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Proc. nº 219/03 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A, com os sinais dos autos, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de Lisboa que negou provimento ao recurso pelo mesmo interposto de decisão da 3ª Vara Criminal de Lisboa que o condenou pela prática de dois crimes de falsificação de documentos p. e p. pelo artigo 256º n.ºs 1 e 4 do Código Penal, respectivamente, por cada um deles, na pena de dezoito meses de prisão, de dois crimes de peculato p. e p. pelo artigo 375º n.º
1 do Código Penal, respectivamente, por cada um deles, na pena de dois anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos de prisão, tendo-lhe sido perdoados três anos desta pena única.
Sobre este recurso, decidiu o acórdão do STJ de 24/10/02:
'............................................................................................................
2 - Nos termos do n.º 1 do art.º 411º do CPP, aplicável a todos os recursos ordinários, o prazo para a interposição do recurso é de 15 dias, e conta-se, no caso de se tratar de acórdão (cfr. art.º 97º n.º 1 do CPP), do respectivo depósito na secretaria. Ora, 'in casu', o acórdão da Relação foi depositado na respectiva secretaria, como se extrai da acta de fls. 884, em 5 de Junho de 2002, pelo que o prazo de interposição do recurso terminava em 20 de Junho de 2002 e em 25 do mesmo mês e ano com o pagamento da multa, nos termos do art.º 145º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, aplicável 'ex vi' do art.º 107º, n.º 5 do CPP. Porém, o recurso em causa só foi interposto em 1 de Julho de 2002, como se alcança da telecópia de fls. 889 e segs., pelo que tal interposição é posterior ao prazo máximo acima referido. Por conseguinte, face ao disposto no n.º 2 do art.º 414º do CPP, o recurso não é admissível, sendo certo que este Supremo Tribunal não está vinculado pela decisão que o admitiu - n.º 3 daquele art.º. Por conseguinte, o recurso tem de ser rejeitado nos termos dos art.ºs 114º, n.º
2 e 420º, n.º 1 do CPP. Acresce que estamos perante um acórdão da Relação de Lisboa que confirmou o acórdão da 1ª instância, tratando-se, aliás, de um acórdão condenatório proferido em processo em que a pena aplicável ao crime mais grave - peculato - não é superior a oito anos de prisão, como se vê do art.º 375º, n.º 1 do Cód. Penal. Logo, nos termos conjugados dos art.ºs 432º, al. b) e 400º. n.º 1, al. f) do CPP, não é admissível recurso do acórdão ora proferido pela Relação de Lisboa. Assim, não sendo admissível o recurso, este, mesmo que fosse tempestivo, ainda teria de ser rejeitado nos termos dos art.ºs 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1 do CPP.
3 - Pelo exposto, acorda-se em rejeitar o recurso. Condena-se o recorrente nas custas, com 3 Ucs. de taxa de justiça e no pagamento de 5 Ucs nos termos do art.º 420º, n.º 4 do CPP.'
O recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade material das normas constantes dos artigos 399º,
'400º, alínea f)' (sic), 411º, n.º 1, 414, 420º e 425º do CPP.
No respectivo requerimento de interposição, o recorrente disse ainda que a questão de inconstitucionalidade só então era suscitada 'uma vez que somente no acórdão recorrido foi conhecida a interpretação dada às normas'.
Sobre este requerimento foi proferido o seguinte despacho:
'............................................................................................................ Dispõe o art.º 70º, n.º 1, al. b) da referida Lei 28/82:
'1 - Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
............................................................................................................ Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.' Ora, por um lado, os art.ºs 425º e 399º do CPP não foram, a todas as luzes, aplicadas pelo acórdão recorrido (e só destas normas cabe recurso para o TC, v. al. b)). Por outro lado, do art.º 414º do CPP apenas foram aplicados por aquele acórdão os n.ºs 2 e 3 e do art.º 420º do mesmo diploma só foram aplicados pelo mesmo acórdão os n.ºs 1 e 4, pelo que somente em relação aos preceitos ora especificados poderia ter sido suscitada a inconstitucionalidade da sua interpretação. Porém, no que concerne ás normas aplicadas pelo acórdão recorrido - art.º 411º, n.º 1, 414º, n.ºs 2 e 3, 420º, n.ºs 1 e 4 e 400º, n.º 1, al. f) (este n.º 1 não vem referido no requerimento do recorrente, mas só dele se pode tratar, já que só ele, que não o n.º 2, comporta alíneas), do CPP - não se vê qualquer razão para só agora, no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, ser suscitada a questão da inconstitucionalidade das normas apontadas atrás, dado que os termos destas são bem claros e foram aplicadas em conformidade com os mesmos. Assim, se o recorrente não concordava com a constitucionalidade de tais normas, devia ter suscitado a sua inconstitucionalidade durante o processo, - pelo menos aquando da interposição do recurso para este Supremo Tribunal - de modo a poder ser apreciada por este Supremo Tribunal. Assim, quer quanto às normas não aplicadas, quer quanto às normas aplicadas pelo acórdão recorrido, o recurso não é admissível, pelo que, face ao disposto nos art.ºs 70º, n.º 1, al. b) e 76º, n.º 2 da Lei n.º 28/82, não o admito.'
E deste despacho que agora se reclama, alegando o reclamante, em síntese, que:
- O prazo para interposição de recurso se inicia com a notificação da decisão, nos termos do art.º 411º n.º 1 do CPP;
- A interpretação dada às normas dos art.ºs 411º, n.º 1, 425º, 414º e 420º, todos do CPP, foi de todo imprevisível, não podendo reclamante contar com a sua aplicação;
- Assim, não se mostrava adequado exigir-lhe, no caso concreto, um qualquer juízo de prognose relativo a essa aplicação, em termos de se antecipar ao proferimento da decisão, suscitando logo a questão de inconstitucionalidade;
- Em relação à admissibilidade do recurso nos termos do art.º 400º, n.º 1 alínea f) do CPP, o recurso deveria ter sido admitido por não estar no âmbito de aplicação desta norma;
- A expressão utilizada naquele preceito legal 'mesmo em caso de concurso de crimes' não pode ser interpretada no sentido defendido no acórdão recorrido;
- Mesmo em caso de concurso de infracções, a pena abstractamente aplicável (soma dos limites máximos da pena abstractamente aplicável a cada um dos crimes) deverá ser superior a oito anos para que seja admissível o recurso, o que sucede no caso;
- A interpretação dada no acórdão recorrido foi, também aqui, imprevisível, não podendo o reclamante contar com a sua aplicação.
Antes da remessa dos autos a este Tribunal, foi, ainda proferido o seguinte despacho (fls. 8 e segs.):
'I - O reclamante carece totalmente de razão quanto à pretensão de ver admitido o seu recurso para o Tribunal Constitucional.
Em contrário do que aquele ora vem dizer, dou por inteiramente reproduzidos os argumentos que produzi no despacho de não admissão de recurso.
Acrescento apenas que a clareza das normas cuja interpretação se pretende que seja declarada inconstitucional, não permite que se considere como decisão-surpresa aquela em que se rejeitou o recurso do reclamante interposto para este Supremo Tribunal.
Assim, o n.º 1 do art.º 411º do CPP diz, claramente, que o prazo para a interposição do recurso conta-se, tratando-se de sentença (ou acórdão), do respectivo depósito na secretaria.
Por outro lado, a expressão 'mesmo em caso de concurso de infracções', utilizada na al. f) (e também na alínea e)) do n.º 1 do art.º 400º do CPP significa, em bom português, que irreleva tal circunstância para determinação da admissibilidade do recurso no caso considerado em tal normativo. Tem sido esta a jurisprudência corrente deste Tribunal - v., nomeadamente, os acórdãos de
21/6/2001 (proc. n.º 956/01 - 5ª secção), citado por Maia Gonçalves, in 'Código de Processo Penal', 13º ed., 785, de 21/11/02 (proc. n.º 3411/02 - 5ª secção), de 16/1/2003 (proc. n.º 4198/02 - 5ª secção) e de 30/1/2003 (proc. n.º 160/03 -
5ª secção). De resto, é também esta a opinião de Germano Marques da Silva, in
'Curso de Processo Penal', 2ª ed., III - 325.
Finalmente a circunstância de ocorrer concurso de infracções irreleva ainda para efeitos de admissibilidade do recurso de acórdãos das relações, na medida em que se vê das al. e) e f) do n.º 1 do art.º 400º do CPP que o que conta é a pena aplicável ao crime (ou crimes) e não a pena aplicada. Ora, a pena aplicável ao concurso determina-se em função das penas aplicadas aos diversos crimes, pelo que aquele irrelevará sempre face ao critério adoptado pela lei.
De todo o modo, bastaria existir jurisprudência e doutrina no sentido do que foi decidido no acórdão de que o reclamante veio a recorrer para que este não pudesse considerar-se surpreendido pela rejeição do seu recurso com os fundamentos ali invocados, sendo, pois, inaceitável que venha qualificar de
'inusitada' a decisão de rejeição e de 'inesperada e insólita' a interpretação feita dos normativos em causa.
Quanto ao 'terminus a quo' do prazo de interposição do recurso existe basta jurisprudência ao considerar que é o depósito do acórdão na secretaria - v, Simas Santos e Leal Henriques, in 'Código de Processo Penal Anotado', II, 2ª ed., 786 e segs..
Por tudo o que vai exposto, mantenho inteiramente o despacho reclamado
(...)'.
Neste Tribunal, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2 - O despacho reclamado não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional com os seguintes fundamentos:
- quanto às normas dos art.ºs 399º, 414º (com ressalva do disposto nos n.ºs 2 e 3), 420º (com ressalva dos n.ºs 1 e 4) e 425º do CPP, por não terem sido aplicados no acórdão recorrido
- quanto às restantes normas indicadas no requerimento de interposição do recurso, por não ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade durante o processo, pelo menos no requerimento de interposição do recurso para o STJ.
Na sua reclamação, e quanto àquelas primeiras normas, o reclamante não questiona o decidido, pelo que não tem o Tribunal que sobre ele se pronunciar.
Quanto às restantes normas, não pondo em causa a falta de suscitação da questão da sua inconstitucionalidade das restantes normas durante o processo, a reclamação assenta exclusivamente sobre a imprevisibilidade da interpretação que delas se fez no acórdão recorrido em termos de não ser exigível ao recorrente o cumprimento do ónus de suscitação prévia.
Mas sem qualquer razão, como se passa a demonstrar.
É pacífica a jurisprudência deste Tribunal no sentido de não se impor que o recorrente suscite, durante o processo, a questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, em recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, quando a aplicação da norma (ou de uma sua interpretação) em causa seja imprevisível, ou seja, quando a decisão recorrida se configure como uma decisão-surpresa.
Não é seguramente o caso em que a decisão aplica uma norma com um sentido que desde logo emerge da própria letra do preceito que a contém, como também a situação em que um tal sentido é acolhido por jurisprudência pacífica ou maioritária.
No caso, o acórdão que rejeitou o recurso para o STJ e de que se pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional acaba por ter, em direitas contas, dois fundamentos alternativos - a intempestividade do recurso e a sua inadmissibilidade.
Ora, quanto a este segundo fundamento, assenta ele no disposto no artigo
400º, n.º 1, alínea f). do CPP, que dispõe como segue:
'1 - Não é admissível recurso:
.............................................................................................................
De acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.
.............................................................................................................'
Ora a interpretação que é feita no acórdão - esclarecida nos termos do despacho de fls. 8 , supra transcrito, e que aqui se dá por reproduzido - que o recorrente pretendia impugnar para este Tribunal, nada tem de imprevisível, como amplamente se demonstra no mesmo despacho, com citação de doutrina e jurisprudência conformes.
Trata-se, aliás, de interpretação que foi já sindicada sub specie constitucionis neste Tribunal - o que, desde logo, significa que ela não é inédita - nos Acórdãos n.ºs 189/01, 369/01 e 435/01, com juízo de não inconstitucionalidade.
Sendo assim, torna-se desnecessário apreciar se o fundamento da intempestividade do recurso assenta numa interpretação imprevisível do disposto no artigo 411º n.º 1 do CPP, uma vez que, não podendo Tribunal Constitucional apreciar a constitucionalidade da norma ínsita no artigo 400º, n.º 1 alínea f) do CPP, por falta de suscitação oportuna da questão de constitucionalidade, nenhum efeito útil teria o recurso interposto por sempre se manter a decisão na parte em que julgou inadmissível o recurso para o STJ.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 3 de Abril de 2003 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa
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