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Proc.Nº 545/97 Sec. 1ª Rel. Consº.Vítor Nunes de Almeida Acordam no Tribunal Constitucional: I - RELATÓRIO:
1. - M... deduziu embargos à providência cautelar não especificada contra si decretada a requerimento da firma 'F., Ldª', pedindo a procedência dos embargos e a condenação das testemunhas MS... e C... na indemnização de 3.500.000$00 pelos falsos depoimentos prestados.
Os embargos deduzidos vieram a ser julgados improcedentes e os requeridos absolvidos do pedido, mantendo-se a providência decretada.
Da decisão da 1ª instância, interpôs M... recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão de 31 de Outubro de 1996, apreciou a apelação e os seis agravos interpostos, julgando todos os recursos improcedentes e confirmando as decisões recorridas.
Ainda não conformada, M... interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (adiante, STJ), o qual decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
2. - Notificada desta decisão, M..., veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional. Neste Tribunal, a recorrente foi convidada, por despacho do relator, a indicar os elementos exigidos pelo artigo 75º-A, da Lei do Tribunal Constitucional.
Na sequência desse convite, a recorrente veio dizer no essencial que pretendia a apreciação da inconstitucionalidade dos preceitos contidos nos artigos 517º, n.º 2, 544º, n.º 1, 144º, n.º 1, e 153º do Código de Processo Civil, todos em conjugação da alínea b) do n.º 1 do artigo 651º, na interpretação dada pelas instâncias recorridas, mais considerando errada a interpretação dada aos artigos 671º, 672º e 676º, n.º1, todos do mesmo Código.
Produzidas as alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
'1ª As normas extraídas do artº 651 nº1 alínea b) do CPC e aplicadas pelas decisões recorridas são inconstitucionais.
2ª De facto, segundo o sentido que lhe foi dado nas decisões «a quo» a expressão que a parte não possa examinar no próprio acto - está a atribuir ao julgador e não à parte a faculdade de avaliar a possibilidade de examinar ou não os documentos no próprio acto. Interpretação que colhe erradamente, mais uma vez, a sua justificação no facto de se entender que quando a parte o não possa fazer no próprio acto - segundo a avaliação do julgador - a audiência tem de ser adiada; e, portanto o grave inconveniente, ou a existência da inconveniência em que a audiência prossiga sem resposta seria a 'ratio' para a competência atribuída ao julgador para a concessão ou não do prazo previsto na lei.
4ª Porém, e desde logo, o preceito correctamente interpretado não contem nenhuma norma implicativa de que a audiência não deve prosseguir se os documentos não puderem ser examinados no próprio acto.
5ª Nem atribui ao julgador, mas à parte, a faculdade de avaliar se pode ou não examinar os documentos no próprio acto.
6ª E a conveniência ou inconveniência de que a audiência prossiga sem a resposta, essa sim, é que é uma competência atribuída ao julgador pelo legislador para que considere em face da hipótese de que a parte não prescinda do prazo de exame dos documentos porventura juntos na audiência.
7ª E a atribuição à parte da faculdade de avaliar da possibilidade ou não de examinar no próprio acto os documentos, e de utilizar ou não o prazo legal, obedece a critérios que têm a ver com a execução do Princípio Constitucional da Igualdade.
8ª Princípio esse que vem também executado, em consonância com esta última interpretação do artigo 651º. Nº1 alínea b), nomeadamente os artigos 3º, 144º, nº1, 153º, 517º nº1 e 2, 487º nº1 e 2, 490º e 664º todos do CPC.
9ª Assim, a aplicação do artigo 651ºnº1 alínea b), com o sentido referido nas conclusões 2 e 3, consubstancia aplicações de normas que são inconstitucionais, para além de erradas, a implicar a desaplicação por igual errada interpretação, do princípio do processo civil da contraditoriedade ou do contraditório e do princípio da audiência contraditória das provas, referidas pelo Prof. Castro Mendes, in obra citada a pág. 164, e que estão consignadas nos preceitos citados na conclusão oitava destas alegações, a executar o princípio constitucional da igualdade para a certeza e segurança jurídica.'
A firma recorrida 'F..., LDA' também apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo:
1º - Não existe qualquer contradição entre o artº 651º nº1, al. b) e o artº 544º nº1 do CPC, porquanto
2º - O artº 651º nº1 al. b) estabelece apenas um prazo para exame
(necessariamente rápido) dos documentos juntos em audiência,
3º - E o artº 544º nº1 um prazo para a impugnação dos documentos,
4º - Sendo certo que os dois referidos prazos não são incompatíveis nem reciprocamente se excluem.
5º - A recte. poderia, por isso, ter impugnado os documentos no prazo e condições previstas no artº 544º nº1 após deles tomar conhecimento, só a ela sendo imputável a sua não impugnação;
6º - A descricionalidade da fixação do prazo de exame de documentos juntos em audiência impõe-se, tendo em atenção a necessidade de celeridade, continuidade e disciplina das audiências;
7º - Porém, sendo uma regra genérica, aplicável a qualquer das partes, e apenas dependendo do prudente arbítrio do Juiz baseado na conjugação da complexidade e/ou surpresa dos documentos, com as referidas regras de celeridade e continuidade da audiência, esse poder discricionário não ofende, em nenhum dos seus aspectos, o princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13º da C.R.P..
8º - Os documentos a que o presente recurso se refere eram constituídos apenas por três cheques e estes emitidos pela própria Recte..
9º - Não se justificando, portanto, prazo superior ao que foi concedido,
10º - Dele não resultando, nem tendo sido invocada qualquer 'desigualdade'.
11º - A Recte. poderia, se quisesse, ter impugnado os documentos nos 8 dias seguintes.
12º - Não há, assim, sob nenhum prisma (nem mesmo sob o da Recte. que, aliás se não concede) preceito ou preceitos, sua conjugação ou interpretação que integre ofensa ao princípio da igualdade.
13º - Aliás, a matéria desta pretendida violação não está, em boa verdade, verdadeiramente invocada no S.T.J. como resulta da conclusão 4ª e da parte do douto acórdão que se lhe refere, a fls. 1252 vº dos autos.
14º - Este recurso é, assim, e sobretudo, uma manobra dilatória da Recte.
15ª - Não existindo a pretendida inconstitucionalidade, deve ser negado provimento ao presente recurso.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTOS:
3. - Importa, antes de mais, delimitar o objecto do presente recurso.
Aberta a audiência de discussão e julgamento, a embargada juntou determinados documentos, que acabaram por ser admitidos para prova dos factos constantes de três quesitos. Mas os embargados, na sequência, e também por referência aos mesmos quesitos, requereram a admissão de outros três documentos, no caso três cheques subscritos pela própria embargante. Entendeu então o tribunal, invocando os termos da alínea b) do nº 1 do artigo 651º do Código de Processo Civil (CPC), conforme se colhe da acta de julgamento (cfr. fls. 677 e 678), 'que os mesmos podem ser examinados no próprio acto, podendo a resposta aos mesmos ser dada sem o adiamento da audiência, concedendo-se porém à embargante, o prazo de 30 minutos. Suspende-se pois a audiência por trinta minutos...'.
É contra esta decisão, que veio a ser confirmada nas duas instâncias, que se rebela a recorrente e embargante, na medida em que considera inconstitucional a norma resultante da interpretação conjugada do artigo 651º, nº1, alínea b), com as dos artigos 517º, nº2 e 544º, nº1, todos do CPC, segundo a qual cabe ao julgador e não à parte decidir se, no caso de esta entender que não pode examinar o documento no próprio acto, mesmo com suspensão dos trabalhos por algum tempo, existe ou não grave inconveniente no prosseguimento da audiência sem resposta sobre o documento oferecido.
A recorrente considera que tal interpretação, ao não fazer utilização dos prazos constantes das normas dos artigos 144º, nº1 e 153º também do CPC, com o consequente adiamento da audiência, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
É certo que a recorrente invoca, no seu requerimento de resposta ao convite feito, outras normas: designadamente os artigos 671º,672º, e
676º, nº1 do CPC. Porém, a recorrente não pode fazer incluir tais normas no
âmbito do recurso de constitucionalidade uma vez que, relativamente a elas, apenas suscitou a questão da sua constitucionalidade na resposta ao convite do relator e tal requerimento não é já um momento adequado para tal suscitação, que tem de ser prévia à decisão recorrida. Assim, tais normas não podem fazer parte do âmbito do presente recurso de constitucionalidade.
Constitui, portanto, objecto do presente recurso de inconstitucionalidade a apreciação da norma conjugada dos artigos 651º, nº2, alínea b), 517º,nº2 e 544º, nº1 do CPC enquanto atribui ao julgador e não à parte a faculdade de decidir se, não podendo a parte examinar os documentos no próprio acto, mesmo com suspensão dos trabalhos por algum tempo, existe grave inconveniente no prosseguimento da audiência sem resposta sobre o documento.
4. - Vejamos o texto das disposições cuja interpretação vem questionada, situando a situação que, em concreto, suscitou a questão. Artigo 517º
(Princípio da audiência contraditória)
1.Salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas.
2.Quanto às provas constituendas, a parte será notificada, quando for revel, para todos os actos de preparação e produção da prova, e será admitida a intervir nesses actos nos termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória.'
'Artigo 544º
(Impugnação da veracidade ou exactidão dos documentos)
1.A impugnação da letra ou da assinatura dos documentos particulares ou da exactidão das reproduções mecânicas, bem como a declaração de que não se sabe se a letra ou assinatura dos documentos é verdadeira, só podem ser feitas dentro dos prazos estabelecidos para a arguição da falsidade.
2¼ ' Artigo 651º
(Causas de adiamento da audiência)
1.Feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, é logo aberta a audiência. Mas esta será adiada: a. [ ¼ ] b. Se faltar alguma das pessoas que tiver sido convocada e de que se não prescinda ou se tiver sido oferecido documento que a parte contrária não possa examinar no próprio acto, mesmo com suspensão dos trabalhos por algum tempo, e o tribunal entender que há grave inconveniente em que a audiência prossiga sem a presença dessa pessoa ou sem a resposta sobre o documento oferecido; c. [ ¼ ] '.
O que a recorrente e embargante verdadeiramente questiona, é poder o juiz da causa substituir-se à parte na apreciação do tempo que esta necessita para impugnar a força probatória de um documento.
Não procede, porém, qualquer censura de inconstitucionalidade feita à norma em causa.
Em termos abstractos, a norma da alínea b) do n.º1 do artigo 651º do CPC, nada contém que permita afirmar a sua inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade ou do contraditório.
Desde logo, é manifesto que nela se trata igualmente qualquer das partes envolvidas num processo cível. De facto, a norma admite não só a suspensão da audiência como também, se o tribunal entender que há grave inconveniente no seu prosseguimento, o seu adiamento, o que vale para qualquer das partes.
Por outro lado, oferecido um documento, sempre a parte contrária é ouvida para se pronunciar, podendo não só impugná-lo como convencer o tribunal da grave inconveniência no prosseguimento da audiência.
No caso, importa, porém, dar a devida relevância a outros elementos que constam dos autos. Com efeito, a embargante e recorrente reconheceu que os documentos estavam por ela assinados, porém, não arguiu a respectiva falsidade, não impugnou o seu conteúdo ou a letra e assinatura. Mais: não requereu o adiamento da audiência, nem suscitou a falsidade dos documentos, além de que 'através do seu mandatário pronunciou-se com bastante desenvolvimento sobre os documentos e seu conteúdo....'. sendo certo que, apesar desta [a audiência] não ter terminado naquele dia (7/12/94) e ter continuado a
12/12/94, não utilizou esse prazo para impugnar ou arguir a falsidade dos documentos, conforme a lei lhe permitia'.
Assim, a falta de reacção da agravante, no momento, não pode ser compensada pela suscitação da questão de constitucionalidade.
5. - A recorrente questiona a constitucionalidade da alínea b) do nº 1 do artigo 651º, em conjugação com outras normas do CPC, por ter sido sob sua invocação que a audiência foi suspensa durante trinta minutos, para exame dos três cheques oferecidos pela parte contrária. Centra a sua argumentação em uma hipotética violação do princípio constitucional da igualdade e do princípio do contraditório, corolário do primeiro.
Que não lhe assiste qualquer espécie de razão é por demais evidente.
Na verdade, se não forneceu razões para o adiamento da audiência, se não requereu prazo mais dilatado para exame dos três cheques, se não impugnou a falsidade dos documentos, podendo ter feito tudo isto, não pode imputar eventuais obstáculos que, segundo diz, terão sido suscitados à sua defesa, senão à forma como conduziu a lide, e nunca ao regime contido na norma questionada.
A norma que a recorrente questiona, quer em abstracto quer atendendo à forma como foi aplicada, não contende com o princípio da igualdade: de facto, nada permite afirmar que situações idênticas não tenham igual tratamento.
Por outro lado, a norma em causa em nada impede que a recorrente tivesse lançado mão de outros meios de defesa que poderia ter utilizado.
Assim, o princípio do contraditório foi claramente cumprido, designadamente tendo em conta que o mandatário da recorrente e embargante teve oportunidade de se pronunciar sobre os cheques e sobre os factos a que os mesmos respeitavam que utilizou (e, se não o fez da melhor maneira, sibi imputet).
Sendo assim, logo caem pela base quaisquer censuras de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, na vertente da igualdade de armas e do contraditório, que possam ser dirigidas às normas questionadas, quer em abstracto quer na forma como foram interpretadas.
Também o princípio do direito de acesso a uma tutela judicial efectiva consagrado no artigo 20º da Constituição não foi violado pela interpretação feita nos autos.
Com efeito, a recorrente e embargante teve toda a oportunidade de, no decurso da continuação da audiência, usar do prazo legal de impugnação da força probatória dos documentos apresentados.
Tem, assim, de se concluir que o presente recurso tem de improceder. III – DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
Lisboa, 22 de Junho de 1999 Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria Helena Brito Artur Maurício Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida