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Procº nº 226/99.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 30 de Dezembro de 1998 o Secretário da Comissão Nacional de Eleições lavrou auto em que se dava notícia de que a lista de cidadãos eleitores denominada U... e concorrente à eleição dos órgãos da freguesia de Atães, não prestou as contas eleitorais, sendo que a proclamação oficial dos resultados decorrentes de tal eleição foi levada a efeito por intermédio de publicação ocorrida no Diário da República, nº 51, I Série-B, Suplemento, de 2 de Março de
1998.
Tendo, por despacho, sem data, proferido pelo Presidente daquela Comissão, sido ordenada a notificação da primeira proponente da aludida lista para, no prazo de oito dias úteis, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe era imputável (a decorrente das disposições combinadas dos artigos 20º, nº
1, 19º, nº 1, e 25º, nº 1, todos da Lei nº 72/93, de 30 de Novembro), veio a notificada, M..., propugnando pelo 'arquivamento dos autos', invocar que desconhecia 'completamente a sua eventual responsabilidade no cometimento do ilícito', por isso que não sabia se figurava 'como primeira proponente da lista' e que desconhecia 'também por inteiro qualquer obrigação que sobre si impendia', já que 'não fez campanha eleitoral nem foi candidata, limitando-se em todo o processo a exercer o seu direito cívico de votar', e que possuía 'como nível de instrução, a 4ª classe', era doméstica, tinha dois filhos menores, vivendo o seu agregado familiar daquilo que auferia seu marido, funcionário da Câmara Municipal de Vila Verde, no montante de Esc. 73.000$00.
Por despacho de 3 de Março de 1999, prolatado pelo mesmo Presidente, considerando-se como tendo sido praticada a contra-ordenação acima indicada, disse-se:-
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5 – Refere a arguida, na sua resposta que desconhecia a obrigatoriedade de prestação de contas.
Houve a preocupação desta Comissão de fazer chegar ao conhecimento de todos os intervenientes a necessidade de cumprimento deste dever. Nomeadamente, antes de iniciado o prazo de apresentação de candidaturas, enviou para os tribunais onde elas se verificariam um folheto explicativo da necessidade de serem prestadas contas, ainda que não tivessem sido movimentadas verbas de receitas e despesas, com o pedido de esses tribunais entregarem a cada uma das candidaturas, cópias desses folhetos.
De resto, nunca poderá deixar de ser censurável o desconhecimento da lei para quem se prepara para intervir num acto eleitoral e se limita a assinar documentos que outros lhe apresentam, sem cuidar de se inteirar do seu conteúdo e das responsabilidades em que poderia incorrer.
6 – Nestes termos, julga-se verificada a contra-ordenação ao art. 20º da Lei 72/93 de 16 de Novembro.
Não estão apuradas circunstâncias que agravem ou atenuem a sua responsabilidade, além da invocada de não terem sido movimentadas verbas em dinheiro durante a campanha eleitoral, que nitidamente reduz muitíssimo a ilicitude do facto.
Por isso, fixando o montante no seu mínimo legal, aplico a Sr.ª M... a coima do valor de um salário mínimo nacional.
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2. É desta decisão que, pela acoimada, vem interposto o vertente recurso, ao abrigo do disposto no nº 3 do art.º 26º da Lei nº 72/93, invocando os seguintes «fundamentos»:-
'1. – A reclamante é pobre, não possuindo quaisquer bens ou rendimentos, vivendo do magro salário do seu marido, com o qual provê a todas as despesas do seu lar.
2. – No uso dos seus direitos de cidadania, subscreveu, como primeira proponente, a respectiva lista para apresentação da candidatura de independentes
‘V – U..., desconhecendo inteiramente quaisquer das consequências deste seu acto.
3. – Não sabia, nem tinha obrigação de saber que este seu contributo ao funcionamento da democracia, poder-lhe-ia acarretar prejuízos materiais e,
4. – por outro lado, desconhecia por completo, a obrigatoriedade de apresentar contas, que inexistiram, conforme alegou já quando do accionamento do seu direito de defesa.
5. – Na situação em mérito não resulta qualquer conduta dolosa, dada a manifesta falta de intencionalidade,
6. – nem tão pouco poderá, à recorrente, ser assacada qualquer responsabilidade em sede de negligência ou mera culpa.
7. – Inexiste, assim, qualquer ilicitude na conduta da recorrente, constituindo a aplicação da coima referida nos autos, um excesso do ‘rigor legal’ que afastará por certo, os cidadãos da vida participativa.
8. – É consabido que, em ilícito contra-ordenacional, a coima aplicável, deverá ser graduada tendo em consideração os seguintes parâmetros: a. gravidade da conduta; b. culpa; c. benefício económico resultante do comportamento típico.
9. – Ora, na situação ‘sub judice’ decorre insofismavelmente que a conduta da recorrente, por falta de consciência da ilicitude não é grave;
10. – Inexiste, como se alegou já, culpa, em sede de dolo ou de negligência, e
11. – também não decorreu para a mesma suplicante, qualquer vantagem patrimonial ou moral que viesse a enriquecer o seu domínio.
12. – É, pois, indiscutível que se não encontram preenchidos os factores para a aplicação da coima ou que fundamentam a sanção pecuniária ora em recurso.
13. – Porque no direito de mera ordenação social são subsumíveis, por força do disposto no art.º 41º do Dec-Lei n.º 244/95, os preceitos reguladores do processo criminal, é intuível pela matéria factual exposta fosse de aplicar, porque conforme ao Direito, a pena de admoestação, prescrita na lei quadro supra referida.
14. – E tal sanção será perfeitamente adequada, tendo em conta o princípio da justiça e da proporcionalidade.
15. – Finalmente, a confirmação da decisão, ora recorrida, terá sequelas que repercutirão no afastamento dos cidadãos do processo eleitoral.
16. – Conclusivamente, a recorrente, reclama a revogação da sanção aplicada, convolando-a na aplicação de uma admoestação. Conclusão: A sanção recorrida viola o princípio da justiça e da proporcionalidade; Inexiste qualquer comportamento doloso ou negligente da recorrente que determine a aplicação daquela punição. A recorrente actuou, sem consciência da ilicitude do acto, pelo que deverá ser a mesma absolvida ou, por mera cautela, ser-lhe aplicada uma pena de admoestação.'
Cumpre decidir, porquanto se não divisam obstáculos ao conhecimento do recurso.
3. São, em boa verdade, duas as questões com que a recorrente esgrime para impugnar a coima que lhe foi aplicada: a primeira, a título principal, consiste no não preenchimento de um dos elementos típicos da contra-ordenação que lhe foi imputada, ou seja, o dolo, porquanto teria, ela recorrente, actuado sem consciência de que sobre si impendia o dever de prestar contas; a segunda, a título subsidiário, na eventualidade de ser considerada como não procedente aquela primeira linha de impugnação, propugnando pela substituição da coima aplicada pela sanção de «admoestação».
Volvamos a atenção para aquela primeira linha.
3.1. De harmonia com o disposto no artº 9º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro (redacção emergente do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro), [a]ge sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável e, caso o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada.
Sendo isto assim, a questão que se coloca é a de saber se os elementos que se extraem dos autos apontam no sentido de que a «falta de consciência da ilicitude» invocada pela impugnante, ou, melhor dizendo, se a sua actuação consistente na falta de apresentação de contas, por alegadamente desconhecer que um tal dever sobre si recaía, é algo que não deve ser sujeito a um juízo de reprovação, por não ser, atenta a pessoa da recorrente e o contexto sócio-económico em que se insere, exigível que o conhecimento daquele dever se impusesse no caso.
Pois bem.
No despacho aplicativo da coima, o Presidente da Comissão Nacional de Eleições vincou que a mesma fez chegar ao conhecimento de todos os intervenientes a necessidade de cumprimento do dever de os responsáveis pela elaboração e apresentação de candidaturas, nomeadamente o primeiro proponente de cada grupo de cidadãos eleitores, prestarem a tal Comissão contas discriminadas da sua campanha eleitoral, ainda que não tivessem sido movimentadas quaisquer verbas, o que ocorreu por intermédio de um «folheto» que a dita Comissão enviou para os tribunais antes de iniciado o prazo para apresentação das candidaturas, com o pedido de, desse «folheto», ser entregue cópia a cada uma das candidaturas.
Como se extrai do transcrito requerimento de interposição do vertente recurso, a ora impugnante não põe minimamente em causa as asserções constantes do aludido despacho no ponto em que vincam a circunstância fáctica referida imediatamente acima, sendo que, de outra banda, este Tribunal não dispõe do mais ténue elemento que lhe permita questionar a ocorrência de tal circunstância que, consequentemente, terá de aceitar.
Vale isto por dizer que destes autos se retira que a recorrente teve oportunidade de conhecer quais os deveres decorrentes da candidatura de que foi primeira proponente.
Não se pode, consequentemente, arredar a consideração de que a mesma, apesar de desfrutar de tal oportunidade, se alheou do cumprimento da mencionada obrigação por razões que, aliás, se não descortinam com verdadeira exactidão dos elementos dos autos, salvo, como é óbvio, a sua própria alegação constante do requerimento de interposição de recurso, entre a qual avulta a de, ao fim e ao resto, não ter havido qualquer movimentação de quantias quanto à campanha, sublinhando-se, igualmente, à míngua de dados de facto extraíveis do processo em tal sentido, que se não pode, sem mais, sustentar que a impugnante actuou com uma recta consciência ético- -jurídica iluminada pelo intuito de prosseguir exigências ou vias juridicamente relevantes.
Mas, navegando nessa senda, então o que, propriamente, se desenha - tendo em atenção o conhecimento que foi transmitido pela Comissão Nacional de Eleições e de que dá conta o despacho sub iudicio - é que a falsa representação da recorrente sobre a efectiva obrigação, no caso (atendendo ao que no precedente parágrafo se expôs), em prestar as contas, se deve perspectivar como passível de um juízo de censura dirigido ao processo intelectivo dela, recorrente.
Significa isso, em rectas contas, que, admitindo o Tribunal que a acção omitiva levada a cabo pela recorrente se não deveu a um engano sobre um elemento típico do ilícito pelo qual ela veio a ser punida e, por outro lado, porque, como se disse, se não comprovou que tal acção fosse alcançada com um propósito de correspondência a um ponto de vista de valor juridicamente relevante ou que a obrigatoriedade de apresentação de contas se desenhava como discutível e controvertida, então haverá de concluir que a falada falsa representação se deve colocar como algo imputável à mesma recorrente em termos de merecer um juízo de reprovação. Isto aponta, pois, para que se considere que, da banda da recorrente, teria havido um erro censurável
Ao assentar em tais permissas, poderia o Tribunal, desde logo, ser levado a entender que, no caso sub specie, seria convocável o que se estatui no nº 2 do já citado artº 9º do Decreto-Lei nº 433/82 (indicada redacção), podendo, em consequência, lançar-se mão do prescrito no nº 3 do artº 18º do mesmo diploma.
3.1. Porém, no despacho sob censura, atendeu-se às circunstâncias, depoentes a favor da recorrente, de, por um lado, não terem sido movimentadas verbas em dinheiro durante a campanha eleitoral (o que aí, de modo nítido, se considerou como reduzindo muitíssimo a ilicitude do facto) e, por outro, que a mesma padece de dificuldades económicas.
Aceita-se que a impugnante, como veio a dizer nos autos, é doméstica, vive em economia comum com seu marido e dois filhos menores, todos sendo suportados pelo vencimento daquele no montante de Esc. 73.000$00 mensais e com o qual provê todo o agregado familiar.
A isto acresce que se não deve passar em claro a circunstância de as disposições legais que impõem o dever de prestação de contas e referentemente às eleições para os órgão autárquicos, tão só se terem aplicado, pela primeira vez,
às eleições ocorridas em 1997, razão pela qual se pode concluir que um tal dever ainda se não encontraria clara e profundamente enraizado na consciência dos promotores das candidaturas.
Neste contexto, todo o circunstancionalismo aceite por este órgão de administração de justiça aconselha que, independentemente do uso da faculdade prescrita no dito nº 3 do artº 18º, de que o Tribunal se poderia servir, lance ele mão do poder de dispensar a aplicação da pena, tal como se encontra prescrito no nº 1 do artº 74º do Código Penal, até porque daquele condicionalismo se extrai a concorrência das situações indicadas nas diversas alíneas da mencionada disposição.
4. Em face do exposto, ponderando o disposto nos artigos 1º, 9º, nº
2, e 32º, todos do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção emergente do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, e 74º, nº 1, do Código Penal, concedendo-se, em parte, provimento ao recurso, considera-se a recorrente M... culpada da autoria do ilícito previsto e punido nas disposições conjugadas dos artigos 20, nº 1, 19º, nº 1, e 25º, nº 1, todos da Lei nº 72/93, não se lhe aplicando, todavia, a coima correspondente a esse ilícito.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em uma unidade de conta [artº 87º, nº 1, alínea d) do Código das Custas Judiciais].
Lisboa, 8 de Julho de 1999. Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício Messias Bento José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) Declaração de voto Votei vencida o presente Acórdão pelos fundamentos seguintes:
A Os fundamentos da decisão recorrida e os factos provados
1. A recorrente nos presentes autos foi a primeira subscritora da lista de cidadãos eleitores denominada U..., concorrente às eleições autárquicas de 14 de Dezembro de 1997. Tendo sido condenada pela prática de uma contra-ordenação referente à não prestação de contas à Comissão Nacional de Eleições (cf. artigos
19º, nº 1, 20º, nº 1, e 25º, nº 1, da Lei nº 72/93, de 30 de Novembro), alega o desconhecimento da obrigação de prestação de contas que sobre si impendia.
Na decisão recorrida afirma-se ter havido a preocupação de fazer chegar ao conhecimento de todos os intervenientes o conhecimento do dever legal de prestação de contas, através do envio para os tribunais de um folheto explicativo.
Todavia, dos autos não resulta com segurança que tenha existido um efectivo conhecimento e compreensão por parte da recorrente de todos os deveres inerentes ao acto de subscrição de uma lista de cidadãos eleitores. Na verdade, os elementos constantes do processo apenas permitem concluir com segurança que foram criadas condições gerais e exteriores pela Comissão Nacional de Eleições para que os membros das listas tomassem conhecimento dos respectivos deveres legais. A subscrição da lista por parte da ora recorrente consubstanciou um primeiro acto de participação política, eventualmente isolado, já que a actividade da recorrente é a de 'doméstica'. A lista não realizou nem despesas nem receitas durante a campanha. Por último, o critério legal de determinação do responsável pela infracção (o primeiro subscritor da lista) não consubstancia, do ponto de vista racional, o único critério possível, nem mesmo um critério absolutamente previsível. Assim, trata-se de um regime novo, aplicado a uma lista de cidadãos eleitores (e não, por exemplo, a um partido, com uma organização tendencialmente mais eficaz) que não efectuou despesas nem obteve receitas (não havendo, nessa medida, contacto com questões pecuniárias), sendo responsável pela infracção o primeiro subscritor da lista (diferentemente do que acontece com os partidos). A decisão condenatória, porém, não se fundamenta na prova do efectivo conhecimento da obrigação de prestar contas por parte da arguida. Não considera, consequentemente, os elementos referidos. Todavia, todos estes elementos fundamentam a subsistência de uma dúvida plausível desde logo acerca da representação intelectual por parte da arguida das obrigações emergentes da prática do acto de subscrição de uma lista concorrente às eleições autárquicas, nomeadamente da obrigação (que impende sobre o primeiro subscritor) de realizar e de apresentar as contas da campanha à Comissão Nacional de Eleições ou pelo menos de um conhecimento preciso dos termos daquela obrigação. Finalmente, o não conhecimento efectivo ou pelo menos o não conhecimento preciso do comando legal não correspondeu a uma atitude de indiferença ou necessariamente à falta de comportamento adequado a obter a informação necessária, tendo em conta as particulares condições de participação política de arguida, a sua inexperiência e o facto de não terem existido receitas e despesas associadas à candidatura.
Deste modo, ter-se-á que concluir que dos factos provados não resulta um conhecimento preciso da proibição legal no caso concreto nem uma consciência clara da prática de um acto ilícito punível com uma coima.
B A qualificação jurídica dos factos
2. Considerando não ter sido provado que a arguida conhecia rigorosamente a necessidade de prestar contas à Comissão Nacional de Eleições, no seu caso concreto, estaremos perante um mero desfasamento entre a valoração que faz de uma determinada obrigação que sobre si impende e a valoração efectivamente vigente no ordenamento jurídico, configurada no Decreto-Lei nº
433/82 (artigo 9º) e no Código Penal (artigo 17º) como um erro sobre a ilicitude?
No caso concreto, o conhecimento impreciso impede uma verificação das condições de liberdade de motivação pelo Direito. Trata-se de uma situação que se coloca necessária e logicamente antes da directa falta da consciência da ilicitude, na medida em que o agente, nesta situação, não tem acesso a todos os elementos razoavelmente indispensáveis à formação da sua consciência jurídica. Consequentemente, não estará em causa a censura da deficiente formação da consciência jurídica do agente (o que Figueiredo Dias designa como erro de valoração - cf. Problema da Consciência da Ilicitude no Direito Penal, 4ª edição, 1995, p. 396 e ss), mas sim um eventual incumprimento de um dever de diligência na apreensão de todos os elementos objectivos necessários à formação dessa consciência. Teria, portanto, aplicação nos autos o disposto no artigo 8º, nº 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro).
Ora, o artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, estabelece que só
é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos previstos na lei, com negligência. Uma vez que o artigo 25º, nº 1, da Lei nº 72/93, de 30 de Novembro, não prevê a negligência, a contra-ordenação aí prevista é necessariamente dolosa. Desse modo, nos termos do referido artigo 8º, nº 2, haverá que concluir pela exclusão do dolo e da responsabilidade contra-ordenacional.
3. Mas mesmo que não se entenda que, no caso sub judice, estamos verdadeiramente perante um erro sobre uma proibição nos termos do artigo 8º, nº
2, do Regime Geral das Contra-Ordenações, cuja natureza é o de um verdadeiro erro sobre a factualidade típica - sendo antes a situação qualificável como erro sobre a ilicitude, por o agente dispor ainda de um conhecimento, embora impreciso, de que aquela actividade esta sujeita a vários deveres legais - sempre haveria que rejeitar a censurabilidade de tal erro.
Com efeito, não resulta da consciência ética geral, naturalmente, que seja necessário prestar contas numa eleição local em que não houve receitas nem despesas. A própria actividade de prestação de contas por parte dos agentes da participação política corresponde a uma exigência de uma democracia desenvolvida, pretendendo regular a isenção da actividade política (no seu desiderato de realização do interesse geral) relativamente a outros sectores do poder social e dos interesses particulares que o sustentam. Deste modo, considerando o facto de estarmos perante eleições locais e a participação de cidadãos sem grande experiência política, não poderemos considerar que esteja associada a um vago ou impreciso conhecimento da lei uma censurável falta de consciência da ilicitude.
Diferentemente de hipóteses em que a consciência da ilicitude que justifica a censura do agente coincide com uma consciência ética comum ou com o mero reconhecimento de que o facto é proibido pelo Estado, neste caso é necessária uma consciência da ilicitude mais precisa, para, de acordo com o princípio da culpa, justificar a censura do facto. A punição pelo ilícito contra-ordenacional, neste caso, estaria suportada meramente pela violação do dever de conhecer as exigências legais e não directamente pela sua violação plenamente consciente e livre.
Ora, não só a contra-ordenação aqui em causa não corresponde a uma mera violação de deveres de cuidado e de conhecimento como também o agente não revelou verdadeiramente menosprezo ou falta de consideração pelos deveres legais, revelando apenas inexperiência e imprecisa compreensão do Direito.
Finalmente, a impregnação deste ilícito contra-ordenacional de uma elevada componente repressiva conduziria, nesta fase de implementação de um novo sistema, a uma forte inibição da actividade política por parte de cidadãos que não têm, à partida, experiência e cultura política desenvolvidas, desmotivando-os ou tornando-os meros exemplos para aprendizagem por outros das regras da participação política.
A fundamentação do ilícito num dever de informação precisa compreende-se quando o agente tenha outras qualificações (nomeadamente por se tratar de partido político) e numa fase mais avançada da participação política ao nível local dos cidadãos no nosso país.
Assim, também em face do disposto no artigo 9º do Decreto-Lei nº
433/82, haveria que concluir que a culpa do agente não seria suficiente para fundamentar um juízo de censurabilidade.
4. Finalmente, não será aceitável afirmar a censurabilidade e vir a dispensar a pena numa situação em que é manifesto que a razão do não sancionamento não é meramente relevante no plano preventivo. Trata-se, antes, de uma situação em que os agentes não dispuseram de todas as condições para em plena inteligência e liberdade se motivarem pelo Direito. A pena de culpa, neste caso, vem a ser justificada meramente num plano de prevenção geral o que contraria o princípio da culpa e a máxima que lhe é inerente de que cada pessoa
é um fim e não um meio para o Direito. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida por entender que, não sendo punível a negligência, como decorre do nº1 do artº 8º do DL 433/82, de 27.10, não foram obtidos elementos probatórios suficientes para concluir no sentido da existência de dolo, sendo certo que não pode o Tribunal presumi-lo). Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto da Consª Maria Fernanda Palma) José Manuel Cardoso da Costa