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Processo nº 722/00
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - LC e AF, identificados nos autos, foram, por acórdão de
12 de Novembro de 1999, proferido no tribunal do círculo judicial de Portimão, condenados, cada um, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
Inconformados, recorreram do assim decidido para o Tribunal da Relação de Évora o qual, por acórdão de 8 de Fevereiro de 2000, deliberou excepcionar a incompetência para conhecer do recurso interposto, tendo, em consequência, determinado a remessa dos autos para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que se considerou estar apenas em causa o enquadramento jurídico dos factos, com a inerente escolha da pena, matéria de direito cuja cognição e reexame compete ao Supremo.
No Supremo Tribunal de Justiça, o Conselheiro relator entendeu, em despacho, não dever conhecer do recurso e, subsequentemente, em conferência, por acórdão de 4 de Maio de 2000, julgou-se nulo e de nenhum efeito o acórdão da Relação de Évora e não se conheceu daquele recurso.
Considerou-se, em síntese, não poder a Relação apreciar a competência de um tribunal que lhe é hierarquicamente superior, devendo ter-se limitado a não conhecer do recurso que lhe havia sido erroneamente endereçado, sem que haja lugar a qualquer suprimento do erro dos recorrentes, assim tendo transitado em julgado a decisão condenatória proferida em 1ª instância.
Como, então, se escreveu, a questão que se põe 'nada tem a ver com a competência em razão da matéria, mas sim com a competência hierárquica – que se preocupa com a determinação do tribunal para onde se deve recorrer de certa decisão –à qual se reportam os artigos 427º, 428º, nº 1, 432º do CPP, entre outros normativos, não competindo à Relação decidir sobre tal matéria'.
E, a seguir:
'A Relação devia ter-se limitado a verificar a existência de uma circunstância que obstava ao conhecimento do recurso, decidindo, em consequência, não conhecer do mesmo. É o que resulta do disposto nos artigos 417º, nºs. 3, alínea a), e 4, alínea a), e 413º, nº 3, do CPP. De tal decisão caberia recurso para este Supremo Tribunal – v. artºs. 400º e 432º, alínea b), do CPP. Porém, dado que a Relação preferiu decidir sobre o tribunal hierarquicamente competente, ordenando a remessa dos autos para este Supremo Tribunal, o respectivo acórdão padece da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPP, aplicável a tal decisão ex vi do artigo 425º, nº 4, do mesmo diploma, pois conheceu de uma questão de que não podia tomar conhecimento, infringindo as regras da competência em razão da hierarquia, o que só por si já constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 119º, alínea e), do CPP. Por conseguinte, este Supremo Tribunal, face à nulidade do acórdão da Relação, não pode conhecer do recurso, não obstante este visar exclusivamente o reexame da matéria de direito. E isto é assim também porque, tendo o recurso sido interposto incorrectamente para a Relação de Évora, já ocorreu o trânsito em julgado da decisão da 1ª instância, por dela não ter sido interposto, em tempo, recurso para este Supremo Tribunal. De onde resulta que há que respeitar o caso julgado – v. o artigo
671º, nº 1, do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do artigo 4º do CPP, e o artigo 205º, nº 2, da CRP.'
2. - A representante do Ministério Público naquele Supremo Tribunal interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Pretende-se a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 671º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC) e 119º, alínea e), 417º, nº 3, alínea a), e nº 4, e 419º, nº 3, 427º, 428º, nº 1, e 432º e
433º, todos do Código de Processo Penal (CPP), tal como foram aplicados no aresto recorrido, gerando impedimento de acesso à justiça, aos tribunais e ao direito de recurso, ou seja, ocorrendo violação do disposto nos artigos 20º, nº
1, e 32º, nº 1, da Constituição da República (CR), sendo certo que a interpretação e aplicação das mencionadas normas foi feita de modo a constituir uma 'decisão surpresa', de conteúdo imprevisível, quer para os arguidos, quer para o Ministério Público, que a respeito dela não foram ouvidos, não lhes devendo ser exigível prognosticar um entendimento como o adoptado, a considerar precludido o recurso pelo facto de o arguido ter errado a identificação do tribunal para o qual se dirigiu.
O recurso não foi, inicialmente, admitido pelo Conselheiro relator o que originou reclamação nos termos do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82 citada, deferida pelo acórdão nº 446/2000, de 25 de Outubro
último, do Tribunal Constitucional, provocando ulterior despacho daquele magistrado, a admitir o mesmo.
Neste Tribunal, apenas alegou o Ministério Público, que assim concluiu:
'1º - A interpretação normativa dos preceitos que delimitam as competências para apreciação dos recursos penais pelas Relações e pelo Supremo Tribunal de Justiça
– dos quais decorre que cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, mediante recurso
'per saltum', a apreciação da impugnação deduzida dos acórdãos finais do colectivo, quando o recorrente vise exclusivamente o reexame de matéria de direito (artigos 432º, d), conjugado com o artigo 427º e 428º, nº 1, do Código de Processo Penal) – traduzida em considerar absolutamente irremediável e preclusivo o erro do recorrente na determinação do tribunal hierarquicamente competente para apreciar o recurso interposto – endereçando-o à Relação, apesar de apenas questionar 'matéria de direito' – viola os princípios consignados nos artigos 20º, nº 1, e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
2º - Na verdade, tal entendimento, ao conduzir à liminar rejeição do recurso
(nos termos previstos nos artigos 417º, nº 3, a) e nº 4 e 419º, nº 3, do Código de Processo Penal)sem facultar ao recorrente oportunidade processual para corrigir o requerimento de interposição do recurso (direccionando-o para o Tribunal hierarquicamente competente) e inviabilizando – pela interpretação extensiva do âmbito da nulidade prevista no artigo 119º, alínea e) do Código de Processo Penal – que a Relação possa submeter à apreciação do Supremo a definição da sua própria competência para dirimir o recurso (qualificando definitivamente as questões suscitadas pelo recorrente, para o efeito da aplicação do disposto no artigo 432º, d) do Código de Processo Penal), ofende manifestamente o princípio da proporcionalidade, afrontando os direitos previstos nos citados preceitos constitucionais.
3º - Pela mesma razão, ofende tais preceitos da Lei Fundamental a interpretação normativa do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil – aplicável subsidiariamente no domínio do processo penal – que conduz a considerar transitada em julgado uma decisão, tempestiva e efectivamente impugnada pelo recorrente, com o único fundamento de tal impugnação não ter sido logo apresentada perante o Tribunal que se considera competente para julgar tal recurso, nos termos da lei de processo penal.
4º - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade da interpretação das normas que o integram.'
Cumpre decidir, dispensados os vistos, atento o disposto no nº 2 do artigo 707º do Código de Processo Civil.
II
1. - O Ministério Público, ao recorrer para o Tribunal Constitucional, modelou o objecto do recurso à questão de 'inconstitucionalidade dos artigos 671º, nº 1, do CPC, e 119º, alínea e), 417º, nºs. 3, alínea a), e 4, e 419º, nº 3, 427º, 428º, nº 1, e 432º e 433º do CPP, tal como foram aplicados no douto acórdão recorrido'.
Não obstante não se ter exposto clara e inequivocamente a dimensão normativa a considerar, o certo é que o acórdão nº 446/00, já proferido nestes autos, entendeu ser apreensível esse sentido, em termos assim descritos:
a) reportadamente à norma da alínea e) do artigo 119º, está em causa a interpretação nos termos da qual constitui violação das regras de competência do Tribunal, geradora de nulidade insanável, a decisão tomada por um tribunal de Relação de enviar o processo para o Supremo Tribunal de Justiça quando unicamente se controverte matéria de direito em recurso endereçado a esse Tribunal de Relação;
b) no tocante ao demais complexo normativo, questiona-se a sua interpretação no sentido de que, interposto erradamente recurso de uma decisão proferida na 1ª instância para um tribunal da Relação – recurso que, correctamente, devia ter sido interposto para o Supremo –, transita em julgado à decisão de que se pretende recorrer, com a consequente impossibilidade de este
último ordenar o reenvio.
No concreto caso, o Supremo Tribunal de Justiça professou o entendimento da inviabilidade da remessa dos autos por banda de tribunal hierarquicamente inferior, que se declara incompetente para deles conhecer, para o tribunal de hierarquia superior que considera ser o competente
– gerando a nulidade que consiste em conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento –, deste modo precludindo o direito de recorrer, negando ao arguido a oportunidade de endereçar correctamente a sua impugnação. Em sua tese, o erro de identificação do tribunal ad quem determinou, irremediavelmente, o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida em 1ª instância.
Pode, assim, afirmar-se que o Supremo Tribunal de Justiça, que não pôs em causa a decisão da Relação enquanto esta considerou as questões suscitadas pelos arguidos como integrando unicamente matéria de direito, procedeu a uma interpretação do bloco normativo já mencionado que subentende não haver lugar ao cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 33º do CPP, segundo o qual cabe ao tribunal que declare a incompetência proceder à remessa dos autos, oficiosamente, ao tribunal que considera ser o competente, regime esse que tem por inobservável perante o quadro da competência hierárquica.
E, concomitantemente, pode, outrossim, equacionar-se a questão de constitucionalidade subjacente – que não toca a decisão do Supremo Tribunal de Justiça enquanto anulatória do acórdão da Relação, obviamente insindicável, enquanto tal, neste lugar – moldada em juízo interpretativo, de radical preclusão.
É que o Supremo Tribunal de Justiça, do mesmo passo que censura a Relação por lhe ter remetido os autos, a ponto de anular o acórdão desta, não obstante reconhecer estar em causa tão só matéria de direito, considerou insuprível a deficiência formal detectada e consolidada, automática e definitivamente, a decisão condenatória proferida na 1ª instância.
Assim, a questão jurídico-constitucional posta à apreciação deste Tribunal consiste em determinar se se mostra conforme aos princípios constitucionais das garantias de defesa e do acesso ao direito a interpretação normativa dos preceitos delimitativos das competências para apreciação dos recursos penais pela Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça, dos quais decorre que há recurso directo para este último Tribunal da impugnação de decisões do colectivo exclusivamente restritas à reapreciação da matéria de direito, interpretação essa que se traduz em ter por absolutamente irremediável e preclusivo o erro do recorrente ao interpor recurso para a Relação quando o devia ter feito para o Supremo.
Com efeito, e nessa tese, como observa o magistrado recorrente nas respectivas alegações, não há possibilidade de suprir ou de ultrapassar tal erro: não é de observar o disposto no nº 1 do artigo 33º do CPP, segundo o qual cabe ao tribunal que declara a incompetência proceder à remessa oficiosa dos autos para o tribunal que se considere competente, porque 'não existe lei que permita à Relação atribuir competência ao Supremo Tribunal de Justiça – órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais (artigo 210º, nº
1, as CRP) – para julgar um recurso, o que proíbe a remessa do processo para este Supremo Tribunal com tal finalidade, não obstante o disposto no artigo
432º, alínea d), do CPP' (como se lê no acórdão de 4 de Maio de 2000); não tem, assim, cabimento qualquer convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, de modo a facultar-se ao arguido a correcção do órgão jurisdicional a que endereça esse recurso.
2. - O Tribunal Constitucional, recentemente, debruçou-se sobre situações próximas, como o ilustram os acórdãos nº 284/2000, 334/2000 e
326/2000, dos quais só o primeiro se encontra publicado (in Diário da República, II Série, de 8 de Novembro de 2000).
No primeiro desses arestos (para o qual os dois outros remetem), escreveu-se, em síntese, que, sem embargo da exigência de formalismo ou da imposição de determinados ónus ou 'rituais', e tendo presente a razão de ser substancial dessas exigências ou imposição (e citou-se, a propósito, o acórdão nº 275/99, publicado no Diário citado, II Série, de 13 de Julho de
1999), uma total preclusão do direito do arguido à reapreciação, por via de recurso, da decisão que o condenou, havendo lugar, também, a impugnação da matéria de facto, cuja apreciação competiria à Relação, configuraria um sentido interpretativo constitucionalmente violador do nº 1 do artigo 32º da Lei Fundamental.
A argumentação expendida nessa jurisprudência significa o repúdio do tipo de interpretações normativas que se mostrem incompatíveis com a observância dos princípios constitucionais que preservam as garantias de defesa do arguido em processo criminal ou cuidam do acesso à justiça. Dir-se-á, a esta luz, que o nível de exigência formal a estabelecer e respeitar não deve ser levado ao extremo de uma leitura preclusiva, que dite a irremediável e liminar rejeição do recurso, alheada dos parâmetros constitucionais que aqueles princípios moldam, conjugadamente com o da proporcionalidade.
No caso sub judice há como que uma 'inversa' postulação da questão de constitucionalidade mas tudo aponta para que, também aqui, seja convocável a argumentação utilizada naqueles arestos perante a incorrecta indicação do tribunal para onde o recurso devia ter sido endereçado, inequívoca que é a vontade de recorrer. Como se ponderou no citado acórdão nº 284/2000, 'a razão de ser da exigência da correcta indicação do tribunal para onde se intenta recorrer não pode ser levada tão longe que, havendo lapso na indicação, daí decorra a total preclusão do direito ao recurso'.
É que não pode o Tribunal Constitucional sufragar uma interpretação normativa assente numa rigidez formal que posterga, desrazoavelmente, as garantias constitucionais consagradas para o processo criminal.
O mesmo acórdão nº 284/2000 faz eco de casos em que não se aceitaram interpretações das quais resulte incompatibilidade com os princípios constitucionais de acesso à justiça e das garantias de defesa do arguido em processo criminal.
Assim ocorre, designadamente – escreve-se – 'com a interpretação do disposto no nº 2 do artigo 412º e no artigo 420º, ambos do Código de Processo Penal e no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido, questões que se levantaram a propósito do carácter sintético das conclusões elaboradas na motivação de recurso (cf., entre outros, os Acórdãos nºs. 193/97, 43/99, 417/99 e 43/2000, o 1º publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36º vol., pp.
395 a 406, os 2º e 3º publicados na 2ª série do Diário da República, de 26 de Março de 1999 e 13 de Março de 2000 e o último ainda inédito) ou com a interpretação dos artigos 63º, nº 1, e 59º, nº 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações, quando interpretados no sentido da falta de indicação das razões do pedido nas conclusões da motivação ou a falta das próprias conclusões levar à rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido, sem que tenha havido prévio convite para proceder a tal indicação (cf. os acórdãos nºs. 303/99 e 319/99, publicados na 2ª série do jornal oficial de, respectivamente, 16 de Julho e 22 de Outubro de 1999)'.
No domínio do processo civil, onde não há que atentar à observância dos princípios materiais do processo criminal integradores da chamada constituição processual criminal, são enunciáveis aflorações de cedência perante uma solução de justiça desproporcionadamente formal.
Assim acontece perante o comando do nº 3 do artigo 687º do Código de Processo Civil (CPC), que impede o indeferimento do requerimento de interposição do recurso sempre que haja erro na espécie de recurso, ao ordenar que se sigam os termos do recurso que se julgue apropriado; ou no caso do nº 4 do artigo 725º do mesmo diploma, para a hipótese de recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, em que nele se suscitem apenas questões de direito, competindo ao relator, se entender que as questões suscitadas ultrapassam o
âmbito da revista, determinar que o processo baixe à Relação, a fim de o recurso aí ser processado, nos termos gerais, como apelação; ou, ainda, quando o relator, por não se aperceber que as questões suscitadas ultrapassam o âmbito das puras 'questões de direito', invocáveis em recurso de revista, o admitir para ser como tal processado no Supremo Tribunal de Justiça – e não havendo reclamação para a conferência da parte que se considere prejudicada por tal decisão – o recurso é processado como revista, o que implica a preclusão – não do próprio recurso, mas apenas das questões que ultrapassam o âmbito definido pelos artigos 721º, nºs. 2 e 3 e 722º, nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil – artigo 725º, nºs. 5 e 6 do mesmo Código.
Ou seja, a exigência formal implícita na mecânica dos requisitos de interposição de recurso terá de se conciliar, mormente em sede processual criminal, com os princípios constitucionais que, nesta sede, vinculam. A esta luz e, nomeadamente, quando, como é o caso, se parte da distinção entre matéria de facto e de direito, nem sempre de linear apuramento, não é de aceitar uma tese que, como se lê nas alegações do recorrente,
'determine a irremediável não apreciação da impugnação deduzida, tornando tal deficiência formal absolutamente insuprível e determinando a automática consolidação da decisão condenatória proferida na 1ª instância'.
3. - Segundo o entendimento professado no acórdão recorrido integra nulidade insanável – por violação das regras de competência, atento o disposto na alínea e) do artigo 119º do CPP – a decisão da Relação que remeteu para o Supremo Tribunal de Justiça os autos, ao considerar que esta unicamente em causa matéria de direito.
Esta leitura, conjugada, da maneira em que o foi, com as demais normas convocadas, proporciona a sua valoração jurídico-constitucional, em sede de fiscalização concreta.
Não que esteja em causa – como já se sublinhou no acórdão nº 446/2000 – saber se a mesma está correcta, no ponto de vista da interpretação e aplicação do direito ordinário, qua tale, o que, obviamente, não cabe reapreciar, mas sim porque há que ajuizar nos parâmetros da sua compatibilidade com o texto constitucional.
Ora, neste estrito enfoque, entende-se, face às considerações expendidas, que o nível de exigência formal perfilhado no acórdão, inerente à interpretação normativa adoptada, assume uma proporção que não se compagina com a salvaguarda do direito de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva e com as garantias de defesa decorrentes do processo criminal, tais como, um e outro, constitucionalmente se consagram.
O que vale dizer, por outras palavras, que a mencionada leitura não se mostra conforme à moldura ditada pelos artigos 20º, nº 1, 32º, nº
1, e 18º da Lei Fundamental.
Em face do exposto, decide-se:
a) julgar inconstitucional a interpretação conjugada das normas dos artigos 119º, alínea e), 417º, nº 3, alínea a), e 4, 419º, nº 3,
427º, 428º, nº 1, e 432º, todos do Código de Processo Penal, e 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, no sentido de que o erro do recorrente, consistente em endereçar à Relação um recurso que, por versar apenas matéria de direito, devia ter sido dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, acarreta, de forma irremediável, a preclusão do direito ao recurso – por violação do disposto nos artigos 20º, nº 1, e 32º, nº 1, e do princípio da proporcionalidade, acolhido no artigo 18º, todos da Constituição da República;
b) consequentemente, conceder provimento ao recurso, de modo a reformular-se o decidido à luz do presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 14 de Fevereiro de 2001 Alberto Tavares da Costa Messias Bento José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida