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Proc. nº 41/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.1. - Nos autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante, o Centro C... interpôs recurso para o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 763º e seguintes do Código de Processo Civil, não se conformando com o acórdão da Relação do Porto, de 4 de Julho de 1992, que concedeu provimento aos recursos dos apelantes e expropriados D... e mulher, MN..., e MP.... Alegou, para o efeito, que o acórdão - ao não considerar aplicáveis os artigos
36º, nº 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de
11 de Dezembro, e 1099º, nº 1, do Código Civil, e ao ordenar a repetição dos actos dos peritos para consideração do prejuízo sofrido pelos expropriados ante a impossibilidade notória de conseguirem rendas semelhantes às que vinham pagando e para atenderem a valores actuais - está em manifesta oposição, no domínio da mesma legislação, sobre as mesmas questões fundamentais de direito, com outros acórdãos que identificou e dos quais juntou certidões.
1.2. - O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão interlocutório de 5 de Maio de
1994, reconheceu a existência de oposição de julgados relativamente a duas das três questões enunciadas pelo recorrente:
a questão de saber se à indemnização prevista para o inquilino habitacional,
em caso de expropriação por utilidade pública do prédio locado, é ou não
aplicável o disposto no artigo 1099º, nº 1, do Código Civil, por força do
preceituado no artigo 36º, nº 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo
Decreto-Lei nº 845/76, citado (acórdão fundamento, o da Relação de Lisboa,
de 29 de Maio de 1979, junto - sumariado no Boletim do Ministério da
Justiça, nº 293, pág. 420);
a questão de saber se a determinação do montante da indemnização se reporta
à data da expropriação, à da arbitragem ou à data do acto dos peritos
(servindo de acórdão fundamento o da Relação de Évora, de 29 de Março de
1979, junto, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano IV, tomo II,
pág. 385). Aquele Alto Tribunal não reconheceu, desde logo, existir oposição de julgados relativamente a terceira questão, relacionada com a relação locatícia existente entre o recorrente e a recorrida MP..., ou seja, quanto à questão de saber se as rendas relativas a novo arrendamento são ou não atendíveis nas indemnizações aos arrendatários para comércio e indústria cujos contratos de arrendamento caducaram por expropriação por utilidade pública (acórdão fundamento, o da Relação do Porto, de 15 de Outubro de 1987, publicado na Colectânea citada, ano XII, tomo IV, pág. 238).
2.1. - Deste modo prosseguiram os autos seus trâmites - com exclusão desta
última recorrida - culminando no acórdão, de Pleno, de 4 de Dezembro de 1996. Aqui, considerou-se a publicação entretanto ocorrida do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que, no seu artigo 3º, revogou o disposto nos artigos 763º a
770º do Código de Processo Civil, com efeitos imediatos, de acordo com o nº 1 do artigo 17º desse diploma, pelo que, nos termos do nº 3 deste preceito, o objecto do recurso se circunscreve à resolução em concreto do conflito e à uniformização da jurisprudência, após o que o acórdão julgou findo o recurso quanto à segunda das questões admitidas, por não reconhecer oposição entre os arestos convocados, para efeitos de recurso para o Tribunal Pleno. E, num segundo momento, uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
'Na vigência do Código das Expropriações constante do Decreto-Lei nº 845/76, de
11 de Dezembro, à indemnização devida ao locatário habitacional cujo contrato caducou em consequência de expropriação por utilidade pública, é aplicável o disposto nas normas conjugadas dos artigos 36º, nº 2, daquele Código e 1099º, nº
1, do Código Civil - posteriormente, artigo 72º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro - excepto na parte em que limitam a indemnização em montante nunca superior ou equivalente a dois anos e meio de renda à data da desocupação, por se considerarem materialmente inconstitucionais.'
2.2. - O juízo do Tribunal Pleno, no que à matéria de constitucionalidade diz respeito, assentou na seguinte fundamentação, que se transcreve:
'Face à remissão para esta norma [a do nº 2 do artigo 36º do Código de 1976 para o nº 1 do artigo 1099º do Código Civil], é devida ao expropriado uma indemnização correspondente a dois anos e meio de renda à data da desocupação do prédio. Montante de indemnização que foi mantido, como se vê das disposições conjugadas dos artigos 67º e 72º, nº 1 do R.A.U., sendo certo que, tendo o artigo 1099º do Código Civil sido revogado pelo artigo 3º, nº 1, alínea a) do Decreto nº 321-B/90, o artigo 4º deste diploma estabeleceu que as remissões feitas para os preceitos revogados consideram-se efectuadas para as correspondentes normas do RAU. Daí que o disposto no artigo 1099º, nº 1 do Código Civil, depois no artigo 72º, nº 1, do RAU, seja aplicável à determinação da indemnização devida ao locatário habitacional cujo contrato de arrendamento caducou em consequência de expropriação por utilidade pública. Haverá, no entanto, quer ter em conta um outro aspecto da questão. Conforme o artigo 207º da Constituição da República Portuguesa, nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados. Nas conclusões da sua alegação no recurso interposto para a Relação, os expropriados Domingos e mulher apontaram para a inconstitucionalidade da norma do artigo 36º, nº 2 do Código das Expropriações ao remeter para o nº 1 do artigo
1099º do Código Civil, ‘na medida em que viola os princípios da igualdade e da justa indemnização, bem como os artigos 27º, 28º e 36º, nº 1 definem princípios e os critérios a acolher quanto à justa indemnização que não é a do artigo 1099º do Código Civil’. E o acórdão recorrido faz a isso alusão quando refere o artigo 29º do vigente Código das Expropriações como interpretativo do direito anterior ao mencionar os elementos a atender para se alcançar justa indemnização. Efectivamente o artigo 62º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa estabelece, além do mais, que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante pagamento de justa indemnização. Por indemnização justa deve entender-se a que corresponde a uma indemnização integral do dano sofrido pelos expropriados, no caso que os compense dos prejuízos sofridos com a caducidade do contrato de arrendamento. Ora, algumas normas do Título IV do Código das Expropriações constante do Decreto nº 845/76, que se ocupava da indemnização, foram pelo Tribunal Constitucional declaradas inconstitucionais, em alguns casos até com força obrigatória geral. Assim: quanto ao artigo 30º, nº 1 – ac. 131/88, de 08.06, no DR, I Série de 29.06.88; quanto ao artigo 30º, nº 2 – ac. 52/90, de 07.03, no DR, I Série de 30.03.90; em relação ao artigo 33º, nº 1 – ac. 210/93, de 16.03, no DR, II Série de 28.05.93 e ac. 264/93, de 30.03, no DR, II Série de 05.08.93. Ainda foram declaradas inconstitucionais, enquanto estabeleciam limites à fixação da indemnização, as seguintes normas: artigo 10º, nº 2 da Lei nº 2030, de 22.06.48 – ac. 37/91, de 14.02, no DR, II Série, de 26.06.91; artigo 9º, nº 1 do Decreto nº 576/70, de 24.11 – ac. 184/92, de 20.05, no DR, II Série, de 18.09.92. E deve servir de critério para determinação da justa indemnização devida ao inquilino habitacional o que se dispõe no artigo 29º, nº 3 do vigente Código das Expropriações, que manda atender ao valor do fogo, ao valor das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e à relação entre as rendas pagas por este e as praticadas no mercado. De resto, o próprio artigo 36º do anterior Código das Expropriações já continha uma disposição que deixava antever que o seu nº 2 podia não satisfazer integralmente os danos suportados pelo expropriado, pois no nº 5 mandava aplicar o estabelecido no nº 2 do artigo 28º e, segundo este, quando os expropriados fiquem, em consequência da expropriação, comprovadamente impossibilitados de obter meios de subsistência equivalentes aos que lhes proporcionavam os bens expropriados, terão direito a uma prestação periódica de natureza assistencial, nos termos que vierem a ser regulamentados. Assim a indemnização a atribuir ao locatário habitacional, prevista então no artigo 1099º, nº 1 do Código Civil e posteriormente no artigo 72º, nº 1 do RAU, em caso de expropriação por utilidade pública, pode vir a revelar-se insuficiente, não se integrando no conceito de justa indemnização referido no artigo 62º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, sendo desse modo aquela disposição legal, enquanto estabelece limite à indemnização, materialmente inconstitucional. E aparenta-se ser isso o que se verifica no caso dos expropriados Domingos e mulher, pois consta do acórdão recorrido que a importância correspondente a 30 vezes a renda mensal é de 70.410$00 – ver fls. 8 vº - tudo indicando que, devido
à caducidade do arrendamento, sofreram prejuízos que ultrapassam esta quantia. Consigna-se que o Tribunal Constitucional, pelo acórdão nº 306/94, de 24 de Março, no Diário da República, II Série, de 29 de Agosto de 1994, declarou inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 24º da Lei nº 76/77, de 29 de Setembro, na parte em que, por remissão para o artigo 26º da mesma Lei, fixa a indemnização devida ao arrendatário rural, no caso de caducidade do arrendamento por expropriação por utilidade pública, em montante nunca superior ao equivalente a um ano de renda'.
3. - Notificado do acórdão, o Ministério Público, junto do Supremo Tribunal de Justiça interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 72º, nº 1, alínea a), e nº 3, e 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, 'porquanto do mesmo aresto se recusou em parte a aplicação dos artigos 36º, nº 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº
845/76, de 11 de Dezembro, e 1099º, nº 1, do Código Civil'. Recebido o recurso, apenas alegou o Ministério Público, como recorrente, tendo concluído no sentido de se dever confirmar o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida, uma vez que, em seu entender, 'a norma constante do artigo 36º, nº 2, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº
845/76, de 11 de Dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 1099º, nº 1, do Código Civil (preceito substituído pelo artigo 72º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano), na parte em que limita, de forma absolutamente rígida, o montante da indemnização devida ao arrendatário expropriado em valor nunca superior ao equivalente a dois anos e meio da renda paga à data da expropriação
- independentemente do valor real do dano sofrido com a extensão do direito pessoal de gozo do arrendatário - é materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos artigos 13º e 62º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa'.
II
1.1. - Dispunha o nº 2 do artigo 36º do 'Código' de 1976, após, no nº 1, se preceituar que o arrendamento para habitação, comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, bem como o arrendamento rural, são considerados como encargos autónomos para o efeito de os arrendatários serem indemnizados pelo expropriante:
'2.- O inquilino habitacional obrigado a desocupar o fogo, em consequência de caducidade do arrendamento resultante da expropriação, pode optar entre uma habitação que o expropriante ponha à sua disposição, nos termos da lei, e receber uma indemnização, a fixar nos termos do nº 1 do artigo 1099º do Código Civil.' Este, por sua vez - posteriormente revogado pelo artigo 3º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro - preceituava ser devida ao arrendatário, pela desocupação do prédio para habitação do senhorio, uma indemnização correspondente a dois anos e meio de renda à data do despejo, o que foi retomado pelo nº 1 do artigo 72º do RAU, aprovado por aquele diploma legal. Assim, é devida ao expropriado uma indemnização desse montante, como se retira das disposições conjugadas deste normativo e do artigo 67º do mesmo texto legal, observáveis mercê da norma remissiva do artigo 4º daquele Decreto-Lei nº
321-B/90.
1.2. - O tribunal recorrido colocou, no entanto, a questão da constitucionalidade da norma em causa perante, nomeadamente, um preceito como o do nº 2 do artigo 62º da CR, onde, além do mais, se estabelece que a expropriação por utilidade pública só pode ter lugar com base na lei e no pagamento da justa indemnização. Considerando que por justa indemnização deve entender-se a que corresponde a uma indemnização integral dos danos sofridos pelos expropriados, reflectindo-se no caso de modo à sua compensação pelos prejuízos sofridos com a caducidade do contrato de arrendamento, o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça pondera que a indemnização a atribuir ao locatário habitacional prevista nas normas em discussão, enquanto limitativas desse montante podem revelar insuficiência, como tal sendo inconstitucional esse conjunto normativo. Concretamente, adianta-se, será esse o caso dos expropriados Domingos Pimenta Barbosa e mulher, 'pois consta do acórdão recorrido que a importância correspondente a 30 vezes a renda mensal é de 70.410$00 [...] tudo indicando que, devido à caducidade do arrendamento, sofreram prejuízos que ultrapassaram essa quantia'.
2.1. - O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, com certa frequência, sobre os problemas de matriz constitucional que levanta a justa indemnização constitucionalmente exigida pelo nº 2 do artigo 62º da Lei Fundamental para que se possam efectuar a requisição e a expropriação por utilidade pública. Assim, e nomeadamente, no acórdão nº 131/88 (publicado no Diário da República, I Série, de 29 de Junho de 1988), tirado em plenário, onde se declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante do nº 1 do artigo 30º deste mesmo Código das Expropriações, por violação do disposto nos artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, da CR, escreveu-se que, não obstante o texto constitucional não definir um concreto critério indemnizatório, tornou-se evidente 'que os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem requisitado ou expropriado'. Igualmente no acórdão onde se declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do nº 2 daquele artigo 30º - o nº 52/90, publicado no Diário citado, I Série, de 30 de Março de 1990 - se ponderou que, em termos gerais, deve entender-se que a justa indemnização deve corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera patrimonial lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica, nem , por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação. Como mais adianta este aresto, o pagamento da justa indemnização, para além de ser uma exigência constitucional, é também a concretização do princípio do Estado de direito democrático, nos termos do qual se torna obrigatório indemnizar os actos lesivos de direitos ou causadores de danos a outrem (na dimensão exposta por Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 63). Outros arestos, aliás, podem ser citados em abono desta tese, como é o caso dos acórdãos nºs.
37/91, 210/93, 306/94, 425/95 e, recentemente, o nº 263/98, publicados no jornal oficial citado, II Série, de 26 de Junho de 1991, 28 de Maio de 1993, 29 de Agosto de 1994, respectivamente, os três primeiros e de 10 de Julho de 1998, o
último, mantendo-se inédito o quarto). A liberdade de conformação do legislador ordinário é, por conseguinte, modelada por parâmetros que, sem desconsiderar o interesse público subjacente ao comportamento ablatório que o instituto da expropriação encerra, cuida, em nome da garantia da propriedade contra a arbitrariedade expropriativa, da exigência de critérios significantes de uma adequada indemnização.
2.2. - No domínio do arrendamento não se verificam desvios, como, de resto, a jurisprudência mais significativa desde há muito reconhece (citem-se, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1988 e o do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Maio de 1990, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, nºs. 375, págs. 300 e segs., e 397, págs. 260 e segs., respectivamente. O Tribunal Constitucional, no seguimento lógico deste entendimento, tem apreciado a medida de 'justa indemnização', na área que nos preocupa, fazendo valer o mesmo princípio seja quando se trate de expropriação do direito do arrendamento - se, como é o caso, este constitui o objecto directo ou primário da expropriação -, seja quando o mesmo direito seja atingido de modo indirecto, em consequência da expropriação do imóvel arrendado. Exemplificam a asserção acórdãos como os nºs. 37/91 e 306/94, já mencionados, que se debruçaram sobre normas anteriores ao 'Código' de 1976, próximos da examinanda. No primeiro destes arestos, perante a norma do nº 2 do artigo 10º da Lei nº
2030, de 22 de Junho de 1948, que contemplava o direito do arrendatário comercial, industrial ou de profissão liberal a ser indemnizado pelo expropriante - o arrendamento era encarado como 'encargo autónomo' - o Tribunal julgou essa norma inconstitucional na medida em que a limitação do montante indemnizatório ao máximo de 40% do valor do prédio ou parte do prédio ocupado pelo arrendatário, se a ocupação tiver durado mais de cinco anos, e 30% ou 20%, respectivamente, se tiver durado mais de três ou de um ano (limitando-se a indemnização ao valor das obras feitas pelo arrendatário se a ocupação tiver durado menos de um ano), viola o princípio da justa indemnização, consagrado no nº 2 do artigo 62º da Constituição, em conjugação com o princípio da igualdade. No acórdão nº 306/94, por sua vez, sufragou-se idêntico ponto de vista perante a norma do nº 2 do artigo 27º da Lei nº 76/77, de 29 de Setembro (arrendamento rural), ao remeter para o nº 2 do artigo 26º o limite da indemnização do arrendatário por efeito de expropriação por utilidade pública, ou seja, de montante nunca superior ao equivalente a um ano de renda.
3.1. - Aplicando ao caso concreto a fundamentação invocada para a conceituação da indemnização justa e, mais chegadamente ainda, para os descritos casos de evidente paralelismo, não custa aceitar que idêntica solução haverá de conceder-se a uma medida indemnizatória que estabelece um 'tecto' de dois anos e meio de renda. O tribunal recorrido, a esta luz, foi particularmente sensível ao valor correspondente a trinta vezes a renda mensal, in casu, ou seja, o de
70.410$00, perante o que teria sido os prejuízos sofridos, consoante as regras da experiência lhe ditaram.
É certo que a norma do nº 2 do artigo 36º em análise comporta uma dificuldade adicional para a leitura de inconstitucionalidade vingar. Com efeito, ela estabelece uma opção a ser exercida pelo titular do direito, que deverá escolher entre uma habitação que o expropriante ponha à sua disposição, 'nos termos da lei', e o montante indemnizatório, a apurar nos descritos termos do nº 1 do artigo 1099º do Código Civil. Ora, no domínio da fiscalização concreta, o Tribunal não aprecia abstractamente a norma, pois cumpre-lhe descer 'ao quadro da decisão recorrida' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, pág.
270), competindo-lhe surpreender a norma com 'o sentido concreto que o tribunal recorrido lhe atribuíu' (ibidem). A esta luz, adstrita à questão de constitucionalidade a que o Tribunal deverá ater-se (cfr. Mário de Brito, 'Sobre as decisões interpretativas do Tribunal Constitucional' in Revista do Ministério Público, nº 62, pág. 64), deve considerar-se a norma sindicanda no sentido em que foi interpretada, ou seja, dando por assente não ter sido proporcionada ao arrendatário a 'possibilidade' de opção. Na verdade, o acórdão da Relação considerou abertamente não existir lei que imponha à expropriante a obrigação de realojar os expropriados, limitado que se mostra o texto legal a uma opção a concretizar-se 'nos termos da lei', acrescentando (fls. 8-v. destes autos) 'que nenhum diploma legal veio a ser promulgado em consonância', contestando a afirmação dos recorridos no sentido do recorrente não lhes ter posto à disposição uma habitação (e a decisão recorrida, por sua vez, não se pronunciou naturalmente , sobre essa matéria).
3.2. - Assim e pelas razões expostas, designadamente na jurisprudência citada deste Tribunal, para a qual se remete, conclui-se pela inconstitucionalidade da norma em questão, conjugada com a do nº 1 do artigo 1099º do Código Civil (a que hoje corresponde o nº 1 do artigo 72º do RAU), interpretada à luz do limite indemnizatório que esta contempla e no âmbito do quadro factual que subentende não se Ter proporcionado ao arrendatário a opção prevista na norma entre uma habitação posta à disposição pelo expropriante, nos termos legais, e a percepção de indemnização. Neste pressuposto, entende-se violado o nº 2 do artigo 62º da Constituição da República. III Em face do exposto, o Tribunal decide: a)julgar inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 36º do Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro), em conjugação com a norma do nº 1 do artigo 1099º do Código Civil, na dimensão interpretativa em questão, por violação do disposto no nº 2 do artigo 62º da Constituição da República; b)em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita. Lisboa, 22 de Junho de 1999- Alberto Tavares da Costa Vítor Nunes de Almeida Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Artur Maurício Helena de Brito Luís Nunes de Almeida