Imprimir acórdão
Proc. nº 284/99 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – Pela decisão sumária de fls. 54/56, não se tomou conhecimento do recurso interposto, ao abrigo do artigo 70º nº. 1 alínea a) da Lei nº. 28/82, pelo Ministério Público, da sentença de fls. 41 e segs.
Ali se escreveu:
'O recurso vem interposto ao abrigo do artigo 70º nº. 1 al. a) da Lei nº. 28/82, ou seja, por recusa de aplicação de norma, com fundamento em inconstitucionalidade.
A norma cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada é a contida no artigo 8º do Decreto-Lei nº. 299/97; mas na sentença recorrida não se vislumbra qualquer recusa de aplicação dessa mesma norma.
Na verdade, a norma ou normas cuja aplicação foi recusada são, apenas as que constam do Decreto-Lei nº. 80/95 (não a do artigo 8º do Decreto-Lei nº.
299/97), por terem estabelecido um regime retributivo diferenciado para a categoria de Primeiro-Sargento entre a Marinha e os demais ramos das Forças Armadas, violando o princípio constitucional da igualdade.
Sendo assim, não se verifica o pressuposto da admissibilidade do recurso previsto no artigo 70º nº. 1 al. a) da Lei nº. 28/82, pelo que não pode conhecer-se do objecto do recurso tal como o definiu o Magistrado recorrente.'
É desta decisão que vem agora deduzida a presente reclamação pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal nos seguintes termos:
'1º. A decisão impugnada julgou efectivamente inconstitucional o Decreto-Lei nº. 80/95, de 22 de Maio, sem que, todavia, tenha curado de especificar quais as concretas normas de tal diploma legal que considerou afectadas pelo vício de inconstitucionalidade material que considerou verificado.
2º. Por outro lado tal decisão – de conteúdo lacónico – parece orientar-se para que tal inconstitucionalidade derivaria da conjunção de
'normas' de tal Decreto-Lei nº. 80/95 – que não identifica – com 'a data fixada pelo artigo 8º do Decreto-Lei nº. 299/97, de 31 de Outubro', já que, neste ponto, parece aderir à alegação do recorrente.
3º. No requerimento de interposição de recurso – supõe-se que por lapso manifesto – apenas é feita referência à 'norma do artigo 8º do Decreto-Lei nº. 299/97'.
4º. Parecendo-nos, todavia, que – dada a especificidade e a função do recurso fundado na alínea a) do nº. 1 do artigo 70º da Lei nº. 28/82 – tal lapso não deverá precludir irremediavelmente o respectivo conhecimento.
5º. Tal lapso é, aliás, patente face à mera análise do teor literal da decisão recorrida – sendo certo que o recurso fundado naquela alínea a) pressupõe e só pode reportar-se à recusa de aplicação normativa, constante da sentença impugnada, não tendo o recorrente qualquer autonomia ao delimitar o objecto de tal tipo de recurso obrigatório.
6º. Requer-se, pois, o suprimento ou correcção de tal lapso, cometido no tribunal 'a quo', reportando-se o objecto do recurso à recusa de aplicação de normas constantes do Decreto-Lei nº. 80/95, de 22 de Maio que prevêem um regime retributivo diferenciado para a categoria de 1º Sargento da Marinha e para idêntico posto dos demais ramos das Forças Armadas, o qual não foi removido em consequência do limite temporal à vigência do Decreto-Lei nº. 299/97, de 31 de Outubro, resultante do artigo 8º deste diploma legal.
7º. E simultaneamente impugna-se, perante a conferência, que o lapso manifesto do magistrado recorrente na identificação formal da norma desaplicada na decisão recorrida – liminarmente perceptível face ao teor literal de tal decisão – deva precludir irremediavelmente a apreciação do recurso de constitucionalidade obrigatoriamente interposto.'
Cumpre decidir.
2 – É no requerimento de interposição de recurso que fica delimitado o quid sobre que se pretende, do Tribunal Constitucional, o julgamento de constitucionalidade.
Esta asserção, confortada com o disposto no artigo 75º-A nº. 1 da Lei nº. 28/82, pacífica na jurisprudência do Tribunal, não permite qualquer ressalva: ela tem cabimento em todos os recursos previstos no artigo 70º nº. 1 daquela Lei, incluindo, portanto, o que vem consagrado na alínea a).
Com efeito, não opta o legislador ordinário por um sistema em que a recusa de aplicação de norma dê lugar à remessa oficiosa e incidental do processo ao Tribunal Constitucional para apreciação e julgamento de uma tal recusa; antes optou - sem deixar de estabelecer a sua obrigatoriedade - por um recurso que deve ser interposto pelo Ministério Público.
Está assim o Ministério Público obrigado a requerer a interposição do recurso e sujeito ao ónus de delimitar o objecto da impugnação, tal como se dispõe no citado artigo 75º-A nº. 1 da Lei nº. 28/82.
A tese defendida pelo Ministério Público, conduziria, na prática e em casos de recusa explícita de aplicação de norma, a um sistema diverso, obrigando o Tribunal a, oficiosamente, corrigir o que, no requerimento de interposição de recurso, se indicasse como norma cuja inconstitucionalidade se pretendia ver apreciada, em contrário do que efectivamente a decisão impugnada tivesse decidido.
Por outras palavras, de recorrente, ainda que obrigatório, o Ministério Público passaria a ser um mero 'transmitente', ao Tribunal Constitucional, da decisão de recusa de aplicação de norma.
É certo que o Ministério Público alicerça a sua tese na ocorrência de um 'lapso manifesto'.
Na verdade é que, sendo 'lapso de escrita' aquele que se torna imediatamente perceptível pelo contexto em que se encontra inscrito, não se reconhece como adequada uma tal qualificação ao 'erro' do recorrente.
Em contrário do que diz o reclamante a sentença impugnada, enquanto recusa a aplicação de normas, não faz qualquer conjugação das normas do DL nº.
80/95 com o artigo 8º, ou qualquer outro do DL nº. 299/98, como se patenteia no
último parágrafo (antes da epígrafe: 'V - Decisão') da mesma sentença.
A convicção de que se não trata de mero lapso de escrita reforça-se ainda pelo facto de, em outros processos pendentes neste Tribunal de recurso de decisões idênticas (v.g. Pºs. nºs. 289/99 e 295/99) o mesmo magistrado do Ministério Público recorrente ter formulado o respectivo requerimento de interposição exactamente nos mesmos termos...
E não se verificando qualquer 'lapso de escrita', sempre ficaria prejudicado o sucesso da reclamação enquanto pressupõe a existência desse lapso.
Não merece, assim, qualquer censura o despacho reclamado, sendo certo que o magistrado reclamante não põe em causa que a(s) norma(s) cuja aplicação foi recusada são as do DL nº. 80/95.
3 – Decisão
Pelo exposto e em conclusão decide-se indeferir a reclamação, mantendo-se o julgado, no sentido de se não tomar conhecimento do recurso por não ter sido recusada a aplicação da norma do artigo 8º do DL nº. 299/97, de 31 de Outubro, definida pelo recorrente como objecto da impugnação.
Lisboa, 9 de Julho de 1999 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa