Imprimir acórdão
Proc. n.º 187/04 Plenário Rel. Cons. Vítor Gomes
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. O Presidente da República requereu, nos termos dos artigos 278º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 51º, n.º 1 e 57º, n.º 1 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por
último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), em processo de fiscalização preventiva, a apreciação da constitucionalidade de normas do Decreto da Assembleia da República n.º 157/IX, que aprova o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública e lhe foi remetido para promulgação, nos seguintes termos:
“1. As normas constantes do artº 7º, n.ºs 4 e 5, do artº 8º, n.º 3, e do artº
10º, n.º 3 Todas as normas indicadas em epígrafe determinam a consequência da nulidade dos contratos de trabalho que tenham sido celebrados pelas pessoas colectivas públicas com preterição dos requisitos, condições ou formalidades previstos naqueles artigos. Assim, por força do artº 7º, n.º 4, conjugado com as imposições do n.º 1 do mesmo artigo, são nulos os contratos de trabalho celebrados por entes públicos que não disponham de quadro de pessoal para esse efeito ou celebrados com violação dos limites desse quadro. Segundo o n.º 5 do mesmo artigo, são nulos os contrato de trabalho que envolvam encargos com remunerações globais superiores aos mínimos [o lapso é evidente; quer aludir-se aos máximos] convencionais ou regulamentares desde que a respectiva celebração não tenha sido autorizada pelo Ministro das Finanças. Nos termos do artº 8º, n.º 3, são nulos os contratos de trabalho não reduzidos a escrito ou em cujo texto não constem algumas das menções previstas nesse artigo. Segundo o artº 10º, n.º 3, são nulos os contratos de trabalho a termo resolutivo celebrados com violação do disposto neste diploma. Percebe-se nestas disposições uma intenção de responsabilização dos titulares dos órgãos que procederam à celebração de contratos de trabalho com preterição dos requisitos legais, o que, de resto, se verifica com a consagração, por vezes expressa, da possibilidade da sua responsabilização civil, disciplinar e financeira (assim nos casos do artºs. 7º, n.º 4, e 10º, n.º 3). Porém, a determinação da consequência da nulidade dos contratos de trabalho sem a simultânea previsão de quaisquer garantias para os trabalhadores envolvidos ou, no mínimo, sem a previsão de quaisquer compensações, constitui, do ponto de vista dos direitos e expectativas desses trabalhadores, uma consequência claramente excessiva ou mesmo inaceitável. De facto, com base naquelas disposições, verificada que seja a inobservância de cumprimento dos requisitos legais, e por motivos que, na maior parte dos casos
(vejam-se as situações previstas no artº 7º, n.ºs 4 e 5, artº 8º, n.º 2, alínea g), e artº 10º, n.º 3), são essencialmente alheios aos trabalhadores ou que estes não podem controlar, o contrato de trabalho que celebraram em inteira boa fé pode a qualquer momento vir a ser considerado nulo. Tal afectará, irremediavelmente, e uma vez que não se prevêem quaisquer mecanismos de protecção ou salvaguarda dos direitos laborais dos trabalhadores afectados, as garantias do seu emprego. Assim, as referidas normas, quando determinam este efeito, afectam decisiva e injustificadamente a garantia constitucional de segurança no emprego (artº 53º da Constituição). Por outro lado, em quaisquer destas situações, mas com particular acuidade quando está em causa um contrato celebrado por tempo indeterminado, uma relação laboral estabilizada e que só poderia cessar nos termos e condições legalmente previstos para a cessação do contrato de trabalho fica significativamente precarizada, já que a qualquer momento, verificada a falta de procedimento, forma ou menção exigidos naquelas disposições, se vê incondicional e drasticamente afectada pela consequência de nulidade em termos com que os trabalhadores – a quem o Estado ou as pessoas colectivas públicas em causa alimentaram as expectativas de estabilidade e estimularam a agir em consequência, ou seja, a celebrar um contrato de trabalho – não podiam razoavelmente contar. Neste sentido, as disposições em causa violam também os princípios constitucionais de segurança jurídica e de protecção da confiança próprios de Estado de Direito (artº 2º da Constituição) e concretizados especificamente na garantia constitucional de segurança do emprego do artº 53º da Constituição. Se aos titulares dos órgãos das pessoas colectivas públicas responsáveis pela celebração é pacificamente exigível um especial dever de cuidado e observância das imposições legais que as regem, o mesmo se não pode dizer relativamente a pessoas que, colocadas involuntariamente na posição de desemprego ou de procura de sustento familiar, não estão na posição objectiva de deverem ou poderem fazer imposições quanto ao conteúdo, forma e condições de celebração do contrato de trabalho. Mesmo que a intenção que preside a estas disposições seja, eventualmente, a de corresponsabilizar todas as partes envolvidas no interesse de observância da legalidade e do interesse público, os deveres assim impostos aos trabalhadores vão muito para além daquilo que lhes é razoavelmente exigível, até porque, na maior parte dos casos atrás referidos, mesmo que o queiram fazer os trabalhadores não têm sequer possibilidades de acesso aos elementos cujo conhecimento lhes é aqui indirectamente exigido ou, pelo menos, não dispõem de meios para poderem garantir a sua veracidade. Com efeito, como pode uma pessoa que responde a uma oferta pública de emprego na Administração Pública e que vem a ser contratada pelas autoridades legítimas saber se a respectiva pessoa colectiva possui quadro de pessoal que sustente a contratação ou se não terão já sido ultrapassados os limites de contratação aí previstos? Como pode saber se os encargos com remunerações globais são superiores aos limites que resultam dos regulamentos internos ou se a celebração foi autorizada pelo Ministro das Finanças? Por tais razões, na medida em que vem a ser objectivamente penalizado, e da forma mais drástica, ou seja, perdendo o emprego, por factos de que não é responsável, não controla nem podia conhecer, a sanção da nulidade dos contratos de trabalho, tal como está prevista para produzir efeitos do lado do trabalhador afectado, é, em quaisquer destas circunstâncias, uma sanção desrazoável, desproporcionada e não indispensável para garantir a prossecução do interesse público. Assim, as normas referidas configuram-se, ainda, como restrições da garantia constitucional da segurança no emprego violadoras do princípio da proibição do excesso próprio de Estado de Direito e expressamente acolhido no artº 18º, n.º
2, da Constituição.
2. A norma constante do artº 14º, n.º 2 No artº 14º, n.º 1, prevê-se a possibilidade de cedência ocasional de trabalhadores das pessoas colectivas públicas para o exercício de funções temporárias noutra pessoa colectiva pública com o acordo do trabalhador expresso por escrito. Porém, diz-se no n.º 2 do mesmo artigo que, desde que fundamentada em necessidades prementes das entidades envolvidas ou em razões de economia, eficácia e eficiência na prossecução das respectivas atribuições, a cedência não exige o acordo do trabalhador.
É certo que a cedência se processa no universo das pessoas colectivas públicas e que, no n.º 3 do mesmo artº 14º, se garantem a não diminuição dos direitos dos trabalhadores cedidos e a aplicação das regras sobre mobilidade funcional e geográfica e tempo de trabalho previstas no Código do Trabalho. Não se vê, porém, como é que esta possibilidade de imposição de uma cedência independente da manifestação da vontade do trabalhador afectado se compatibiliza com a exigência constitucional de “organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar” (artº 59º, n.º 1, alínea b)) e com o princípio da dignidade da pessoa humana do artº 1º da Constituição. Com efeito, nem sempre sendo possível delimitar os contornos precisos destas garantias e princípios constitucionais, há, pelo menos, uniformidade de entendimento quanto a considerar que o princípio da dignidade da pessoa humana é violado quando a pessoa é tratada como coisa, meio ou mero instrumento para a realização de fins alheios. A mera possibilidade legal de um trabalhador poder, sem o seu acordo, ser cedido, como se de uma mercadoria se tratasse, a uma outra pessoa colectiva diferente daquela com que celebrou um contrato de trabalho, parece configurar um exemplo de escola desse tipo de violação. No caso, a possibilidade de esta violação se verificar é ainda tanto mais provável quanto a enumeração das condições, que em princípio deveriam ser excepcionais, para que a cedência possa ocorrer se fica por uma indeterminação tão acentuada (“razões de economia, eficácia, e eficiência na prossecução das respectivas atribuições”) que pode permitir todos os abusos. Independentemente de não haver diminuição ou agravamento das suas condições materiais de trabalho, a simples possibilidade de cedência sem acordo expresso é, em si mesma, chocante
à luz daqueles princípios constitucionais. Assim, a norma do artº 14º, n.º 2, na medida em que prevê a possibilidade de cedência de um trabalhador, mesmo sem o seu acordo expresso, a outra pessoa colectiva pública, pode-se considerar inconstitucional por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, do artº 1º da Constituição, e por violação da concretização deste princípio na garantia constitucional de organização do trabalho em condições socialmente dignificantes do artº 59º, n.º 1, alínea b), da Constituição. II Nestes termos, venho requerer a apreciação da constitucionalidade: a) das normas constantes do artº 7º, n.º 4, e artº 7º, n.º 5; b) da norma constante do artº 8º, n.º 3, e c) da norma constante do artº 10º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 157/IX, na parte em que essas normas determinam a nulidade dos contratos celebrados com preterição dos requisitos, formalidades ou procedimentos previstos nos respectivos artigos, todas por violação da garantia constitucional de segurança no emprego do artº 53º da Constituição, por violação dos princípios constitucionais de segurança jurídica e de protecção da confiança próprios de Estado de Direito do artº 2º da Constituição e concretizados especificamente na garantia constitucional de segurança do emprego do artº 53º da Constituição, e por violação do princípio da proibição do excesso próprio de Estado de Direito e expressamente acolhido no artº 18º, n.º 2, da Constituição. d) da norma constante do artº 14º, n.º 2, do Decreto da Assembleia da República n.º 157/IX, por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, do artº 1º da Constituição, e por violação da concretização deste princípio na garantia constitucional de organização do trabalho em condições socialmente dignificantes do artº 59º, n.º 1, alínea b) da Constituição.”
2. Notificado para se pronunciar sobre o pedido, nos termos do artigo 54º da LTC, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e remeteu os pareceres apresentados pelos parceiros sociais e dois relatórios da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, bem como os Diários da Assembleia da República que contêm os restantes trabalhos preparatórios relativos ao diploma em causa.
O Governo apresentou, para ponderação pelo Tribunal, quatro pareceres jurídicos elaborados por professores universitários, todos concluindo pela não inconstitucionalidade das normas em causa.
3. Discutido o memorando elaborado nos termos do n.º 2 do artigo 58º da LTC e apurado o vencimento formado relativamente a cada uma das questões de constitucionalidade suscitadas, cumpre formular a decisão.
II – Fundamentação
1. Delimitação do pedido
O Presidente da República começa, no intróito do seu requerimento e por óbvia comodidade expositiva, por fazer uma indicação das normas questionadas por correspondência a todo o preceito que as incorpora. Mas conclui com a formulação do pedido, em conformidade com a argumentação desenvolvida, em termos que dispensam qualquer tarefa suplementar do Tribunal no sentido da determinação mais precisa do objecto do pedido de apreciação de constitucionalidade.
De modo que, nos precisos termos dessa formulação:
- as normas constantes dos n.º s 4 e 5 do artigo 7º, do n.º 3 do artigo 8º e do n.º 3 do artigo 10º do Decreto da Assembleia da República n.º 157/IX apenas vêm questionadas na parte em que determinam a nulidade dos contratos de trabalho celebrados com preterição dos requisitos, formalidades ou procedimentos previstos nos respectivos artigos;
- a norma constante do n.º 2 do artigo 14º do mesmo Decreto é questionada na
íntegra.
2. As normas em apreciação
2. 1. O acto de iniciativa legislativa que conduziu ao diploma parlamentar em que se inserem as normas questionadas foi a Proposta de Lei n.º
100/IX (Diário da Assembleia da República, II série A, de 5 de Novembro de
2003), mediante a qual o Governo submeteu à Assembleia da República a definição do regime jurídico do contrato de trabalho nos empregadores públicos, tendo como objectivos fundamentais, como anuncia a respectiva Exposição de Motivos, “a determinação do âmbito de aplicação do regime de contrato de trabalho na Administração Pública e a adequação do regime jurídico do contrato de trabalho aos empregadores públicos, que não são necessariamente de natureza empresarial e estão ao serviço do interesse público, bem como concretizar os imperativos constitucionais aplicáveis a todos os trabalhadores da Administração Pública, incluindo os sujeitos ao regime do contrato de trabalho”.
