei;
2ª O mesmo não enferma de qualquer inconstitucionalidade, porque criado pelo
órgão originariamente competente;
3ª A circular normativa e o modelo de declaração de vendas elaborados pelo INFARMED dão corpo a uma regulamentação de feição estritamente executiva, não se afastando, em nenhum ponto e qualquer detalhe, da moldura legal, correspondendo, assim, a uma sua concretização absolutamente secundum legem;
4ª O INFARMED não interferiu por qualquer forma no campo de incidência da taxa, que foi exclusivamente definida por lei;
5ª O campo de incidência da taxa é apenas e só o volume de vendas dos produtos por ela abrangidos, por parte dos obrigados ao seu pagamento, para os quais o preço de venda ao consumidor final é o preço a que os mesmos vendem os seus produtos àquele que lhos adquire, seja ele armazenista, distribuidor grossista ou consumidor final;
6ª É que, ao contrário do que a Recorrente, erradamente, entende, se os sujeitos passivos da taxa fossem taxados sempre pelo valor de venda do produto ao consumidor final, estar-se-ia perante uma solução contrária a todo e qualquer dos mais elementares princípios constitucionais e legais de justiça tributária que o INFARMED igualmente tem de observar, visto que, numa tal situação, como os produtos em causa não têm preço fixado por lei, podendo cada agente económico praticar um preço diferente, os sujeitos passivos poderiam ser colocados na situação de pagar uma taxa cujo valor poderia ser bastante superior ao próprio benefício económico decorrente da colocação do produto no mercado, o que contraria tudo o que são princípios de justiça fiscal;
7ª Ao criar por lei da Assembleia da República a presente taxa, o Estado português não violou, de forma alguma, qualquer das suas obrigações, enquanto Estado membro da Comunidade Europeia, isto é, não criou qualquer disposição interna que contrariasse o disposto na legislação legitimamente emanada dos
órgãos comunitários competentes;
8ª Acresce que a interpretação e aplicação efectuada pelo INFARMED no que respeita à liquidação da referida taxa está correcta e tem fundamento legal, expressamente reconhecido e reiterado pelo legislador no artigo 58º da Lei nº
30-C/2000, de 29 de Dezembro, no artigo 55º da Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro, e nos artigos 1º, nº 3, e 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 312/2002, de 20 de Dezembro, que constituem leis interpretativas do citado artigo 72º da Lei nº
3-B/2000, de 4 de Abril, e por isso se integram na lei interpretada (artigo 13º, nº 1, do Código Civil);»
B - A fundamentação
5.1 - Como se colhe das suas alegações, a recorrente refuta a constitucionalidade da norma do n.º 3 do art. 70º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, por violação do princípio da determinabilidade, que traduz uma das dimensões do princípio da tipicidade fiscal consagrado no n.º 3 do art. 103º, e do princípio da tributação do rendimento real, este estabelecido no n.º 2 do art. 104º, ambos os preceitos da Constituição, com base, prevalentemente, em um sentido interpretativo diferente do que foi aplicado pela decisão recorrida.
A questão de inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do art. 70º da Lei n.º 3-B/2000, numa vertente interpretativa igual à que a recorrente sustenta neste recurso [sem que decorrentemente conteste que tal determinação interpretativa tenha sido levada a cabo pelo tribunal a quo com violação dos limites decorrentes do princípio da tipicidade fiscal - com o que está afastada a questão que tem dividido o Tribunal acerca da possibilidade do conhecimento relativo a essa actividade hermenêutica e ao resultado a que conduziu - para um recenseamento do estado da jurisprudência sobre a questão, veja-se o Acórdão n.º
196/03, publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Outubro de 2003], já foi objecto de apreciação, pelo plenário do Tribunal, em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC). E no acórdão então proferido, com dois votos de vencido - o Acórdão n.º
127/04 - o Tribunal considerou que aquela norma - repita-se, entendida em termos correspondentes aos defendidos nas suas alegações - não ofendia o princípio da tipicidade fiscal, na sua vertente de determinabilidade, nem o princípio da tributação do rendimento real. Deste modo, mesmo que o Tribunal houvesse de conhecer da constitucionalidade da dimensão normativa sustentada pela recorrente, sempre a conclusão haveria de ser no sentido da conformidade constitucional da norma sindicada, por continuarem a valer os argumentos aí expendidos. Disse-se, aí, a esse respeito o seguinte:
«[...]
6.2. A norma, cuja conformidade à lei fundamental se questiona neste recurso, tem a seguinte redacção [transcrevendo-se todo o artigo para melhor apreensão do tipo tributário em causa]:
«Artigo 72º
Taxa sobre comercialização de produtos de saúde
1 – Os produtores e importadores, ou seus representantes, de produtos de saúde colocados no mercado ficam sujeitos ao pagamento de uma taxa de comercialização destinada ao sistema de garantia da qualidade e segurança de utilização daqueles produtos, à realização de estudos de impacte social e acções de formação para os agentes de saúde e consumidores, a realizar pelo INFARMED - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento.
2 – A taxa a que se refere o número anterior é de: a) Produtos farmacêuticos homeopáticos, dispositivos médicos não activos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro - 0,4%; b) Cosméticos e produtos de higiene corporal - 2%.
3 – A taxa incide sobre o volume de vendas de cada produto, tendo por referência o respectivo preço de venda ao consumidor final, constituindo receita própria daquele Instituto, e sendo o seu valor pago, mensalmente, com base nas declarações de vendas mensais, nos termos e com os elementos a definir pelo mesmo Instituto.
4 – A não apresentação da declaração exigida no número anterior constitui contra-ordenação, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 94/95, de 9 de Maio, do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 273/95, de 23 de Outubro, do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 306/97, de 11 de Novembro, e do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 296/98, de 25 de Setembro».
Lembra-se que está em causa alegada violação, pelo n.º 3 deste artigo, dos princípios da legalidade tributária e da tributação do rendimento real (artigos
103º, n.º 2, e 104º, n.º 2, da Constituição).
6.3. O princípio da legalidade tributária, que a Constituição de 1976 vem afirmando em todas as suas versões, consta hoje do seu art.º 103º, n.º 2. Segundo este, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». O princípio tem duas dimensões jurídicas, ambas enfeudadas à sua matriz histórica de não tributação sem a autorização do Parlamento, enquanto representante do povo
(princípio da auto-tributação): uma traduzida na regra constitucional de reserva de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento a que tem de obedecer a criação dos impostos, constante actualmente do art.º 165º, n.º 1, alínea i), da CRP; outra, consubstanciada na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, abrangendo, assim, a incidência objectiva e subjectiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
É esta segunda dimensão que densifica os fundamentos axiológicos da nossa Constituição Fiscal e que se materializa nos princípios da universalidade, da igualdade tributária e da capacidade contributiva. Ora, a prossecução de um tal desiderato ético-político demanda que a função de definição dos elementos de cuja operacionalidade jurídica emerge a obrigação tributária esteja reservada à lei. Deste modo, o princípio da legalidade tributária, na sua acepção material ou substancial, postula a sujeição ao sub-princípio da tipicidade legal dos elementos de cujo concurso resulte a modelação dos tipos tributários ou dos impostos ou, dito de outro modo, dos elementos essenciais dos impostos, e que são, segundo os próprios termos adquiridos da ciência fiscal pela nossa Lei Fundamental, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Cingindo-nos ao plano da incidência dos impostos - já que a questão de inconstitucionalidade se centra nesse domínio - importa notar que caberá ao legislador (a Assembleia da República ou o Governo, agindo com autorização daquela) a tarefa de eleger, dentro dos factos que revelem a existência de capacidade contributiva, aqueles que devem ser erigidos à categoria de factos tributários ou de factos jurígenos da obrigação de imposto (incidência objectiva). Mas, porque se trata de factos jurídicos, com necessário relevo económico/financeiro, e porque a capacidade contributiva que se pretende afectar
é susceptível de diversas gradações, compete também ao legislador definir os critérios quantitativos de afectação ao imposto do valor desses factos. Fala-se, então, na dimensão quantitativa do facto tributário denominada por matéria colectável. Por outro lado, cabe igualmente à lei a função de definir os termos ou elementos que permitem o estabelecimento do vínculo jurídico de conexão ou de adstrição dos factos tributários objectivos a certo sujeito, convertendo-o em sujeito da obrigação de imposto. Por natureza, atenta a sua função constitucionalmente definida, o legislador tributário goza, em princípio, de discricionariedade normativo-constitutiva quanto à eleição dos factos reveladores de capacidade contributiva que podem ser elevados à categoria de factos tributários, bem como à definição dos elementos que concorrem para se definir a matéria colectável. Mas, como não poderá deixar de ser, com obediência aos parâmetros constitucionais, já acima apontados.
Um destes parâmetros, que é postulado pelos princípios do Estado de Direito e da segurança jurídica que lhe é inerente, é o princípio da determinabilidade. Ao hipotisar os pressupostos de facto/jurídicos da tributação
– ao desenhar o tipo ou o Tatbestand tributário - depara-se, na verdade, o legislador com o problema da previsibilidade dos efeitos jurídicos amputadores da riqueza ou do rendimento dos contribuintes. É neste terreno que se põe, então, a questão da amplitude constitucionalmente admissível dos conceitos usados na definição dos elementos essenciais dos impostos, confrontando-se aqui duas pretensões de sentido oposto. De um lado, a exigência de que a previsão dos factos tributários seja feita de forma «suficientemente pormenorizada», de modo que os contribuintes possam ter algumas certezas quanto à extensão da sua riqueza ou rendimento que sairá afectada pela tributação (cfr. J. M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal,
2ª edição, Coimbra, 1972, pp. 309 e segs.) ou que a lei «leve a disciplina dos referidos elementos essenciais, ou seja, a disciplina essencial de cada imposto, tão longe quanto lhe seja possível» (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal,
2ª ed., Coimbra, 2003, pp. 138), de modo que a obrigação de imposto seja o mais certa possível por parte dos contribuintes. É a solução que é reclamada pelo princípio da segurança jurídica dos contribuintes. Segundo esta perspectiva, a incidência (como os demais elementos essenciais) deve ser definida por conceitos cujo sentido seja o mais unívoco possível. Mas, do outro lado, o princípio da igualdade tributária reclama que os conceitos tenham a abertura ou plasticidade semântica suficiente para poder abarcar as realidades que expressam a capacidade tributária elegida, os níveis de riqueza ou de rendimento tributando, e que esse objectivo possa ser realizado não só no plano abstracto da previsão dos tipos tributários, mas também no plano da sua aplicação concreta, em que se situam o combate à evasão fiscal e a praticabilidade do sistema. Na verdade, sem uma estruturação conceitual apta a colher todas as virtualidades que o facto tributário é susceptível de assumir; sem uma eleição de conceitos que permitam surpreender a existência da riqueza e dos rendimentos e, por fim, sem a construção de um sistema exequível sob o ponto de vista da praticabilidade, não pode haver um efectivo cumprimento do princípio da igualdade tributária. São estes, essencialmente, os aspectos que, segundo a doutrina, justificam o uso dos conceitos jurídicos indeterminados, de “certas cláusulas gerais”, de “conceitos tipológicos” (Typusbegriffe), de “tipos discricionários” (Ermessentatbestände) e de certos conceitos que atribuem à administração uma margem de valoração, os designados “preceitos de poder”
(Kann-Vorschrift) (cfr. J. L. Saldanha Sanches, “A segurança jurídica no Estado social de direito”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.os 310/312, pp. 299 e segs.; J. Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1998, pp. 373 e segs.). Mediante o uso de tais figuras o sistema ganha operacionalidade e aptidão, quer para dar resposta às circunstâncias que o legislador hipotisou, quer para abarcar as novas realidades reveladoras de idêntica capacidade contributiva. Mas, como é evidente, não pode deixar de existir um limite ao uso de tais modos de expressão dos elementos do imposto, sob pena de sair frustrado o objectivo constitucional de cometer aos representantes do povo a definição dos tipos tributários. Se não será sempre indispensável que a norma legal fiscal forneça ao contribuinte a possibilidade de cálculo exacto, sem margem para quaisquer dúvidas ou flutuações, do seu encargo fiscal, é, porém, de exigir que “a norma que constitui a base do dever de imposto seja suficientemente determinada no seu conteúdo, objecto, sentido e extensão de modo que o encargo fiscal seja medível e, em certa medida, previsível e calculável para o cidadão” (cfr. J. Casalta Nabais, O dever fundamental…, cit., p. 356, citando esta fórmula do Tribunal Constitucional Federal alemão, embora criticando ainda a sua insuficiência, e salientando que o princípio da determinabilidade deve “ser entendido com alguma moderação e realismo de modo a compatibilizá-lo com o princípio da praticabilidade”). Relativamente ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal cabe dizer, também, que ele não abarca os aspectos que contendam com o lançamento, a liquidação e a cobrança dos impostos. É uma solução que decorre directamente do disposto no art. 103º, n.º 3, segundo o qual “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos... cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”. Atenta a ratio do princípio da legalidade tributária, apenas poderão dizer-se sujeitas às suas exigências formais e materiais aquelas normas que, conquanto possam aparecer inseridas no procedimento de determinação do imposto, assumam um carácter «material ou substantivo» ou cujo conteúdo tenha que ver, ainda, com a modelação normativa dos elementos constitutivos do tipo tributário de cuja concretização factual deriva a obrigação de imposto e o seu montante, extravasando da esfera procedimental ou processual.
É o caso das normas que identificam, ainda, a realidade económica sujeita ao imposto, através da caracterização ou consideração de factores, índices ou expoentes de que o facto tributário se pode revestir. É claro, na verdade, que o legislador, na conformação dos elementos essenciais do tipo tributário, não está inibido, sem qualquer ofensa dos princípios da legalidade tributária e da tipicidade, de lançar mão, para além dos referidos conceitos, de remissões para elementos aos quais atribua a função de determinação dos seus aspectos ou dimensões técnicas (por exemplo, com remissão para um determinado preço que se venha a estabelecer no mercado). Se estas dimensões forem certas ou quase certas, ou, pelo menos, previsíveis, é evidente que a remissão para a sua fixação em nada afronta o princípio da tipicidade e da segurança jurídica que lhe anda associado. Tais normas remissivas têm, ainda, uma função identificadora dos rendimentos ou da riqueza a tributar, bem diferente daquele outro tipo de normas que apenas têm por escopo indicar os métodos ou caminhos a percorrer com vista à determinação da matéria colectável e/ou do imposto, e estão sujeitas ao princípio da legalidade.
6.4. Passemos, agora, à análise da conformidade da concreta norma em questão com a dimensão material do princípio da legalidade tributária, tal como este foi acima recortado. Mas antes de mais importa referir que as considerações subsequentes têm como pressuposto a aceitação da qualificação (em cuja discussão aprofundada não se torna, pois, indispensável entrar), efectuada pela sentença recorrida, do tributo em questão como verdadeiro imposto (pese embora a designação como “taxa sobre comercialização de produtos de saúde”), na medida em que não se divisa qualquer contrapartida com a qual o tributo se encontre em relação sinalagmática, não tendo de saber-se, aqui, se tal resultado interpretativo é o que deverá inferir-se da lei ordinária, à face dos respectivos cânones hermenêuticos. Trata-se de um imposto que visa tributar o consumo de certos
“produtos de saúde” (imposto indirecto sobre o consumo), cujos sujeitos passivos são os “produtores e importadores, ou seus representantes, de produtos de saúde colocados no mercado” (que naturalmente o repercutirão no consumidor final, pelo que este é assim o seu sujeito económico). Por outro lado, cumpre notar que o imposto foi autoliquidado pelo sujeito passivo de acordo com as regras de determinação da matéria colectável que foram definidas pelo INFARMED - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento que a decisão recorrida considerou, porém, ilegais, porquanto este Instituto
“veio a consagrar uma regra (…) diferente da legalmente estabelecida, pois que manda aplicar a taxa ao volume de vendas do sujeito passivo (que reconhece só muito raramente ser a entidade que vende ao consumidor/utilizador final), quando a lei determina que esse volume de vendas tem por referência o respectivo preço de venda ao consumidor final. Uma coisa é o volume de vendas do sujeito passivo, e outra, bem diferente, é esse volume de vendas por referência ao preço de venda ao consumidor final.”
É claro que o que está aqui em causa não é a regra legal que foi aplicada pelo sujeito passivo na autoliquidação do imposto por si efectuada, correspondente à decorrente da interpretação feita pelo INFARMED, mas antes a norma jurídica tal qual foi determinada pela decisão recorrida, já que foi com base na sua aplicação que esta decretou a anulação da autoliquidação.
O tipo tributário em causa mostra-se caracterizado na sentença recorrida do seguinte modo: a incidência objectiva do tributo é revelada, segundo a expressão legal (art. 72º, n.º 1, da referida Lei do Orçamento), pela introdução no mercado dos produtos a que aludem as alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo art.
72º (produtos farmacêuticos homeopáticos, dispositivos médicos não activos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro e cosméticos e produtos de higiene corporal); os sujeitos passivos do imposto (incidência subjectiva) são os produtores e importadores, ou os seus representantes; a dimensão quantitativa do facto tributário em que se expressa a matéria colectável – dimensão ainda da incidência objectiva, segundo os princípios acima expostos - é definida pelo volume de vendas de cada produto daquelas espécies, tendo aquele por referência o respectivo preço de venda ao consumidor final, sobre ele se aplicando as taxas estabelecidas.
Ora o recorte de todos estes conceitos legais permite o conhecimento objectivo, e com segurança jurídica, de qual foi a “entidade” económica que foi seleccionada pelo legislador como facto tributário: a introdução no mercado das espécies identificadas dos referidos produtos. Permite, ainda, conhecer, com previsibilidade e segurança jurídicas, os termos quantitativos do facto tributário que foram legalmente relevados para o apuramento do imposto ou seja, qual a definição da sua matéria colectável: o volume de vendas de cada produto, com referência ao seu preço de venda ao consumidor final, e bem ainda os obrigados ao seu pagamento ou os seus sujeitos passivos: os produtores e importadores dos referidos produtos, ou os seus representantes.
É certo que, no momento da produção, da importação ou do lançamento no mercado, não sendo, em regra, os produtores e importadores, ou seus representantes, de produtos de saúde a vender directamente ao consumidor final, o preço de venda ao consumidor final pode ainda não estar estabelecido (deixando, pois, de parte, a hipótese de eventuais preços fixos, com todas as suas implicações), e que, portanto, pode ainda variar. Não pode, ainda assim, afirmar-se que, com a remissão para tal preço de venda ao consumidor final para o cálculo do imposto – preço, esse, que só vem a fixar-se com exactidão posteriormente –, o encargo fiscal se torne impossível de medir, e deixe de ser, na medida constitucionalmente exigível à luz do princípio da legalidade fiscal, previsível e calculável. Na verdade, o preço de venda ao consumidor final, que a norma em apreço define como a “referência” para o cálculo do imposto (este “incide sobre o volume de vendas de cada produto, tendo por referência o respectivo preço de venda ao consumidor final”), podendo embora variar, de forma a não ser exactamente quantificável no momento das vendas, realizadas por produtores e importadores, ou seus representantes, de produtos de saúde colocados no mercado, não deixa de ser em regra previsível, segundo as condições normais prevalecentes no mercado. E mais: tal preço não só é normalmente previsível como é mesmo - ou deve ser, segundo as leges artis da actividade comercial e industrial - geralmente, previsto, tal como as quantidades que provavelmente serão vendidas ao consumidor final, quer pelos vendedores finais, quer pelos próprios produtores, importadores ou seus representantes, dado que estes, naturalmente, têm de basear nessas previsões os cálculos indispensáveis para o exercício da respectiva actividade económica e empresarial. Não se afigura, assim, que a circunstância de se tomar tal antecipação do que virá a ser o preço de venda ao consumidor final (nos casos em que não se pode saber com certeza qual virá a ser) como base para o cálculo do imposto torne este indeterminável.
É certo que poderá ocorrer uma flutuação do preço de venda ao consumidor final, até à venda a este, em relação ao preço antes previsto, e que esta tanto pode vir a dar-se no sentido negativo (caso em que se poderá ter liquidado imposto com base num preço superior, e, portanto, eventualmente, um encargo fiscal maior do que o que resultaria da consideração do preço realmente verificado) como no sentido positivo (tendo-se liquidado um montante de imposto inferior ao correspondente ao preço real), sendo, até, este último o caso normalmente propiciado por conjunturas de inflação. Nesta senda poder-se-ia dizer que o preço tomado por base da autoliquidação seria um preço presumido. Todavia, a circunstância de, eventualmente, o sujeito passivo ter de, ao autoliquidar o imposto, partir de um preço presumido ao consumidor final não quer dizer que o legislador não tenha definido a incidência em torno do preço de venda ao consumidor final. Donde se poderá concluir que o estado de dúvida subjectiva sobre o preço a tomar como base de autoliquidação do imposto se deve exclusivamente ao regime de liquidação do tributo, numa dimensão procedimental estranha ao princípio da tipicidade ou da legalidade fiscal – e, de todo o modo, que se trata de um problema de calculabilidade do imposto com exactidão, que, como resulta do que se disse, não poderia fundar nunca uma conclusão pela indeterminabilidade da obrigação tributária, e consequente violação do princípio da legalidade fiscal, consagrado no artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República: a opção do legislador por um regime de autoliquidação do tributo, como acontece neste tipo tributário, em vez de por um regime de apuramento ou de liquidação administrativas é irrelevante para a definição do grau de certeza objectiva da incidência que é exigível pelo princípio constitucional referido. Conclui-se, pois, no sentido de que o n.º 3 do artigo 72º da referida Lei n.º
3-B/2000, de 4 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2000), não viola a dimensão material do princípio da legalidade tributária.
6.5. A impugnante, ora recorrida, sustenta, ainda, que o tributo, assim modelado nos termos do art.º 72,º n.os 1 e 3, da Lei n.º 3-B/2000, é inconstitucional por violação do disposto no art.º 104º, n.º 2, da CRP (princípio da tributação do rendimento real). Mas não tem razão, como se verá de seguida. A nossa Constituição concebeu a realidade dos impostos enquanto um sistema que, no seu todo, deve “visa[r] a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”. E deixando, embora, ao legislador ordinário um vasto campo de eleição quanto à conformação dos tipos tributários a criar ou a manter, não deixou, desde logo, de lhe apontar os princípios rectores aos quais os diversos tipos de impostos deverão obedecer, consoante os factos económicos que atinjam - o rendimento pessoal, o rendimento das empresas, o património e o consumo -, prevendo uma tributação sobre o rendimento pessoal, sobre o rendimento das empresas, do património e do consumo.
No que concerne à tributação das empresas, que é o domínio em que se insere a concreta questão de inconstitucionalidade posta pela recorrida, o diploma básico estabelece que ela “incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”. A tributação segundo o rendimento real é, numa certa dimensão, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva. É ele que justifica que a Constituição estabeleça que o sistema fiscal não pode deixar de assegurar “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art.º 103º, n.º 1) e que especifique, posteriormente, que os impostos devem ter em conta as “necessidades e os rendimentos [concretos] do [de cada] agregado familiar” e, finalmente, que a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.
Mas o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (cfr. art. 17º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei. Por outro lado, a injunção constitucional da tributação segundo o rendimento real não pode deixar de atender, necessariamente, aos princípios da praticabilidade e de operacionalidade do sistema, pelo que não pode deixar de se lhes reconhecer natureza constitucional, sob pena dos arquétipos legalmente construídos não conseguirem realizar, com a aproximação possível, o princípio da universalidade e da igualdade no pagamento dos impostos.
Um sistema inexequível ou um sistema que não permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente, conduz em linha recta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real. São estas as dificuldades que explicam que a Constituição se tenha limitado a prever que a imposição fiscal deve incidir fundamentalmente sobre o rendimento real, não «excluindo com tal disposição o recurso a outras formas fiscais estranhas ao mito do apuramento declarativo-contabilístico do rendimento real»
- José Guilherme Xavier de Basto (O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, in Fiscalidade, n.º 5) (cfr. também, João Pedro Alves Ventura Silva Rodrigues, Algumas reflexões em torno da efectiva concretização do princípio da capacidade contributiva, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2003, pp. 906 e ss.).
No dizer de Casalta Nabais, «a CRP, ao exigir que a tributação das empresas se norteie pelo rendimento real, está apenas a “recortar” o quadro típico ou caracterizador do sistema fiscal (...) e não [a] “estabelecer” ou
“desenhar a cheio” esse mesmo quadro» (cfr. “Alguns aspectos do quadro constitucional das empresas”, in Fisco, n.os 103/104, pp. 19).
Ora, mesmo desprezando a admitida circunstância de a Constituição poder admitir uma tributação das empresas não subordinada estritamente ao seu rendimento real, verifica-se que o tributo acima normativamente recortado não tem a natureza de um tributo sobre o rendimento real, na medida em que ele não incide sobre a “soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período”, auferido pelos seus sujeitos passivos. Ele é, antes, basicamente, uma imposição tributária que se enquadra no tipo daqueles tributos que procuram atingir o consumo dos específicos bens a que respeita.
Nesta perspectiva, os factos geradores da obrigação tributária ou a sua causa legal não são a obtenção de certo rendimento pelo obrigado tributário, expresso nos referidos termos, mas o consumo evidenciado pela venda de tais produtos.
Não se pode verificar, pois, qualquer violação do princípio do rendimento real estabelecido no art.º 104º, n.º 2, da CRP.».
5.2 - Mas, no presente recurso, do que se trata é de saber se, interpretada a norma de incidência objectiva nos termos em que o foi pela decisão recorrida - e que para este Tribunal se assumem como um dado, por não ter sido efectuado qualquer pedido de inconstitucionalidade [para quem admita ser ele possível] da determinação interpretativa levada a cabo pelo tribunal, com base em eventual violação, nessa actividade hermenêutica, dos limites decorrentes do princípio da tipicidade - a mesma viola o princípio da tipicidade, na sua dimensão de determinabilidade, e o princípio da tributação do rendimento real.
Ora, se a compreensão dos princípios constitucionais da determinabilidade fiscal e do rendimento real nos termos que se deixaram expendidos em tal aresto e que aqui se renovam, não permitiu censurar, sob o ponto de vista da sua conformidade com a Lei Fundamental, a norma de incidência quando entendida nos termos aí precisados [análogos aos sustentados pela recorrente], muito menos essa conclusão se impõe quando interpretada a norma com o sentido fixado pelo acórdão agora recorrido. Entendida a norma no sentido de que a «incidência se concretiza no “volume de vendas” de cada produto e o seu valor é pago mensalmente com base nas respectivas “vendas mensais”», tendo a referência ao “preço de venda ao consumidor final” a natureza de «um mero “valor de referência de limite”», nem sequer poderá, com o mínimo de pertinência, sustentar-se haver lugar para qualquer grau de incerteza subjectiva por parte do sujeito passivo que tem de autoliquidar o imposto. Enquanto parte que intervém na prática do facto tributário da venda, esse sujeito tem perfeito conhecimento do preço que cobrou. Sendo assim, importa concluir que, ao invés do que a recorrente sustenta nas suas alegações (ponto 32 e alínea E das conclusões], a norma do referido n.º 3 do art. 72º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, não ofende o disposto no artigo
103º, n.º 2, da Constituição.
5.3 - Sustenta ainda a recorrente que a «norma regulamentar correspondente à Circular n.º 1/2000 do INFARMED» e a «norma regulamentar correspondente à Declaração de Vendas estabelecida por Despacho do Conselho de Administração do INFARMED, de 28 de Abril de 2000» são “indirectamente ilegais e inconstitucionais por violação do art. 72º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2000, e do princípio de legalidade em matéria tributária previsto no art. 103º, n.º 2, da CRP”, por terem estabelecido um regime inovatório relativamente ao constante daquele primeiro preceito. No âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da ilegalidade de normas nos casos apontados no art. 70º, n.º 1, da LTC, não se incluindo entre eles as situações a que alude a alínea b), ao abrigo da qual o recurso foi interposto.
Por outro lado, e relativamente à alegada questão de “inconstitucionalidade indirecta”, constata-se que ela se estriba em determinada interpretação, defendida pela recorrente, que não foi, porém, acolhida nem pelo acórdão recorrido, nem pelo citado Acórdão n.º 127/04. Na verdade, segundo o acórdão recorrido, estas normas “surgem como mero regulamento executivo e instrumental”, pelo que, dentro desta óptica, as normas em causa nada estabelecem ou definem inovatoriamente em matéria de incidência, limitando-se a descrever os meios materiais e as operações materiais em que a autoliquidação do tributo se deve traduzir dentro da acepção normativa estabelecida pelo preceito da incidência, tal qual a definiu o tribunal a quo. Perante a interpretação da norma feita pelo tribunal a quo, que tem a natureza de um dado para o Tribunal Constitucional neste tipo de recurso, a questão de inconstitucionalidade alegada perdeu a sua base de sustentação.
C – A decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 20 UC.
Lisboa, 17 de Março de 2004 Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos