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Proc. nº 1068/98
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Fábrica da Igreja Paroquial de XX... (ora reclamante) inconformada com o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 1998, que deu provimento ao recurso para aí interposto pela Freguesia de XX... e outra (ora reclamados), requereu junto daquele Tribunal o julgamento ampliado da revista, nos termos do artigo 732º-A do CPC, porquanto, no seu entender, aquele acórdão se encontrava em manifesta oposição, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito, com dois anteriores acórdãos do mesmo Supremo Tribunal.
2. Recebido o recurso, o Relator do processo naquele Tribunal proferiu o seguinte despacho:
'A pretensão da Requerente de fls. 250 é manifestamente ilegal face ao disposto, nomeadamente, no art. 732º-A do CPC. A pretensão da requerente traduzir-se-ia numa reposição do sistema revogado. Assim, indefere-se o requerido.'
3. Inconformada com o teor daquele despacho a requerente reclamou para a conferência, tendo concluído nos seguintes termos:
'Termos em que deve esta reclamação ser aceite e ser proferido Acórdão pela Conferência, revogando-se o acórdão proferido, cuja revista ampliada se requereu, por inconstitucional e por ter aplicado norma e princípios inconstitucionais por ferir o direito constitucionalmente consagrado da igualdade dos cidadãos perante a lei (art. 13º da CRP), o direito também constitucionalmente consagrado da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP) e por ferir também o disposto no art. 84º da CRP.'
4. O Supremo Tribunal de Justiça, reunido em Conferência, pronunciou-se no sentido do não conhecimento do objecto da reclamação (fls. 29 e segs.), por entender que o despacho reclamado havia transitado em julgado, na medida em que a requerente, na sua reclamação, não o punha em causa, antes pedindo que fosse proferido 'Acórdão pela conferência, revogando-se o referido Acórdão proferido, cuja revista ampliada se requereu'. Ponderou, então, aquele Tribunal:
'Não se pretende a revogação do citado despacho, mas sim a do acórdão que decidiu a questão. Salvo o devido respeito, pretensão singular é esta de, através de uma reclamação para a conferência, se revogar um acórdão. Em parte nenhuma da lei se pode obter apoio para esta solução, mostrando-se francamente ilegal e potencialmente violadora, ela sim, de alguns princípios constitucionais invocados pela reclamante, pois pretende uma solução que pode, efectivamente, considerar-se «sui generis». Da sua posição inicial de pretensão de julgamento ampliado de revista a reclamante evoluiu, após o indeferimento prolatado, para a área novíssima da invocação da densa panóplia de inconstitucionalidades no sentido, surpreendente, de obter a revogação do acórdão proferido nos autos, deduzindo argumentação que vai, toda, nessa perspectiva. Deste modo, queda-se em pleno vigor (inalterável) o questionado despacho, por via do efeito próprio do trânsito em julgado. Na verdade, não chegou a ser impugnado. Contudo, antes de nos pronunciarmos em termos decisórios, sobre tal questão, há que conceder às partes oportunidade de, sem surpresas, sobre ela se pronunciarem'.
5. Notificadas as partes para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a questão prévia que foi colocada, vieram os reclamados aos autos para manifestarem a sua concordância com o explanado no acórdão que antecede, tendo a reclamante, pelo contrário, opinado no sentido de que seria efectivamente de conhecer e julgar procedente o objecto da reclamação.
6. Na sequência foi então proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça decisão, em
9 de Julho de 1998, no sentido do não conhecimento do objecto da reclamação, pelos fundamentos do anterior acórdão de fls. 29 e seguintes; e, consequente, no sentido da manutenção do despacho inicialmente reclamado.
7. Inconformados com o teor daquela decisão os ora reclamantes pretenderam recorrer para o Tribunal Constitucional. Procurava a recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição do recurso, ver apreciada a constitucionalidade do artigo 732º-A do Código de Processo Civil, por considerar que tal norma é violadora dos princípios constitucionais consagrados nos artigos
13º, 20º, nºs 4 e 5 e 22º da Constituição
8. O Relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça decidiu não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional. Fundou-se para tanto na seguinte argumentação:
'A questão que, neste momento, se coloca, não é de natureza constitucionalista. Com efeito, o que está em causa é o trânsito em julgado do despacho de fls. 254 que a recorrente, pelas razões expressas nos dois acórdãos, deixou transitar. Assim, por ilegal, não admito o recurso interposto por via do douto requerimento de fls. 288.'
9. Contra este despacho de não admissão do recurso apresentou a requerente, em
19 de Outubro de 1998, a reclamação para o Tribunal Constitucional que agora se aprecia, aduzindo na exposição das razões que a justificam, em síntese, que não se vê qualquer motivo legal que impeça o Tribunal Constitucional de se pronunciar sobre a questão de inconstitucionalidade suscitada.
10. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência da presente reclamação, por a decisão recorrida não ter aplicado, como ratio decidendi, a norma cuja constitucionalidade a reclamante pretende ver apreciada.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação.
11. O recurso previsto na al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional – que foi o interposto pela ora reclamante – pressupõe, para além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica – ou de uma sua interpretação normativa – e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso. No quadro destes pressupostos do recurso de constitucionalidade que a ora reclamante pretendeu interpor importa começar por averiguar se a decisão recorrida - o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 36 e 37 -, efectivamente aplicou, como ratio decidendi, a norma cuja constitucionalidade a reclamante pretende ver apreciada - o artigo 732º-A do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 329º-A/95, de 12 de Dezembro. Ora, como vai ver-se, é manifesto que não o fez. A decisão que efectivamente aplicou o artigo 732º-A do Código de Processo Civil revisto foi o despacho do Relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça, de
20 de Março de 1998 (fls. 14) que indeferiu, com fundamento na sua manifesta ilegalidade - em face, nomeadamente, daquele artigo 732º-A -, a pretensão da ora reclamante em obter o julgamento ampliado da revista já após a prolação pelo Supremo Tribunal de Justiça do acórdão que havia julgado o recurso. Entendeu, porém, a decisão recorrida, aderindo aos fundamentos da decisão de fls. 29 e seguintes, que havia uma questão prévia que obstava ao conhecimento do objecto da reclamação, traduzida na circunstância de a reclamante não ter impugnou o despacho reclamado, como devia, mas o acórdão do STJ que julgou o recurso, tendo, em consequência, deixado transitar em julgado aquele despacho. Na sequência desse entendimento o Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre o mérito do despacho reclamado – que havia aplicado, como ratio decidendi, o artigo 732º-A do CPC revisto – limitando-se a constatar que, pelas razões enunciadas no acórdão de fls. 29, que supra já transcrevemos, aquele havia já transitado em julgado. Ora, ao decidir nestes termos, manifestamente não aplicou a decisão recorrida a norma cuja constitucionalidade a reclamante pretendia ver apreciada, pelo que falta efectivamente um dos pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de constitucionalidade que a reclamante pretendeu interpor.
III – Decisão Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 23 de Junho de 1999- José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida