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Processo nº 65/00
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Ministério Público veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional,
'ao abrigo do disposto nos artºs 3º, nº 1, al. f) e nº 2 da Lei nº 60/98, de
7/8, 219º e 280º, nº 1, al. a) e nº 3 da C.R.P. e 70º, al. a) da Lei nº 28/82, de 15/11', da sentença do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto (3º Juízo), de 26 de Março de 1999, 'porquanto foi declarada a inconstitucionalidade de normas do Regulamento Municipal de Obras da Câmara Municipal do Porto'.
2. Nas suas alegações o Ministério Público recorrente começou por delimitar o objecto do recurso nestes termos:
'Inconformado com a liquidação, pela Câmara Municipal do Porto, da taxa de urbanização, decorrente de construção de um imóvel, previamente licenciada, MC impugnou tal acto perante o TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE 1ª INSTÂNCIA DO PORTO. A decisão recorrida considerou que a referida taxa de urbanização – liquidada nos termos dos artigos 97º, 98º, 99º, nº 1, alínea b) e nº 2, alíneas a) e b) e
102º, nºs 1 e 3 do Regulamento Municipal de Obras daquela autarquia (cfr., fls.
18 dos autos) – ‘tem, pelo menos, a natureza de tributo especial, se não mesmo de imposto, havendo em qualquer uma das situações que receber tratamento jurídico equiparado ao do imposto’; daí que se considerasse padecerem de
‘inconstitucionalidade orgânica e formal’, nos termos do disposto nos artigos
106º, nº 3, e 168º, nº 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa as normas regulamentares, editadas pela assembleia municipal da autarquia, que instituíram tal taxa, fixando as regras da sua incidência, liquidação e cobrança'. E, depois concluiu-as assim:
'1º - Como se decidiu no acórdão nº 639/95 do Plenário deste Tribunal Constitucional, é lícito às autarquias locais o estabelecimento e cobrança de taxas de urbanização, como contrapartida da efectiva realização de infra--estruturas urbanísticas que visem facultar aos munícipes a normal utilização das obras por eles realizadas, na sequência de anterior licenciamento.
2º - Tais receitas – independentemente do modo 'presumido' como são calculadas, com base em índices estabelecidos em regulamento – têm natureza e estrutura sinalagmática, não se configurando como 'impostos', cujo estabelecimento está obviamente vedado às autarquias locais.
3º - A eventual não realização efectiva e pontual pela autarquia da contrapartida ou contraprestação que decorre do pagamento da referida taxa de urbanização, não a transmuta em imposto, apenas facultando ao particular a via da acção de incumprimento ou de restituição das quantias pagas.
4º - Termos em que deverá proceder o presente recurso'. Com as alegações veio requerer 'ao abrigo do disposto no artigo 706º, nº 2, do Código de Processo Civil, a junção aos autos do parecer elaborado pelo Prof. Freitas do Amaral, a solicitação da Câmara Municipal do Porto, - aliás, citado pela decisão impugnada – e que nos foi facultado por aquela autarquia'.
3. Contra alegou o ora recorrido MC, com os sinais identificadores dos autos, concluindo deste modo:
'1º. A denominada ‘taxa de urbanização’ do município do Porto, constante do Regulamento Municipal de Obras aprovado pela respectiva Assembleia Municipal e publicado através dos editais 11/89 e 1/92, não tem a natureza jurídica de taxa mas a de imposto ou de tributo especial;
2°. Por esta sua natureza de imposto a criação e as alterações da dita ‘taxa’ não cabem na competência da Assembleia Municipal que aprovou o dito Regulamento e as suas subsequentes alterações, mas na da Assembleia da Republica (CRP , art.
165°, nº 1, i));
3°. Este Regulamento está, por isso, nesta parte, ferido de inconstitucionalidade orgânica, por violação, em especial, do disposto nos arts.
103°, nºs. 2 e 3, e 238°., nºs. 2 e 4 da CRP (antigos arts. 106°. e 240°. respectivamente );
4°. A douta sentença recorrida julgou correctamente ao decidir no sentido da inconstitucionalidade orgânica e formal das correspondentes normas do referido Regulamento Municipal de Obras que ‘instituíram a taxa de urbanização fixando as regras da sua incidência, liquidação e cobrança’ por terem sido aprovadas pela Assembleia Municipal do Porto, órgão para tanto incompetente (CRP, art. 106°., nº.3 e 165°., n°.1, i)). Nestes termos e nos mais que serão doutamente supridos deverão Vossas Excelências Senhores Conselheiros julgar total e absolutamente improcedente o presente recurso.'
4. Tudo visto, cumpre decidir. As normas questionadas, que a sentença recorrida transcreve e o Ministério Público recorrente delimitou nas suas alegações, 'instituíram a taxa de urbanização, fixando as regras da sua incidência, liquidação e cobrança', na expressão da sentença, correspondendo assim, no essencial, às normas constantes do artigo 1º, 2º, 3º, 5º e 7º, do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Câmara Municipal da Póvoa do Varzim, aprovado em 2 de Maio de 1990 e alterado em 30 de Junho de 1993 e em 3 de Maio de 1995, objecto do Processo nº 364/99, em caso similar ao destes autos. Ora, o Tribunal Constitucional já se pronunciou nesse processo no sentido da não inconstitucionalidade, 'por violação do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 106º, e alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição', das citadas normas dos artigos 1º, 2º, e 3º e fê-lo no acórdão nº 410/2000, tirado em sessão plenária, publicado no Diário da República, II Série, nº 270, de 22 de Novembro de 2000. Assim sendo, impõe-se que, in casu, na sequência da doutrina fixada por aquele acórdão e em aplicação dela, se conclua aqui também pela não desconformidade das normas constantes dos artigos já identificados do Regulamento Municipal de Obras da Câmara Municipal do Porto, aprovado nas reuniões daquela Câmara, de 6 de Abril de 1989 e da Assembleia Municipal, de 5 de Junho de 1989 (tornado público pelos editais nºs 11/89 e 1/92 e publicado no Boletim nº 2786). Assim se decidiu já, no tocante àquele Regulamento, e às mesmas normas, no acórdão nº 501/2000, publicado no Diário da República, II série, nº 3 de 4 de Janeiro de 2001, com este entendimento: 'Dada a semelhança entre a questão então decidida e a que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade, verifica- se que os fundamentos e a decisão do Acórdão nº 410/2000 são, mutatis mutandis, transponíveis para os presentes autos' Com o que, sob este aspecto, assiste razão ao Ministério Público recorrente.
5. Registe-se, todavia, que o Tribunal Constitucional pronunciou-se também sobre o mesmo Regulamento Municipal de Obras – o Regulamento acima identificado -, na versão originária, e entendeu que ele 'não continha a referência à lei habilitante' e, nessa medida, 'violava o artigo 115º, nº 7, da Constituição, na redacção então em vigor, enfermando de inconstitucionalidade formal'. Fê-lo no citado acórdão nº 501/2000, num processo análogo, vindo também do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, e tendo por objecto as mesmas normas que aqui estão igualmente em questão (nesse processo o Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade 'para apreciação da conformidade à Constituição
‘das normas do Regulamento Municipal de Obras da Câmara Municipal do Porto que criam e dispõem sobre a liquidação da referida taxa, nomeadamente os artigos 97º a 102º de tal Regulamento’').
Remetendo, pois, para os fundamentos desse acórdão nº 501/2000 – incluindo o ponto em que nele se conclui pela improcedência do 'argumento de sanação retroactiva de inconstitucionalidade formal que afectaria a decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal' – e não havendo motivo para deles divergir, haveria apenas que repetir nestes autos o mesmo juízo de inconstitucionalidade formal. Só que o acto de liquidação, in casu, ocorreu posteriormente à deliberação rectificativa de 27 de Maio de 1997 – mais precisamente, em 23 de Setembro de 1997 – e, por isso, quando já constava do Regulamento a respectiva lei habilitante, pelo que não pode falar-se aqui em inconstitucionalidade formal.
6. Termos em que, DECIDINDO, concede-se provimento ao recurso, devendo ser reformada a sentença recorrida, de acordo com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 31 de Janeiro de 2001- Guilherme da Fonseca Bravo Serra Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa