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Processo n.º 544/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Pela decisão sumária n.º 363/2012, decidiu o relator não conhecer do objeto do recurso interposto pelo recorrente A., ora reclamante, considerando que este carecia de legitimidade, para o efeito, porquanto, não estando dispensado do correspondente ónus, não suscitou perante o Tribunal recorrido a questão de inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada no presente recurso.
O recorrente, inconformado, reclamou da decisão sumária para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), alegando, em síntese, que, contrariamente ao sumariamente sustentado, não lhe era exigível antecipar, por imprevisível, a interpretação que veio a ser adotada pelo Tribunal recorrido, quanto às normas legais ora sindicadas, atento o que alegou, em sede de motivação do recurso, e o que, ao arrepio das soluções que a questão nela suscitada previsivelmente reclamava, veio a ser invocado como fundamento da decisão que, nessa parte, o julgou improcedente, pelo que estava desonerado do ónus legal de prévia suscitação.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação porquanto, ao contrário do que nela se sustenta, o recorrente não estava desonerado de suscitar perante o Tribunal recorrido a questão de inconstitucionalidade que constitui objeto do presente recurso, sendo que, por outro lado, inexistindo exata coincidência entre a interpretação normativa sindicada e aquela que foi efetivamente adotada pelo Tribunal recorrido, não estava o recurso, também por este fundamento adicional, em condições de ser conhecido.
2. Cumpre apreciar e decidir.
O recorrente, ora reclamante, sujeitou à apreciação do Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, alínea c), e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), e 50.º do Código Penal (CP), «na interpretação segundo a qual o fundamento da decisão de denegação da suspensão da execução da pena de prisão não impõe a referência expressa às circunstâncias referidas no artigo 50.º, n.º 1, do CP, designadamente, a referência ao juízo de prognose desfavorável».
Confrontado com a decisão sumária do relator, que o julgou parte ilegítima, por não ter observado o ónus legal de prévia suscitação de tal questão de inconstitucionalidade, defende, no presente incidente, que não lhe era exigível antecipar a adoção, pelo Tribunal recorrido, do entendimento normativo cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada, no presente recurso, pelas seguintes razões:
«(…) o Recorrente recorreu da Sentença de primeira instância com fundamento em nulidade por omissão de pronúncia, por ser seu entendimento que, ‘no caso sub judice, o tribunal limitou-se a aflorar a questão, não se pronunciando sobre as circunstâncias referidas no referido artigo 50.º/1 do CP, fundamentando convenientemente a decisão de denegação da suspensão (…), pelo que se verifica omissão de pronúncia que constitui nulidade, insanável e de conhecimento oficioso, nos termos do art. 379.º n.º 1 al. c) e n.º 2 do CPP, que acarreta a anulação da decisão na parte em que a afeta’.
O que o Recorrente poderia legitimamente antever era a ocorrência de duas situações:
- ou o tribunal entendia, com o Recorrente, que a decisão de denegação da suspensão não se pronunciava sobre as circunstâncias referidas no artigo 50.º/1 do CP e julgava procedente a nulidade invocada;
- ou o tribunal entendia, ao contrário do Recorrente, que a decisão de denegação da suspensão se pronunciava sobre as referidas circunstâncias e julgava improcedente a nulidade invocada.
Mas o tribunal de recurso não fez nem uma coisa nem outra.
Pelo contrário, o Tribunal da Relação enveredou por uma terceira via, totalmente inesperada para o Recorrente, pois, apesar de ter constatado que o tribunal de primeira instância não se pronunciou expressamente sobre as circunstâncias do artigo 50.º/1 do CP, considerou que, ainda assim, tal não lhe era exigível tendo em conta que, segundo ele, a decisão de denegação de suspensão da pena de prisão não impõe a referência expressa às aludidas circunstâncias do artigo 50.º/1 do CP, designadamente ao juízo de prognose desfavorável». (…)
No caso sub judice, do confronto entre o alegado no recurso para a Relação e o teor do acórdão recorrido, é por demais evidente que não era exigível ao Recorrente que antecipasse a interpretação adotada pelo tribunal de recurso, tanto mais que não era de todo previsível para o Recorrente.»
Sendo certo que o Tribunal Constitucional tem considerado estar o recorrente dispensado do ónus de prévia suscitação sempre que se vê confrontado com a adoção, pelo Tribunal recorrido, de soluções de direito com as quais não podia razoavelmente contar, no contexto particular dos autos e no enquadramento jurisprudencial e doutrinário dominante, cumpre, pois, apreciar se é o caso.
Afigura-se-nos que não.
Com efeito, decorrendo da decisão da primeira instância a enunciação de factos que suportam, ainda que implicitamente, a conclusão decisória, nela perfilhada, de não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, ora reclamante, era claramente previsível, para um operador do direito medianamente diligente, que o indeferimento da arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, se baseasse precisamente no entendimento de que, em face disso, não era exigível, para o efeito do afastamento da suspensão da execução da pena de prisão, a referência expressa às circunstâncias referidas no artigo 50.º, n.º 1, do CP, designadamente a referência expressa, ou explícita, ao juízo de prognose desfavorável».
E isso mesmo antecipou o recorrente ao invocar, como fundamento da arguida nulidade, não a total omissão de pronúncia, mas o facto de o Tribunal de primeira instância não ter fundamentado devida e especificadamente a opção pela não suspensão da execução da pena de prisão, o que remete a questão para o modo alegadamente deficiente, por não devidamente especificado, como a decisão, nesse particular, se fundamentou.
Por isso que não seja verdade que o Tribunal de recurso, ao apreciar a arguição de nulidade deduzida pelo recorrente, tenha enveredado por uma terceira via interpretativa ou normativa, de todo imprevisível, pois que, ao considerar que o tribunal de primeira instância, destacando os factos que, nos termos da lei aplicável, inviabilizavam a requerida suspensão da execução da pena de prisão, se pronunciou, ainda que implicitamente, sobre as circunstâncias referidas no artigo 50.º, n.º 1, do CP, entendeu o Tribunal recorrido, ao contrário do alegado pelo recorrente, ter sido devidamente fundamentada a correspondente decisão, o que era uma das duas alternativas decisórias em discussão nos autos.
Na verdade, estando patente nos autos, como acima sublinhado, a enunciação de factos relevantes para esse efeito, e tendo o recorrente invocado, nesse preciso contexto, em fundamento da arguida nulidade, omissão de especificada pronúncia sobre as circunstâncias aludidas no citado preceito legal, em que tais factos se enquadram, era expectável que o Tribunal recorrido, na respetiva decisão, viesse a ponderar tal factualidade e, com base nela, considerar, como considerou, ser a sua enunciação bastante para fundamentar, ainda que implicitamente, a decisão de não suspensão da execução da pena de prisão e, nesse contexto, desnecessária a alusão expressa às circunstâncias referidas no artigo 50.º, n.º 1, do CP, e ao juízo de prognose desfavorável legalmente exigido para o afastamento de tal medida penal de substituição.
Não se tratando, pois, à luz dos parâmetros enunciados, de uma interpretação de todo insólita ou inesperada, cumpria ao recorrente antecipar a sua adoção, enunciando, ainda que por recurso a um diferente modo de dizer, a ideia normativa que lhe subjaz e sobre ela fazendo recair, em sede de motivação do recurso, as suspeitas de inconstitucionalidade que, só agora, tardia e inovatoriamente enunciou perante o Tribunal Constitucional.
Não o tendo feito, estando em condições processuais de o fazer, carece de legitimidade para interpor o presente recurso de constitucionalidade (artigos 70.º, n.º 1, e 72.º, n.º 2, da LTC), pelo que é de confirmar a decisão sumária que, com tal fundamento, não conheceu do respetivo objeto.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de agosto de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Rui Manuel Moura Ramos.