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Proc. 158/04
3ª Secção Rel. Cons. Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O assistente A. requer que se determine a baixa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça para aí prosseguir seus termos, extraindo-se traslado para nele serem processados quaisquer incidentes ou requerimentos do recorrente deduzidos no Tribunal Constitucional.
Para tanto alega que o carácter manifestamente infundado do pedido de aclaração da decisão sumária apresentado pelo recorrente, conjugado com a sua anterior conduta processual, nomeadamente deduzindo sucessivos incidentes após o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, torna manifesto que este mais não pretende do que obstar ao trânsito em julgado da decisão e à baixa do processo, face à proximidade da prescrição do procedimento criminal.
Para efeitos do disposto no n.º 8 do artigo 84º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) e do artigo 720º do Código do Processo Civil, o relator apresentou o processo à conferência.
2. Estabelece o n.º 8 do artigo 84º da LTC que, sendo manifesto que, com determinado requerimento, se pretende obstar ao cumprimento da decisão proferida no recurso (ou na reclamação) ou à baixa do processo, se observe o disposto no artigo 720º do Código de Processo Civil.
O n.º 2 deste último preceito, aditado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, veio alargar o âmbito de aplicação deste instrumento de defesa contra actuações anómalas das partes geradoras de demoras excessivas nos tribunais superiores, possibilitando a extracção de traslado perante o uso dos meios processuais em fase de recurso com óbvio propósito de retardamento do trânsito em julgado da decisão final. Pode, neste caso, extrair-se traslado e ordenar-se a baixa do processo ao tribunal recorrido, para aí prosseguir os seus termos, sem prejuízo da anulação do processado se a decisão vier a ser modificada.
Embora susceptível de reclamação para a conferência, a decisão sumária proferida pelo relator nos termos do artigo 78º-A da LTC é um modo de julgamento potencialmente apto a pôr termo ao recurso de constitucionalidade, pelo que também relativamente a tal espécie de decisão, o Tribunal Constitucional pode socorrer-se dos poderes conferidos pelas citadas disposições legais, em ordem a obstar a que desse recurso se retirem efeitos meramente dilatórios.
3. Ora, nos presentes autos verifica-se o seguinte:
a) O relator proferiu decisão sumária, ao abrigo do artigo 78º-A da LTC, entendendo não poder conhecer-se do objecto do recurso, quanto a determinadas normas e, no mais, ser este manifestamente infundado (fls. 12 798-12 825). b) O recorrente pediu a aclaração dessa decisão nos termos do requerimento de fls. 12 838 e 12 839, apresentado no 2º dia útil posterior ao termo do prazo, que se transcreve:
“B., recorrente nos autos a margem referenciados, em que são recorridos o Mº Pº e outros, notificado da decisão sumária, requer a sua aclaração, como segue. O artº 69° da LTC manda aplicar à tramitação dos recursos as normas do CPC. O artº 666° nº 2 do CPC determina que é lícito ao Juiz esclarecer dúvidas existentes na decisão, incluindo os seus fundamentos. Por sua vez, o artº 669° nº 1 a) do CPC dispõe que pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a decisão o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha. No primeiro caso, a decisão, ou parte dela, é ininteligível, ou seja, difícil de entender; no segundo, apresenta-se, também total ou parcialmente, com um duplo sentido. Pois bem. O requerente considera, salvo o devido respeito, que a decisão sumária contem partes que padecem daqueles defeitos, e, por isso e para que fique habilitado a exercer, cabalmente, o seu direito de reclamar para a conferência, em conformidade com o nº 3 do artº 78°-A da LTC, de que não abdica, devem os mesmos ser sanados, por via das necessárias explicações. A afirmação constante da decisão aclaranda ' ... porquanto o acórdão recorrido não aplicou as normas em causa com a interpretação convocada pelo recorrente ...
' (página 8) é incompreensível. O vocábulo convocar significa, de acordo com os dicionários, designadamente o Houaiss, chamar para determinada reunião ou acto colectivo, mandar comparecer. Aplicar significa exercer a atenção, ter em conta. Ora e com os apontados significados, que são os únicos ao seu alcance, não pode o recorrente compreender a aludida afirmação. Deve, pois V.Exª. explicar o que, verdadeiramente, quis significar com a mesma. Na página 13, escreveu V.Exª.: '...a questão da constitucionalidade das normas em apreço surge no contexto da 'admissibilidade da intervenção nos autos como assistente da C., em liquidação' e só nessa medida adquire relevância a sua apreciação, pois o que o recorrente impugna é a 'interpretação/aplicação dos artigos 21°, nº1 e 3 e 19º do D.L. 30.689, de 27.08.40 que permitiu a intervenção processual como assistentes daquelas entidades'. O recorrente não consegue perceber o sentido que V. Ex.a quis imprimir à transcrita parte da decisão. A forma plural 'assistentes daquelas entidades' não liga com a singular 'C., em liquidação', que é uma entidade única Deverá V. Ex.a apontar o que exactamente pretendeu significar com a transcrita asserção, para que o recorrente a possa divisar. Do mesmo modo e pelas razões apontadas supra, deverá ser esclarecido o significado que V.Exª quis imprimir às expressões 'convocado', utilizada na página 14, linha 11 da decisão e 'interpretação convocada pelo recorrente', escrita na página 16, penúltima linha. Para a ininteligibilidade da última expressão, contribui o facto de o recorrente não ter especificado, no requerimento de interposição do recurso para este tribunal, a interpretação que, ele próprio, podia ter feito, actualizadamente, do modo como o acórdão recorrido teve em conta e aplicou o artº 363° do CPP de 1929. Igualmente e por identidade de razões, deverá ser esclarecido o sentido da expressão 'convocação destas normas pelo recorrente', utilizada por V.Ex.ª na página 17, 4ª linha. Na página 19, ponto 13.3. da decisão, escreveu V.Ex.ª: 'da análise deste excerto da decisão conclui-se que das normas invocadas pelo recorrente em sede de recurso de constitucionalidade, apenas as constantes dos artºs 447º e 448° foram expressamente tidas em conta na decisão recorrida'. Pois bem. Ter em conta significa exercer a atenção, aplicar . Contudo, V.Ex.ª, logo a seguir, escreve que 'o aresto recorrido não fez aplicação destes preceitos'. Tudo leva a crer que V. Ex.a não terá entrado em contradição. Por isso, para inteligibilidade da decisão importa que V. Ex.ª esclareça qual o significado que, verdadeiramente, quis imprimir à asserção 'foram expressamente tidas em conta', reportando-se às 'normas invocadas pelo recorrente'. Nestes termos, requer a v. Ex.a se digne deferir o presente pedido de aclaração. REQUERIMENTO: como este acto é praticado, por remessa pelo correio, sob registo, em 15 de Março de 2004, segundo dia útil subsequente ao termo do prazo, requer o pagamento da multa cabível, conforme o disposto nos nºs 5 e 6 artº 145° do CPC, na redacção dada pelo DL n° 324/2003, de 27 de Dezembro, aplicável por força do disposto no artº 69° da LTC, cujo regime pretende ver aplicado, na sua totalidade.”
c) O pedido de aclaração foi indeferido pelo despacho de fls. 12 850 e segs. do seguinte teor:
“[...] B) Requerimento de fls. 12 838
1. Pelo requerimento de fls. 12 838, o recorrente B. pede a aclaração da decisão sumária proferida pelo relator em 26/2/2004 (fls.12 798 e segs.). Uma vez que o processo teve de ser apresentado ao relator para apreciação do requerimento do recorrido de fls. 12 846, nada obsta a que imediatamente se aprecie também o pedido de aclaração. Efectivamente, a regra da audição da parte contrária estabelecida pelo artigo
670º do CPC, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
é estabelecida em benefício desta. Por outro lado, a finalidade do pedido de aclaração esgota-se na determinação do sentido objectivo que o autor da decisão aclaranda lhe atribuiu, isto é, trata-se de um incidente processual em que prevalece a dimensão bipolar da relação processual. Assim, por maioria de razão, tem aqui aplicação a regra do artigo 207º do CPC. Ou seja, a audição da parte contrária pode ser dispensada se o pedido de aclaração for indeferido ou, mesmo que seja deferido, em caso de manifesta desnecessidade.
É certo que, como decorre da informação prestada pela secretaria, não foi paga a multa a que se refere o n.º 5 do artigo 145º do CPC e que o recorrente expressamente requer “o pagamento da multa cabível, conforme o disposto nos n.ºs
5 e 6 do artº 145º do CPC, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro”. Dispõe-se, portanto, a pagar a multa a que se refere o n.º 6 do cit. artigo 145º do CPC. Porém, independentemente do sentido que se dê ao facto de a nova redacção deste preceito deixar de conter a referência “sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto” – questão que neste momento ainda não se coloca – também esse facto não obsta a que imediatamente se aprecie o pedido de aclaração, sem prejuízo de oportunamente se extraírem as consequências que possam advir de não vir a ser efectuado o pagamento da multa. Efectivamente, o recorrente não sofre com a imediata decisão qualquer restrição ou diminuição dos seus direitos processuais. Pelo contrário, obtém mais celeremente o esclarecimento que busca. Assim, passa-se à apreciação imediata do requerimento em epígrafe.
2. O pedido de aclaração (art.º 669°, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil) tem cabimento sempre que algum trecho essencial da decisão seja obscuro, por ser ininteligível o pensamento do julgador, ou ambíguo, por comportar dois ou mais sentidos distintos Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 693). Não é meio para terçar argumentos em querelas de linguagem, nem para demonstrar o erro da fundamentação adoptada ou a debilidade dos argumentos que a suportam. O pedido agora apresentado não corresponde a nenhum destes fins, sendo as dúvidas suscitadas, se não forem fantasiosas, só imputáveis ao reclamante. Assim:
2.1. Pretende o recorrente que se esclareça o sentido do vocábulo “convocar” (e seus derivados) utilizado no texto de decisão, nos pontos que o requerente menciona, afirmando não compreender o significado com que o mesmo é utilizado. Porém, tal pretensão carece em absoluto de fundamento. Como é obvio o significado do vocábulo em causa não pode ser apreendido isoladamente e, no contexto em que é empregue, basta a simples leitura da decisão para se concluir que é utilizado com o significado de “invocar”, não sendo necessário, para isso, qualquer esforço interpretativo.
2.2. Refere também o requerente não perceber o sentido que se pretendeu imprimir
à parte da decisão, em que se afirma (na página 13) que «...a questão da constitucionalidade das normas em apreço surge no contexto da “admissibilidade da intervenção nos autos como assistente da C., em liquidação” e só nessa medida adquire relevância a sua apreciação, pois o que o recorrente impugna é a
“interpretação/aplicação dos artigos 21°, n.ºs 1 e 3 e 19º do Decreto-Lei n.º
30.689, de 27 de Agosto de 1940, que permitiu a intervenção processual como assistentes daquelas entidades”. E, a sua dúvida radica no facto de que: «A forma plural “assistentes daquelas entidades” não liga com a singular “C., em liquidação”, que é uma entidade
única». Também aqui não tem o requerente razão no seu pedido porque, se dúvidas houvesse quanto ao sentido e alcance deste parágrafo, bastaria continuar a ler a decisão para se compreender que, discutindo-se a questão da admissibilidade da intervenção nos autos como assistente da C., SA., o Tribunal está a dizer que só fazia sentido e teria interesse a apreciação daquelas normas com referência à admissibilidade da intervenção nos autos da assistente, e não quanto à sua representação em Juízo. Isto, porque, quando o recorrente concluiu que “a interpretação/aplicação dos artigos 21°, n.ºs 1 e 3 e 19º do Decreto-Lei n.º
30.689, de 27 de Agosto de 1940 que permitiu a intervenção processual como assistentes daquelas entidades” (na conclusão 4ª), estava a querer confundir a figura da assistente com a sua representação pela comissão liquidatária e pelo comissário do governo. Assim, nada mais há acrescentar ao que consta da decisão a este respeito.
2.3. E, também nada há a esclarecer quanto ao sentido à dar à asserção “foram expressamente tidas em conta”, reportando-se às “normas invocadas pelo recorrente”, utilizada na decisão (página 17, ponto 13.3), a respeito das normas dos artigos 447º e 448º, que estaria em aparente contradição com a conclusão de que “o aresto recorrido não fez aplicação destes preceitos”, até porque o requerente afirma que tudo leva a crer que não se tenha entrado em contradição. E, é verdade, o requerente entendeu bem quando admite não haver contradição, porque sabe que estas afirmações foram feitas na sequência da transcrição que se efectuou do acórdão recorrido, que entendeu que das normas invocadas pelo recorrente só as dos artigos 447º e 448º tinham pertinência para a questão colocada, mas como aquele aresto também concluiu que não ocorreu alteração de factos nem o réu tinha sido surpreendido pela qualificação jurídica dos mesmos, só restava concluir, em sede de recurso de constitucionalidade, que as normas em causa não foram aplicadas pela decisão recorrida. Mais uma vez, o recorrente joga com as palavras, lendo-as fora do seu contexto, para formular dúvidas que não têm razão de ser perante a clareza da decisão em causa.
3. Em face do exposto, considerando-o manifestamente infundado, na sua totalidade, indefiro o pedido de aclaração.”
4. Confrontando o teor da decisão sumária com o pedido de aclaração, o Tribunal considera que o recorrente fez uso de um meio que, na circunstância e independentemente de considerações de carácter geral sobre a sua admissibilidade, se apresenta como manifestamente desnecessário para a aceitação ou reacção esclarecida, relativamente à decisão que dele foi objecto. Com efeito, o recorrente – que, aliás, se reserva o propósito de reclamar para a conferência –, isola vocábulos e descontextualiza passagens da decisão sumária, para surpreender aí dificuldades de entendimento que não são objectivamente aceitáveis segundo o padrão do destinatário medianamente capaz. Assim, secunda-se a qualificação, feita no despacho de fls. 12 850 e segs., do pedido de aclaração como manifestamente infundado, pelo que outro propósito se não vislumbra na apresentação deste pelo recorrente que não seja o de protelar, até ao extremo possível, a duração do recurso de constitucionalidade.
Aliás, já no Supremo Tribunal de Justiça se julgou necessário, a fim de possibilitar o andamento do presente recurso, perante sucessivos requerimentos apresentados pelo recorrente posteriormente ao acórdão recorrido, ordenar a extracção de traslado e o processamento em separado desses incidentes (cfr. despacho de fls.12 782).
Justifica-se, por isso e atendendo em especial à já longa duração (total) do presente processo, que se faça uso dos poderes conferidos pelas disposições conjugadas do n.º 8 do artigo 78º da LTC e do n.º 2 do artigo 720º do Código de Processo Civil.
5. Pelo exposto, determina-se:
A) Que se extraia traslado das seguintes peças processuais, para nele serem processados eventuais termos posteriores do recurso:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Janeiro de 2003
(fls. 12 251 e segs. – 42º vol.);
- Alegações do recorrente, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
(fls. 12 413 e segs. – 42º vol.);
- Acórdão recorrido proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (fls. 12
463 e segs. - 43º Vol.);
- Todos os acórdãos posteriores do Supremo Tribunal de Justiça, bem como os requerimentos e respostas (do recorrente, do assistente e do Ministério Público) que lhes respeitam;
- Requerimento de interposição do recurso (fls. 12 774);
- Despacho de fls. 12 782;
- Decisão sumária de fls. 12 798;
- Todo o processado posterior, incluindo a presente decisão.
B) Que o processo seja remetido imediatamente ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 2 do artigo 720º do Código de Processo Civil.
Lisboa, 26 de Março de 2004
Vítor Gomes Gil Galvão Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida