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Proc. n.º 694/99
1ª Secção Cons.º Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I – RELATÓRIO
1. – AS e SC e JS (estes através da apensação dos respectivos processos) vieram propor contra CT, S.A. a presente acção emergente de contrato individual de trabalho pedindo a sua condenação no pagamento de diversas quantias por virtude da cessação daquele contrato.
Julgada a questão na 1ª instância, veio a ser proferida uma sentença que julgou os pedidos parcialmente procedentes e condenou a ré no pagamento de quantias diferentes para cada autor.
Não se conformando com esta decisão na parte em que os pedidos foram julgados improcedentes, os autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Na Relação, por acórdão de 14 de Janeiro de 1999, o recurso veio a ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Ainda inconformados, os autores interpuseram recurso de revista para a Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tendo suscitado nas suas alegações a questão da constitucionalidade do n.º3 do artigo
13º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, enquanto determina que a compensação pelo despedimento colectivo seja calculada de acordo com a retribuição-base e não com a retribuição auferida pelo trabalhador.
2. - O STJ, por acórdão de 20 de Setembro de 199, decidiu conceder provimento parcial à revista, na parte respeitante ao subsídio de alimentação correspondente aos 60 dias de aviso prévio, confirmando, quanto ao restante, o acórdão recorrido.
No que se refere à questão de constitucionalidade levantada pelos recorrentes, o STJ escreveu o seguinte:
'III-C-1- A primeira questão posta na Revista refere-se ao cálculo da indemnização devida pelo despedimento colectivo.
Dispõe o nº 1 do art. 23º da LCCT que o trabalhador abrangido por um despedimento colectivo tem direito a receber uma indemnização a calcular nos termos do nº 3 do art. 13º do mesmo diploma, artigo esse que se refere ao despedimento – individual – ilícito. E aí se diz que essa indemnização corresponderá a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fracção.
Adiante-se desde já que os recorrentes atacam o cálculo daquela indemnização por considerarem que a mesma, ao só tomar em conta a remuneração base, está ferida de inconstitucionalidade formal e material. X
A recorrida suscita a questão prévia de se não conhecer dessa inconstitucionalidade, por a mesma não ter sido arguida perante as Instâncias.
Sucede, no entanto, que a questão da inconstitucionalidade pode ser suscitada em qualquer fase do processo e em momento em que o tribunal a possa apreciar, pois só assim, é que, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei
28/82, se pode recorrer para o Tribunal Constitucional. Assim, e embora a questão não tenha sido suscitada nas Instâncias, tal não obsta a que seja levantada no Supremo, de cuja decisão se poderá então, verificados os restantes pressupostos, recorrer para o Tribunal Constitucional. X
Retomando a questão da inconstitucionalidade, apreciemos, primeiro, a formal.
Afirmando que a determinação da indemnização se situa no âmbito da al. b) do nº 1 do art. 168º da Constituição – redacção anterior a 1997 – por se referir a direitos, liberdades e garantias, essa matéria seria da exclusiva competência da Assembleia da República, podendo o Governo legislar sobre ela, desde que estivesse devidamente autorizado.
E á aqui que o recorrente baseia a inconstitucionalidade, dado que o Governo não estaria autorizado a tal.
Ora, consta da Lei 107/88, de 17/9, lei que autorizou o Governo a rever o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e do contrato de trabalho a termo e o regime processual da suspensão e redução da prestação do trabalho, autorizando-o a legislar nesse sentido revogando, em consequência, o regime estabelecido nos Dec.-Lei 372-A/75, Dec.-Lei 84/76, Dec.-Lei 781/76, Dec.-Lei 841-C/76, Lei 58/77 e Lei 68/79 (art. 1º, nº 1 da referida lei de autorização) e estabelecendo na al. b) do nº 2 daquele art. 1º que o Governo, ao legislar, teria em conta, entre outros, o princípio fundamental de 'condicionamento do cálculo de remunerações de base vincendas ao trabalhador despedido por forma ilícita...'.
Em consonância com este princípio estabeleceu-se na al. a) do nº 1 do art. 13º da LCCT que, no caso de despedimento ilícito, o cálculo das retribuições que se vencerem desde a data do despedimento até à da sentença a que o trabalhador tem direito.
E se o Governo pode estabelecer aquele 'condicionamento', também esse princípio se deve estender ao 'novo' modo de cálculo da indemnização.
E, diga-se, que embora essa indemnização não seja uma verdadeira indemnização de 'antiguidade' tal como vem referida no nº 3 do art. 13º, o seu modo de cálculo é igual, pelo que não haverá que as destrinçar neste aspecto.
E, citando o acórdão do Tribunal Constitucional proferido sobre questões de inconstitucionalidades dos diplomas em causa, se dirá que não menos decisivo é , para a apreciação da constitucionalidade destas normas, o sentido que se deriva da interacção do art. 1º, nº 1 da Lei 107/88 com o programa estabelecido do art. 2º, tendo em conta a referida alínea b): 'o sentido imanente a esta norma não tem por que fazer um corte sistemático com a autorização de revogar o Decreto-Lei nº 372-A/75 ..., expressamente concedida no artigo 1º da Lei nº 107/88'.
Mas, haverá, ainda, que ter em conta um outro aspecto. É que a
'reserva' da Assembleia diz respeito aos 'direitos, liberdades e garantias'. Ora, e no que se refere aos trabalhadores aqueles direitos, liberdades e garantias estão referidos nos arts. 53º da Constituição (direito à segurança no trabalho e proibição dos despedimentos sem justa causa), 54º (referente ao direito de criação de comissões de trabalhadores), 55º e 56º (que dizem respeito
à liberdade sindical e à contratação colectiva), 58º (formação profissional e, técnica e cultural), 59º (retribuição do trabalho, organização do trabalho, salário mínimo, horário de trabalho), art. 57º (direito à greve). Em nada nos aparece referido o direito à indemnização por despedimento ilícito, o que até se compreende por a principal consequência dessa ilicitude não é o direito à indemnização, mas sim a reintegração do trabalhador.
Ora, não fazendo parte dos direitos e garantias dos trabalhadores, aquele direito à indemnização, obtido por opção do trabalhador, não está abrangido por aquela 'reserva', motivo pelo qual o Governo sobre ela poderia legislar.
Mas, e mais decisivamente, dispõe a al. d) do art. 2º da Lei de autorização que o Governo está autorizado a legislar sobre a admissibilidade de substituição da reintegração do trabalhador por indemnização, quando o trabalhador por esta opte. Ora, nesta autorização da referida substituição da reintegração pela indemnização terá de se compreender, igualmente, o modo de cálculo da mesma, pois, caso contrário, ficaria sem sentido o permitir-se legislar sobre a apontada admissibilidade e não se permitir o modo como a mesma se efectuaria, designadamente o modo do seu cálculo.
Não há, pois, qualquer violação à al. b) do nº 1 do art. 168º, nem ao nº 1 do art. 201º da Constituição (ambos, como se referiu, na redacção anterior a 1997).
Não se verifica, pois, por estas razões, a apontada inconstitucionalidade. X
Quanto à inconstitucionalidade material.
Apontam-se como violados os arts. 59º, nº 1 a) e 13º da Constituição, com o fundamento de que o modo de cálculo da citada indemnização conduz a uma
'redução' em relação ao regime do Dec.Lei 372-A/75.
O que aquela al. a) do nº 1 do art. 59º nos diz é que cada trabalhador tem direito à retribuição pelo seu trabalho.
Conjugada com esta disposição dispõe a al. c) do nº 1 do art. 21º da LCT o princípio da irredutibilidade da retribuição.
Em ambos os casos se fala em retribuição. Ora, a indemnização que está em causa não constitui retribuição, não se enquadrando no conceito desta. Ela está para além e fora da retribuição, motivo pelo qual se não pode verificar a referida inconstitucionalidade.
O art. 13º da Constituição estabelece o princípio da igualdade proibindo que existam privilégios, benefícios ou prejuízos, ou que alguém seja prejudicado de qualquer direito ou isento de qualquer dever. O que naquele artigo se estabelece é, no fundo, que situações iguais tenham um tratamento igual, mas permitindo que se tratem de modo diferente situações que não sejam iguais.
Ora, o modo de cálculo da falada indemnização não se afigura como violadora daquele princípio, pois estabelece um critério igual para todos os trabalhadores. E nem se diga que tal pode gerar situações diversas quando as retribuições de base sejam diferentes, embora um trabalhador, por força de retribuições complementares, receba mensalmente uma quantia igual a outro, por forma a que as indemnizações venham a ser diferentes. Não há aqui qualquer violação ao falado princípio da igualdade, já que as situações – remuneração de base – são diferentes.
Não se verifica, assim, qualquer inconstitucionalidade material.'
3. – Os recorrentes apresentaram neste Tribunal a competentes alegações, que concluíram pelo modo seguinte:
1. A lei de Cessação do Contrato de Trabalho aprovada pelo Dec.Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, foi publicada ao abrigo da autorização concedida ao Governo pela Lei 107/88, de 17 de Setembro uma vez que a matéria regulada se situava dentro da reserva relativa de competência da Assembleia da República.
2. Porém a Lei 107/88 em preceito algum autoriza o legislador ordinário a
'mexer' na base de cálculo da indemnização de antiguidade devida ao trabalhador em caso de despedimento ilícito.
3. Esse direito à indemnização de antiguidade é o resultado da opção do trabalhador ilicitamente despedido em substituição da reintegração pelo que uma e outra decorrem de certo modo do princípio constitucional de proibição dos despedimentos sem justa causa, inscreve-se nos direitos e deveres económicos os quais, são, como se disse, matéria de reserva relativa da competência da Assembleia da República.
4. Por outro lado o condicionalismo das retribuições vincendas que a lei da autorização permite na al. b) do nº 2 do seu artº 1, não se confunde com a indemnização de antiguidade, sendo que esta surge fruto de uma opção do trabalhador ilicitamente despedido, enquanto aquelas são a consequência natural da reposição do contrato de trabalho desde o despedimento, não existe igualdade de razão em um e em outro caso, e aliás seria duvidoso que isso bastasse para permitir a redução da indemnização de antiguidade.
5. Deste modo e uma vez que da lei de autorização não consta expressamente a permissão de alterar (reduzir) a base de cálculo da indemnização de antiguidade, o nº 3 do artº 13º da LCCT ao substituir a expressão retribuição, que vem já pelo menos desde a LCT de 1969, deve entender-se como editado a descoberto, sem cobertura constitucional e com violação da reserva relativa de competência da Assembleia da República, pelo que padece de inconstitucionalidade formal.
6. E é ainda incontroverso que sendo a indemnização de antiguidade calculada sobre a remuneração de base, e não sobre a retribuição no seu todo, como até então se verifica uma diminuição clara nas indemnizações de antiguidade que os trabalhadores ilicitamente despedidos passaram a receber, seria o mesmo, embora de forma mais visível, se a base de cálculo fosse reduzida a ¾ ou a ½ da remuneração mensal.
7. Tal redução viola assim o princípio constitucional do não retrocesso segundo o qual atingido um determinado patamar na regulamentação dos direitos, liberdades e garantias, o legislador ordinário fica impedido de os reduzir, de voltar atrás, 'não pode descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na situação de devedor', uma vez que eles passam a ter uma protecção directa da constituição, são pois, de certo modo constitucionalizados.
8. Por outro lado a norma do nº 3 do artº 13º da CR, na medida em trata desigualmente trabalhadores com iguais níveis remuneratórios para efeitos de cálculo da indemnização de antiguidade, desde que sejam desiguais as remunerações de base, apesar de estas não gozarem dentro da retribuição total um estatuto superior com violação dos postulados que obrigam a tratar por igual o que é igual e por desigual o que é desigual.
9. Deste modo a norma do nº 3 do artº 13º da LCCT sofre também de inconstitucionalidade material.
10. Deve, pois, declarar-se a sua inconstitucionalidade com a consequente repristinação da norma do artº 20º do Dec.Lei 372-A/75, de 16 de Julho.
11. A norma do artº 13º nº 3 da LCCT aprovada pelo Dec.Lei 64-A/89 viola deste modo o disposto no nº 1 al. b) do artº 168º (actual 165º) artº 53º e artº 13º da CRP. Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e declarar-se a inconstitucionalidade da norma do nº 3 do artº 13º da LCCT aprovada pelo Dec. Lei 64-A/89 com a consequente repristinação do artº 20º do Dec.Lei 372-A/75, de
16 de Julho. Porque assim o exige no nosso entender o ordenamento jurídico e é em consequência inteiramente conforme à JUSTIÇA!'
A recorrida CT, SA, também alegou, mas, sem apresentar conclusões, defendeu a constitucionalidade do artigo 13º, n.º3, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 7 de Fevereiro.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTOS
4. – Os recorrentes suscitam nos autos duas questões de constitucionalidade relativamente ao n.º3 do artigo 13º da Lei dos Despedimentos e da Contratação a Termo (Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro).
Por um lado, os recorrentes entendem que a norma não dispõe de credencial constitucional, uma vez que, situando-se a matéria que regula no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República, a Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro, que autorizou o Governo a legislar sobre a cessação do contrato individual de trabalho, não contem qualquer disposição que permitisse ao Governo alterar a base de cálculo da indemnização de antiguidade do trabalhador ilicitamente despedido, pelo que tem de considerar-se violado o n.º1, alínea b) do artigo 168º (hoje, 165º) da Constituição.
Por outro lado, entendem os recorrentes que a norma do n.º3 do artigo 13º da Lei dos Despedimentos sofre de inconstitucionalidade material, desde logo, por violar o princípio constitucional do não retrocesso, uma vez que a forma de cálculo das indemnizações por despedimento ilícito que estabeleceu constitui um retrocesso em relação àquela que era a tradicional do direito laboral português. Acresce ainda que a norma em causa viola o princípio da igualdade constante do artigo 13º da Constituição, na medida em que trata desigualmente trabalhadores com iguais níveis remuneratórios, bastando que sejam desiguais as remunerações de base.
Importa analisar o teor da norma questionada.
O artigo 13º dentro do Capítulo do 'Despedimento promovido pela entidade empregadora' e sob a epígrafe 'Efeitos da ilicitude' dispõe como segue:
'Artigo 13º
1. Sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora será condenada: a. No pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença; b. Na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo se até à sentença este tiver exercido o direito de opção previsto no n.º3, por sua iniciativa ou a pedido do empregador.
1. Da importância calculada nos termos da alínea a) do número anterior são deduzidos os seguintes valores: a. Montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento; b. Montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.
1. Em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até á data da sentença.' Esta norma insere-se no diploma que estabeleceu o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, publicado pelo Governo ao abrigo da Lei n.º
107/88, de 17 de Setembro.
Esta Lei de Autorização Legislativa (LAL) teve como finalidade autorizar o Governo a 'rever o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e do contrato de trabalho a termo e o regime processual da suspensão e redução da prestação do trabalho'.
Na parte que agora interessa – a revisão do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho (CIT) – a Assembleia da República estabeleceu ao Governo os seguintes objectivos ou finalidades:
'a) Previsão de formas de cessação do CIT com base em causas objectivas (...); b) Condicionamento do cálculo de remunerações de base vincendas devidas ao trabalhador despedido por forma declarada ilícita, em termos de evitar a criação de situações de duplicação de rendimentos de trabalho e de imputação à entidade empregadora das consequências da inércia do trabalhador no acesso aos meios de defesa dos seus direitos; c) [...]; d) Admissibilidade de substituição judicial da reintegração do trabalhador por indemnização em caso de despedimento declarado ilícito, quando o trabalhador formule pedido nesse sentido ou, sendo o pedido apresentado pelo empregador, o trabalhador expresse o seu acordo;
[...]; l) Possibilidade de flexibilização do regime através da previsão de matérias susceptíveis de negociação colectiva, funcionando em relação a elas o regime legal em termos de supletividade, mas acautelando o respeito pelos aspectos de interesse e ordem pública;
...............................'
Sendo estes, na parte agora relevante, o sentido e a extensão da Lei de Autorização Legislativa ao abrigo da qual foi editado o Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, importa apreciar se este diploma na parte em que fixa a base de cálculo da indemnização por despedimento ilícito invadiu a competência legislativa da Assembleia da República ou se excedeu os limites da lei de autorização.
Segundo os recorrentes verificar-se-ia violação da competência legislativa reservada da Assembleia da República por o diploma em questão ter sido emitido pelo Governo sem que, na parte relevante, dispusesse de autorização da Assembleia da República, sendo certo que a matéria em causa se insere no âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores que é da exclusiva competência da Assembleia, por força da alínea b) do nº 1 do artigo
168º (hoje, artigo 165º) da Constituição da República. Ainda invocam os recorrentes o facto de o diploma em causa ter ultrapassado os limites da lei de autorização legislativa, ao abrigo da qual foi emitido, ao eleger a remuneração de base como modo de cálculo da indemnização por despedimento ilícito.
Vejamos.
Quanto a esta questão, importa desde logo apurar se o modo de cálculo da indemnização por despedimento ilícito é matéria que se insere no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, pois se o não for o Governo pode legalmente legislar sobre essa matéria sem necessidade de qualquer autorização legislativa.
De acordo com o artigo 53º da Constituição (que se insere no capítulo dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores), é
'garantida aos trabalhadores a segurança do emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos'.
Desta norma resulta que a consequência necessária de um dado despedimento ser considerado ilícito é a reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho. Daqui decorre que a garantia constitucional da segurança no emprego se realiza através da reintegração laboral pelo que, em princípio, só esta matéria se insere no âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.
É certo que o Tribunal Constitucional já entendeu que era inconstitucional, por violar o artigo 53º da Constituição, a 'admissão de substituição judicial da reintegração do trabalhador, em caso de despedimento declarado ilícito, por indemnização quando, após pedido da entidade empregadora, o Tribunal crie a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho' (cfr. Acórdão nº 107/88, in Acórdão do Tribunal Constitucional, 11º Vol. pág. 38).
Tratava-se porém de um circunstancialismo muito particular em que se previu que tal substituição inserida naquele específico quadro normativo permitiria que a 'a entidade patronal sempre pudesse despedir o trabalhador à margem de qualquer «causa constitucionalmente lícita», bastando-lhe para tanto criar mesmo que artificialmente, as condições objectivas
(...) conducentes à cessação do contrato de trabalho'.
Neste condicionalismo o Tribunal considerou a substituição judicial da reintegração por indemnização como violadora da garantia de segurança no emprego constitucionalmente consagrada.
É a este respeito - substituição da reintegração por indemnização no caso de despedimento ilícito - que a lei de autorização de revisão de regime jurídico da cessação do CIT estabelece uma inovação importante e de extremo relevo para compreender a razão de ser da modificação legislativa que os recorrentes questionam na sua conformidade constitucional.
A Lei n.º 107/88, para além de permitir que o Governo legisle sobre o condicionamento do cálculo de remunerações de base vincendas a perceber pelo trabalhador ilicitamente despedido, veio expressamente autorizar que se legisle sobre a admissibilidade de substituição judicial da reintegração do trabalhador pelo pagamento de uma indemnização em caso de despedimento declarado ilícito, se o trabalhador assim o pedir ou se concordar com esse pedido feito pela entidade empregadora.
Poderá dizer-se que este já era, de certo modo, o sistema decorrente do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho e diplomas subsequentes (Decretos-Lei n.ºs 84/76, de 16 de Julho; 781/76, de 28 de Outubro;
841-C/76, de 7 de Dezembro e Lei n.º 48/77, de 11 de Julho).
Porém, a Lei de Autorização Legislativa permite agora que, além do trabalhador, a entidade patronal formule, em juízo, o pedido de substituição, pedido este que pode ser atendido desde que o trabalhador dê o seu acordo.
O aspecto que todavia é realmente inovatório nesta matéria de estabelecimento dos efeitos do despedimento ilícito é o facto de a Lei n.º 107/88 prever a possibilidade de flexibilização do regime [jurídico da cessação do CIT] através da previsão de matérias susceptíveis de negociação colectiva funcionando em relação a elas o regime legal em termos de supletividade, mas acautelando sempre os aspectos de interesse e ordem pública
(alínea l) da LAL).
Ora, esta natureza ‘minimalista’ do regime jurídico de cessação do contrato individual de trabalho é uma total inovação. Com efeito, o regime de cessação instituído pelo Decreto-Lei n.º 372-A/75 era claramente imperativo e imodificável por negociação colectiva: o artigo 31º proibia que o regime do diploma fosse modificado por contrato individual ou por negociação colectiva, salvo nos casos em que essa possibilidade era prevista nas próprias disposições legais. Esta possibilidade era, de facto, inexistente no âmbito dos despedimentos individuais, o que tornava o regime legal plenamente imperativo , neste domínio.
Assim, o entendimento decorrente da Lei de Autorização Legislativa em apreço mostra que a própria Assembleia da República considera que os direitos e garantias dos trabalhadores – cuja regulação legislativa lhe pertence – ficam defendidos com um sistema legislativo em que ao despedimento declarado de forma ilícita corresponda a reintegração do trabalhador, com pagamento de todas as remunerações vincendas até à sentença (mas sem duplicações de rendimentos) e com a admissibilidade da substituição judicial da reintegração por uma indemnização – se o trabalhador assim o requerer ou se concordar com um tal requerimento feito pelo empregador.
Decorre do que fica exposto que se pode considerar integrado no âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, designadamente no direito à segurança no emprego, o direito à reintegração no posto de trabalho e a substituição da reintegração por uma indemnização no caso de despedimento ilícito, mas já não integra tal regime o modo de cálculo de tal indemnização.
No entanto, face ao sistema ressarcitório delineado pela Lei de Autorização Legislativa, o legislador governamental tinha de encontrar uma forma mínima de cálculo da indemnização que tratasse todos os trabalhadores por forma idêntica, o que só podia ser conseguido através da fixação da base indemnizatória num máximo denominador comum que pudesse ser aplicado em geral e fosse igual para todos os trabalhadores de certa categoria e ramo de actividade. A forma encontrada foi a da remuneração de base que está prevista nas convenções colectivas de trabalho e constitui a base salarial das diversas categorias profissionais dentro de cada actividade.
E é assim que o artigo 59º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 estabelece que: 'os valores e critérios de definição de indemnizações consagrados neste regime, os prazos do processo disciplinar, do período experimental e de aviso prévio (...) podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de natureza convencional.'
Tem, por isso, de se concluir que bem andou a decisão recorrida ao não considerar verificada , no caso, qualquer inconstitucionalidade orgânica.
De facto, por um lado, não só o Governo dispunha de autorização legislativa para editar a parte do diploma (substituição da reintegração pela indemnização) que se insere no âmbito dos direitos, liberdades e garantias como, por outro lado a matéria de base de cálculo da indemnização por despedimento ilícito é algo que releva da liberdade de conformação do legislador governamental. Assim sendo - uma vez adquirido que a consequência do despedimento ilícito é a reintegração, e que esta pode ser substituída por uma indemnização – o Governo, em boa verdade, não necessitava de autorização da Assembleia para regular esta matéria.
Conclui-se, assim, que o n.º3 do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, não viola o artigo 168º (hoje artigo 165º), nºs 1, alínea b), e 2, da Constituição da República Portuguesa
(versão de 1989).
5. – Alegam os recorrentes que a norma em causa, ao determinar que a indemnização substitutiva da reintegração se calcule de acordo com a remuneração de base do trabalhador ilicitamente despedido e não de acordo com a retribuição auferida, estaria a violar o princípio do não retrocesso social.
A admitir-se a existência de tal princípio nunca ele poderia abranger todo e qualquer encurtamento dos benefícios sociais mas apenas aquele que atingisse o núcleo essencial dos correspondentes direitos - maxime - o núcleo essencial do direito à existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana.
Nesta perspectiva, tem-se por certo que a norma questionada não violaria tal princípio : não só a norma do artigo 13º, n.º3 da Lei dos Despedimentos não afecta o núcleo essencial dos direitos dos trabalhadores ilicitamente despedidos, como também não pode falar-se, a este respeito, de quaisquer 'direitos adquiridos'.
A consequência do facto de um dado despedimento ser considerado ilícito é a reintegração do trabalhador no posto de trabalho: o direito à indemnização substitutiva apenas nasce com a efectivação de uma declaração de opção do trabalhador ou do seu acordo a idêntico pedido formulado pelo empregador. Ou seja, a reintegração no posto de trabalho é a 'sanção' natural para a ilicitude do despedimento e, por isso, a que melhor se adequa não só à natureza do despedimento mas também ao programa da norma constitucional aplicável.
A indemnização substitutiva da reintegração é alguma coisa que, sem a suprimir, é um sucedâneo do direito à reintegração, mas que não
é imposta por lei nem muito menos pode ser imposta pelo empregador. A indemnização é deixada pela lei à opção do trabalhador ou pode decorrer da aceitação, por este, de proposta que nesse sentido lhe é dirigida pela entidade patronal.
Tudo isto implica que a lei, afastando uma atitude susceptível de gerar situações insuportáveis para ambas as partes da relação laboral e que podia, de algum modo, ser entendida como paternalista, devolve para o âmbito da autonomia da vontade a consagração de uma solução alternativa que depende necessariamente de um acordo entre os titulares de interesses opostos. Confia o legislador em que, seguro do seu direito a ser reintegrado, o trabalhador só dele virá a prescindir se obtiver compensação que considerar mais favorável do que o regresso à anterior situação.
Acresce que o sistema legalmente instituído compreende uma fórmula de cálculo da indemnização que admite majoração através da negociação colectiva pelo que, também neste aspecto, se remete para a negociação colectiva a melhoria do sistema indemnizatório.
Improcede, assim, também nesta parte o recurso de constitucionalidade.
6. – Os recorrentes consideram ainda que a norma do n.º3 do artigo 13º da Decreto-Lei nº 64-A/89 é inconstitucional por violar o princípio da igualdade constante do artigo 13º da Constituição.
Esta inconstitucionalidade material resultaria do facto de a norma tratar desigualmente trabalhadores que gozem do mesmo nível retributivo mas tenham remunerações de base diferentes.
Vejamos.
Segundo a jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade reconduz-se a uma proibição de arbítrio, tornando inaceitável quer a diferenciação de tratamento sem justificação razoável quer o tratamento igual para situações desiguais.
A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação do legislador, actuando o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. O Tribunal tem afirmado uniformemente que a fiscalização da constitucionalidade não pode pôr em causa a liberdade de conformação do legislador, que goza de uma razoável margem de discricionaridade
(cf. neste sentido, o Acórdão nº 150/2000 (ainda inédito). Cabe, assim, ao legislador ordinário definir ou qualificar as relações da vida a tratar igual ou desigualmente, dentro dos limites constitucionais, devendo os tratamentos diferenciais ser fundamentados através de critérios constitucionalmente relevantes e ser censurados apenas os casos de desrazoável desigualdade, mas sem que o julgador possa controlar se, num caso concreto, o legislador encontrou a solução mais adequada, razoável ou justa (cf. Acórdão nº 186/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º Vol., p.383).
No caso em apreço, o legislador respeitando embora o núcleo essencial do direito constitucional dos trabalhadores afectados por um despedimento ilícito – o direito à reintegração no respectivo posto de trabalho e o direito a substituir essa reintegração por uma indemnização – alterou porém a base de cálculo da própria indemnização.
Ora, ao optar por fixar como base do cálculo da indemnização substitutiva da reintegração a remuneração de base em vez da retribuição efectiva, o legislador não fez uma opção arbitrária ou intolerável. Pelo contrário, tal opção permite um tratamento igual de situações idênticas mediante um critério objectivo e razoável.
Não é legítimo fazer comparações em que as diferenças de montantes indemnizatórios decorram de se ter em consideração num caso a remuneração de base e num outro a remuneração efectiva: a utilização de critérios diferentes tem de produzir diferentes resultados.
Conclui-se assim que a solução encontrada na norma do nº3 do artigo 13º do Decreto-Lei nº64-A/89, de 27 de Fevereiro não se apresenta como injustificada ou irrazoável, não violando o artigo 13º da Constituição.
III – DECISÃO:
Nos termos do que fica exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma do artigo 13º, n.º3, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro e, em consequência, negar provimento ao recurso confirmando, na parte impugnada, a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta, por cada um.
Lisboa, 2000-12-20 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa