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Processo nº 509/96
2ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 2º Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por sentença do de 22 de Setembro de 1994, de fls. 12, foi indeferido o pedido de intimação do Director Geral dos Assuntos Prisionais para a passagem de determinadas certidões, formulado por M..., com o fundamento de que a requerente
'não faz (...) qualquer alusão ao interesse que a move nesta sua pretensão, nem refere quais os direitos ou interesses para cuja tutela busca protecção, nem refere a natureza dos documentos cuja certificação quer obter'. Assim, 'a petição sofre de deficiências que comprometem irremediavelmente a pretensão, pelo que se indefere liminarmente o pedido'. Deste indeferimento recorreu M... para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 17 de Janeiro de 1995, de fls. 28, negou provimento ao recurso. Deste acórdão recorreu para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo com fundamento na sua oposição a sete acórdãos, todos da 1ª Secção do mesmo Supremo Tribunal Administrativo. Notificada do despacho de fls. 49, que a convidava a indicar concretamente qual o acórdão que escolhia para fundamento do presente recurso e para juntar a respectiva certidão, M... respondeu que 'o Acórdão recorrido adoptou soluções opostas às adoptadas nos acórdãos fundamento relativamente a diferentes questões fundamentais de direito', referindo, depois, cada questão a um acórdão diferente; e concluiu dizendo que 'caso assim se não entenda (...), elege como Acórdão fundamento' o de 24 de Julho de 1986, proferido no recurso nº 24.058. Por acórdão de 27 de Fevereiro de 1996, de fls. 113, o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, julgando que 'nem os pressupostos de facto nem a decisão [do acórdão fundamento, ou seja, o de 24 de Julho de 1986] oferecem
(...) semelhança alguma com os elementos correspondentes do acórdão recorrido pelo que inexiste qualquer forma de oposição entre os dois arestos, (...) deixando inconsiderados os restantes acórdãos apontados pela recorrente
(art.765º nº 2 do Cód. de Proc. Civil), não ocorrendo qualquer oposição que fundamente o presente recurso', acordou 'em julgá-lo findo (art. 767º nº 1 do Cód. de Proc. Civil aplicável ‘ex vi’ do art. 102º da LPTA'. M... recorreu então deste acórdão para o Tribunal Constitucional (requerimento de fls. 178). Convidada a completar o requerimento de interposição, pelo despacho de fls. 182, v., veio esclarecer (cfr. fls. 191) que o recurso era interposto ao abrigo das als. b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro e que tinha por fundamento, pelas razões que especificou, 'a ilegalidade e a inconstitucionalidade das seguintes normas legais: a) A interpretação restritiva dada nas doutas decisões, proferidas pelas diferentes instâncias e ora sob recurso, às normas legais contidas nos arts. 82º da L.P.T.A., Lei 65/93, de 26-8, e Lei 6/94, de 07-4 (...);
'b) A interpretação restritiva dada no douto Acórdão sob recurso às normas legais contidas nos artigos 668º nºs 1 al. d) e 3, 763º, 765º nºs 2 e 3, 767º nº
1 e 768º nº 2 do C.P.C.- e 24º al. b) da E.T.A.F..' O recurso foi admitido no Supremo Tribunal Administrativo. Notificada pelo despacho de fls. 194 para indicar 'de que acórdão recorre para o Tribunal Constitucional', M... respondeu que, quanto à al. a) do requerimento de fls. 191, o recurso tinha por objecto o 'Acórdão proferido pela 2ª Subsecção da
1ª Secção do S.T.A. em 18.01.96 e o Acórdão proferido pelo Pleno da 1ª Secção do S.T.A. em 14.03.96; quanto à al. b) do mesmo requerimento, o recurso versava sobre 'o Acórdão proferido pelo Pleno da 1ª Secção do S.T.A. de 14.03.96. Caso assim se não entenda, o que se considera por mera cautela e sem conceder, o presente recurso terá apenas como objecto o Acordão proferido pelo Pleno da 1ª Secção do S.T.A. em 14.03.96'.
2. Pela Exposição de fls.198, o então relator fez a Exposição Prévia prevista na redacção em vigor na altura do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na qual corrigiu, respectivamente, para 17 de Janeiro de 1996 e 27 de Fevereiro de 1996 as datas dos acórdãos citados, pronunciando-se no sentido do não conhecimento do recurso. Notificadas para o efeito, as partes pronunciaram-se, como consta de fls. 210 e
211.
3. Pelo Acórdão nº 298/97 deste Tribunal, de 16 de Abril de 1997, de fls. 220, foi decidido não tomar conhecimento do recurso quanto às normas dos artigos 82º da L.P.T.A., da Lei nº 65/93, de 26 de Agosto e da Lei nº 6/94, de 7 de Abril, e dos artigos 668º, nºs 1, d) e 3, 763º, 765º, nºs 2 e 3, e 768º, nº 2 do Código de Processo Civil e ordenar o respectivo prosseguimento relativamente 'às normas constantes dos artigos 24º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e 767º, nº 1, do Código de Processo Civil'. Notificada para alegar, a recorrente concluiu que 'deverá ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se ilegal e/ou inconstitucional a interpretação restritiva dada pelo Tribunal a quo às normas legais contidas nos arts. 24º al. b) do ETAF e 767º nº 1 do C.P.C. (...)'. Em seu entender, a interpretação que o acórdão recorrido perfilhou relativamente
à al. b) do artigo 24º do ETAF consiste em entender que 'não existe oposição de julgados por inexistir a necessária identidade factual dos casos julgados nos Acórdãos fundamento com a situação fáctica julgada no Acórdão recorrido', interpretação restritiva que é ilegal porque viola 'normas de valor reforçado contidas nos arts. 8º e 9º do C. Civil' e 'materialmente inconstitucional por violar de forma desproporcionada e injustificada os direitos e princípios fundamentais contidos nos arts. 2º, 13º, 20º nº 1, 205º, nº 2 a 207º da C.R.P. e
10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente os princípios da boa fé e da igualdade do cidadão perante a lei e o direito de recurso, que incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais, com vista ao aperfeiçoamento e uniformidade do direito'. Quanto ao nº 1 do artigo 767º do Código de Processo Civil, a interpretação restritiva que considera ter sido seguida pelo acórdão recorrido consiste em 'o Pleno da 1ª Secção do S.T.A.' estar 'impedido de conhecer das nulidades oportunamente suscitadas nas alegações de fls... dos autos quando inexiste a alegada oposição de julgados,' que se revela 'ilegal por violar normas de valor reforçado contidas nos arts. 8º e 9º do C. Civil (...) e (...) materialmente inconstitucional por violar de forma desproporcionada e injustificada os direitos e princípios fundamentais contidos nos arts. 2º, 13º, 20º nº 1, 205º, nº 2 a 207º da C.R.P: e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente os princípios da boa fé e da igualdade do cidadão perante a lei e o direito de recurso, que incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais'. O recorrido contra-alegou, sustentando a clara improcedência das alegações da recorrente. Corridos de novo os vistos legais, cumpre decidir.
4. Em primeiro lugar, o Tribunal não vai tomar conhecimento da alegada ilegalidade por violação de lei de valor reforçado, pela razão de que não foi apontada qualquer lei que o tivesse; não é, seguramente, o caso dos preceitos citados do Código Civil.
Quanto à invocada inconstitucionalidade da interpretação adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo relativamente à norma contida no na al. b) do artigo 24º do ETAF, na redacção relevante (ou seja, a que figurava na redacção inicial do diploma, o Decreto-Lei nº 129/84), já o Tribunal Constitucional teve ocasião de se pronunciar no sentido da sua não inconstitucionalidade, no acórdão nº 540/97, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Dezembro de 1997.
A similitude dos argumentos então invocados para fundamentar a alegação de inconstitucionalidade justifica que se trancreva parte deste acórdão: 'O acórdão recorrido, na linha de uma jurisprudência uniforme e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo (...), interpretou as normas em causa, ali aplicáveis por força do artigo 102º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, em termos de nelas se exigir que as situações de facto que subjazem às soluções jurídicas divergentes hão-de apresentar elementos que as identifiquem como questões de facto merecedoras de um idêntico tratamento jurídico, não se exigindo ali, ao contrário do alegado pelo recorrente 'uma absoluta identidade factual entre os casos julgados', mas tão somente que apresentem elas uma 'identidade essencial, na perspectiva das soluções de direito encontradas'.
Esta interpretação mostra-se inteiramente conforme com o sentido e alcance das respectivas normas e com os objectivos que estão na base dos recursos para o Tribunal Pleno, enquanto instrumentos dirigidos à uniformização da jurisprudência.
Não se observa ali qualquer violação do princípio da igualdade - parece de todo desadequada a invocação a respeito desta matéria do artigo 13º da Constituição (...).
Nem tão pouco se poderá falar em violação do direito de acesso aos tribunais a que se reporta o artigo 20º, nº 1 da Constituição, norma aliás não aduzida pela recorrente.
Como é sabido, o direito de acesso aos tribunais inclui, desde logo, no seu âmbito normativo, o direito de acção (...).
Mas, para além do direito de acção, que se materializa através do processo, compreendem-se, no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente (...)
'a proibição da `indefesa' que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhes dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses' (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pp. 163 e 164 e Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, pp.
82 e 83).
Entendimento similar tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, caracterizando o acórdão nº 86/88, Diário da República, II série, de 22 de Agosto de 1988, o direito de acesso aos tribunais como sendo
'entre o mais um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 364)'.
Ora, no seguimento destes princípios, não pode afirmar--se que o entendimento interpretativo dado àquelas normas pelo acórdão recorrido se traduza em violação do direito à tutela judicial efectiva constitucionalmente consagrado'.
Pelas mesmas razões se exclui a alegada violação dos princípios consagrados nos artigos 205º, n 1 a 207º da Constituição.
E diga-se, finalmente, não se alcançar o sentido com que são apontadas a infracção ao princípio do Estado de Direito democrático, por referência ao artigo 2º, também da Constituição, ou à Declaração Universal dos Direitos do Homem.
5. Resta a questão da alegada inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artigo 767º do Código de Processo Civil, na dimensão impugnada. Cabe começar por referir que o artigo 767º do Código de Processo Civil foi revogado pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro. A efectiva aplicação do preceito justifica, porém, que o Tribunal a tome em consideração. A verdade, todavia, é que a norma em causa não foi aplicada com o sentido considerado inconstitucional pelo recorrente – ou seja, como impedindo 'o Pleno da 1ª Secção do S.T.A. (...) de conhecer das nulidades oportunamente suscitadas nas alegações de fls... dos autos quando inexiste a alegada oposição de julgados'. O Acórdão recorrido nada diz sobre o assunto; apenas cita o nº 1 do artigo 767º para julgar findo o recurso: '...não ocorrendo qualquer oposição que fundamente o presente recurso, acorda-se em julgá-lo findo (art. 767º nº 1 do Cód. de Proc. Civil aplicável ‘ex vi’ do art. 102º da LPTA'. Não pode, pois, o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre o objecto do recurso neste ponto, porque falta o pressuposto que consiste em a norma impugnada ter sido efectivamente aplicada na decisão, como decorre da própria al. a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82. A esta recusa de conhecimento não obsta a circunstância de o Acórdão nº 298/97 ter mandado prosseguir o recurso quanto a este preceito, uma vez que apenas se pronunciou sobre a tempestividade da resposta apresentada pelo recorrente a fls.191. Assim, decide-se: a) Julgar improcedente o recurso, no que respeita à norma da al. b) do artigo
24º do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, na sua versão inicial; b) Não tomar conhecimento do recurso quanto à norma do nº 1 do artigo 767º do Código de Processo Civil, então em vigor; a. Confirmar a decisão recorrida, em conformidade. Lisboa, 23 de Junho de 1999 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida