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Proc. nº 406/2000
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Q - Associação Nacional..., M - Movimento... e R - Associação.... requereram junto do Tribunal Judicial de Viana do Castelo providência cautelar não especificada contra o Município de Viana do Castelo, o Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e a Direcção dos Portos, Navegação e Transportes Marítimos, pedindo a intimação dos Presidentes da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal de Viana do Castelo para se absterem de deliberar no sentido da aprovação de qualquer obra ou projecto referentes a determinadas zonas de Viana do Castelo; a intimação dirigida ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e à Direcção dos Portos, Navegação e Transportes Marítimos, para se absterem de executar ou deixar executar qualquer acesso rodoviário ou qualquer obra de construção nas mesmas zonas; e pedindo ainda a declaração de nulidade de quaisquer deliberações que sejam ou venham a ser aprovadas pelo Município de Viana do Castelo no sentido referido. O Tribunal Judicial de Viana do Castelo, por decisão de 8 de Outubro de 1998, considerando que a competência para a apreciação da questão colocada pertence aos tribunais administrativos, julgou-se materialmente incompetente, absolvendo os requeridos da instância.
As requerentes interpuseram recurso da decisão de 8 de Outubro de
1998 para o Tribunal da Relação do Porto, sustentando a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 66º e 52º, nº 3, da Constituição, da 'interpretação restritiva do artigo 45º, nº 1, da Lei nº 11/87', segundo a qual tal preceito não se aplica no caso de litígios onde esteja em causa a prevenção da verificação de factores que 'podem provocar a degradação inexorável do ambiente', sendo então competentes os tribunais administrativos e não os tribunais comuns (judiciais).
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 15 de Abril de 1999, considerou que 'sempre que os órgãos da Administração Pública pratiquem actos de gestão pública (...) a apreciação de tais actos é da competência do foro do contencioso administrativo'. O Tribunal referiu também que 'o mencionado nº 3 do artigo 66º da Constituição foi eliminado, quando da reforma de 1989, o que significa que o regime legal constante do aludido artigo 45º, nº 1, da Lei nº
11/87 continua a valer, sim, mas apenas para o efeito do disposto nos ali referidos artigos 41º e 42º daquela lei'. Em consequência, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso, confirmando a decisão que havia considerado materialmente incompetentes os tribunais judiciais.
As requerentes interpuseram recurso do acórdão de 15 de Abril de
1999 para o Tribunal de Conflitos no Supremo Tribunal Administrativo. Nas alegações de recurso sustentaram de novo a questão da constitucionalidade normativa anteriormente suscitada, relativa à aludida 'interpretação restritiva' do artigo 45º, nº 1, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril.
O Tribunal de Conflitos, por acórdão de 6 de Abril de 2000, sublinhou que a Revisão Constitucional de 1989 erigiu os tribunais administrativos em tribunais comuns em matéria administrativa e fiscal, afirmando poder 'duvidar-se do bom fundamento para que questões jurídicas de incidência ambiental sejam sempre da competência dos tribunais judiciais, sabido que é que os tribunais administrativos, face aos princípios e regras que regem actualmente a sua constituição e o seu funcionamento, não podem ser tidos como incorpóreos ou idóneos para a sua apreciação'. De seguida, o Tribunal concluiu que 'o artigo 45º, nº 1, da Lei nº 11/87, está, devido à revisão constitucional, derrogado no tocante a relações jurídicas administrativas, onde se levantem questões ambientais, às quais não tem aplicação'.
Por outro lado, o Tribunal de Conflitos, afirmando que 'ainda que assim não fosse, sempre no caso a solução dada pelas instâncias seria de confirmar, embora por outra ordem de razões', considerou que o artigo 45º, nº 1, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, foi revogado, já não por força da revisão constitucional de 1989, mas pelo artigo 12º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, que veio consagrar as duas modalidades principais de acção popular: acção procedimental administrativa (que se subdivide na acção para defesa dos interesses tutelados e no recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos lesivos dos mesmos interesses) e a acção popular civil. Na perspectiva do Tribunal de Conflitos, tal preceito revogou tacitamente o aludido artigo 45º da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, uma vez que 'a distinção entre a acção procedimental administrativa e a acção popular civil não faz sentido se ambas correrem nos tribunais judiciais'. Na sequência de tal argumentação, o Tribunal concluiu 'que a acção popular para defesa do ambiente, quando integrada numa relação jurídica administrativa, cabe sempre aos tribunais administrativos'.
Em consequência, o Tribunal de Conflitos negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
2. As requerentes interpuseram recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da 'interpretação e aplicação feita do artigo 52º, nº 3, alínea a), da Constituição e do artigo 45º, nº 1, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril no acórdão recorrido'.
Junto do Tribunal Constitucional as recorrentes apresentaram alegações, que concluiram do seguinte modo:
1 - Após a revisão constitucional de 1989, quando no artigo 45° nº 1 da Lei n°
11/87, de 07 de Abril, se mencionam as acções a que se refere o artigo 66° nº 3 da CRP, deve forçosamente entender-se que tal menção se reporta ao actual artigo
52° nº 3 al. a).
2 - O novo artigo 52° nº 3 al. a) da CRP tutela - e até reforça - os mesmos direitos e interesses contemplados no anterior artigo 66° nº 3, mantendo-se
íntegra a intenção do legislador constitucional de atribuir a todos - particulares e associações de defesa do ambiente - o direito de proteger esse mesmo ambiente, protecção essa a efectivar-se por intervenção dos tribunais comuns.
3 - Entende, porém, o Tribunal de Conflitos que 'o artigo 45º nº 1 da Lei nº
11/87 está, desde a revisão constitucional de 1989 derrogado no tocante a relações jurídicas administrativas onde se levantem questões ambientais, às quais não tem aplicação'.
4 - A interpretação do artigo 45° nº 1 da Lei nº 11/87 de 07 de Abril e 52° nº
3 al. a) da CRP, conforme levada a cabo pelo acórdão recrrido, viola frontalmente o disposto no artigo 13° nº 1 da CRP, uma vez que, confrontados com uma mesma situação - ou seja, uma agressão ambiental - dois cidadãos receberão tratamento radicalmente diferente, consoante o agressor seja um outro particular
, ou uma autoridade, ou seja,
5 - Dois cidadãos verão uma mesma causa - a defesa de um mesmo direito universal - ser apreciada por tribunais distintos, com normas e prazos processuais completamente dispares e com um espírito absolutamente dissonante, só porque num caso o ofensor desse direito é um particular e, no outro caso, uma autoridade administrativa.
6 - A obrigação de proteger o ambiente, incumbe também às autoridades administrativas, sendo inclusivamente para estas, uma imposição constitucional
(art. 66° nº 2 da CRP).
7 - A interpretação e aplicação feita pelo Tribunal de Conf1itos cria uma desigualdade de tratamento entre cidadãos em casos em que uma das partes actua no exercício do seu jus imperii, maxime nas expropriações por utilidade pública, que continuam a ser da competência dos tribunais judiciais (comuns) não obstante a existência dos tribunais administrativos. Assim,
8 - O Tribunal de Conflitos, ao interpretar e aplicar os artigos 52° nº 3 da CRP e 45° nº 1 al. a) da Lei n° 11/87 de 07 de Abril, no sentido de que este
último se encontra 'derrogado no tocante a relações jurídicas administrativas onde se levantem questões ambientais, às quais não tem aplicação' para furtar à esfera de acção dos tribunais comuns a acção das autoridades administrativas quando lesem o direito constitucionalmente garantido ao ambiente e, consequentemente, criar uma reserva absoluta de apreciação de tais questões para os Tribunais Administrativos, viola o Princípio da Igualdade, plasmado no artigo
13° nº 1 da CRP.
9 - O artigo 66° da CRP estabelece para todos o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, bem como o dever de o defender .
10 - Deste preceito constitucional emerge claramente uma igualdade de direitos e deveres entre os cidadãos e as autoridades administrativas, no que concerne à defesa do ambiente.
11 - Mais ainda, este artigo 66°, mais concretamente no seu nº 2, consagra deveres especiais para as autoridades administrativas - maxime, o próprio Estado
- em matéria de questões ambientais.
12 - Ora, ao interpretar e aplicar o artigo 45° da Lei n° 11/87 de 07 de Abril, quando estão em causa acções concernentes ao direito de ambiente - ou seja, aquelas a que se refere o artigo 52° nº 3 al. a) da CRP - no sentido em que foi feito pelo Tribunal de Conflitos, é esse próprio Tribunal quem cria uma desigualdade ao estabelecer, pela determinação de uma ordem jurisdicional distinta, uma disparidade de tratamento que de forma alguma é tolerada pelo artigo 66° da CRP.
13 - Pelo que, ao interpretar e aplicar os artigos 52° nº 3 da CRP e 45° nº 1 al. a) da Lei n° 11/87 de 07 de Abril, no sentido de furtar à esfera de acção dos tribunais comuns a acção das autoridades administrativas quando lesem o direito constitucionalmente garantido ao ambiente e, consequentemente, criar uma reserva absoluta de apreciação de tais questões para os Tribunais Administrativos, cria o Tribunal de Conflitos uma desigualdade de direitos e deveres entre cidadãos e autoridades administrativas que viola o disposto no artigo 66° da CRP.
14 - Por outro lado, a interpretação feita retira aos tribunais judiciais
(comuns) legitimidade e competência para, através das suas decisões, obrigarem autoridades administrativas, em clamoroso contraste com o disposto no artigo
205° nº 2 da CRP, nos termos do qual são obrigatórias as decisões de qualquer tribunal, seja este administrativo, judicial ou outro, para todas as entidades públicas e privadas.
15 - Do citado preceito constitucional resulta que as decisões dos tribunais judiciais se impõem como obrigatórias a todas as entidades públicas actuem estas ou não no exercício do seu poder público.
16 - A interpretação propugnada pelo Tribunal de Conflitos conduz à conclusão de que os órgãos do Estado não têm de acatar as decisões proferidas pelos Tribunais Judiciais (Comuns) em matéria ambiental.
17 - Não existe qualquer reserva absoluta de competência dos Tribunais Administrativos, nem por qualquer forma passou a existir após a revisão constitucional de 1989.
18 - Não distinguindo o artigo 205° nº 2 entidades públicas e entidades particulares, obrigando ambas a sujeitar-se às decisões de qualquer tribunal, também não podia o Tribunal de Conflitos fazê-lo; 'onde o legislador não distingue, não o faça o intérprete'.
19 - Assim, a interpretação e aplicação dos artigos 52° nº 3 da CRP e 45° nº 1 al. a) da Lei n° 11/87 de 07 de Abril, feita pelo Tribunal de Conflitos no acórdão de que agora se recorre, viola flagrantemente o disposto no artigo 205° nº 2 da CRP, por retirar aos Tribunais Judiciais (Comuns) competência e legitimidade para julgar, condenar e obrigar o Estado.
20 - A interpretação e aplicação feita pelo Acórdão recorrido, dos artigos 45° n° 1 al. a) da Lei n° 11/87 de 07 de Abril e 52° nº 3 da CRP, é manifestamente inconstitucional tendo o Tribunal de Conflitos, ora recorrido, violado o disposto nos artigos 13° nº 1, 66° e 205° nº 2 da CRP.
O Ministério Público contra-alegou, concluindo o seguinte:
1º - Tendo a decisão recorrida feito assentar a atribuição de competência aos tribunais administrativos num fundamento alternativo, relativamente às questões de constitucionalidade suscitadas - ao considerar que a norma constante do artigo 45°, nº 1, da Lei n° 11/87 - Lei de Bases do Ambiente - foi tacitamente derrogada por ulteriores preceitos de direito infraconstitucional, que sobre tal matéria estabeleceram regime jurídico incompatível, como decorrência dos critérios gerais que regem sobre a aplicação no tempo do direito infraconstitucional - obviamente insindicáveis por este Tribunal Constitucional carece de utilidade a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
2° - Como consequência da flexibilidade com que a jurisprudência constitucional vem entendendo a cláusula geral constante do artigo 212°, n° 3, da Constituição da República Portuguesa. goza o legislador infraconstitucional de alguma margem de discricionariedade legislativa na precisa delimitação das competências, em
áreas de fronteira, entre a jurisdição exercida pelos tribunais administrativos e judiciais - sendo-lhe constitucionalmente lícito, quer atribuí-las aos tribunais judiciais (desde que tal solução se não configure como absolutamente arbitrária e não esvazie o núcleo essencial de competência do foro administrativo) ou aos tribunais administrativos, privilegiando a natureza da relação material controvertida e o carácter público do seus titulares.
3° - Termos em que, por inutilidade, não deverá conhecer-se do presente recurso.
Por seu turno, o Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território também contra-alegou, tirando as seguintes conclusões: a) A atribuição de competência aos tribunais administrativos não se baseia em tratamento desigual violador do art. 13° CRP. A existência de tribunais administrativos deve-se, precisamente, às especificidades que apresentam as matérias atinentes à Administração, sendo violador do princípio da igualdade tratar uma situação específica e portanto desigual como se fosse igual. O art. 13° CRP propugna o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais. b) A especialização dos tribunais administrativos, reforça o princípio da igualdade, porquanto obriga a que haja um mais profundo conhecimento das matérias e interesses em causa, conduzindo a uma decisão mais justa e racional. c) A revogação do art. 45° nº 1 da Lei n° 11/87, pelo regime aprovado pelo art. 12° da Lei 83/95, e Lei 35/98, fez subtrair a matéria aos poderes cognitivo do Tribunal Constitucional já que se reporta à determinação das normas de direito aplicáveis e sua aplicação no tempo que, por não serem normas constitucionais, cremos não competir ao Venerando Tribunal Constitucional sindicar.
Em resposta à questão prévia suscitada pelos recorridos, as recorrentes sustentaram, em síntese, que, 'a entender-se - como fez o douto acórdão recorrido - que o artigo 12º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, revogou o artigo 45º, nº 1, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, sempre tal entendimento pressupõe e exige a interpretação e aplicação deste artigo 45º da Lei nº 11/87'. As recorrentes invocam ainda, em abono da aplicação do artigo 45ºº da Lei nº
11/87, de 7 de Abril, o parágrafo final da fundamentação do acórdão recorrido, onde o Tribunal de Conflitos afasta 'qualquer juízo de inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 45º da Lei n.º 11/87', afirmando não serem 'aplicáveis in casu os princípios interpretativos que estiveram na base da decisão de não inconstitucionalidade do citado artigo, constantes do Acórdão nº 458/99, de 13 de Julho, (...) ao conferirem competência aos tribunais judiciais, enquanto tribunais comuns, para conhecer das acções que referem'. Na perspectiva das recorrentes, tal passagem demonstra que a decisão recorrida assentou na aplicação da norma impugnada.
3. Cumpre decidir.
II Fundamentação A Questão prévia
4. O preceito impugnado tem a seguinte redacção: O conhecimento das acções a que se referem o artigo 66º, nº 3, da Constituição, e os artigos 41º e 42º da presente lei é da competência dos tribunais comuns.
O Ministério Público, secundado pelo Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, suscitou a seguinte questão prévia: a decisão recorrida tem fundamentos alternativos; uma vez que as recorrentes apenas impugnaram, na perspectiva da constitucionalidade, a norma subjacente a um dos fundamentos autónomos da decisão, esta sempre subsistirá assente no fundamento não impugnado, independentemente do juízo que o Tribunal Constitucional vier a formular, pelo que o presente recurso será inútil.
Ora o acórdão recorrido assenta, na verdade, numa interpretação do artigo 45º, nº 1, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, moldada pela revisão constitucional de 1989. É esta interpretação, alegadamente restritiva, que as recorrentes impugnam no presente recurso (interpretação, segundo a qual, os tribunais comuns só teriam competência para as acções a que se referem os artigos 41º e 42º da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, uma vez que o nº 3 do artigo
66º da Constituição foi suprimido e os tribunais administrativos passaram a ser os tribunais comuns em matéria administrativa e fiscal).
Contudo, a decisão recorrida considerou também que o artigo 12º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto revogou tacitamente o artigo 45º, nº 1, da Lei nº
11/87, de 7 de Abril, uma vez que, diferenciando duas modalidades de acção popular, distribuiu a competência pelos tribunais administrativos e judiciais, não podendo subsistir uma norma anterior que apenas atribua competência aos tribunais judiciais para apreciação das mesmas matérias.
Este argumento sustenta a decisão recorrida, pois dele resulta, segundo o Tribunal de Conflitos, 'que a acção popular para defesa do ambiente, quando integrada numa relação jurídica administrativa, cabe sempre aos tribunais administrativos'. Ora, tal argumento assenta numa interpretação do artigo 12º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, que as recorrentes nunca questionaram nos autos
(sendo certo que o podiam, e por isso deviam, ter feito).
As recorrentes, na resposta à questão prévia suscitada pelos recorridos, afirmam, porém, que a revogação do artigo 45º da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, pelo artigo 12º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, pressupõe ainda a aplicação de uma dada dimensão normativa daquele preceito. Tal consideração corresponde à verdade. No entanto, a dimensão normativa do artigo 45º da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, que de acordo com essa perspectiva estará então em causa é a que atribui competência para a apreciação da providência cautelar aos tribunais judiciais, pois só essa é que colide com a norma do artigo 12º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, que, na interpretação do Tribunal de Conflitos, confere tal competência aos tribunais administrativos (é a essa dimensão normativa do artigo 45º que se refere a decisão sumária proferida no processo nº 176/2000 que as recorrentes invocam). Ora, não é seguramente essa a dimensão normativa do artigo 45º, nº 1, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, que as recorrentes pretendem submeter à apreciação do Tribunal Constitucional no presente recurso, pois sempre sustentaram precisamente a competência dos tribunais judiciais para a apreciação da providência cautelar.
Assentando a decisão recorrida num fundamento alternativo, e tendo as recorrentes impugnado nos autos apenas a norma subjacente a um dos fundamentos, a apreciação da questão de constitucionalidade normativa afigura-se inútil, pois qualquer juízo que o Tribunal Constitucional venha a formular não terá a virtualidade de alterar o acórdão do Tribunal de Conflitos, uma vez que este sempre subsistirá assente no outro fundamento.
Por outro lado, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a bondade da interpretação infraconstitucional feita pelo Tribunal de Conflitos. Com efeito, o Tribunal Constitucional apenas procede à apreciação das questões de constitucionalidade normativa.
Por último, a invocação do parágrafo final do acórdão recorrido não reforça minimamente a pretensão das recorrentes. Nesse parágrafo, o Tribunal de Conflitos apenas afirma que não se aplicam in casu os princípios interpretativos que estiveram na base do Acórdão nº 458/99, no qual o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 45º, nºs 1 e 2, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, na dimensão em que atribui competência aos tribunais judiciais para apreciar questões ambientais administrativas (nos presentes autos, como resulta claro, a questão é a inversa, ou seja, trata-se agora da não atribuição de competência aos tribunais judiciais, e sim aos tribunais administrativos, para apreciar tais questões).
Conclui-se, portanto, pela procedência da questão prévia, pelo que não se tomará conhecimento do objecto do presente recurso.
III Decisão
5. Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade. Lisboa, 14 de Fevereiro de 2001 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa