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Processo n.º 913/03
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Ministério Público recorreu para o Tribunal Constitucional, ao
“ao abrigo do artigo 72º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro” e com
“fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da mesma Lei n.º 28/82”, da sentença do 3º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, de 17 de Junho de 203, constante de fls. 79 e seguintes, que decidiu
“recusar por inconstitucionalidade, por violação do n.º 2 do artigo 103º da Constituição, a aplicação do n.º 3 do artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, na parte em que determina que a taxa sobre comercialização de Produtos de Saúde se quantifica tendo por referência o respectivo preço de venda ao consumidor final” e, em consequência, anulou a liquidação da referida taxa, no montante de € 13.102, 89, referente a Setembro de 2001, impugnada por A..
O recurso foi admitido.
2. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações.
Quanto ao Ministério Público, formulou as seguintes conclusões:
1 – O princípio da reserva de lei fiscal, constante do artigo 103º, n.º 2 – conjugado com o artigo 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa – apenas implica que a lei – editada ou credenciada pelo parlamento – que cria determinado imposto deve determinar (para além dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes) a respectiva incidência e taxa.
2 – A norma constante do n.º 3 do artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, desaplicada na decisão recorrida, ao determinar que a ‘taxa sobre comercialização de produtos de saúde’, ali prevista, incide sobre o volume de vendas de cada produto e tem por referência o respectivo preço de venda ao consumidor final, define, em termos bastantes, a matéria colectável sobre que vão incidir as taxas previstas no n.º 2 do mesmo preceito.
3 – Não viola o princípio da tipicidade ou da legalidade fiscal a circunstância de, vigorando um regime de autoliquidação de tal tributo, o obrigado tributário poder estar em situação de dúvida subjectiva acerca do efectivo preço de venda ao público, praticado no período em causa, carecendo, consequentemente, a referida autoliquidação de assentar num valor presumível ou hipotético.
4 – Tais dificuldades práticas, associadas exclusivamente ao regime de liquidação do tributo, são absolutamente estranhas aos princípios da tipicidade e da legalidade fiscal, não podendo naturalmente nelas fundar-se violação da norma constitucional do artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá proceder o presente recurso.
A recorrida concluiu as alegações do seguinte modo: A. A denominada ‘taxa sobre comercialização de produtos de saúde’ deve ser materialmente qualificada como um verdadeiro e próprio imposto. B. A definição de base de incidência objectiva do imposto, por um lado, e a respectiva liquidação e cobrança, por outro, não podem ser consideradas separadamente, para efeitos de aplicação do princípio da legalidade, sempre que a determinabilidade da primeira seja posta em causa pelo regime legalmente estabelecido para estas últimas. C. O n.º 3 do artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, ao estabelecer que o imposto criado seja autoliquidado no momento da introdução dos produtos de saúde no mercado, implica que a referida autoliquidação seja efectuada pelos respectivos sujeitos passivos sem que estes conheçam o ‘preço de venda ao consumidor final’, ou seja, sem que a base de incidência objectiva do imposto seja determinável por tais sujeitos passivos. D. uma vez que o regime estabelecido no artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000 não permite superar a indeterminabilidade da base de incidência do imposto resultante do sistema de autoliquidação legalmente criado, o número 3 daquele artigo é inconstitucional, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa. E. Na medida em que o imposto criado pelo artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000 implica uma tributação sobre o rendimento de pessoas colectivas, e o n.º 3 do mesmo artigo sujeita os respectivos sujeitos passivos ao pagamento de um valor calculado por referência a um preço estabelecido e recebido por outras entidades que não aqueles sujeitos passivos, este último preceito é inconstitucional, por violação do imperativo resultante do n.º 2 do artigo 104º da Constituição da República Portuguesa, que exige que a tributação das empresas incida fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
3. Constitui o objecto do presente recurso a norma do n.º 3 do artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril (Orçamento de Estado para o ano de
2000), cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida com fundamento em violação do artigo 103º, n.º 2 (princípio da legalidade tributária) da Constituição.
Esta mesmo norma foi, entretanto, apreciada pelo Acórdão n.º
127/2004 deste Tribunal, aprovado em plenário, que decidiu não a julgar inconstitucional. É esta doutrina que agora se reitera.
Assim, nos termos e pelos fundamentos constantes do acórdão n.º
127/2004 deste Tribunal, cuja cópia se junta, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 72º da Lei n.º
3-B/2000, de 4 de Abril; b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida, de acordo com o decidido quanto à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 23 de Março de 2004
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida