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Processo n.º 227/2012
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, notificado do despacho de fls. 681 e 682 e do parecer do Ministério Público de fls. 652 e ss., veio apresentar requerimento do seguinte teor:
“…
A., Reclamante, notificado por ofício de 11.6.2012, do despacho de 6.6.2012 e do Parecer de 30.3.2012, diz e requer:
I
1. Salvo o devido respeito, não corresponde à verdade que dos autos resulte encontrarem-se as partes plenamente identificadas nas respetivas peças processuais, sendo que a mera omissão de um dos nomes ou apelidos, designadamente nas capas da autuação ... Com efeito:
2. A verdade é que o nome indicado no ofício de 10.5.2012, como Reclamante, é o de um falecido: o destinto Oficial General do Exército Português B. cujo óbito se encontra certificado nos autos como tendo ocorrido em 8.10.1999.
3. Os Reclamados com intervenção nos autos de reclamação são apenas a C., S.G.P.S., S.A., e a D., S.A.. Este facto tem especial relevância em virtude de nos autos de Reclamação elas terem feito uso de fa1sificaço de documentos cuja denúncia já neles se encontra feita e que terá de ser objeto de inquérito pelo Ministério Público.
4. Assim, a reclamação apresentada em 24.5.2012, ao abrigo do artigo 161º, nº 5, do CPC, ainda se encontra por apreciar e subsiste o prejuízo proibido pelo seu nº 6.
II
5. Quanto ao parecer do Exmo. Magistrado do Ministério Público ele enferma de vícios que não podem deixar de ser aqui arguidos para os devidos efeitos legais. Com efeito, nele
1) se identifica erradamente o Reclamante como sendo B. (cf. nº 1);
2) se identifica erradamente o Reclamante como sendo arguido (cf. nº 5);
3) diz erradamente que o despacho reclamado foi proferido nos termos da disposição legal que expressamente cita (art. 76º, nº 2 da LTC) (cf. nº 6);
4) diz erradamente que a reclamação subiu nos próprios autos como a lei exige, sendo que esta exige que o recurso suba nos próprios autos em que foram proferidas as decisões recorridas;
5) diz erradamente que a reclamação está acompanhada de todos os elementos documentos necessários para a sua adequada apreciação (3 vols., perfazendo 651 páginas), quando a verdade é que lhe faltam as peças que antecedem fls. 253 e todas as posteriores não referidas no despacho de 7.11.2011 proferido a fls. 491 dos autos que foram mandados baixar à Relação, em que se inclui o despacho recorrido de 18.10.2010, a fls. 121;
6) diz erradamente que muito embora aí sejam indicadas diversas normas aplicadas nos despachos recorridos, arguidas de inconstitucionalidade, nenhuma delas apresenta a dimensão normativa que a jurisprudência desse Tribunal tem reiteradamente considerado essencial para conhecer de mérito os recursos que são submetidos à sua apreciação, dado que essa dimensão normativa encontra-se enunciada nos requerimentos apresentados na Reclamação do artigo 688º do CPC, como a Constituição e a lei impõem.
6. Os autos de reclamação do artigo 688º do CPC, têm de ser remetidos a esse Tribunal também porque são indispensáveis à investigação criminal já neles requerida, a que acrescem factos subjetivamente supervenientes que serão narrados logo que apreciada a presente resposta ao parecer do Exmo. Procurador-Geral-Ajunto Dr. José Manuel Santos Pais.
7. Conforme suscitado na Reclamação de 27.2.2012 (cf. nº 5), a norma do artigo 77º, nº 2, da LTC, foi aplicada com sentido inconstitucional - o que é proibido pelo artigo 204º da Constituição e cominado de invalidade pelo seu artigo 3º, nº 3, de conhecimento oficioso.
…”.
2. Os presentes autos subiram a este Tribunal Constitucional sob reclamação ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (de ora em diante designada por LTC), tendo sobre tal reclamação recaído, em 9 de maio de 2012, o Acórdão n.º 233/2012, proferido em conferência, nesta Secção e Tribunal, que indeferiu a reclamação, com os seguintes fundamentos:
“…
II. Fundamentação
5. Sopesando o relatado face aos critérios legais pertinentes para aferir da admissibilidade do recurso de constitucionalidade, afigura-se que a presente reclamação não procede.
Como resulta dos fundamentos da decisão reclamada, que se deixaram transcritos, o recurso de constitucionalidade não foi admitido porque o recorrente não indicou de forma individualizada e discriminada, por referência a cada um dos seis despachos recorridos (datados de18-10-2010, 27-06-2010, 15-09-2011, 20-10-2011, 07-11-2011 e 22-11-2011) quais as normas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciadas, os parâmetros constitucionais violados e a peça processual em que a questão fora suscitada.
Tal entendimento não merece qualquer censura.
Em primeiro lugar, cumpre começar por referir que o cumprimento dos requisitos formais associados à interposição de recurso de constitucionalidade constitui uma exigência fulcral para que, atento o objeto desse recurso, seja sindicada a verificação dos requisitos de que a LTC faz depender o seu conhecimento. Trata-se de uma exigência formal, é certo, mas ainda assim determinante para que o Tribunal recorrido, em primeiro lugar, e este Tribunal Constitucional, depois, possam decidir sobre a sua admissibilidade e sobre o conhecimento do seu objeto, respetivamente.
Havendo uma pluralidade de decisões recorridas, como sucede no caso dos autos, é manifesto que as indicações exigidas pelo artigo 75.º-A, da LTC, não podem deixar de ser cumpridas de forma individualizada, ou seja, por referência a cada uma dessas decisões, pois só dessa forma será possível decidir criteriosamente se cada uma das decisões impugnadas é recorrível para o Tribunal Constitucional.
Nessa ótica, as exigências constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 75.º-A, da LTC, não podem deixar de ser efetuadas de forma discriminada e individualizada perante cada uma das decisões de que se recorre, uma vez que estas, apesar de incluídas no mesmo requerimento, corporizam decisões autónomas, quer para efeitos de verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso, quer, após esse momento, para efeitos da decisão que incidirá sobre os respetivos objetos.
Ora, os termos do despacho-convite, efetuado nos termos conjugados do disposto nos artigos 76.º, n.º 2, e 75.º-A, n.º 5, não deixam sequer margem para dúvida quanto à necessidade do recorrente observar, nos termos expostos, o cumprimento das exigências previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 75.º-A, da LTC.
Em segundo lugar, é manifesta, também, a improcedência do alegado quanto à ilegalidade do despacho reclamado, por ter sido proferido por “entidade administrativa” sem competência legal para o efeito.
Nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 76.º, da LTC, cabe ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, devendo o mesmo ser indeferido quando não satisfaça os requisitos do artigo 75.º-A, mesmo após o suprimento previsto no n.º 5 desta norma. Perante tais disposições, improcede também o alegado, sendo certo que a decisão reclamada foi proferida, como devia ter sido, no Tribunal ao qual foi dirigido o requerimento de interposição.
Improcedente é também a alegada violação do disposto no artigo 78.º, n.º 4, da LTC, norma essa que se refere ao efeito e regime de subida de recursos de constitucionalidade admitidos e não às reclamações dirigidas contra os despachos que os não admitiram, além de que, independentemente dessa realidade, a reclamação subiu nos próprios autos e encontrava-se instruída com todos os elementos necessários para a sua decisão.
Por fim, o reclamante invoca ainda que deve ser notificado do teor da “pronúncia” do Ministério Público, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, da LTC, sob pena de inconstitucionalidade por violação do direito a um processo equitativo.
Tal invocação não procede nos casos, como o dos autos, em que o decidido se conforma absolutamente dentro dos limites do alegado na reclamação e se cinge aos fundamentos da decisão reclamada aí discutidos.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
…”.
3. Notificado que foi de tal acórdão, por carta expedida em 10 de maio de 2012, o ora requerente veio apresentar requerimento, em 25 de maio de 2012, do seguinte teor:
“…
A., Reclamante, diz e requer:
1. O ofício de 10.5.2012 contém erro na identificação de Reclamante e Reclamados que revela errada autuação da Reclamação. Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 161º, nº 5, do CPC, requer se digne ordenar a retificação do dito oficio e de eventual erro na autuação do processo.
2. O acórdão 233/2012, de 9.5.2012 diz a fls. 2: «Notificado dessa reclamação, o representante do Ministério Público pronunciou-se pelo seu indeferimento». Pelo que, ao abrigo do disposto nos artigos 3º, nº 3, e 201º, nº 1, do CPC, e 20º, nº 4, da Constituição, requer lhe seja feita notificação dos termos dessa intervenção por ela haver influído na decisão.
…”.
4. Em apreciação e decisão de tal requerimento, veio a ser proferido pelo relator, em 6 de junho de 2012, despacho do seguinte teor:
“…
Requerimento de fls. 679:
A. A., reclamante, devidamente identificado nos autos, tendo sido notificado do acórdão n.º 233/2012, que indeferiu a reclamação da decisão que não admitiu o recurso que pretendia ver interposto para o Tribunal Constitucional, veio apresentar requerimento do seguinte teor:
“…
1. O ofício de 10.5.2012 contém erro na identificação de Reclamante e Reclamados que revela errada autuação da Reclamação. Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 161.º. n.º 5, do CPC, requer se digne ordenar a retificação do dito oficío e de eventual erro na autuação do processo.
2. O acórdão 233/12, de 9.5.2012 diz a fls. 2: «Notificado dessa reclamação, o representante do Ministério Público pronunciou-se pelo seu indeferimento». Pelo que, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, e 201.º, n.º 1, do CPC, e 20.º, n.º 4, da Constituição, requer lhe seja feita notificação dos termos dessa intervenção por ela haver influído na decisão.
…”.
B. Apreciando e decidindo:
a) Quanto à identificação de reclamantes e reclamados:
Como resulta dos autos, as partes encontram-se plenamente identificadas nas respetivas peças processuais, sendo que a mera omissão de um dos nomes ou apelidos designadamente nas capas de autuação (o que, diga-se, já vinha das capas de autuação do STJ), em nada afetaram a identificação plena das partes processuais e respetiva notificação, mormente do reclamante que se mostra devidamente notificado como, desde logo, objetivamente se pode constatar do requerimento, ora, em apreço.
Mau grado se não anteveja utilidade na correção da mera irregularidade apontada pelo reclamante, proceda-se à mesma, o que se concretizará em função dos elementos existentes nos autos, no lugar próprio.
b) Quanto à pretensa falta de notificação do parecer do Exm.º Magistrado do Ministério Público:
Esclareça-se, desde já, quanto a tal parecer, como muito bem afirma o requerente/reclamante, que dele apenas se faz referência no relatório do acórdão e nada mais, sendo que tal acórdão apenas aprecia e se pronuncia sobre os argumentos usados na decisão reclamada.
Porém, apesar de se afigurar mais que duvidosa a utilidade da sua notificação, proceda-se à mesma, como pretende o, ora, requerente/reclamante.
…”.
5. Foi no seguimento de tal despacho que veio a ser apresentado, pelo então reclamante, o requerimento supra mencionado e que haverá de ser apreciado e decidido.
6. Notificado o Ministério Público do teor deste último requerimento, o mesmo pronunciou-se no sentido de nada haver a acrescentar ao parecer de fls. 652 a 657, em que conclui pelo indeferimento.
Vistos os autos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
7. Os presentes autos subiram a este Tribunal, como da sua leitura resulta, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4 da LTC e tão só para apreciação da reclamação apresentada sobre o despacho, proferido no Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu o recurso de constitucionalidade que o reclamante havia interposto.
Tal reclamação, pelo acórdão proferido em conferência nesta Secção e supra mencionado, veio a ser indeferida e, consequentemente, foi o despacho de inadmissibilidade de recurso confirmado, decisão essa que, nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 4 da LTC, não pode ser impugnada.
Daí que o requerimento, ora, apresentado e sob apreciação, apenas possa ser tido como reclamação, quer do despacho proferido a 6 de junho de 2012 (cf. fls. 681 e 682) quer do Acórdão n.º 233/2012 proferido a 9 de maio de 2012 (cf. fls. 658 a 669), cumprindo por isso apreciar tal reclamação.
7.1 No que importa à reclamação sobre o despacho proferido pelo relator, por se tratar de meras irregularidades processuais (diga-se, meros lapsos), não se vislumbra que ao reclamante assista qualquer razão, quer porque o mesmo não aduz quaisquer razões que justifiquem a reclamação formulada quer porque a mesma, mau grado se ter referido ser duvidosa a sua utilidade, foi deferida ‘in totum’, pois como de tal despacho se pode ver foi ordenada a retificação das notadas irregularidades identificativas e, bem assim, se ordenou a notificação do parecer do Ministério Público.
Por tais razões, a reclamação, nessa parte, deve ser indeferida.
Tudo quanto se expende relativamente ao parecer do Ministério Público em causa, só pode ser tido como reclamação para a conferência e do acórdão supra identificado, já que sobre tal matéria se pronunciou o mesmo, pelo que sobre tal matéria nos pronunciaremos de seguida.
7.2 A pronúncia do reclamante sobre o parecer do Ministério Público, apresentado ao abrigo do disposto no artigo 77.º, n.º 2 da LTC (cf. fls. 652 a 655), é processualmente inadmissível, para além de extemporânea na medida em que posterior à prolação do acórdão que veio a apreciar a reclamação do despacho que não admitiu o recurso que o reclamante pretendia ver interposto para este Tribunal Constitucional, podendo tão só justificar arguição de nulidade daquele acórdão, na medida em que o mesmo não fora notificado previamente à prolação deste.
Da LTC não resulta, pelo menos expressamente que deva notificar-se tais pareceres, embora, reconheça-se, tal notificação deva ocorrer sempre que neles seja invocado, como, aliás, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a considerar reiteradamente, argumento ou fundamento novo cuja necessidade de uso na decisão a proferir se anteveja, tendo em vista naturalmente a observância do princípio do contraditório, porquanto como se afirma no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69.º da LTC, «[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir de questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Ora, no acórdão sob arguição de nulidade, deixou-se afirmado de forma clara, sobre tal matéria que:
“…
Por fim, o reclamante invoca ainda que deve ser notificado do teor da “pronúncia” do Ministério Público, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, da LTC, sob pena de inconstitucionalidade por violação do direito a um processo equitativo.
Tal invocação não procede nos casos, como o dos autos, em que o decidido se conforma absolutamente dentro dos limites do alegado na reclamação e se cinge aos fundamentos da decisão reclamada aí discutidos.
…”.
Assim, insubsiste qualquer razão que fundamente a pretensa nulidade por omissão de notificação do mencionado parecer, já que o acórdão reclamado não fez uso de qualquer argumento ou fundamento e, menos ainda, novo, para alcançar a decisão nele proferida, atendo-se totalmente dentro dos limites do alegado na reclamação e por referência aos fundamentos da decisão reclamada aí discutidos.
Aliás, a entender-se de outro modo, ocorreriam sucessivos atos processuais de notificação e resposta que, para além de poderem revelar-se inúteis, fariam prolongar a marcha processual, tornando-a infindável e impedindo, consequentemente, que fosse obtida uma decisão em tempo razoável para o pedido formulado (cf, artigo 20.º, n.º 4 da Constituição).
Diga-se, por último, que nenhuma razão assiste ao reclamante pelo facto de a reclamação ter subido em traslado, porquanto este foi extraído a coberto de decisão judicial e legal (cf. fls. 628), decisão essa cujo acerto não cumpre a este Tribunal sindicar.
Ter-se-á, assim, que improcedem as reclamações, ora, formuladas.
III. Decisão
8. Nos termos supra expostos, decide-se indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 (quinze) UCs..
Lisboa, 9 de julho de 2012. – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos