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Processo nº 730/96
2ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 2º Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra de 14 de Novembro de 1995, de fls. 20, foi indeferido o pedido de intimação do Centro Regional de Alcoologia de Coimbra para a passagem de certidão, formulado por M..., com o fundamento de que 'a requerente solicitou à entidade requerida certidões bem sabendo que esta as não podia passar, (...) por não ter em seu poder os respectivos originais'. E, considerando que a requerente tinha igualmente solicitado determinadas informações, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa entendeu que tal pedido 'não se enquadra na previsão da lei'
(artigo 82º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho). Deste indeferimento recorreu M... para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 4 de Junho de 1996, de fls. 83, negou provimento ao recurso. Entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, tal como o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, que o meio processual utilizado, previsto no artigo 82º do Decreto-Lei nº 267/85, 'destina-se , como decorre dos seus próprios termos, à consulta de documentos ou à passagem de certidões, a fim de permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos, e só para tais fins. Não é pois aplicável
(...) se o requerente apenas pretendeu que a Administração lhe prestasse determinados esclarecimentos ou informações (...)'. Quanto ao pedido de passagem de certidão, foi confirmada a decisão da primeira instância, mas por não ter sido individualizado pela requerente 'o objecto da declaração ou certidão pretendidas, o que, se impossibilitava a Administração de o satisfazer, do mesmo passo não pode ser objecto de um meio processual para o compelir jurisdicionalmente'.
2. M... recorreu então deste acórdão para o Tribunal Constitucional
(requerimento de fls. 98), ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 'com fundamento na ilegalidade e/ou inconstitucionalidade das normas legais contidas nos arts. 82º a 85º da L.P.T.A., com a interpretação restritiva dada nas doutas decisões proferidas pelas diferentes instâncias e ora sob recurso segundo a qual o meio processual previsto no art. 82º e ss. da L.P.T.A. não é o meio processual próprio e adequado in casu à tutela jurisdicional dos direitos fundamentais da interessada
à informação, de acesso aos arquivos e registos administrativos, à prova e de acesso consciente e fundamentado à justiça administrativa que julga ofendidos, de harmonia com a interpretação flexível e actualizante que dele deve ser feita face ao preceituado nos arts. 2º do C.P.C., 8º ao 11º do C.C., 61º a 68º e 126º, nº 1 do C.P.A. e 266º e 268º da C.R.P., ou seja padece de ilegalidade por violar o disposto nos arts. 8º a 11º do C.C., 2º do C.P.C. e 61º a 68º e 126º nº 1 do C.P.A. e padece de inconstitucionalidade por violar as garantias constitucionais de acesso célere, consciente e fundamentado à justiça administrativa para tutela dos seus direitos e legítimos interesses, nos quais se integram os direitos fundamentais à informação sobre o andamento dos processos em que seja directamente interessada e o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, de acesso aos arquivos e registos administrativos e de obtenção de provas documentais, consagrados nos arts. 2º, 17º, 18º, 205º nº 2,
207º, 266º e 268º da C.R.P., cuja questão foi suscitada pela recorrente nas suas alegações de recurso para a 1ª Secção do S.T.A. a fls... dos autos...'. O recurso foi admitido no Supremo Tribunal Administrativo.
3. Notificada pelo então relator deste processo no Tribunal Constitucional para
'indicar, com rigor, em que consiste a interpretação restritiva que, na sua
óptica' as decisões do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra e do Supremo Tribunal Administrativo adoptaram dos artigos 82º a 85º da LPTA que considera inconstitucional, pelo despacho de fls. 106, a recorrente veio responder que 'consiste no facto de considerar que o meio processual especial previsto no art. 82º e ss. da L.P.T.A. apenas permite a intimação para consulta e passagem de certidão da entidade administrativa para onde foram remetidos pela entidade recorrida os documentos originais dos recursos hierárquicos interpostos em 23.03.92, excluindo do seu âmbito a intimação da entidade ora recorrida para passagem de certidão, ainda que negativa, donde conste diversos elementos informativos existentes nos seus arquivos e registos administrativos, ainda que em cópias ou duplicados dos documentos originais, designadamente os prescritos nos arts. 61º e 63º do C.P.A.'. Notificada para alegar, a recorrente veio concluir pedindo que o Tribunal Constitucional julgue 'ilegal e inconstitucional a interpretação restritiva dada nas doutas decisões proferidas pelas diferentes instâncias e ora sob recurso às normas legais contidas nos arts. 82º a 85º da L.P.T.A. ou, em alternativa, julgar existir in casu inconstitucionalidade por omissão, com todas as legais consequências...'. O recorrido não contra-alegou.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir, começando por delimitar o objecto do recurso. Assim, e em primeiro lugar, cabe excluir, desde logo, quer as alegadas ilegalidades por violação de lei reforçada, por não se referir lei nenhuma que assim seja qualificada, quer a invocada inconstitucionalidade por omissão, que, no mínimo, manifestamente excede o âmbito do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas. Em segundo lugar, também se não pode agora avaliar da conformidade com a Constituição da interpretação das normas impugnadas adoptada pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, porque é do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que vem interposto o recurso. Em terceiro lugar, também se excluem do objecto do recurso os artigos
'seguintes' ao artigo 82º da LPTA, bem como seu nº 3, uma vez que só foram aplicados no acórdão recorrido os nºs 1 e 2 daquele preceito, do seguinte teor:
'1. A fim de permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos, devem as autoridades públicas facultar a consulta de documentos ou processos e passar certidões, a requerimento do interessado ou do Ministério Público, no prazo de
10 dias, salvo em matérias secretas ou confidenciais.
2. Decorrido esse prazo sem que os documentos ou processos sejam facultados ou as certidões passadas, pode o requerente, dentro de um mês, pedir ao tribunal administrativo de círculo a intimação da autoridade para satisfazer o seu pedido.'
5. A primeira observação a fazer, tendo em conta a interpretação considerada inconstitucional pela recorrente, é a de que só põe em causa a restrição da aplicabilidade do processo de intimação à entidade administrativa que tenha em seu poder os documentos originais de que se pretende certidão, excluindo a que apenas detenha cópias ou duplicados.
É verdade que o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão recorrido, considerou que 'a certidão, como a reprodução por fotocópia ou outro meio técnico, visual ou sonoro, implicam sempre um original que se reproduz ou que se atesta existir em depósito, ou não existir'. Todavia, a razão determinante do indeferimento não foi a exclusão, do âmbito de aplicação do preceito em causa, 'da entidade ora recorrida para passagem de certidão, ainda que negativa, donde conste diversos elementos informativos existentes nos seus arquivos e registos administrativos, ainda que em cópias ou duplicados dos documentos originais, designadamente os prescritos nos arts. 61º e 63º do C.P.A.'. Diferentemente, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso porque considerou que a requerente não tinha
'individualizado o objecto da declaração ou certidão pretendidas', não podendo assim a Administração satisfazer o seu pedido. Não foi, pois, pelo facto de a entidade administrativa cuja intimação foi requerida não dispor dos originais dos documentos que o pedido foi indeferido, mas por diferente razão; ainda, portanto, que a interpretação do preceito adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo coincidisse com aquela que o recorrente lhe atribui, e que, dessa forma, fosse violado algum preceito ou princípio constitucional, nunca se poderia conhecer do objecto do recurso por não ter sido essa interpretação determinante para a decisão recorrida, como repetidamente tem sido afirmado por este Tribunal (ver, a título de exemplo, o acórdão nº 187/95, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Junho de
1995). Por outras palavras: a eventual procedência do recurso em nada influiria na decisão recorrida. Falta, portanto, o pressuposto da efectiva aplicação no processo da norma cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver julgada pelo Tribunal Constitucional para que este possa tomar conhecimento do respectivo objecto.
Assim, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em _8 (oito)_ ucs. Lisboa, 23 de Junho de 1999- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida