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Proc. nº 32/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 1801, foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1. MF e DF vêm recorrer (por requerimento de fls. 1775-1776) do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Novembro de 2000 (de fls. 1763 e segs.), ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Pretendem os recorrentes 'ver apreciada a inconstitucionalidade da norma invocada, artigo 670º do CPC, na interpretação com que foi aplicado na decisão recorrida'. Explicitam os recorrentes que tal interpretação consiste no seguinte:
'Que não se pode insistir na arguição de nulidades existentes num acórdão do STJ, por omissão de pronúncia sobre questões que este Tribunal deveria conhecer e não conheceu, apesar de o problema ter já sido levantado anteriormente, mas continuando a existir omissão de pronúncia sobre as nulidades invocadas (...)'
Para os recorrentes, 'tal norma com a interpretação com que foi aplicada viola o artigo 32º, nº 1 da CRP, já que impede o direito ao recurso por o juiz não resolver as questões que são submetidas à sua apreciação e que, como tal, tem de resolver (artigo 660º, nº 2 CPC)'.
2. A apreciação do problema da admissibilidade do presente recurso pressupõe tomar em consideração as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, relativamente aos requerimentos apresentados pelos ora recorrentes.
Através do Acórdão de 6 de Abril de 2000 (de fls. 1690), o Supremo Tribunal de Justiça conheceu do recurso do Acórdão do Tribunal de Círculo e de Comarca de Barcelos, interposto pelos ora recorrentes, julgando-o manifestamente improcedente e, consequentemente, rejeitando-o. Baseou-se esta decisão na circunstância de, pelas razões que indica, ser 'evidente que não ocorre a alegada omissão de pronúncia' invocada pelos recorrentes.
Inconformados, os recorrentes vieram reclamar, arguindo a nulidade do citado acórdão (fls. 1710 e segs.), por força da alínea c) do nº 1 do artigo
379º do Código de Processo Penal, já que 'tal como a 1ª instância deixou de pronunciar-se sobre questões que devia ter analisado', também o Supremo Tribunal de Justiça teria procedido de idêntica maneira.
Por Acórdão de 29 de Junho de 2000, veio o Supremo Tribunal de Justiça afirmar, após apreciar a argumentação dos requerentes:
'Quer dizer: apreciou-se a questão essencial posta na conclusão 8ª da motivação do recurso ('o acórdão recorrido é nulo por omitir pronúncia sobre os factos articulados na contestação') e nada mais havia que apreciar.
É certo que, sequencialmente, os recorrentes consideram violado o artº 374 nº 2 do Cód. Proc. Penal, mas não indicam qualquer fundamento específico para se ter por violado tal segmento normativo. Assim, não se incorreu em qualquer omissão de pronúncia, pois nas conclusões do recurso, onde, como é sabido, se delimita o objecto do recurso, nada se expendeu, de forma relevante e autónoma sobre essa matéria. Acresce que, em caso de rejeição do recurso, o acórdão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão (art. 420 nº 3 do C.P.Penal). Ora, o acórdão reclamado especificou, com bastante minúcia, os fundamentos da decisão de rejeição (que, como sabemos, exige a unanimidade de votos – art. 420º nº 2 do C.P.Penal). Nestes termos, não incorreu o acórdão reclamado em qualquer nulidade e designadamente na invocada pelos recorrentes (art. 379º nº 1 al. c) do C.P.Penal).
(...)'.
Pelas indicadas razões, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu a reclamação apresentada.
Inconformados, os recorrentes vieram, por requerimento de 19 de Julho de 2000 (de fls. 1742, inicialmente de fls. 1732):
'B) Reiterar, com a fundamentação aduzida, a arguição da nulidade da decisão de V. Exas, mesmo com o complemento de 29 de Junho, porquanto continua a omitir pronúncia sobre o núcleo essencial da conclusão e parte de pressuposto factual errado, no que diz respeito ao núcleo subsidiário, ao afirmar que não é indicado qualquer fundamento específico para a violação do artigo 374º, nº 2 do CPP, quando, antes de se aduzirem os normativos, que se aduziram na motivação, e, para além do artigo 374º, nº 2 do CPP, invocaram-se outros, se explicitou que o facto que permitia a sua invocação era a omissão de pronúncia sobre os factos articulados na constestação. Todos os factos desta peça processual, onde não se ofereceu o merecimento dos autos, já que se escreveu:
(...)
'O acórdão é nulo por omitir pronúncia sobre os factos articulados na contestação'.
(...)
Mais específico que isso, seria só dizer que sendo os artigo definido, engloba todos os factos que ali se articularam'.
Em resposta ao requerimento dos arguidos, veio o relator determinar
(fls. 1734 e segs.), na parte que agora releva, o seguinte:
' Nos termos do art. 670º do Cód.Proc. Civil, aplicável ex vi do art.
4º do Cód. Proc. Penal, não são admissíveis reclamações sucessivas sobre uma decisão proferida, em reclamação de outra decisão anterior: no caso vertente, o acórdão que apreciou e desatendeu a reclamação de fls. 1720 e segs.
Por isso, desentranhe-se e entregue-se aos apresentantes o respectivo requerimento'.
Os recorrentes, notificados da decisão que acaba de se transcrever, vieram apresentar o seguinte requerimento (de fls. 1736):
'(...) porque têm, racionalmente, como absolutamente seguro que continua a existir omissão de pronúncia sobre o núcleo essencial da conclusão da motivação do recurso apresentado em 1ª instância, e que , no que ao subsidiário diz respeito, se partiu, na decisão de 29 de Junho, de pressuposto de facto errado – explicitou-se que o facto que permitia a invocação do artigo 374º, nº 2 do CPP era a omissão de pronúncia sobre os factos articulados na contestação, e, pois, fundamento bem específico para tal invocação, já que sendo 'os' artigo definido, engloba todos os factos que ali se articularam – vêm requerer que sobre tal decisão de V. Exª recaia acórdão (artigo 700º, nº 3 do CPC)'. Por Acórdão de 9 de Novembro de 2000 (de fls. 1763 e segs.), veio o Supremo Tribunal de Justiça, na parte ora relevante, decidir o seguinte:
'O despacho do Relator (de fls. 1734), objecto de reclamação para a conferência,
é bem explícito ao acentuar que, nos termos do art. 670º do Cód. Proc. Civil, aplicável por força do art. 4º do Cód. Proc. Penal, não são admissíveis reclamações sucessivas sobre uma decisão proferida em reclamação de outra decisão anterior: no caso vertente, o acórdão de 29 de Junho de 2000 (fls. 1728 e 1729) que apreciou e desatendeu a reclamação de fls. 1710 e seguintes, onde se alegou padecer o acórdão então reclamado, de 6 de Abril de 2000 (fls. 1698 e segs.) da nulidade prevista no art. 379º nº 1 al. e) do Cód.Proc.Penal, 'por omitir pronúncia sobre os factos articulados na contestação'. Acrescentaram que tal omissão de pronúncia ocorre por violação das combinadas disposições dos arts. 368º nº 2, 374º nº 2, 379º al. a) e visto o art. 410º nº 2 do Cód. Proc. Penal. Todas estas questões foram apreciadas no acórdão de fls. 1728 e seg., após análise bastante, foram desatendidas. Assim, abrigo da disposição em que se baseou o despacho do Relator, cuja letra e espírito são bem claros, não é admissível segunda reclamação (ou reclamações sucessivas): isto é, não é admissível reclamação de um acórdão que apreciou e desatendeu reclamação de outro acórdão que conheceu de um recurso interposto, ainda que decretasse a sua rejeição. Na verdade, nos termos do art. 670º do Cód.Proc.Civil, arguida a nulidade perante o Tribunal que proferiu a decisão e, depois de ouvida a parte contrária,
'se a arguição for atendida, a decisão que a deferir (e que pode revestir diversas formas, consoante a natureza da nulidade invocada), passa a fazer parte integrante da sentença, a menos que o Juiz prefira, sendo caso disso, redigir esta de novo, corrigindo a nulidade. Sendo pelo contrário indeferida, a sentença ficará tal como foi proferida'
(Prof. Antunes Varela (...), Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 692/693). Em face do exposto, acorda-se desatender a reclamação para a conferência do despacho de fls. 1734 e confirmar o dito despacho'.
É deste último acórdão que foi interposto o recurso de constitucionalidade agora em apreciação, que foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. Do exposto resulta, com toda a evidência, que não pode ser conhecido o seu objecto, por falta dos necessários pressupostos legais.
Com efeito, é condição essencial de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, como a lei exige (al. b) citada e artigo 79º-Constituição da mesma Lei) e este Tribunal tem reiteradamente sublinhado, que o tribunal recorrido tenha aplicado a norma impugnada com o sentido que lhe é imputado pelo recorrente e acusado de ser inconstitucional (cfr., a título de exemplo, o acórdão nº 366/96, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996). Sucede que esta condição falece manifestamente, já que não é possível extrair do acórdão recorrido (o acórdão de 9 de Novembro de 2000, de fls. 1763 e segs.) a interpretação que os recorrentes invocam. Na verdade, não afirmou o acórdão recorrido – nem dele pode por qualquer forma inferir-se – que do disposto no artigo 670º do Código de Processo Civil resulte
'que não se pode insistir na arguição de nulidades existentes num acórdão do STJ, por omissão de pronúncia sobre questões que este Tribunal deveria conhecer e não conheceu, apesar de o problema já ter sido levantado anteriormente, mas continuando a existir omissão de pronúncia sobre as nulidades invocadas'. Diferentemente do que afirmam os recorrentes, o Supremo Tribunal de Justiça em nenhuma parte do acórdão agora recorrido admitiu ter havido omissão de pronúncia sobre questões que deveria – não o tendo feito – conhecer. O que afirmou foi que, segundo o artigo 670º Código de Processo Civil, 'não é admissível reclamação de um acórdão que apreciou e desatendeu reclamação de outro acórdão que conheceu de um recurso interposto, ainda que decretasse a sua rejeição', o que é substancialmente diferente.
Assim, é manifesta a inadmissibilidade do presente recurso.
4. De qualquer modo, ainda que se estivessem reunidos os pressupostos para o conhecimento do recurso, sempre este seria manifestamente infundado.
Na verdade, o que os recorrentes invocam é, em última análise, o
'direito' de discordar sucessivamente das decisões do Supremo Tribunal de Justiça, continuando a considerar que existe uma causa de nulidade, quando esta questão foi já objecto de conhecimento, tendo sido julgada improcedente.
Não tem o Tribunal Constitucional poderes para sindicar o mérito das sucessivas decisões do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à alegada omissão de pronúncia. No âmbito deste recurso, cabe a este Tribunal exclusivamente proceder à apreciação da eventual inconstitucionalidade de normas aplicadas na decisão. Ora, é evidente que o direito ao recurso (nº 1 do artigo
32º da Constituição), invocado pelos recorrentes, não atribui aos arguidos um direito a reclamar sucessivamente de decisões que considerem não ter existido uma causa de nulidade suscitada, tornando inconstitucional uma norma que o não permita.
5. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro. Nestes termos, decide-se, não conhecer do recurso. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs por cada um.'
2. Inconformados, os recorrentes reclamaram para a conferência, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, afirmando o seguinte:
'1- O que ocorreu no STJ foi que, apesar de arguida uma nulidade por omissão de pronúncia, os Srs Juízes Conselheiros daquele Tribunal, que, não conheceram da mesma, interpretaram o artigo 670º do CPC , no sentido de não serem admissíveis reclamações sucessivas sobre uma decisão proferida, em reclamação doutra decisão anterior;
2 – O que ocorreu foi que os Srs Conselheiros daquele Venerando Tribunal, mantendo o mesmo vício arguido – a omissão de pronúncia – pretenderam sanar tal comportamento com o argumento de que era sucessiva reclamação sobre uma decisão proferida. Ainda não houve qualquer decisão sobre a omissão de pronúncia invocada como sendo a relativa ao núcleo essencial.
3 – O que se questiona é não decidir e invocar que, não tendo decidido, não se pode questionar o não ter decidido, quando o que se discute é, desde o início, uma omissão de pronúncia.' Notificado para o efeito, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido da improcedência da reclamação, por não constituir 'obviamente objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta decidir se existe ou não uma pretenda ‘omissão de pronúncia’ que o Tribunal competente para apreciar tal matéria já considerou inexistir'.
3. A verdade é que os reclamantes não indicam nenhum fundamento susceptível de justificar a revogação da decisão reclamada, limitando-se a repetir o que na mesma já foi apreciado. Nestes termos, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão reclamada. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs para cada um.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida