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Processo nº 1/2001 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): MR Recorrido(s): P, S.A. I. Relatório:
1. O recorrente interpôs o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Novembro de 2000. Pediu se apreciassem as seguintes inconstitucionalidades:
(a). 'nº 1 artigo 24º LCT aprovada pelo Decreto-Lei 49.408, na medida em que o acórdão recorrido julgou como transferência de local de trabalho a cedência ocasional do trabalhador a uma empresa terceira que não a entidade empregadora';
(b). 'alínea b) do nº 2 do artigo 26º da Lei do Trabalho Temporário na redacção do Decreto-Lei 358/89, de 17/10 que o acórdão recorrido interpretou como incompatível com a manutenção da subordinação jurídica do trabalhador à cedente';
(c). 'artigo 82º e nº 1 alínea c) artigo 21º LCT aprovada pelo Decreto-Lei
49.408 na interpretação que dos mesmos se faz no acórdão recorrido julgando lícita a redução unilateral da retribuição do trabalho e a perda de regalias adquiridas pela prestação de trabalho em regime de turnos ou em vias de o serem'.
Depois de referir que 'a interpretação que delas fez o acórdão recorrido viola os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade que decorrem dos artigos 2º e 18º, nº 2, da Constituição da República e ainda quanto aos últimos a alínea a) do nº 1 do artigo 59º' da mesma Constituição, o recorrente disse que
'a inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente na alegação do recurso de revista e nas conclusões 10, 15 e 16 daquela'.
O relator, por entender que não podia conhecer-se do recurso, por falta de verificação dos respectivos pressupostos, proferiu decisão sumária nesse sentido.
2. Notificado da decisão sumária de não conhecimento do recurso, vem agora o recorrente reclamar para a conferência, pedindo que se conheça do mesmo.
O recorrente diz, em síntese, que – contrariamente ao que consta da decisão sumária reclamada – ele suscitou, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade; e, que, no requerimento de interposição de recurso, indicou, de forma clara e perceptível, a interpretação dos preceitos legais
(atrás indicados) que tem por violadora da Constituição. E que, por isso, poderia justificar-se, 'quando muito, [...] um despacho de aperfeiçoamento'; nunca, o não conhecimento do recurso.
A RECORRIDA respondeu dizendo que a reclamação deve ser totalmente desatendida.
3. Cumpre decidir. II. Fundamentos:
4. Escreveu-se na decisão sumária reclamada: De facto, o recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, entre o mais, que o recorrente suscite, durante o processo, 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer', a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica e que, não obstante isso, a decisão recorrida a aplique como sua ratio decidendi [cf. artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional]. Ora, no caso, o recorrente não suscitou, durante o processo e de modo processualmente adequado, a inconstitucionalidade das normas que pretende ver apreciadas ratione constitutionis, cuja interpretação, de resto, ele nem sequer enuncia no requerimento de recurso, em termos de o Tribunal a poder indicar na sua decisão, no caso de a vir a julgar inconstitucional. O que ele fez foi o seguinte:
(a). quanto ao artigo 26º do Decreto-Lei nº 358/89, disse que 'a solução seguida no douto acórdão recorrido infringe por forma expressa as disposições dos artigos 26º e seguintes do Decreto-Lei nº 358/89, e nesta medida viola os princípios constitucionais de justiça e proporcionalidade' (conclusão 10); e, mais adiante, acrescentou: 'além disso o acórdão recorrido viola as disposições do nº 7 do artigo 27º da LCT, artigos 26º e seguintes do Decreto-Lei 358/89
[...]' (conclusão 16);
(b). quanto à questão dos turnos – e, assim, quanto aos artigos 82º e 21º, nº 1, alínea c), da Lei do Contrato de Trabalho -, disse que, 'nesta parte de igual modo quanto ao que atrás se disse o douto acórdão recorrido viola os princípios constitucionais de justiça e da proporcionalidade e da retribuição do trabalho'
(conclusão 15). Vale isto por dizer que o recorrente – para além de não indicar, de forma clara e perceptível, a interpretação dos preceitos legais (atrás apontados) que tem por violadora da Constituição -, na alegação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não imputou a inconstitucionalidade a essas interpretações. Tal vício imputou-o, isso sim, ao acórdão de que então recorria, ao qual também imputou violação do artigo 26º citado. Ora, como é sabido, este Tribunal apenas pode apreciar a constitucionalidade de normas jurídicas, e não a das decisões judiciais recorridas consideradas em si mesmas.
5. A decisão sumária reclamada não merece censura, pois, como resulta claramente das passagens da alegação nela transcritas, não se verifica um pressuposto essencial ao conhecimento do recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, que é o ter o recorrente suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça a inconstitucionalidade das interpretações dos preceitos legais indicados de início, que ele pretende ver apreciadas ratione constitutionis, de modo processualmente adequado, em termos de o Supremo estar obrigado a dela conhecer. E, por isso, não pode, de facto, conhecer-se do recurso.
O reclamante, de resto, embora o não diga, acaba por reconhecer que, em parte alguma das alegações, ele imputou a inconstitucionalidade a qualquer interpretação do artigo 24º, nº 1, da Lei do Contrato de Trabalho, do artigo
26º, nº 2, alínea b), da Lei do Trabalho Temporário, ou dos artigos 82º e 21º, nº 1, alínea c), da Lei do Contrato de Trabalho. O recorrente diz, na verdade, que, quando afirma que 'a solução seguida no douto acórdão recorrido' ou que o
'acórdão recorrido' viola a Constituição, 'usa uma expressão imprópria', pois o que pretendia dizer era 'que a interpretação pelo tribunal recorrido das disposições ordinárias que refere viola aqueles princípios e regras constitucionais'. E acrescenta que esse seu propósito de questionar a constitucionalidade da interpretação dos ditos preceitos legais 'se encontra claramente implícito'.
Como o recorrente não suscitou, de modo processualmente adequado, perante o Supremo Tribunal de Justiça, a inconstitucionalidade de qualquer interpretação dos mencionados preceitos legais (ao artigo 24º, nº 1, da Lei do Contrato de Trabalho nem sequer ele se referiu), era inútil convidá-lo a aperfeiçoar o requerimento de recurso, designadamente para vir indicar a interpretação de cada um de tais preceitos, de modo claro e perceptível, em termos de permitir a este Tribunal enunciá-la na sua decisão, na eventualidade de a julgar inconstitucional. No caso, o convite para aperfeiçoamento só faria sentido, se ele pudesse servir para o recorrente suprir a falta de cumprimento atempado do
ónus da suscitação da questão da inconstitucionalidade, durante o processo. Essa, porém, não é a sua finalidade. Faltando o apontado pressuposto do recurso, é inútil qualquer discussão à volta da questão de saber se o recorrente, no requerimento de interposição do mesmo, enunciou a interpretação dos preceitos legais, que pretendia ver apreciada ratione constitutionis, de forma clara e perceptível, em termos de o Tribunal a poder enunciar na decisão, no caso de a vir a julgar inconstitucional.
Resta, por isso, indeferir a reclamação apresentada, confirmando a decisão reclamada.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a).indeferir a reclamação e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso;
(b). condenar o recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2001 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida