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Proc. n.º 4/03
2ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A - O relatório
1 - A. vem reclamar do Acórdão n.º 611/03, proferido nestes autos, invocando o disposto nos arts. 668º, n.º 3 e 716º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 69º, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), dizendo:
«A., recorrente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do douto acórdão de fls. ..., vem reclamar por nulidades o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
I - O recorrente, ora reclamante, não está totalmente convencido da bondade dos fundamentos do decidido que, recorde-se, foi: 'a) não conhecer da questão de inconstitucionalidade consubstanciada em a norma revogatória do art. 380º-A do CPP enquanto interpretada no sentido de não conceder ao arguido o direito a requerer novo julgamento, ser de aplicação imediata aos processos em curso. B) negar provimento ao recurso na parte restante.', propondo-se reclamar do mesmo, nos termos do disposto no nº 3 do art. 668° e nº 1 do art. 716° do Cód. Proc. Civil, aplicáveis ex vi do art. 69° da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro. II - Decisão de 'não conhecimento'
1 - Não deixa de ser significativo de no acórdão reclamando haver uma declaração de voto que, por economia de esforço, aqui damos por reproduzida.
2 - O próprio Conselheiro Relator no seu exame preliminar de fls. admite a hipótese de ter sido suscitada a questão de inconstitucionalidade (cfr. pontos 3 e 5).
3- É incorrecto dizer-se, como ali se faz, que: '... a única forma de satisfazer este requisito teria sido a arguição de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379 do CPP.' Na verdade,
4 - Tal ficou demonstrado na peça processual de fls. em que o ora reclamante se pronunciou sobre o exame preliminar, nos pontos nºs 17 a 21 que aqui se dão por reproduzidos, por economia de esforço.
5 - A propósito, não será despiciendo invocar-se um caso ocorrido no escritório onde a signatária trabalha:
5.1 - Em processo-crime, por crime de abuso de confiança fiscal, com pedido de indemnização civil (os impostos em dívida) formulado pelo ministério público, um cliente do escritório, foi condenado em pena de multa e no pedido civil.
5.2 - Foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa em que, inter alia, se julgou que o recorrente não era gerente relativamente a todo o período temporal a que dizia respeito o pedido de indemnização civil, mantendo-se, no entanto, a condenação no pedido civil.
5.3 - Perante tal discrepância, o arguido, então recorrente, reclamou para o Tribunal da Relação de Lisboa.
5.4 - O Tribunal da Relação indeferiu a reclamação, com o fundamento de que 'não só a decisão deste TRL conhece, a final, do objecto do processo, como não existe qualquer recurso da mesma.'
5.5 - Levada esta questão ao tribunal constitucional, foi o mesmo rejeitado liminarmente.
5.6 - Dizendo-se, ali, que o tribunal recorrido 'procedeu a uma interpretação declarativa de tais preceitos' (entenda-se nº 2 do art. 379° e o aqui referido
414° nº 4 ambos do CPP), dizendo-se, também ali 'podia configurar a decisão de indeferimento da arguição das nulidades, devendo, nessa medida, suscitar as questões de constitucionalidade que considerasse pertinentes'(1)
6 - Quer dizer, para que o ora reclamante pudesse, com êxito, reclamar por nulidades, nos termos do art. 379° do CPP, teria que, nessa mesma reclamação arguir a inconstitucionalidade das regras constantes do nº 2 do art. 379° e nº 4 do art. 414°, tal como são aplicadas pela jurisprudência dominante! ! !
7 - Como ensina Américo A. Taipa de Carvalho, a propósito do disposto na a) do nº 2 do art. 5° do CPP 'Em minha opinião, o disposto na al. a) não devia constar do art. 5°, pois que versa uma questão que, por exigência constitucional e do Estado-de-Direito, está submetida ao princípio da proibição da retroactividade, e, portanto, é abrangido pelo art.2°-4 do Código Penal.(2)
8 - E foi à luz desse entendimento que o ora reclamante perspectivou o seu recurso, como claramente resulta das conclusões 5ª a 7ª das alegações de recurso que, por economia de esforço, aqui se dão por reproduzidas.
9 - O acima referido autor terminava o seu comentário desta forma 'Se a intenção foi boa, a disposição é inútil e oxalá que não venha a servir de pretexto para decisões injustas e inconstitucionais.'(3)
10 - Pelos vistos tal receio veio a verificar-se.
11 - O douto acórdão recorrido enferma, pois da nulidade de falta de pronúncia
(1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668° do CPC) que deve ser decidida em conferência. III - Decisão de 'negar provimento'
1 - A questão suscitada é, claramente, uma questão de 'interpretação da lei'.
2 - Desconhece a signatária qual o método seguido pelo acórdão recorrido, na interpretação da Lei de Autorização Legislativa que, salvo o devido respeito, consideramos como uma lei constitucional. Na verdade,
3 - Métodos de interpretação de leis constitucionais e mesmo ordinárias, há muitos.(4)
4 - Qualquer que seja o método seguido, são muitos os elementos da interpretação da lei.
5 - 'Dito de outra forma: entendemos que não deve ligar-se aos trabalhos preparatórios uma grande importância, nem sequer igual à dos outros elementos, e que essa importância só será real, quando, integrado este elemento na série de todos os outros, se puder chegar também com ele ao mesmo resultado de interpretação a que pelos outros já se chegou'(5)
6 - E o mesmo Insigne Mestre, doutamente, considera que 'Por outros termos: quando entre uma certa disposição de lei que estamos a interpretar e uma outra, ou entre ela e um princípio superior de direito, embora não expresso, notarmos uma contradição lógica impossível de remover, poderá então chegar-se a um resultado desta natureza, considerando revogada a lei'(6), Ora,
7 - Nas alegações de recurso propuseram-se dois argumentos ad aburdum, constantes das conclusões 2ª a 4ª que, por economia de esforço, aqui se dão por reproduzidas. Ora,
8 - Sobre elas não se pronunciou o acórdão ora reclamado, dando primazia aos
'trabalhos preparatórios'.
9 - Mostra-se, pois, estar o acórdão reclamado, inquinado da nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668° do Cód. Proc. Civil.
Termos em que com o que mais doutamente for suprido, se deve, em conferência, decidir-se das ora reclamadas nulidades.»
2 - Como se infere do articulado, o requerente imputa duas nulidades ao acórdão, ambas enquadradas na 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 668º do CPC: uma consubstanciada na falta de pronúncia sobre a questão relativa à decisão de não conhecimento e a outra, de falta de pronúncia sobre os argumentos constantes das conclusões 2ª a 4ª das alegações de recurso no Tribunal Constitucional.
3 - O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal respondeu à reclamação, dizendo que “esta carece ostensivamente de qualquer fundamento sério, já que este Tribunal decidiu, com plena fundamentação, todas as questões que relevavam para a definição do caso, perspectivando-se a argumentação do recorrente como traduzindo, em termos substanciais, a impugnação do acórdão recorrido”.
B – A fundamentação
4.1 - Como se constata dos fundamentos da reclamação, o que o reclamante põe em causa é a correcção do decidido relativamente ao não conhecimento do recurso relativo à norma revogatória do art. 380º-A do CPP enquanto interpretada no sentido de não conceder ao arguido o direito a novo julgamento e de a mesma ser de aplicação imediata. Ao invés do considerado no acórdão reclamado em que se ajuizou não ter o reclamante suscitado perante o Tribunal da Relação tal questão de inconstitucionalidade, nem esse Tribunal conhecido dela, e por isso não se verificar o pressuposto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, de suscitação da inconstitucionalidade da norma durante o processo, o reclamante continua a batalhar no sentido de que essa questão teria sido conhecida de modo implícito pelo Tribunal da Relação e de como tal lhe ter sido colocada. Não ocorre, pois, qualquer falta de pronúncia sobre a questão da existência do pressuposto processual: os eventuais erro de julgamento ou falta de consideração de argumentos que hipoteticamente pudessem induzir a uma certa conclusão jurídica não integram o instituto da nulidade do acórdão por falta de pronúncia sobre a questão a que respeita esse presuntivo erro ou não consideração de certa argumentação tida por pertinente.
4.2 - E o mesmo se diga relativamente à imputada falta de pronúncia sobre os argumentos desferidos pelo recorrente nas conclusões 2ª a 4ª das suas alegações de recurso no Tribunal Constitucional. Também aí, o que o recorrente controverte
é a correcção do resultado interpretativo determinado pelo Tribunal segundo o qual a autorização para revogar o art. 380º-A, do CPP, então vigente, consta do art. 6º da Lei n.º 27-A/2000, de 17 de Novembro. Defende o recorrente que o Tribunal não valorou nesse juízo hermenêutico os argumentos expostos nas referidas conclusões 2ª a 4ª. Independentemente da pertinência que esses argumentos possam ter para aferir do sentido da lei de autorização, constata-se que o recorrente não imputa à decisão reclamada qualquer vício traduzido na falta de conhecimento de uma concreta questão - até porque a questão a que respeita foi efectivamente conhecida, qual seja a da existência de norma que autorize a revogação daquele art. 380º-A, do CPP - mas sim a falta de ponderação de argumentos que tem por pertinentes à sua resolução. Ora, os argumentos convocáveis para se decidir certa questão não se identificam com a questão a decidir. Por isso, a sua deficiência ou erro de ponderação poderão afectar apenas a correcção jurídica ou a convincência doutrinária da decisão, mas não traduzirão qualquer falta de pronúncia inquinadora da validade do acto decisório judicial. Improcede, pois, também, este fundamento da reclamação.
C – A decisão
5 - Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação. Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 15 UC.
Lisboa, 17 de Março de 2004
Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
(1) Proc. nº 56/2003, 2ª Secção, em que foi Relatora a Exma. Conselheira Maria Fernanda Palma.
(2) Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 2ª Edição, pág. 277.
(3) Op. cit
(4) Cfr. a propósito, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina,
5ª Edição, págs. 201 a 254.
(5) Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 1954, 2ª Edição, Vol. I, pág.
171; no mesmo sentido, cfr. Francesco Ferrara, Ensaio Sobre A Teoria Da Interpretação Das Leis, traduzido por Manuel A. Domingues Andrade, 3ª Edição, págs. 144 a 146.
(6) Op. cit. Pag.181.