Trata-se de introduzir no ordenamento jurídico as especialidades exigidas pela generalização da possibilidade de recurso ao contrato individual de trabalho na Administração Pública, sendo a inovação mais digna de nota, no aspecto estrutural, relativamente à situação vigente, o alargamento à administração directa da possibilidade de constituição, por essa via, de relações de emprego por tempo indeterminado. [Actualmente, salvo regimes especiais, a relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação ou por contrato (artigo 5º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, diploma que estabelece os princípios gerais em matéria de emprego público, e artigo 3º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro). A nomeação
(seguida de aceitação) é o modo de constituição da relação de emprego por tempo indeterminado, com preenchimento de um lugar do quadro de um serviço público, conferindo a qualidade de funcionário. O contrato de pessoal na Administração Pública gera uma relação transitória de trabalho subordinado e pode consistir numa de duas espécies: (i) o contrato administrativo de provimento (ii) e o contrato de trabalho a termo. O primeiro é a forma de provimento para exercício transitório, sem integração nos quadros, de funções próprias do serviço público, em regime jus-publicístico, e só pode ser celebrado em situações expressamente previstas (artigos 7º, n.º 2, alínea a), e 8º do Decreto-Lei n.º 184/89 e artigos 14º, n.º 1, alínea a), e 15º a 17º do Decreto-Lei n.º 427/89), conferindo a qualidade de agente administrativo. O segundo é, de um modo geral, o título para o desempenho, com subordinação jurídica, de actividades que correspondam a necessidades transitórias dos serviços, de duração previsível, que não devam ser asseguradas mediante a celebração de um contrato administrativo de provimento (artigos 7º, n.º 2, alínea b), e 9º do Decreto-Lei n.º 184/89 e artigos 14º e 18º do Decreto-Lei n.º 427/89). Este contrato não confere a qualidade de agente administrativo (artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89) e nunca se converte em contrato sem termo (n.º 4 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 427/89, aditado pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Julho, que procurou aperfeiçoar o regime do contrato a termo na Administração Pública). Assim, a celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado na Administração Pública não é, de um modo geral, permitida. Todavia, o artigo 2º da Lei n.º 25/98, de 26 de Maio, acrescentou o artigo 11º-A ao Decreto-Lei n.º
184/89, permitindo a contratação sob regime de contrato individual de trabalho de pessoal auxiliar “quando a jornada de trabalho não exceder dois terços do horário normal fixado para a Administração Pública”. E, na administração indirecta, a partir da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro (lei quadro dos institutos públicos), estenderam-se a todos os institutos públicos soluções que já vinham sendo adoptadas singularmente, designadamente a de permitir que a relação de emprego com a totalidade ou parte do pessoal dos institutos públicos se estabeleça em regime de contrato individual de trabalho (cfr., sobre o regime de emprego nos institutos públicos, Relatório e Proposta de Lei-Quadro sobre os Institutos Públicos, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública,
2001, maxime o estudo de Rui Pessoa de Amorim, “Regime laboral e estatuto e remunerações do pessoal dirigente dos institutos públicos”)].
A necessidade de fazer acompanhar a extensão do regime do contrato individual de trabalho à Administração Pública de resposta legislativa adequada
às especificidades da relação jurídica de emprego público – emergentes quer da natureza do empregador (empregador público), quer do fim que conforma o conteúdo da relação jurídica que resulta da celebração do contrato (interesse público) – já havia sido reconhecida na Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, ao dispor que:
“Artigo 6.º
Trabalhadores de pessoas colectivas públicas
Ao trabalhador de pessoa colectiva pública que não seja funcionário ou agente da Administração Pública aplica-se o disposto no Código do Trabalho, nos termos previstos em legislação especial, sem prejuízo dos princípios gerais em matéria de emprego público.”
2.2. Se bem que o pedido seja restrito a quatro aspectos pontuais do Decreto n.º 157/IX – (i) a sanção de nulidade do contrato para o desrespeito aos limites à contratação nos aspectos quantitativo (n.º 4 do artigo 7º) e remuneratório (n.º 5 do artigo 7º), (ii) a sanção de nulidade para a inobservância da forma escrita e de certos requisitos de conteúdo do instrumento contratual (n.º 3 do artigo 8º), (iii) a sanção de nulidade do contrato para a violação do regime de celebração de contratos a termo resolutivo (n.º 3 do artigo 10º) (iv ) a dispensa de consentimento do trabalhador no caso de cedência num quadro de colaboração entre pessoas colectivas públicas –, à apreciação da
(in)constitucionalidade das normas que lhes respeitam se limitando os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional (n.º 5 do artigo 51º da LTC), convém destacar, em enunciação tópica, os aspectos essenciais do regime que o diploma pretende consagrar (deixando de remissa aqueles aspectos directamente implicados pela apreciação das normas sub judicio que, oportunamente, terão de ser analisados com mais vagar para confrontá-los com o parâmetro constitucional).
Assim, merecem destaque os seguintes aspectos:
- Podem celebrar contratos de trabalho o Estado e outras pessoas colectivas públicas (artigo 1º, n.º 2). Abrange-se a administração central, regional autónoma e local (estas com possibilidade de introdução de adaptações, em diploma próprio: artigo 1º, n.º 5), integrem-se os entes empregadores na administração directa ou na administração indirecta. Esta ampla definição positiva do âmbito de aplicação do regime que consta do diploma é, depois, subjectiva e objectivamente delimitada. No aspecto subjectivo, são excluídas do
âmbito do diploma (sem prejuízo de legislação especial) as entidades referidas nas diversas alíneas do n.º 3 do artigo 1º: a) Empresas públicas; b) Pessoas colectivas de utilidade pública administrativa; c) Associações públicas; d) Associações ou fundações criadas como pessoas colectivas de direito privado por pessoas colectivas de direito público abrangidas pela presente lei; e) Entidades administrativas independentes; f) Universidades, institutos politécnicos e escolas não integradas do ensino superior; g) O Banco de Portugal e os fundos que funcionam junto dele. No aspecto objectivo, avulta a proibição de, na administração directa do Estado, poderem ser desempenhadas em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado funções que impliquem o exercício directo de poderes de autoridade que definam situações subjectivas de terceiros ou o exercício de poderes de soberania (artigo 1º, n.º 5). Aliás, no âmbito da administração directa do Estado, as funções que podem ser objecto de contrato terão, ainda, de ser definidas em decreto-lei (artigo 25º, n.º 1), sem prejuízo de, desde já, se poder recorrer a este regime de contratação para as actividades de apoio administrativo, auxiliar e serviços gerais, depois de aprovados os quadros de pessoal respectivos, por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da tutela (artigo 25º, n.ºs 2 e 3).
- O contrato não confere ao trabalhador a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, sendo-lhe supletivamente aplicável o regime do Código do Trabalho e legislação especial (artigo 2º). Para o efeito, as pessoas colectivas públicas são equiparadas a “grandes empresas” (artigo 3º).
- Além dos deveres gerais (decorrentes do Código do Trabalho, de instrumento de regulamentação colectiva ou do contrato), incidem sobre os trabalhadores das pessoas colectivas públicas os deveres especiais de prossecução do interesse público e de agir com imparcialidade e isenção perante os cidadãos e é-lhes aplicável o regime de incompatibilidades e de necessidade de autorização para exercer outra actividade a que estão sujeitos os funcionários e agentes (artigo 4º; cfr. artigo 269º da CRP).
- A celebração do contrato está subordinada a um procedimento de selecção, mais formalizado para os contratos por tempo indeterminado que obedece aos princípios de (a) publicitação da oferta de trabalho, (b) garantia de igualdade de condições e oportunidades (c) e decisão da contratação fundamentada em critérios objectivos de selecção (artigo 5º) e mais simplificado para os contratos a termo resolutivo (artigo 9º, n.º 4).
- As pessoas colectivas públicas podem reduzir os períodos normais de trabalho ou suspender os contratos de trabalho (lay-off) quando se verifique uma redução grave e anormal das suas actividades por razões estruturais ou tecnológicas, pela ocorrência de catástrofes ou por razões de natureza análoga, seguindo-se o regime previsto no Código do Trabalho, com ligeiras especialidades
(artigo 15º). O empregador pode, ainda, para além dos casos previstos no Código do Trabalho, promover o despedimento colectivo ou a extinção de postos de trabalho por razões de economia, eficácia e eficiência na prossecução das respectivas atribuições, em casos de cessação parcial da actividade determinada por lei ou em certos casos de extinção, fusão ou reestruturação de serviços
(artigo 18º).
- A extinção da pessoa colectiva pública empregadora determina a caducidade dos contratos de trabalho, excepto se houver sucessão nas atribuições, em que os contratos se transmitem aos sujeitos que as venham a prosseguir, nos termos previstos no Código do Trabalho para a transmissão de empresa ou estabelecimento (artigo 17º). Havendo sucessão de pessoas colectivas públicas nas atribuições ou transferência da responsabilidade pela gestão do serviço público para entidades privadas, sob qualquer forma (v.g. por concessão), ainda que sem extinção do ente público empregador, a regra é a da transmissão da titularidade do contrato para o novo titular das atribuições ou da responsabilidade pela gestão do serviço público (artigo 16º).
- Prevêem-se mecanismos de contratação colectiva que procuram reflectir as especificidades das pessoas colectivas e da situação da Administração enquanto empregador (artigos 19º a 22º).
2.3. Importa, agora, analisar as normas que são objecto do pedido, no seu contexto mais imediato e na medida do estritamente necessário à apreciação, em fiscalização preventiva, da sua conformidade com normas e princípios constitucionais.
A) O artigo 7º do Decreto enviado ao Presidente da República para promulgação tem a seguinte redacção:
“Artigo 7º Limites à contratação
1 - As pessoas colectivas públicas apenas podem celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado se existir um quadro de pessoal para este efeito e nos limites deste quadro.
2 - No âmbito da administração directa do Estado a competência para celebrar contratos de trabalho pertence ao dirigente máximo do serviço.
3 - A celebração de contratos de trabalho por pessoas colectivas públicas deve ser comunicada ao Ministro das Finanças e ao membro do Governo que tiver a seu cargo a Administração Pública.
4 - A celebração de contratos de trabalho em violação do disposto no n.º 1 implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho.
5 - A celebração de contratos de trabalho que envolvam encargos com remunerações globais superiores aos que resultam da aplicação de regulamentos internos ou dos instrumentos de regulamentação colectiva fica sujeita à autorização do Ministro das Finanças, sob pena de nulidade do contrato.
6 - Para efeitos do número anterior, a determinação da remuneração global inclui quaisquer suplementos remuneratórios, incluindo a fixação de indemnizações ou valores pecuniários incertos.”
A finalidade do preceito na economia do diploma é evidente.
No n.º 1 sujeita-se a contratação, em cada pessoa colectiva pública,
à existência e aos limites de um quadro próprio de pessoal em regime de contrato. No n.º 3 estabelece-se um dever de comunicação destinado a permitir o controlo da contratação pelo Ministro das Finanças e pelo membro do Governo responsável pela Administração Pública. E no n.º 4 sanciona-se a inobservância da regra estabelecida no n.º 1 com:
- a nulidade dos contratos celebrados em violação desses limites;
- a responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que os celebrarem.
Subordina-se a dotação de pessoal em regime de contrato de trabalho a um instrumento clássico no direito administrativo para a programação de efectivos: o quadro de pessoal com valor normativo (cfr., sobre o regime e a estruturação dos quadros de pessoal na função pública, o disposto nos artigos
13º e 14º do Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de Julho, no artigo 25º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho e no artigo 40º do Decreto-Lei n.º
353-A/89, de 16 de Outubro). De modo geral, os quadros são mapas discriminativos e de organização distributiva dos efectivos, comportando um elemento quantitativo e um elemento qualitativo: que número e qual o pessoal a recrutar. São definidos também como “uma relação qualificada dos postos de trabalho”. Constituem a forma de programar e controlar o factor “recursos humanos” na Administração Pública e os meios financeiros que consome, correspondendo à determinação prospectiva das necessidades de efectivos
«suportada pelo recenseamento (conhecimento) do pessoal existente, pela análise e qualificação de funções, [devendo] adequar-se à estrutura, atribuições e competências dos organismos e serviços públicos, aos “planos de actividades e respectivos projectos de orçamento” e ter presente que cumpre um agir eficiente na actividade administrativa» (Ana Fernanda Neves, Relação Jurídica de Emprego Público, 1999, p. 131).
Pretende-se, com a precedência necessária e a dependência imperativa de um quadro próprio, obrigar à gestão previsional e à racionalização de meios e controlar e conter nos limites legais (lato sensu, os quadros são geralmente fixados por regulamento) a utilização, por parte dos dirigentes dos serviços, deste instrumento de flexibilização organizativa da Administração Pública que é o recrutamento mediante contrato de trabalho, instituindo uma armadura sancionatória severa para eliminação das situações de desrespeito pelo limite quantitativo e qualitativo dos efectivos legalmente programados e para responsabilização dos dirigentes que lhes tenham dado causa. Do mesmo passo, obstando à consolidação de situações ilegais, reforça-se em grau máximo a efectividade dos poderes de direcção, superintendência e tutela dos órgãos competentes (cfr. artigos 267º, n.º 2, e 199º, alínea d) da CRP).
B) O n.º 5 obedece à mesma finalidade repressiva da ilegalidade administrativa, noutra vertente da disciplina da contratação de pessoal que é o respeito pelo limite máximo dos níveis retributivos (cfr. artigos 13º e 11º, n.º
3). A remuneração global (cfr. n.º 6: compreende quaisquer suplementos remuneratórios, incluindo a fixação de indemnizações ou valores pecuniários incertos) fixada em cada contrato não pode ultrapassar o que resultar da aplicação dos instrumentos de contratação colectiva ou dos regulamentos internos, salvo autorização do Ministro das Finanças.
A violação desta regra implica a nulidade do contrato, bem como a responsabilidade disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos da pessoa colectiva pública (artigo 13º, n.º 2; nesta hipótese, não se prevê expressamente a responsabilidade civil do dirigente).
Aliás, é interessante notar, quer em relação a esta medida, quer em relação à examinada na alínea anterior, a constância do legislador. Com efeito, também no n.º 5 do artigo 34º da Lei n.º 3/2004 se estabelece que os institutos públicos “dispõem de mapas de pessoal aprovados por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela, publicado no Diário da República, dos quais constarão os postos de trabalho com as respectivas especificações e níveis de vencimentos, sendo nula a relação de trabalho ou de emprego público estabelecida com violação dos limites neles impostos” [sublinhado aditado].
C) O artigo 8º do Decreto tem a seguinte redacção:
“Artigo 8º Forma
1 - Os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas estão sujeitos à forma escrita.
2 - Do contrato de trabalho devem constar as seguintes indicações: a) Nome ou denominação e domicílio ou sede dos contraentes; b) Tipo de contrato e respectivo prazo, quando aplicável; c) Actividade contratada e retribuição do trabalhador; d) Local e período normal de trabalho; e) Data de início da actividade; f) Indicação do processo de selecção adoptado; g) Identificação da entidade que autorizou a contratação.
3- A não redução a escrito ou a falta das referências das alíneas a), b), c) e g) determinam a nulidade do contrato.”
Enquanto no Código do Trabalho a regra é a da liberdade de forma, podendo o contrato de trabalho ajustar-se por mero consenso, sem exigência de forma especial (artigo 102º), o contrato de trabalho na Administração Pública está sujeito a forma escrita e do instrumento contratual devem imperativamente constar as indicações referidas nas diversas alíneas do n.º 2 deste artigo 8º. E no n.º 3 fulmina-se com a nulidade do contrato a inobservância da forma escrita ou a falta das indicações a que se referem as alíneas a), b), c) e g).
Mas não se fica por aqui a especialidade do regime estabelecido no preceito, em contraponto com o regime geral constante do Código do Trabalho. É que neste, embora a inobservância da forma legalmente prevista, nos casos especiais em que é exigida (cfr. artigo 103º do Código do Trabalho), também implique a nulidade do contrato por aplicação subsidiária do artigo 220º do Código Civil, essa regra geral sofre diversas excepções, das quais resulta a validade do contrato, porque a invalidade não afecta este in totum, mas tão só, a cláusula que fixa um regime especial (v.g. artigos 131º, n.º 4, e 92º, n.º 5, e 234º, n.º 2).
D) É a seguinte a redacção do artigo 10º do referido Decreto n.º
157/IX :
“Artigo 10º Regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo
1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas não está sujeito a renovação automática.
2 - O contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no Código do Trabalho.
3 - A celebração de contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na presente lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho.”
A norma impugnada (a do n.º 3) sanciona com a nulidade a celebração de contratos a termo resolutivo que não respeitem o regime especial a que o diploma pretende sujeitar o recurso à contratação a termo na Administração Pública.
Integram a hipótese normativa os casos de violação das regras do artigo 9º [situações em que é admitida a contratação a termo resolutivo (n.º 1), aposição de termo incerto (n.º 2), duração do contrato (n.º 3), processo de selecção (n.º 4), autorização ministerial prévia (n.º 5)] e de eventual inclusão de cláusulas contrárias ao preceituado no artigo 10º (não renovação automática, não conversão em contrato sem termo e caducidade pelo decurso do prazo máximo de duração dos contratos a termo).
Diferente é o regime geral constante do Código do Trabalho, em que se considera sem termo o contrato celebrado fora dos casos de admissibilidade de contrato a termo (artigo 130º, n.º 2) e em que falte a redução a escrito ou sejam omitidas formalidades essenciais (artigo 131º, n.º 4), em que a regra é a renovação automática, na falta de declaração das partes em contrário (artigo
140º) e em que o contrato se converte em contrato sem termo se forem excedidos os prazos de duração máxima ou o número máximo de renovações (artigo 141º) ou o contrato for renovado quando (já) não se verifiquem as exigências materiais de celebração (artigo 140º, n.º 4).
E) Finalmente, o artigo 14º do diploma em análise é do seguinte teor:
“Artigo 14º Cedência ocasional de trabalhadores
1 - É lícita a cedência ocasional de trabalhadores das pessoas colectivas públicas para o exercício de funções temporárias noutra pessoa colectiva pública com o acordo do trabalhador expresso por escrito.
2 - No quadro da colaboração entre pessoas colectivas públicas, a cedência não exige o acordo do trabalhador se for fundamentada em necessidades prementes das entidades envolvidas ou em razões de economia, eficácia, e eficiência na prossecução das respectivas atribuições.
3 - A cedência prevista no número anterior não pode fazer diminuir os direitos do trabalhador e deve respeitar as regras do Código do Trabalho quanto à mobilidade funcional e geográfica e tempo de trabalho.
4 - O acordo de cedência entre pessoas colectivas deve ser reduzido a escrito e prever expressamente a entidade responsável pelo pagamento da retribuição ao trabalhador.
5 - Nas matérias não especificamente reguladas neste artigo é aplicável o regime do Código do Trabalho sobre a cedência ocasional.”
A cedência ocasional de trabalhadores é uma das modalidades de mobilidade externa do pessoal ao serviço das organizações. É, de acordo com a definição legal, uma das vicissitudes típicas do contrato de trabalho que consiste na disponibilização temporária e eventual do trabalhador do quadro de pessoal próprio de um empregador para outra entidade, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo da manutenção do vínculo contratual inicial (artigo 322º do Código do Trabalho). Gera (temporariamente) uma relação triangular, numa relação normalmente bipolar (dizemos normalmente porque a relação de trabalho subordinado pode assumir ab origine estrutura poligonal; cfr. artigo 92º).
[Anteriormente ao Código do Trabalho, a cedência ocasional estava prevista no Decreto-Lei n.º 358/99, de 17 de Outubro, “Lei do Trabalho Temporário”, sendo então problemática a desnecessidade do consentimento no caso de cedência de quadros técnicos].
Do seu regime no Código do Trabalho salienta-se que, salvo quando ocorra ao abrigo de instrumento de regulação colectiva de trabalho em que se rege pelas regras aí estabelecidas (artigo 323º), a cedência ocasional depende da verificação cumulativa das condições previstas no artigo 324º do Código. Uma destas condições é que a cedência tenha lugar no quadro de colaboração entre sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas de domínio de grupo, ou entre empregadores independentes de natureza societária que mantenham estruturas organizativas comuns. Outra é a exigência de que o trabalhador dê o seu acordo à cedência. Reside aqui, na dispensa do acordo do trabalhador, o punctum saliens da crítica do requerente à norma em causa.
3. Apreciação das questões de constitucionalidade
3.1. Passemos a enfrentar as questões de constitucionalidade suscitadas, podendo constituir-se, para este efeito, pela identidade de parâmetros constitucionais que convocam e seguindo, aliás, o requerimento do Presidente da República, dois grupos de normas:
I – As normas constantes dos n.ºs 4 e 5 do artigo 7, do n.º 5 do artigo 8º e do n.º 3 do artigo 10º (todas na dimensão referida quando se procedeu à delimitação do objecto do pedido);
II – A norma constante do n.º 2 do artigo 14º.
3.2. Como se viu, todas as normas do primeiro grupo determinam a consequência da nulidade dos contratos de trabalho que tenham sido celebrados pelas pessoas colectivas públicas com preterição dos requisitos, condições ou formalidades nelas previstos.
Sustenta o requerente que “a determinação da consequência da nulidade dos contratos de trabalho sem a simultânea previsão de quaisquer compensações constitui, do ponto de vista dos trabalhadores, uma consequência claramente excessiva ou mesmo inaceitável” uma vez que essa sanção é estabelecida para incumprimento de requisitos legais a que, na maior parte do casos, são alheios ou não podem controlar, expondo-os a que, em qualquer momento, venha a ser considerado nulo um contrato que celebraram em inteira boa fé. Assim, continua, as referidas normas, quando determinam este efeito, afectam decisiva e injustificadamente a garantia constitucional de segurança no emprego, consagrada no artigo 53º da Constituição.
E acrescenta que, relativamente a todas as situações, mas com particular acuidade quando está em causa um contrato por tempo indeterminado, na medida em que precarizam uma relação laboral estabilizada, já que a qualquer momento os trabalhadores – a quem o Estado ou outras pessoas colectivas públicas alimentaram expectativas de estabilidade e estimularam a agir em consequência – podem ser sujeitos a uma declaração de invalidade do contrato com que não podiam razoavelmente contar, as mesmas disposições violam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança próprios do Estado de Direito (artigo 2º da Constituição) e especificamente concretizados na garantia constitucional de segurança no emprego.
E, finalmente, que essas normas, mesmo que a intenção que lhes preside seja a de corresponsabilizar todas as partes envolvidas no interesse da observância da legalidade e do interesse público, se configuram como restrições da mesma garantia constitucional violadoras do princípio da proibição de excesso própria do Estado de Direito e expressamente acolhido no artigo 18º, n.º 2, da Constituição, uma vez que o trabalhador vem a ser penalizado da forma mais drástica, perdendo o emprego, por factos de que não é responsável, não controla, nem podia conhecer, constituindo a nulidade, como está prevista, uma sanção desrazoável, desproporcionada e não indispensável para garantir a prossecução do interesse público.
Vejamos.
3.3. Uma vez que as normas em análise são postas em crise tendo por referente nuclear a garantia constitucional da segurança no emprego, ainda que também sejam convocados os princípios da confiança e da segurança jurídica,
ínsitos no princípio do Estado de Direito (artigo 2º da Constituição), e o princípio da proibição de excesso (artigo 18º, n.º 2 da Constituição), comecemos por recordar o que, a este propósito e retomando jurisprudência anterior
(transcreve-se aí o Acórdão n.º 581/95, que refere outros) se disse no recente Acórdão do Plenário n.º 306/2003, publicado no Diário da República, I Série A, de 18 de Julho de 2003 (apreciou, em fiscalização preventiva, normas do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX, que aprovava o Código de Trabalho), transcrevendo:
“III (...) – 1. A Constituição, no artigo 53.º, garante aos trabalhadores «a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos». Esta garantia constitui uma manifestação essencial da fundamentalidade do direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada. Por via dela se afirma em modo paradigmático a influência jus-fundamental nas relações entre privados, que não é aí apenas uma influência de irradiação objectiva, mas uma influência de ordenação directa das relações contratuais do trabalho. E é também o valor da autonomia que se realiza no programa da norma constitucional do artigo 53.º. A Constituição deixa claro o reconhecimento de que as relações de trabalho subordinado não se configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se estabelecem no sistema civilístico dos contratos. A relevância constitucional do «direito ao lugar» do trabalhador envolve um desvio claro da autonomia contratual clássica e do «equilíbrio de liberdades» que a caracteriza. É que as normas sobre direitos fundamentais detêm, no plano das relações de trabalho, uma eficácia de protecção da autonomia dos menos autónomos. Aqui é evidente o desiderato constitucional de ligação da liberdade fáctica e da liberdade jurídica. A Constituição faz depender a validade dos contratos não apenas do consentimento das partes no caso particular, mas também do facto de que esse consentimento «se haja dado dentro de um marco jurídico-normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos não está subordinada à do outro» (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, pág. 178). A segurança no emprego implica, pois, a construção legislativa de um conjunto de meios orientados à sua realização. Desde logo, estão entre esses meios a excepcionalidade dos regimes da suspensão e da caducidade do contrato de trabalho e da sua celebração a termo. Mas a proibição dos despedimentos sem justa causa apresenta-se como elemento central da segurança no emprego, como a
«garantia da garantia». Enquanto pauta de valoração, que carece de preenchimento, a «justa causa» implica uma abertura hermenêutica à estrutura geral da Constituição e à ordem de valores que entranha essa estrutura. Se bem que a «justa causa» se subtraia a uma definição conceptual, excluindo assim um método subsuntivo para lhe conferir operatividade, ela não pode ter-se como «fórmula vazia pseudo-normativa» compatível «com todas ou quase todas as formas concretas de comportamento e regras de comportamento (...). Ao invés, contém uma ideia jurídica específica»
(Karl Larenz, referindo-se às pautas de regulação que carecem de preenchimento valorativo e exemplificando precisamente com a «justa causa» (Metodologia da Ciência do Direito, tradução portuguesa, 2.ª edição, a partir da 5.ª edição alemã de 1983, Lisboa, 1989, págs. 263-264)). A interpretação tem pois que fazer apelo aos valores da dignidade e da autonomia e aos paradigmas do Estado social de direito. O critério de medida da legislação haverá de ter em conta que para a ordem constitucional o trabalho constitui um importante meio de auto-realização do indivíduo, que o trabalhador é «um fim em si», não é um simples meio para os planos de vida do empregador, e também que – como afirma Forsthoff – para a ordem da Constituição Social, «a realidade da concreta existência individual deixou de se desenvolver num espaço vital dominado e passou a desenvolver-se num espaço vital efectivo» (Ernst Forsthoff,
«Problemas constitucionales del Estado Social», in Wolfgang Abendroth / Ernst Forsthoff / Karl Doehring, El Estado Social, tradução castelhana, Madrid, 1986, págs. 43 e seguintes). Essa ideia tem expressão exemplar no acórdão do Tribunal Constitucional n.º
107/88 (citado): «(...) A garantia de segurança do emprego (...) postula, desde logo, a garantia da estabilidade da posição do trabalhador na relação de trabalho e de emprego e a sua não funcionalização aos interesses da entidade patronal. E esta verificação não pode deixar de interpenetrar o verdadeiro sentido da justa causa para despedimento e a avaliação constitucional que sobre ela se empreenda» (sublinhado agora).
2. Da justa causa retira-se, no essencial, que o trabalhador não pode ser privado do trabalho por mero arbítrio do empregador. A garantia constitucional da segurança no emprego significa, num certo sentido, como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, uma «alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa» que, assim, «não goza de liberdade de disposição sobre as relações de trabalho» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra,
1993, pág. 287). Na teleologia da norma do artigo 53.º da Constituição está pois a ideia de que a estabilidade do emprego envolve uma «resistência» aos desígnios do empregador, que ela não pode ser posta em causa por mero exercício da vontade deste. Este sentido nuclear assinalou-o a jurisprudência constitucional ao conceito de justa causa e à garantia, que funda, da segurança no emprego. Em vários momentos deixou claro que em nenhuma circunstância estão justificados os despedimentos arbitrários ou discricionários. O acórdão n.º 107/88 (citado) perguntava se a garantia constitucional da segurança no emprego admitia apenas a justa causa disciplinar como fundamento de despedimento (existência de culpa grave do trabalhador) ou se admitia também
«despedimentos fundados em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador e que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho». E se bem que se não houvesse aí concretizado uma resposta definitiva para o problema, advertiu-se logo para que a eventual admissibilidade de despedimentos fundados em causas objectivas haveria de pressupor um particular sistema (legal) de garantias substantivas e de procedimento. Este acórdão – que empreendera um longo excurso pela legislação laboral anterior aos trabalhos preparatórios da Constituição – afirmou ainda que não cabia na «intenção jurídico-normativa» da norma constitucional do artigo 53.º o ressurgimento da figura do motivo atendível que o Decreto-Lei n.º 372-A/75 erigira em causa de despedimento e definira como «o facto, situação ou circunstância objectiva, ligado à pessoa do trabalhador ou à empresa, que dentro dos condicionalismos da economia da empresa, torne contrária aos interesses desta e aos interesses globais da economia a manutenção da relação de trabalho». Mesmo para quem não empreenda esta aproximação «originalista» da norma constitucional, é clara a ideia – aliás, expressamente assumida no mesmo acórdão
– de que a essencialidade da justa causa está na não funcionalização do trabalho aos interesses do empregador ou à mera conveniência da empresa. Ideia que vem também estruturar a argumentação do Acórdão n.º 64/91 (citado): aqui, é retomado o problema que se deixara em aberto no primeiro acórdão, da determinação dos fundamentos de cessação do contrato de trabalho constitucionalmente admissíveis. Diz-se: «(...) ao lado da ‘justa causa’ disciplinar, a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral». O acórdão adverte para que, neste caso dos despedimentos por causa objectiva, se impõe a instituição de garantias substantivas e de procedimento. Entre essas garantias estão a de determinação das causas (com suficiente concretização dos conceitos da lei), da controlabilidade das situações de impossibilidade objectiva, e do asseguramento ao trabalhador de uma indemnização.”
Reconhece-se que, entre a situação examinada no presente processo e aquelas outras a propósito das quais se consolidou esta doutrina, se surpreende uma diferença de tomo. Aí a questão apresentava-se na vertente da cessação (recte, de normas respeitantes à cessação) de um contrato de trabalho válido ou da densificação do conceito constitucional de “justa causa”. Nas normas que agora nos são sujeitas, a causa operativa da perda da situação de emprego é a invalidade do contrato de trabalho, não o despedimento. Vista a questão a partir da estrutura da norma constitucional interrogada, o que do artigo 53º da Constituição é chamado ao caso é, somente, a primeira parte (“é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego”).
Não parece, todavia, que esta diferença, tendo presente a unidade de sentido da “constituição do trabalho”, torne desadequado invocar aqui a mesma doutrina.
É certo que a situação resultante de actos ou negócios jurídicos inválidos, designadamente daqueles cuja invalidade resulte de terem sido praticados ou celebrados com violação de normas imperativas, tem de perspectivar-se, perante os valores da protecção da confiança e da segurança jurídica, em termos diversos daqueles em que se apresentam as situações que resultam de actos ou negócios válidos, sob pena de “amolecimento ósseo” das prescrições ou proibições infringidas.
Porém, a precarização da situação ligada à ameaça permanente dos efeitos da invalidade do contrato de trabalho pode constituir, em termos semelhantes à cessação do contrato, um obstáculo à afirmação da dignidade da pessoa humana enquanto trabalhador e é susceptível de gerar o mesmo tipo de angústia da existência que o princípio da segurança no emprego visa minorar, pelo que não pode recusar-se liminarmente o confronto da opção legislativa quanto ao desvalor jurídico do contrato com o referido parâmetro constitucional.
Lembra-se o que se disse no Acórdão n.º 683/99, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2000, num caso que (além de outros pontos de contacto) tem com o presente a proximidade de a norma infra-constitucional apreciada também não convocar a 2ª parte do artigo 53º
(estava em causa a constitucionalidade do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º
427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo).
«A garantia de segurança no emprego funda-se no reconhecimento do valor essencial do trabalho para a realização da pessoa e para a obtenção das condições de existência necessárias ao seu sustento e do seu agregado familiar. A falta de segurança no emprego pode constituir um obstáculo decisivo à realização pessoal e profissional do indivíduo, e à afirmação da sua dignidade enquanto trabalhador – um obstáculo, poder-se-á dizer também, ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador.
[ … ] Enquanto contém um 'imperativo de tutela' ('Schutzgebot' – e não apenas 'direito de defesa'), a norma do artigo 53º impõe ao Estado um dever de protecção da segurança no emprego, a satisfazer, designadamente, com publicação de legislação que concretize tal garantia (sobre os 'deveres de protecção de direitos fundamentais', reconhecidos na doutrina e jurisprudência germânica e também já na nossa literatura, para exprimir o conteúdo dos encargos do Estado na sua função de protecção dos direitos fundamentais, cfr., entre nós, J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra, 1998, págs.
365, 374-5, 1122 e 1134-5, e Paulo Mota Pinto, 'O direito ao livre desenvolvimento da personalidade', in Portugal-Brasil, ano 2000, Coimbra, 1999, págs. 190 e segs.; na doutrina alemã, v.g. Josef Isensee, 'Das Grundrecht als Abwehrrecht und als staatliche Schutzpflicht', cit., in Josef Isensee/Paul Kirchhof, Handbuch des Staatsrechts, Band V – Allgemeine Grundrechtslehren, Heidelberg, 1992, § 111, n.º 83, Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt a. M., 1986, págs. 410 e segs., Johannes Dietlein, Die Theorie von den grundrechtlichen Schutzpflichten, Berlin, 1992, Peter Unruh, Zur Dogmatik der grundrechtlichen Schutzpflichten, Berlin, 1996).»
Invoca também o requerente os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança. Como diz Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, p. 257, “o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideraram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito”. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.
Como terceiro parâmetro, o requerente invoca o princípio da proibição de excesso, próprio do Estado de Direito.
No presente caso, porque não se trata daquela modalidade de risco para a segurança no emprego que o preceito constitucional directamente previne e porque a ponderação da proporcionalidade é também consentida pelos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, o confronto das normas de direito ordinário que estabelecem essa invalidade com o artigo 53º não se irá processar isoladamente, antes a ponderação terá sempre presente o bloco normativo formado entre este preceito constitucional, os princípios da segurança jurídica e da confiança, ínsitos no artigo 2º, e o princípio da proibição de excesso que se extrai do n.º 2 do artigo 18º da Constituição, por um lado, e o interesse visado pela norma que estabelece a invalidade, por outro.
Além disso, como se referiu no Acórdão n.º 306/2003, já citado, a propósito da rescisão do contrato de trabalho por motivos objectivos, impõe-se a instituição de garantias substantivas e de procedimento. Entre essas garantias está o asseguramento ao trabalhador de reparação adequada pela frustração da confiança, quando lhe não seja imputável a causa da invalidade e a situação objectiva ou a protecção de outros interesses constitucionalmente relevantes não permitam a tutela conservatória ou reintegrativa.
3.4. Nos termos do n.º 4 do artigo 7º do Decreto em apreço, estão feridos de nulidade os contratos de trabalho por tempo indeterminado quando não existir quadro de pessoal para o efeito ou quando não forem respeitados os limites desse quadro.
Como qualquer outro negócio jurídico, o contrato de trabalho é inválido (nulo ou anulável) quando, por falta ou irregularidade de algum dos seus elementos ou requisitos, não deva produzir os efeitos a que tende. Nas normas em causa, em todas elas, optou-se sempre pela nulidade total do contrato
(e não pela nulidade parcial, pela anulabilidade ou por uma invalidade atípica ou mista).
De um modo geral, o regime e os efeitos mais severos das nulidades –
operam “ipso jure”, são de conhecimento oficioso pelo tribunal, são invocáveis por qualquer interessado e são insanáveis pelo decurso do tempo ou mediante confirmação – encontram o seu fundamento teleológico em motivos de interesse público predominante. As anulabilidades (no direito privado) fundam-se na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses predominantemente particulares. Mas nem sempre assim é. Por vezes a lei estabelece invalidades mistas, mais adequadas à tutela dos interesses que constituem a matéria da respectiva regulamentação (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., p. 610).
É certo, como o requerente salienta, que o trabalhador estará, na generalidade dos casos abrangidos pela norma agora em exame, numa situação de ignorância não culposa da causa de nulidade, porque integrada por factos que lhe são inteiramente alheios e que, em condições de normalidade, na fragilidade de quem procura emprego, não estará sequer em condições de averiguar. É legítimo que, tendo participado num processo de selecção da iniciativa da pessoa colectiva pública empregadora e que depende da existência e regularidade da dotação, confie na verificação desse pressuposto da celebração do contrato. O
“domínio do facto” pertence aqui, por inteiro, à pessoa colectiva pública empregadora, mais rigorosamente ao dirigente máximo do serviço (artigo 7º, n.º
2). Não se trata de realidade imediatamente evidente ou em relação à qual seja exigível a um candidato a emprego, medianamente prudente e informado – e atente-se em que, embora possa abranger pessoal de elevada qualificação técnica ou profissional, o contrato de trabalho estará dominantemente vocacionado para o recrutamento de pessoal das categorias que exigem menos qualificação (cfr. n.º 2 do artigo 25º e n.º 4 do artigo 1º do diploma) –, uma aturada diligência de esclarecimento.
Porém, no outro braço da ponderação, entra o programa final desta norma que – como, de resto, daquelas outras que sancionam com a nulidade os contratos celebrados com violação das regras estabelecidas pelo diploma – é tornar efectivo o controlo e repressão dos abusos a que pode dar azo a adopção de um instrumentário jurídico menos constringente do que o clássico regime de direito administrativo da função pública.
Preocupação ou desconfiança do legislador que é historicamente legitimada pela experiência de continuada constituição de vínculos de trabalho irregulares na Administração Pública que, ciclicamente, têm vindo a ser objecto de medidas excepcionais de regularização [Sem preocupações de exaustão e só a partir de 1989, pode ver-se o panorama dos seguintes actos normativos versando a regularização da situação de pessoal em relação de trabalho irregular na Administração Pública: Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, Decreto-Lei n.º
413/91,de 19 de Outubro, Lei n.º 5/92, de 21 de Abril, Decreto-Lei n.º 81-A/96, de 21 de Junho, Resolução do Conselho de Ministros n.º 23-A/97, Diário da República I Série-B, de 14 de Fevereiro de 1997, Decreto-Lei n.º 103-A/97, de 28 de Abril, Lei n.º 76/97,de 24 de Julho, Decreto-Lei n.º 195/97, de 31 de Julho, Decreto-Lei n.º 256/98, de 14 de Agosto, Decreto-Lei n.º 79/98, de 26 de Março, Decreto-Lei n.º 489/99, de 19 de Novembro, Resolução do Conselho de Ministros n.º 97/2002, de 18 de Maio. Cfr., sobre as vicissitudes do próprio processo de regularização, Ana Fernanda Neves, “A privatização das relações de trabalho na Administração Pública”, in Os Caminhos da Privatização da Administração Pública, IV Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo, col. “Stvdia Juridica”, do Boletim da Faculdade de Direito, maxime, p. 170 e sgs.].
Efectivamente, a laboralização do emprego público – como, de um modo geral, a fuga para o direito privado – não liberta a Administração, designadamente na decisão de contratar e na celebração do contrato, da submissão ao princípio constitucional da legalidade administrativa (artigo 266º, n.º 2, da Constituição), desdobrado nos subprincípios da precedência de lei (ou da preferência de lei ou da compatibilidade ou da não-contradição: os actos da Administração não devem contrariar as normas legais que se lhes aplicam) e da reserva de lei (ou da conformidade: a prática de um acto pela Administração exige a prévia estatuição de uma norma jurídica).
Ponto é que as medidas legislativas tomadas para salvaguardar este interesse constitucionalmente protegido passem o teste do princípio da proporcionalidade (em sentido amplo) ou da proibição de excesso (artigo 18º, n.º
2, da Constituição).
Como se disse no Acórdão n.º 200/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Junho de 2001:
«Relativamente às restrições a direitos, liberdades e garantias, a exigência de proporcionalidade resulta do artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República. Mas o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado legislador e o Estado administrador adequar a sua projectada acção aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessária ou excessivamente restritivas. O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode, além disso, desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou 'justa medida'. Como se escreveu no citado Acórdão n.º 634/93, invocando a doutrina:
'o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).' Importa, ainda, fazer uma precisão sobre o alcance do princípio, e seu controlo jurisdicional, para a actividade administrativa e legislativa. Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da actividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo – como o comprova a própria jurisprudência deste Tribunal – que o princípio da proporcionalidade cobra no controlo da actividade do legislador um dos seus significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a actividade administrativa e legislativa – que, portanto, o princípio, e a sua prática aplicação jurisdicional, tenham um alcance diverso para o Estado administrador e para o Estado legislador. Assim, enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações complexas, no próprio plano empírico (social e económico). Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma 'prerrogativa de avaliação', como que um
'crédito de confiança' (falando de um 'Vertrauensvorsprung', v. Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht II, 14ª ed., Heidelberg,
1998, n.ºs 282 e 287), na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objectivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir). A diferenciação da vinculação pelo princípio da proporcionalidade do legislador e da administração é, aliás, salientada na doutrina nacional e estrangeira (v., para esta, por todos, a obra por último citada), e acolhida na jurisprudência. Assim, escreveu-se recentemente no Acórdão n.º 484/00, citando doutrina nacional:
'O princípio do excesso [ou princípio da proporcionalidade] aplica-se a todas as espécies de actos dos poderes públicos. Vincula o legislador, a administração e a jurisdição. Observar-se-á apenas que o controlo judicial baseado no princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes consoante se trate de actos legislativos, de actos da administração ou de actos de jurisdição. Ao legislador (e, eventualmente, a certas entidades com competência regulamentar) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância ao discutir-se os requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que perante o espaço de conformação do legislador, os tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada.' (assim, Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra, 1998, p.
264). Ora, estando em causa a constitucionalidade de uma norma, é apenas a intervenção do legislador que tem de ser aferida – com os limites assinalados. (...)'
(itálico aditado)»
Sustenta o requerente que “a determinação da consequência da nulidade dos contratos de trabalho sem a simultânea previsão de quaisquer compensações constitui, do ponto de vista dos trabalhadores, uma consequência claramente excessiva ou mesmo inaceitável”, uma vez que essa sanção é estabelecida para incumprimento de requisitos legais a que, na maior parte dos casos, são alheios ou não podem controlar e que os expõe a que, em qualquer momento, venha a ser considerado nulo um contrato que celebraram em inteira boa fé. Assim, continua, “as referidas normas, quando determinam este efeito, afectam decisiva e injustificadamente a garantia constitucional de segurança no emprego, consagrada no artigo 53º da Constituição”.
Porém, em primeiro lugar, a nulidade do contrato de trabalho não obedece inteiramente ao regime geral da nulidade (artigos 285º a 293º do Código Civil), havendo que ter presente o regime especial constante dos artigos 114º a
118º do Código do Trabalho, aplicável por força do artigo 2º do Decreto sob exame. Admite-se neste domínio uma ficção de validade, de molde a proteger as situações jurídicas constituídas ao seu abrigo, que não pode ser ignorada.
Efectivamente, dispõe o artigo 115º do Código do Trabalho
(corresponde, com alterações, ao artigo 15º da Lei do Contrato Individual de Trabalho) que o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução. [A doutrina costuma justificar o afastamento da regra da retroactividade da declaração de nulidade e da improdutividade jurídica total do negócio nulo (quod nullum est, nullum producit effectum ) com base na complexidade da relação laboral e das consequências da destruição retroactiva dos seus efeitos ou no escopo protector do trabalhador (cfr. Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho, 2ª edição, p. 210)].
Outra diferença decisiva do direito laboral relativamente ao regime geral da nulidade reside no n.º 1 do artigo 118º do Código do Trabalho, ao estabelecer que, cessando a causa da invalidade durante a execução do contrato, este se considera convalidado desde o início. Aplicada esta regra à nulidade que resulta da violação do n.º 1 do artigo 7º, obtém-se um significativo efeito prático de tutela da situação dos trabalhadores cujo contrato tenha incorrido nessa invalidade, porque a situação se convalidará retroactivamente com a criação ou variação positiva do quadro ou, até, com o simples surgimento de vagas. Efeito de sanação este que será tanto mais provável quanto maior for o arco temporal considerado, o que esvazia substancialmente o argumento da intolerável insegurança resultante da possibilidade de a nulidade vir a ser declarada a todo o tempo.
Acresce que, nos termos do n.º 3 do artigo 116º do Código do Trabalho, à invocação da invalidade pela parte de má fé, estando a outra de boa fé, seguida de imediata cessação da prestação de trabalho, se aplica o regime de indemnização prevista no n.º 1 do artigo 439º ou no artigo 448º para o despedimento ilícito ou para a denúncia sem aviso prévio, conforme os casos. A má fé consiste, para este efeito, na celebração do contrato ou na manutenção deste com o conhecimento da causa de invalidade (n.º 4 do artigo 116º).
Afigura-se que com estas especialidades do regime da nulidade do contrato de trabalho, associadas à específica consagração da responsabilidade civil dos titulares dos órgãos que na norma expressamente se estabelece, a que acresce, por força do artigo 22º da Constituição e do regime de responsabilidade dos actos do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública (Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967), a da pessoa colectiva empregadora (sem prejuízo do direito de regresso), se cumprem as exigências do princípio da proporcionalidade, designadamente com o asseguramento de uma indemnização não irrisória ao trabalhador.
Esta conclusão, já de si suficiente para suportar um juízo de não inconstitucionalidade da norma, sairá substancialmente reforçada para quem admitir trazer ao debate uma outra perspectiva que não pode ser ignorada pelo intérprete – em última palavra, sempre os tribunais – quando tiver de aplicar a norma aos casos submetidos.
Efectivamente, o regime geral do contrato de trabalho é adoptado na Administração Pública com especificidades que, no aspecto imediatamente considerado, traduzem um acondicionamento publicístico exigido pela natureza do empregador. Ora, a nulidade é, também, no âmbito do direito da função pública stricto sensu, a sanção para certas ilegalidades, que o legislador considera materialmente mais graves, dos actos de provimento e que, por isso, não devem ficar sujeitas ao regime-regra da anulabilidade. Porém, a jurisprudência e a doutrina – e, actualmente, também a lei (n.º 3 do artigo 134.º do Código do Procedimento Administrativo), embora o preceito não seja directamente aplicável
– admitem a legitimação jurídica da situação de facto decorrente do provimento inválido por efeito da figura do agente putativo (também neste domínio da relação de serviço), mediante a qual se paralisa o efeito da nulidade perante o exercício pacífico, contínuo e público de funções por um período de tempo considerável, adquirindo o trabalhador o direito ao lugar que vinha desempenhando (cfr., na jurisprudência, acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Outubro de 1989, Proc. 27 112, de 30 de Outubro de 1990, Proc. 27 719 e de 6 de Junho de 1995, Proc. 35 227; na doutrina, Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 1ª edição, p. 421, e Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Almedina, 1984, Vol. I, p. 436).
Esta tutela do interesse do trabalhador na conservação do emprego, por efeito da boa fé, da confiança e dos efeitos do tempo, experimentada no domínio da relação jurídica administrativa, não se afigura incompatível com o novo modelo de constituição da relação de emprego na Administração Pública. Incidindo sobre um aspecto em que o novo regime se afasta do direito laboral, isto é, em que há um desvio no sentido da publicização ou administrativização, verifica-se a identidade material dos dados relevantes para o problema jurídico, o que parece justificar a transposição da solução encontrada naquele outro domínio (Obviamente, não interfere na solução a natureza essencial da relação jurídica e a competência para apreciação dos litígios emergentes; cfr. artigo
4º, n.º 3, alínea d), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro).
Tanto basta para concluir que a norma do n.º 4 do artigo 7º, na medida em que estabelece a nulidade do contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado em infracção ao disposto no n.º 1 do mesmo artigo 7º, não constitui uma medida desproporcionada que desrespeite o n.º 2 do artigo 18º e os princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança e da segurança no emprego, ínsitos os dois primeiros no artigo 2º e consagrado o terceiro no artigo 53º, todos da Constituição.
3.5. O n.º 5 do artigo 7º do Decreto da Assembleia da República n.º
157/IX sujeita à autorização do Ministro das Finanças, sob pena de nulidade, a celebração de contratos de trabalho em que se estipulem encargos com remunerações globais superiores aos que resultem dos regulamentos internos ou dos instrumentos de regulamentação colectiva.
Embora, a uma primeira leitura, o preceito legitime dúvidas de interpretação, o que nele se sanciona com nulidade (e, indirectamente, se proíbe) é a estipulação, não especialmente autorizada, em cada contrato individual de trabalho, de remunerações superiores aos limites máximos constantes dos instrumentos regulamentares e não a celebração de contratos que conduzam a que seja excedida uma massa ou dotação orçamental global para remunerações. Efectivamente, os regulamentos internos ou os instrumentos de regulamentação colectiva o que estabelecem é a remuneração principal e os suplementos remuneratórios que correspondem a cada categoria e não a massa remuneratória global.
Ainda noutro aspecto, que é o da extensão da invalidade cominada, se poderiam levantar dúvidas. Porém, o teor literal do preceito não parece consentir outra interpretação senão a de que o que nele se pretende determinar é a nulidade de todo o contrato – afastando-se expressamente da solução que resultaria da aplicação do regime do artigo 114º do Código do Trabalho – e não apenas da “cláusula remuneratória” na parte em que exceda, sem autorização, o máximo regulamentarmente previsto.
Fixada a interpretação em função da qual vai aferir-se a sua conformidade com o parâmetro constitucional invocado, começa por salientar-se que, relativamente a esta norma, não valem inteiramente as considerações feitas quanto à ignorância praticamente invencível da ilegalidade por parte do trabalhador.
Com efeito, não vemos que seja, em geral, desproporcionada a exigência de que o trabalhador, no momento em que celebra o contrato, conheça ou obtenha esclarecimentos sobre o cabimento da remuneração estipulada nas balizas genericamente estabelecidas pelos regulamentos internos ou pelos instrumentos de regulamentação colectiva e, por consequência, se interrogue sobre a existência de autorização ministerial, quando o clausulado exceder a remuneração global abstractamente prevista.
Mas nem por isso a norma passa o teste do n.º 2 do artigo 18º da Constituição, nos termos anteriormente referidos.
Efectivamente, embora não possa negar-se-lhe adequação para compelir o trabalhador a uma específica tensão de vontade no sentido do respeito pela legalidade, a medida é excessiva, violando claramente os (sub)princípios da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Postos em equação, mediante um juízo de ponderação, os meios (a invalidade total do contrato) e o fim (garantir a observância das regras legais relativas ao regime retributivo e a boa gestão dos dinheiros públicos), é manifesto que o sacrifício imposto ao trabalhador se apresenta como restringindo desnecessariamente a garantia de segurança no emprego. O objectivo pretendido poderia ser eficientemente atingido mediante um meio menos gravoso para a garantia consagrada no artigo 53º da Constituição como, por exemplo e sem invadir o espaço de discricionariedade legislativa, a invalidade parcial do contrato, com redução aos limites legais da remuneração ilegalmente estipulada – aliás, é deste tipo a solução adoptada no artigo 114º do Código do Trabalho – e, eventualmente, com a imposição de restituir o indevidamente recebido.
Assim, a norma do n.º 5 do artigo 7º do Decreto em apreciação é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, na parte em que determina a nulidade do contrato de trabalho para a falta de autorização do Ministro das Finanças quando o contrato envolva encargos com remunerações globais superiores aos que resultam da aplicação de regulamentos internos ou dos instrumentos de regulamentação colectiva, mas apenas na medida em que comina a nulidade total do contrato.
3.6. Como se referiu, contrariamente ao regime geral do direito laboral, em que a liberdade de forma é a regra, os contratos de trabalho de emprego público regidos pelo diploma em apreço estão sujeitos a forma escrita.
A norma do n.º 3 do artigo 8º sanciona com a nulidade não só a ausência absoluta da forma legal (a não redução a escrito), mas também a omissão, no contrato, das indicações impostas pelas alíneas a), b), c) e g) do n.º 2.
A exigência de forma escrita é inerente ao modo normal de funcionamento da Administração Pública (cfr. manifestação deste princípio nos artigos 122º e 184º do CPA), justificando a natureza do empregador o desvio à regra geral neste domínio. Às vantagens que são tradicionalmente apontadas às exigências de forma (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo 1, págs. 319 e segs.), acresce, nos actos e negócios da Administração Pública, a necessidade de assegurar o controlo do respeito pelos princípios gerais a que toda a actuação da Administração está sujeita (artigo
2º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo), designadamente os enunciados no artigo 266º da Constituição.
Por outro lado, tanto no direito privado (artigo 220º do Código Civil) como no direito público (cfr. al. f) do n.º 2 do artigo 133º e artigo
184º do CPA), a consequência para a inobservância da forma legalmente imposta é a nulidade do acto ou contrato, pelo que, em princípio, a atribuição deste desvalor jurídico nada tem de anómalo.
Em si mesmos considerados, nenhum dos requisitos cuja falta ou omissão conduz à nulidade do contrato se apresenta como exigência destituída de fundamento razoável. As indicações prescritas pelas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 8º são o mínimo necessário para determinar a identidade das partes e o conteúdo negocial; a alínea g) é útil como meio para assegurar a responsabilização de quem autorizou a contratação, não sendo desrazoável exigir que para esse fim colabore quem pretende servir na Administração Pública.
E não é exacto que se trate, mesmo quanto à exigência da indicação prevista na alínea g), de sancionar a falta de um requisito a que o trabalhador seja essencialmente alheio, como se afirma no requerimento. Aquilo que ao trabalhador se exige é que, ao assinar o contrato, verifique se no documento se menciona a identificação da entidade que autorizou a sua celebração, não que se certifique da veracidade dessa indicação (Aliás, convém salientar que a alínea g) se refere apenas à falta de menção da autorização e não à falta desta). Além disso, as indicações não têm de obedecer a uma fórmula sacramental, estando a verificação da nulidade na situação concreta sempre dependente da teleologia da norma que impõe determinado conteúdo.
Todavia, enquanto que a forma escrita e as indicações mencionadas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 8º correspondem ao mínimo sem o qual o instrumento contratual não cumpre as suas funções de identificar as partes e o objecto do negócio, a exigência da alínea g) cumpre um fim acessório, embora importante no contexto dos fins visados com a imposição da forma escrita. Para atingir esse fim não é necessário manter o trabalhador, por tempo indeterminado, sob ameaça de perder o emprego.
Ora, não estabelecendo o preceito quaisquer distinções, também com esse fundamento a nulidade do contrato de trabalho, designadamente do contrato sem termo, pode ser invocada a todo o tempo. Esta consequência do regime da nulidade não pode deixar de ser considerada, quando ponderado o interesse que serve e o modo de o realizar com os seus efeitos no plano da garantia constitucional da segurança no emprego, violadora do princípio da proporcionalidade, nas vertentes do princípio da necessidade e da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito.
Assim, nesse segmento, isto é, na medida em que faz corresponder uma invalidade do contrato invocável a todo o tempo para a falta da identificação da entidade que autorizou a contratação, a norma do n.º 3 do artigo 8º do Decreto n.º 157/IX viola os preceitos e princípios constitucionais já referidos.
3.7. O n.º 3 do artigo 10º sanciona com a nulidade a celebração de contratos a termo resolutivo com violação do disposto no diploma, já se tendo explicitado o alcance que se atribuiu a esta cominação (cfr. supra 2.3.D).
O requerimento do Presidente da República não identifica qualquer aspecto particular desta norma em função do qual peça a apreciação da sua constitucionalidade por violação dos referidos princípios da segurança jurídica, da proibição de excesso e da segurança no emprego. Engloba-a genericamente nos reparos que tece às demais que cominam a nulidade contratual.
Ora, percorrido o diploma naquilo que passará a ser o regime próprio do contrato a termo resolutivo na Administração Pública, designadamente o disposto nos artigos 9º e 10º, nada se surpreende que impeça a transposição do que já se disse, a propósito do n.º 4 do artigo 7º, ao efectuar a ponderação entre a protecção constitucional da segurança no emprego e da confiança e da segurança jurídicas, por um lado, e o interesse público que ditou a cominação deste tipo de invalidade, por outro.
Ao que acrescem duas fundamentais razões, agora do domínio particular da contratação a termo, para que não se considere desproporcionada a compressão daqueles interesses do trabalhador no balanceamento com o interesse público e a tutela da legalidade administrativa.
Em primeiro lugar, nessa ponderação, em qualquer das suas vertentes, não pode olvidar-se que se trata de uma vinculação por natureza limitada no tempo, com as consequências de ser menos intensa a lesão do investimento na confiança (por este ser menos justificado perante uma relação que se sabe temporária) e menos extensa a afecção da segurança jurídica (porque o todo o tempo da arguição da nulidade é, em termos práticos, o prazo máximo de duração do contrato).
Em segundo lugar – e esta razão vale, sobretudo, para a violação do disposto no n.º 4 do artigo 9º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º –, a violação das normas em causa, subtraindo a oferta de emprego público ao procedimento normal de recrutamento, contende também com a garantia de igualdade de acesso à função pública e de acordo com um procedimento justo de selecção, estruturado, em regra, segundo o princípio da capacidade e do mérito, consagrado no n.º 2 do artigo 47º da Constituição (cfr. o citado Acórdão n.º 683/99). Assim, não se trata apenas de tutelar o interesse público de isenção e de eficiência da Administração, mas também o interesse dos terceiros que pretendam entrar em relação de emprego com a Administração Pública
Consequentemente, não se vislumbra no n.º 3 do artigo 10º do diploma em apreciação violação das normas ou princípios constitucionais referidos no requerimento ou outros que devam ser tidos em consideração (artigo 51º, n.º 5, da LTC).
3.8. No artigo 14º, n.º 1, prevê-se a possibilidade de cedência ocasional de trabalhadores das pessoas colectivas públicas para o exercício de funções temporárias noutra pessoa colectiva pública com o acordo do trabalhador expresso por escrito. Porém, diz-se no n.º 2 do mesmo artigo que, desde que fundamentada em necessidades prementes das entidades envolvidas ou em razões de economia, eficácia e eficiência na prossecução das respectivas atribuições, a cedência não exige o acordo do trabalhador.
Pondera o requerente que a norma do artigo 14º, n.º 2, na medida em que prevê a possibilidade de cedência de um trabalhador, mesmo sem o seu acordo expresso, a outra pessoa colectiva pública, pode considerar-se inconstitucional por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, inscrito no artigo 1º da Constituição, e por violação da concretização deste princípio na garantia constitucional de organização do trabalho em condições socialmente dignificantes que consta do artigo 59º, n.º 1, alínea b) da Constituição.
É no princípio da dignidade da pessoa humana, proclamado logo no artigo 1º da Constituição, que repousa a unidade de sentido, de valor e de concordância prática do sistema de direitos fundamentais. A dignidade da pessoa humana, como princípio axiológico fundamental da República, fundamenta e confere unidade aos direitos fundamentais, desde os direitos pessoais (direito à vida, à integridade física e moral, etc.), até aos direitos sociais (direito ao trabalho, à saúde, à habitação), passando pelos direitos dos trabalhadores
(direito à segurança no emprego, liberdade sindical, etc.) (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição …, p. 58, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª ed., pp.93 e segs., Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, pp. 180 e segs. ).
Isto posto, não é todavia exacto que, ponderadas as especificidades do emprego público, a cedência ocasional de trabalhadores entre pessoas colectivas públicas, nas condições previstas na norma, se traduza numa reificação do trabalhador, com aviltamento da sua dignidade pessoal, como a carga semântica da palavra cedência parece ter inculcado.
Por um lado, como o requerente não deixa de reconhecer, a cedência processa-se no universo das pessoas colectivas públicas e está salvaguardada a não diminuição dos direitos dos trabalhadores cedidos e a aplicação das regras sobre mobilidade funcional e geográfica e tempo de trabalho previstas no Código do Trabalho (artigo 14º, n.º 3).
Por outro lado, além de só poder ocorrer no universo da Administração Pública, a cedência tem de processar-se “no quadro da colaboração entre pessoas colectivas públicas” e tem de ser fundamentada em necessidades prementes das entidades envolvidas ou em razões de economia, eficácia e eficiência na prossecução das respectivas atribuições. Não é, portanto, um mero instrumento de gestão ordinária de pessoal, mas um modo de prosseguir a tarefa fundamentalmente unitária da Administração Pública e assegurar racionalidade na utilização dos meios humanos e materiais ao seu serviço.
A Administração Pública, ainda quando se serve de instrumentos de direito privado, não é um empregador como outro qualquer. Está sempre subordinada aos princípios da prossecução do interesse público e da legalidade
(e não ao da autonomia da vontade; só pode fazer aquilo que for permitido e não tudo aquilo que não for proibido)
Efectivamente, embora pareça exacto que constitucionalmente não existe um princípio de unicidade mas sim um princípio de pluralidade de administrações públicas (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição …, p.
921), o polimorfismo das estruturas organizatórias e a pluralidade das pessoas colectivas públicas são um instrumento para prosseguir as tarefas da administração pública em sentido objectivo, como função ou actividade administrativa. Além disso, a eficiência da Administração Pública traduz também um valor com assento constitucional. É o que deflui do artigo 267º da Constituição, designadamente ao estabelecer que as formas de descentralização e desconcentração administrativa não devem prejudicar a “necessária eficácia e unidade de acção da Administração”. [A doutrina alemã admite o princípio da eficiência como “um princípio constitucional pré-dado”. Vd. J. C. Gonçalves Loureiro, O Procedimento Administrativo entre a Eficiência e a Garantia dos Particulares, p. 133].
Nem se objecte com a menor densificação das condições em que pode ter lugar o uso de tal instrumento de mobilidade. Embora o legislador tenha recorrido a conceitos relativamente indeterminados (necessidades prementes, razões de economia, eficácia e eficiência na prossecução das respectivas atribuições), conferindo à pessoa colectiva pública empregadora (recte aos seus
órgãos) prerrogativa de avaliação, a interpretação e aplicação que deles seja feita é susceptível de controlo judicial, designadamente nos casos de utilização abusiva ou de erro manifesto de apreciação.
[Recorde-se finalmente que não está aqui em causa “uma relação de trabalho forçada” como, por exemplo, na situação apreciada pelo Acórdão n.º
154/86, publicado no Diário da República, I Série, de 12/6/86 (extinção do quadro geral de adidos), porque não se opera a transferência do trabalhador para outro empregador nem qualquer modificação substancial do regime da relação de emprego. Veja-se também o Acórdão n.º 285/92, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Agosto de 1992 (racionalização dos recursos humanos na Administração Pública – QEI)].
Tanto basta para considerar que o n.º 2 do artigo 14º do referido Decreto não viola o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º da CRP) e o direito dos trabalhadores à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes (artigo 59º, n.º 1, alínea b), da CRP), que constitui sua refracção.
III. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do artigo 278º da Constituição, o Tribunal Constitucional decide: a) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante do n.º 4 do artigo 7º do Decreto da Assembleia da República n.º 157/IX, na parte em que determina a nulidade dos contratos de trabalho celebrados com violação do n.º 1 do mesmo artigo 7º; b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, da norma do n.º 5 do artigo 7º do mesmo Decreto, na parte em que determina a nulidade do contrato de trabalho para a falta de autorização do Ministro das Finanças quando o contrato envolva encargos com remunerações globais superiores aos que resultam da aplicação de regulamentos internos ou dos instrumentos de regulamentação colectiva, mas apenas na medida em que comina a nulidade total do contrato; c) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, da norma do n.º 3 do artigo 8º do mesmo Decreto, na parte em que determina a nulidade do contrato celebrado com falta da referência prevista na alínea g) do n.º 2 do referido artigo 8º; d) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade da mesma norma, na parte restante; e) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 10º do mesmo Decreto; f) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante do n.º
2 do artigo 14º do mesmo Decreto.
Lisboa, 16 de Março de 2004
Vítor Gomes Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Gil Galvão (vencido quanto à alínea a) e, parcialmente, quanto às alíneas d) e e) da decisão, conforme declaração que junto) Maria Fernanda Palma (vencida quanto às alíneas a), d) e e), com declaração de voto relativamente à alínea f) da decisão, nos termos da declaração de voto junta) Mário José de Araújo Torres (vencido quanto às decisões das alíneas d), e) e f), com declaração de voto quanto à decisão da alínea b) – tudo nos termos da declaração junta) Carlos Pamplona de Oliveira (vencido apenas quanto à alínea b) da decisão.) Maria Helena Brito (vencida quanto às alíneas a), d) e e) da decisão, nos termos da declaração de voto junta) Bravo Serra (vencido quanto à decisão constante da alínea a) com declaração de voto quanto à decisão constante da alínea c)) Luís Nunes de Almeida (vencido quanto à alínea a) e, em parte, quanto às alíneas d) e e) da decisão; quanto à alínea d), votei vencido na parte em que o Tribunal se não pronunciou pela inconstitucionalidade da norma do nº 3 do artigo 8º do Decreto, enquanto aí se determina a nulidade do contrato celebrado com falta da referência prevista na parte final da alínea a) do nº 2 do referido Decreto; e, quanto à alínea e), votei vencido na parte em que o Tribunal se não pronunciou pela inconstitucionalidade da norma constante do nº 3 do artigo 10º do mesmo Decreto, enquanto aí se comine a nulidade do contrato celebrado com violação das normas do seu artigo 9º. As razões do meu voto são as que, no essencial, constam da declaração de voto do Exmº Consº Gil Galvão, razões essas que considerei especialmente aplicáveis aos pontos em que fiquei vencido).
Declaração de voto Votei vencido quanto à alínea a) da decisão porque (independentemente de uma incomodidade genérica provocada pela constatação de que, no regime do Decreto n.º 157/IX, o trabalhador, não sendo funcionário ou agente, tem, todavia, os mesmos impedimentos, incompatibilidades e obrigações que este e de que, tendo um contrato de trabalho, não goza da protecção normalmente atribuída por esse contrato ao trabalhador) entendo, nomeadamente, que, na hipótese contemplada na norma a que ela se refere, a cominação da nulidade do contrato, permitindo que a entidade pública - cujos dirigentes deram origem à invalidade, agindo com um conhecimento de causa que o trabalhador não tem nem pode controlar – resolva, em prejuízo deste, a violação da legalidade que cometeu ou para que decisivamente contribuiu, não pode deixar de se considerar, pelo menos, manifestamente excessiva e desproporcionada, e, consequentemente, de configurar uma flagrante violação do princípio da proporcionalidade (como aliás, se admitiu nas hipóteses das alíneas b) e c) da mesma decisão). Igual raciocínio é aplicável em relação à alínea d) da decisão, quanto à cominação de nulidade no caso de “falta das referências das alíneas a), b) e c)” do n.º 2 do artigo 8º do Decreto n.º 157/IX da Assembleia da República, quando a ausência de qualquer uma delas não inviabilize a identificação das partes ou seja suprível, bem como, em relação à alínea e) da decisão, quanto à cominação de nulidade no caso de violação de normas diversas das constantes dos números 1 e 2 do artigo 10º do mesmo Decreto, nomeadamente das que constam do seu artigo 9º. Gil Galvão
Declaração de voto
1. Votei vencida quanto à alínea a) da Decisão, no que se refere à não pronúncia pela inconstitucionalidade do artigo 7º, nº 4, do diploma sujeito a fiscalização preventiva. Entendo, contrariamente ao que logrou ser a perspectiva maioritária do Tribunal, que há uma flagrante violação dos princípios da confiança, da segurança no trabalho e da proporcionalidade (artigos 2º, 3º e
18º, nº 2, da Constituição) na solução nos termos da qual o contrato de trabalho celebrado para além dos limites de um quadro próprio de pessoal em regime de contrato é nulo, produzindo todos os efeitos da nulidade relativamente ao vínculo laboral, independentemente da boa fé do trabalhador na sua celebração. A solução do legislador parece-me inconstitucional por algumas razões fundamentais a que o Acórdão não foi sensível:
1ª A boa fé do trabalhador que contrata com a Administração pública, pondo à sua disposição um bem – o trabalho – que repercute uma dimensão essencial de si próprio nos termos de um contrato de trabalho que lhe assegura condições essenciais de vida, não pode ter um peso menor no prato da balança das ponderações do que o interesse público, inegável, em que tais situações não proliferem. A perspectiva do Acórdão mantém e acentua a linha da jurisprudência contida no Acórdão nº 683/99, contra a qual votei. Assim, não só torna admissível, em geral, que valores como o da segurança no trabalho de sujeitos concretos sejam sacrificados a valores baseados apenas em interesses colectivos abstractos, sem compensação adequada ao respeito pelas dimensões pessoais afectadas, mas também permite que comportamentos ilícitos dos titulares dos
órgãos da Administração Pública, que celebraram indevidamente tais contratos, venham a repercutir-se em pessoas de boa fé. A realização de um contrato de trabalho com a Administração Pública torna-se, por conseguinte, uma aposta de elevado risco, que a todo o tempo pode implicar uma alteração brutal na vida do trabalhador.
2ª São insuficientes as compensações que resultam da aplicação do regime das nulidades no âmbito do contrato de trabalho previstas nos artigos 114º a 118º do Código do Trabalho, por força do artigo 2º do Decreto em apreciação. Com efeito, aquele regime não impede que as consequências mais graves para a vida do trabalhador de uma declaração de nulidade se produzam, sendo apenas expressão mínima da evidência inultrapassável de que o trabalho humano não é uma mera mercadoria negociável, mas que condiciona fundamentalmente a existência e por isso reclama uma protecção especial dos trabalhadores. Por outro lado, a própria compensação indemnizatória prevista no artigo 116º, nº 3, não suficientemente adequada à compensação do valor que é afectado, depende de uma prova, que poderá ter dificuldades várias nos casos concretos, de que haverá efectiva má fé dos titulares dos órgãos da Administração Pública. Além disso, podem não ser cobertos os casos em que a entidade contratante, ela própria, esteja errada quanto à existência (ou até mesmo criação iminente) de um quadro.
3ª Também a lógica preventiva ancorada ao princípio da legalidade da Administração apenas justifica que os abusos se reprimam à custa de quem pode efectivamente evitá-los e não através de uma repercussão naqueles que não estão, devido à boa fé, à natural falta de informação e à necessidade de celebrar um contrato de trabalho, em condições de evitar aquele efeito. Há, assim, uma distorcida lógica preventiva e uma lógica repressiva a afectar quem não tinha condições de evitar incorrer naquele tipo de situações. A responsabilidade disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos, essa sim, caso exista (e não esteja de algum modo justificada pela necessidade imperiosa de funcionamento de serviços vitais), é o meio adequado de evitar a lesão do bem que é a legalidade da Administração. Por todas estas razões, entendi que estavam em causa, efectivamente, princípios e valores constitucionais que não são susceptíveis de ser ponderados nos termos em que o Tribunal Constitucional os ponderou.
2. Votei vencida quanto à alínea d) da Decisão, considerando também inconstitucional a parte restante do artigo 8º, nº 3, do diploma em crise pelas razões que me levaram a votar a inconstitucionalidade do artigo 7º, nº 4. Também nos casos das alíneas a), b) e c), se o trabalhador, ainda assim, contratar de boa fé, não vejo que puras exigências formais, as quais não têm sequer sempre relevância essencial quanto à identificação do contrato e que não estão, em geral, sob controlo do trabalhador, possam atingir aquela relevância fundamental quanto à validade do contrato, absolutamente não proporcionada ao fim que justifica aquelas menções. Assim, a solução deveria ser a reparação das deficiências.
3. Votei também vencida quanto à não pronúncia pela inconstitucionalidade do artigo 10º, nº 3, do diploma em crise, no essencial, pelas razões anteriormente aduzidas e pelas quais votei vencida no Acórdão nº 683/99, nos termos, aliás, de outros votos de vencido. Apenas acrescento que o argumento de que estará em causa, nesses casos, a subtracção da oferta de emprego púbico ao procedimento normal de recrutamento e, por essa via, a salvaguarda do princípio da igualdade no acesso à função pública
é inaceitável. Com efeito, ele pressupõe que a realização abstracta do valor de igualdade, com um universo de prejudicados não definido, possa preponderar sobre os valores concretos da segurança no trabalho e organização da sua vida pessoal por quem satisfez já o interesse público da Administração e, por isso, o interesse geral, ao realizar o seu trabalho. O interesse não concretizado em nenhum sujeito não é, pela ausência de relação directa com qualquer sujeito jurídico, um interesse com o mesmo grau de intensidade que aquele que resulta de uma expectativa já consolidada. Numa lógica ponderativa, essa diferente intensidade afecta, igualmente, o critério de prevalência.
4. Por último, votei com declaração de voto quanto à alínea f) da Decisão, relativa ao artigo 14º, nº 2, do Decreto sub judicio. Com efeito, embora mantenha dúvidas quanto à solução de não inconstitucionalidade, parece-me, sobretudo, que condição de uma transferência constitucionalmente aceitável de um trabalhador para uma entidade distinta em nome do interesse público é o respeito por interesses atendíveis do trabalhador relacionados com o seu plano de vida profissional e familiar. Só o interesse público e não meros interesses de eficiência justificarão a admissibilidade constitucional da solução legal. Por isso, entendo que a solução legal só não afrontará a Constituição na medida em que não haja grave prejuízo do trabalhador numa dimensão que considere aspectos essenciais da sua vida pessoal e familiar (o que deveria ser enunciado normativamente de modo explícito). Meros critérios de eficiência não poderão prevalecer, automaticamente, sobre aqueles interesses. Nesta perspectiva, não me parece que a solução legal justifique como critério de uma ponderação de interesses constitucionalmente válida a mera prevalência da eficiência da organização de actividades sobre qualquer aspecto essencial da vida pessoal ou profissional do trabalhador.
Maria Fernanda Palma
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Relativamente ao grupo de normas que sancionam com nulidade a celebração de contratos de trabalho com pessoas colectivas públicas com preterição de determinados requisitos, condições ou formalidades (artigos
7.º, n.ºs 4 e 5, 8.º, n.º 3, e 10.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 157/IX), afigura-se-me que a ponderação da razoabilidade da cominação deve ser aferida principalmente tendo em conta os interesses ou valores que a imposição dos referidos requisitos, condições e formalidades visa acautelar, e não tanto a maior ou menor facilidade de o trabalhador contratado ter conhecimento e consciência de tais exigências. Este último factor relevará fundamentalmente para a averiguação da existência, ou não, de má fé, para efeitos do artigo 116.º, n.º 3, do Código do Trabalho.
1.1. Atendendo aos valores em causa e à especial importância do respeito pelos quadros de pessoal, imprescindível para assegurar a racionalidade da gestão da Administração Pública, acompanhei a pronúncia constante da alínea a) da decisão, relativa ao n.º 4 do artigo 7.º do diploma questionado.
1.2. E também acompanhei a pronúncia constante da alínea b), que concilia o respeito pelos limites das remunerações com o interesse do trabalhador contratado, que era completamente desprezado pela solução drástica do n.º 5 do artigo 7.º do Decreto em causa. Isto a aceitar-se a interpretação feita no acórdão de que as “remunerações globais” referidas nesse preceito respeitam às remunerações acordadas em cada contrato de trabalho. É, porém, possível outra interpretação dessa expressão, vendo nela a referência ao montante global dos encargos consentidos ao serviço em causa com a contratação de trabalhadores, resultante dos limites dos quadros consentidos com os valores remuneratórios previstos, em abstracto, pelos regulamentos internos ou pelos instrumentos de regulamentação colectiva. A interpretação acolhida no acórdão surge com algumas dificuldades de conciliação com a previsão, no n.º 6 desse artigo 7.º, da inclusão, para a determinação da remuneração global, de quaisquer suplementos remuneratórios, incluindo a fixação de indemnizações ou valores pecuniários incertos. Por outro lado, a ultrapassagem, em cada contrato celebrado, dos níveis retributivos consentidos está expressamente prevista no artigo 13.º do Decreto, que apenas a sanciona com responsabilidade disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos da pessoa colectiva pública que fixaram os níveis remuneratórios dos trabalhadores, sem fazer qualquer menção à nulidade de tais contratos.
Em suma: aceitando a interpretação acolhida no acórdão de que as remunerações globais respeitam às remunerações acordadas para cada contrato, acompanhei a pronúncia no sentido da inconstitucionalidade parcial. A adoptar-se a interpretação alternativa, reportando a globalidade das remunerações ao serviço em causa, votaria a pronúncia no sentido da inconstitucionalidade total.
1.3. Quanto à norma do artigo 8.º, n.º 3, acompanhando a pronúncia no sentido da inconstitucionalidade na parte em que determina a nulidade do contrato celebrado com falta de indicação da identificação da entidade que autorizou a contratação, exigida pela alínea g) do precedente n.º
2, votei no sentido de se estender essa pronúncia a todas as demais indicações que não sejam estritamente indispensáveis para a determinação do objecto do contrato.
Há que atender a que, no âmbito da Administração directa do Estado, surge a outorgar no contrato o dirigente máximo do serviço (artigo
7.º, n.º 1), que terá o especial dever de velar pela inclusão de todas as menções elencadas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 8.º, não sendo exigível igual diligência ao trabalhador, tanto mais que este tipo de contratação visará fundamentalmente o pessoal de apoio administrativo, auxiliar e de serviços gerais, único ao qual é imediatamente aplicável (artigo 25.º, n.º
2).
Por outro lado, no direito laboral comum, a regra é que a omissão de formalidades na celebração do contrato é decidida em favor do trabalhador, designadamente a falta de redução a escrito, quando exigida.
Do artigo 131.º do Código do Trabalho resulta, por exemplo, que, apesar de também se exigir a indicação do nome ou denominação e domicílio ou sede dos contraentes, só se considera essencial a menção do nome ou denominação, e já não a indicação do domicílio ou sede, e a consequência da omissão de menções essenciais é o contrato considerar-se sem termo, e não a sua nulidade. Assim sendo, não vejo como, por exemplo, se possa considerar, como o faz o precedente acórdão, como integrando “o mínimo necessário para determinar a identidade das partes e o conteúdo negocial” a indicação do domicílio e sede de contraentes já identificados pelo nome ou denominação. O mesmo se podendo dizer relativamente a outros requisitos exigidos nesse n.º 2 do artigo 8.º.
1.4. Votei no sentido de o Tribunal se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 10.º do Decreto em causa, que comina com a nulidade toda e qualquer violação do disposto nesse diploma, isto
é, não apenas a celebração de contrato com termo resolutivo fora das situações previstas no n.º 1 do artigo 9.º, ou a termo incerto fora das situações previstas no n.º 2 do artigo 9.º, ou por prazo superior ao previsto no n.º 3 desse preceito, mas também os contratos celebrados sem integral respeito pelo processo de selecção previsto no subsequente n.º 4, ou sem a autorização prevista no n.º 5, ou até sem a comunicação estipulada no n.º 6, ou com previsão de renovação automática ou de conversão em contrato por tempo indeterminado por atingir o prazo máximo de duração (n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º).
A cominação com a nulidade surge como manifestamente desproporcionada e violadora do princípio da justiça. A celebração de contratos com termo para satisfazer, por exemplo, necessidades permanentes dos serviços deve implicar a sua conversão em contratos sem termo, e não a sua nulidade. Noutros casos impor-se-ia a redução do contrato (tal como o precedente acórdão entendeu relativamente à norma do n.º 5 do artigo 7.º): o contrato celebrado com duração superior a seis meses, contra o disposto no n.º 3 do artigo 9.º, devia ver a sua duração reduzida a esse prazo, e não fulminado com a nulidade. É gritantemente injusta a cominação com a nulidade, e não com a mera anulabilidade
(como é regra comum no direito administrativo), por força da mera insuficiência de fundamentação da decisão do processo de selecção (n.º 4 do artigo 9.º) ou de falta de autorizações ou comunicações administrativas. A eventual inclusão de cláusulas de renovação automática ou de conversão em contrato sem termo quando se atingir o prazo máximo de duração do contrato com termo (n.ºs 1 e 2 do artigo
10.º) poderia – com justiça e proporcionalidade – implicar a mera nulidade dessas cláusulas e não a nulidade total do contrato.
Surge, assim, como claramente violadora dos princípios constitucionais citados a previsão irrestrita de nulidade contida no n.º 3 do artigo 10.º, colocando os trabalhadores contratados pela Administração numa situação de manifesta desprotecção face aos sujeitos ao regime do Código do Trabalho, sem que especiais razões de interesse público o imponham.
2. Votei igualmente pela pronúncia da inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 14.º, que permite a cedência ocasional dos trabalhadores, sem o seu acordo, entre pessoas colectivas públicas, por mera invocação de necessidades prementes das entidades envolvidas ou de razões de economia, eficácia e eficiência na prossecução das respectivas atribuições.
Saliente-se que o acordo do trabalhador é sempre exigido pelo Código do Trabalho, exigindo-se que essa concordância seja expressa no documento que titula a cedência (artigo 324.º, alínea c), e 325.º, n.º 2), surgindo como manifestamente inadmissível a tese (sustentada em alguns dos pareceres remetidos pelo Governo, mas que o precedente acórdão – e bem – não acolheu) de que, ao assinar um contrato que sabia estar sujeito a um regime que previa a cedência, estava antecipadamente a dar assentimento a esta cedência.
Por outro lado, o Código do Trabalho exige que a sociedade cedente e a cessionária sejam sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo ou que empregadores cedente e cessionário mantenham estruturas organizativas comuns
(artigo 324.º, alínea b)), isto é, em suma, que pertençam ao mesmo grupo económico. É imensamente superior o universo de entidades entre as quais a norma em causa permite a cedência: todas as pessoas colectivas públicas, bastando que a cedência ocorra no quadro da colaboração entre eles, o que possibilita a cedência de um trabalhador da Administração Central à Administração Regional ou à Administração Local.
Por outro lado, são extremamente vagos e praticamente incontroláveis (surgindo manifestamente insuficiente a mera sindicância de erros grosseiros) os condicionamentos relativos a necessidades prementes das entidades envolvidas ou a razões de economia, eficácia e eficiência.
Por último, há que salientar que a “ocasionalidade” da cedência pode atingir os cinco anos (artigo 324.º, alínea d), do Código do Trabalho).
Consente-se, assim, a completa funcionalização do trabalhador a meros interesses económicos da entidade patronal, que o Acórdão n.º 581/95, citado no Acórdão n.º 306/2003, considerou como incompatível com o valor constitucional da dignidade da pessoa humana.
Eis, sumariamente expostas, as razões do meu dissentimento face às apontadas decisões do precedente acórdão.
Mário José de Araújo Torres
DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido quanto à alínea b) da decisão por entender que a norma do n. 5 do artigo 7º do decreto em apreço não enferma de inconstitucionalidade. Com efeito, a norma respeita a justa medida no equilíbrio dos interesses em presença, entre os quais se conta o de prevenir a estipulação, nos contratos de trabalho celebrados na Administração Pública, de cláusulas remuneratórias que excedam o limite máximo permitido por lei. Nesta óptica, e salvo o devido respeito, afigura-se-me manifesto que a norma não ofende o princípio da proporcionalidade, dado que uma outra solução que não a nulidade do contrato, não fazendo incidir sobre ambos os contraentes o desvalor da correspondente sanção jurídica, só deficientemente poderá satisfazer o aludido desiderato. Entendo ainda que, sendo a entidade patronal uma pessoa colectiva pública, a referência ao regime similar previsto no Código de Trabalho é destituída de sentido, pois aqui e em regra, ao contrário do que se passa na Administração Pública, para além de não existirem limitações legais quanto ao montante da retribuição, é quem outorga na qualidade de entidade empregadora que efectivamente suporta os encargos financeiros respeitantes à remuneração estipulada.
Carlos Pamplona de Oliveira
Declaração de voto
Votei vencida quanto às alíneas a), d) e e) da decisão, e pronunciei-me no sentido da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 7º, n.º 4, 8º, n.º 3, e 10º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 157/IX, pelas razões que, em síntese, a seguir enuncio.
Entendo que estas normas, ao estabelecerem a sanção da nulidade dos contratos de trabalho celebrados pelas pessoas colectivas públicas com preterição dos requisitos, condições ou formalidades nelas previstos – desrespeito dos limites à contratação nos aspectos quantitativo (artigo 7º, n.º
4) e remuneratório (artigo 7º, n.º 5), inobservância da forma escrita e não inclusão de certas menções no texto dos contratos (artigo 8º, n.º 3) e violação do regime de celebração de contratos a termo resolutivo (artigo 10º, n.º 3) – e ao permitirem a invocação da invalidade de tais contratos, a todo o tempo, pelas entidades públicas que deram origem aos fundamentos da invalidade, configuram uma flagrante violação do princípio da proporcionalidade, limitando de modo excessivo e não necessário a garantia constitucional da segurança no emprego
(artigo 53º da Constituição) e os princípios constitucionais da segurança jurídica e da protecção da confiança próprios do Estado de Direito democrático
(artigo 2º da Constituição).
Concluo assim que seria transponível para todos os casos enunciados nestas normas a fundamentação que levou o Tribunal a pronunciar-se no sentido da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 7º, n.º 5 (ponto 3.5. do acórdão), e da norma constante do artigo 8º, n.º 3, na parte em que determina a nulidade do contrato celebrado com falta da referência prevista na alínea g) do n.º 2 do mesmo artigo (ponto 3.6.).
As considerações do acórdão que permitiram ao Tribunal pronunciar-se no sentido da não inconstitucionalidade dos artigos 7º, n.º 4, 8º, n.º 3 (na parte restante), e 10º, n.º 3, do Decreto em apreciação reconduzem-se a uma tentativa de interpretação de tais normas em conformidade com a Constituição.
Ora, a meu ver, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, o Tribunal deve, em princípio, prescindir da utilização de
“mecanismos de correcção” na interpretação das normas que lhe são submetidas. Uma pronúncia do Tribunal no sentido da não inconstitucionalidade há-de assegurar que aos órgãos de aplicação do direito que no futuro venham a confrontar-se com tais normas não sejam exigidos especiais esforços de coordenação com outras normas do sistema para atingirem um juízo de compatibilidade com a Constituição.
Só assim a intervenção do Tribunal Constitucional nesta fase do processo legislativo desempenhará a função de impedir que se introduzam no ordenamento jurídico normas inconstitucionais e permitirá uma autêntica colaboração institucional, dando ao próprio autor dos actos normativos questionados a oportunidade de os adequar à Constituição.
Maria Helena Brito
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido quanto ao juízo de não pronúncia de inconstitucionalidade constante da alínea a) da decisão.
Tenho para mim que a cominação de nulidade relativamente aos contratos de trabalho por tempo indeterminado celebrados pelas pessoas colectivas públicas, quando inexistir um quadro de pessoal para o efeito e nos limites do mesmo, se posta como uma medida desproporcionada e contrária à garantia de segurança no emprego.
Na verdade, aceitando que a existência de quadros de pessoal pode constituir uma realidade de não muito difícil apreensão por parte dos contratandos, penso que é extremamente difícil aos mesmos saberem se e em que medida tais quadros se encontram dotados de pessoal.
Nessa incerteza, os contratandos contarão, certamente, que a «Administração» (tomada esta numa muito ampla acessão), vinculada que está ao princípio da legalidade - e, neste, à obediência da previsão constante do nº
1 do artº 7º do apreciando Decreto da Assembleia da República -, ao celebrar com eles o contrato de trabalho por tempo indeterminado, assegurou-se da não dotação total dos respectivos quadros e, por isso, para prover às suas necessidades, resolveu efectuar tal celebração.
E, como se trata de um contrato por tempo indeterminado, o contratando, certamente, contou, de forma razoável, com um vínculo laboral sem uma limitação temporal previsível a priori, o que lhe conferia uma estabilidade nessa relação.
Aceito, igualmente, que, como é salientado no acórdão a que a presente declaração se encontra apendiculada, o programa final da norma
ínsita no nº 4 do artº 7º do aludido Decreto seja o de conter e reprimir os abusos a que pode dar aso a adopção de um instrumento jurídico menos constringente do que o tradicional regime de direito público.
Simplesmente, em contrário do decidido na alínea a) desse aresto, perfilho a óptica segundo a qual, no balanceamento entre o interesse público que presidiu à adopção da medida inserta naquele nº 4, ainda que tendo em atenção a especificidade da invalidade aí cominada (que não obedecerá inteiramente ao regime geral da nulidade, devendo ter-se em conta, quanto a um tal vício, o regime especial dos artigos 114º a 118º do Código do Trabalho) e a garantia da segurança no emprego, aquela medida se apresenta como excessiva.
É certo que, operando a invalidade do contrato, poderá o contratado vir a ser indemnizado pela cessação dos efeitos do negócio jurídico laboral com os quais, como disse acima, razoavelmente contava.
Só que, no meu modo de ver - e aduzindo, quanto a este particular, algumas das considerações que foram apostas, quer na minha declaração de voto aposta ao Acórdão deste Tribunal nº 683/99 (publicado na II Série do Diário da República de 3 de Fevereiro de 2000), quer na declaração de voto nesse mesmo aresto produzida pelo Ex.mo Conselheiro Luís Nunes de Almeida - medidas legislativas que, prevendo formas de cessação de contratos de trabalho
(e releva aqui, indubitavelmente, a sua específica característica de contrato por tempo indeterminado, com a segurança, para o trabalhador, que dessa característica resultava) por razões ligadas à não observância da lei por parte das pessoas colectivas públicas e, assim, sem que, da parte do contratado, haja sido assumido um comportamento justificativo dessa cessação, cessação essa que, afinal, redundará num verdadeiro «despedimento» do contratado, embora com a dação de indemnizações, aponta, ao fim e ao resto, para a postergação da garantia que deflui do artigo 53º da Constituição, a qual é «substituída», por via de legislação ordinária, por um mero sucedâneo indemnizatório.
Votei, por isso, pela pronúncia de inconstitucionalidade da norma do nº 4 do artº 7º do Decreto nº 157/IX da Assembleia da República, por violação dos princípios da justiça, que deflui do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição, e da proporcionalidade e da garantia de segurança no emprego, esta estipulada no artigo 53º da mesma Lei Fundamental.
2. Embora tendo votado a não pronúncia pela inconstitucionalidade da norma do nº 3 do artº 10º do referido Decreto da Assembleia da República, não anuí à totalidade da fundamentação que foi carreada ao vertente acórdão.
Em primeiro lugar, e como é evidente, não posso, logicamente, partilhar da opinião segundo a qual os motivos que conduziram à não pronúncia de inconstitucionalidade da norma do nº 4 do artº 7º do Decreto também são convocáveis para a norma do nº 3 do artº 10º, e isso, desde logo, porque tais motivos, quanto àquele primeiro normativo, não são por mim acolhidos.
O que entendo, porém, é que os contratos de trabalho a termo resolutivo são, por natureza, negócios jurídicos de duração temporalmente limitada, sendo que, de acordo com o artº 9º e com o nº 1 do artº 10º do Decreto cujas normas são aqui apreciadas, são contratos que só podem ser celebrados para ocorrer a determinadas situações muito particulares de necessidades das pessoas colectivas públicas, não estando sujeitos a renovação automática.
Neste contexto, e dada aquela natureza, creio que a situação a que se reporta um contrato deste jaez não pode considerar-se semelhante àqueloutra decorrente de um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
E, se, quanto a este último, na análise do balanceamento entre o interesse público (a que acima se fez referência), aditado ao próprio interesse de terceiros que pretendam entrar em relação de emprego com a Administração Pública a que alude o acórdão e a garantia de segurança no emprego, propendi para entender que, constitucionalmente, esta última se deveria sobrepor ao primeiro, já no que tange aos contratos de trabalho a termo resolutivo, em face, justamente, da sua específica natureza, não antevejo como desrazoável que o interesse do programa normativo se sobreponha, aqui, a tal garantia.
3. Estas, pois, muito em síntese, as razões que me levaram a votar vencido quanto à alínea a) da decisão e as que me conduziram ao juízo de não pronúncia de inconstitucionalidade constante da alínea e) da mesma decisão.
Bravo Serra