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Proc. n.º 253/04
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1 - A. reclama para o Tribunal Constitucional, nos termos do art.º
77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho do Desembargador relator, no Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de Janeiro de 2004, que não lhe admitiu o recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional do acórdão desse Tribunal, de 23 de Outubro de 2003, “por haver sido interposto depois de esgotado o prazo de 10 dias para o efeito previsto no art. 75º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro”.
2 - Fundamenta a sua reclamação nas seguintes razões:
«1 - O Tribunal reclamado não conheceu do pedido de aclaração por falta de pagamento da multa no valor de 29,93 Euros prevista no artigo 145º do CPC.
2 - A medida em causa questiona direitos elementares do cidadão a despeito da legalidade processual que enforma tal decisão.
3 - Pelo que, in casu, releva o primado da lei formal em desfavor do direito substantivo.
4 - O que vem também a pôr em causa um direito constitucionalmente consagrado e previsto no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa.
Motivo porque requer ao Venerando Tribunal a procedência da presente reclamação, já que, no seu modesto entender, o pedido de aclaração, tout court, sempre interromperia o prazo para efeitos de recurso para o Tribunal Constitucional, apesar de não o admitir formalmente.».
3 - O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação porquanto, “para além de o ora reclamante não ter suscitado, durante o processo e em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para suportar o recurso para este Tribunal, verifica-se que o requerimento de interposição do recurso é efectivamente intempestivo, já que surge na sequência de incidente pós-decisório (pedido de aclaração), ele próprio deduzido fora do prazo”.
B – A fundamentação
4 - Como decorre dos autos, o reclamante pediu a aclaração do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23 de Outubro de 2003, fora do prazo legal de 10 dias, mas dentro dos três dias úteis seguintes, sem que nos termos do n.º 6 do art.º 145º do Código de Processo Civil (CPC) tenha pago a multa devida, estabelecida no n.º 5 do mesmo artigo. Por isso o relator, nesse Tribunal, não admitiu o pedido de aclaração. Notificado desse despacho, o reclamante interpôs recurso daquele acórdão para o Tribunal Constitucional, mas tal recurso não lhe foi admitido por ter sido considerado intempestivo.
5 - É evidente a falta de razão do reclamante. Na verdade, segundo o disposto no art.º 75º, n.º 1, da LTC, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias. Esse prazo conta-se da notificação da decisão, ou, tendo havido pedido de aclaração (única hipótese que importa aqui considerar), a partir da notificação da decisão proferida sobre ele (arts. 685º e 686º, n.º 1, ambos do CPC, aplicável ex vi do art.º 69º da LTC). Ora, porque, no caso em apreço, o pedido de aclaração foi interposto fora do prazo legal, embora dentro dos três dias úteis a que se refere o n.º 6 do art.º 145º do CPC, mas sem que tenha sido paga a multa estabelecida no n.º 5 do mesmo artigo, o acórdão recorrido transitou em julgado, decorridos que foram os dez dias previstos no art.º 685º do CPC para a interposição do recurso.
Sendo assim, tendo o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional sido apresentado depois de expirado o prazo em que poderia ter sido efectuado o pedido de aclaração, ou seja quando a decisão aclaranda já havia, ao fim e ao cabo, transitado em julgado, é evidente que o direito de recurso se havia já extinguido (art.º 145º, n.º 3, do CPC).
Argumenta o reclamante que “a despeito da legalidade processual que enforma tal decisão (referir-se-á ao despacho de não admissão do recurso)”, tal posição corresponde a fazer relevar “o primado da lei formal em desfavor do direito substantivo”, “o que põe em causa o direito constitucionalmente consagrado no art.º 65º da Constituição”.
Esta argumentação é totalmente insubsistente. Na verdade, estando em causa a aplicação de um prazo estabelecido pelo art.º 75º, n.º 1, da LTC, para a interposição do recurso de constitucionalidade - e não o direito a que respeita o fundo da causa - o que importaria era que o reclamante questionasse, sob o ponto de vista da constitucionalidade, se o entendesse pertinente, o prazo estabelecido naquele preceito legal. Ora, o que é certo é que o reclamante não o fez, nem no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (que seria o momento processualmente adequado), nem sequer depois.
A reclamação não merece, pois, deferimento.
6 - Mas independentemente da sua intempestividade, acontece ainda, como bem nota o Ministério Público, que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional não poderia ser admitido por o ora reclamante “não ter suscitado, durante o processo e em termos processualmente adequados qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que o pudesse suportar”.
Na verdade, segundo decorre das suas alegações de recurso da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa para o Tribunal Central Administrativo Sul, o ora reclamante imputa a inconstitucionalidade não a qualquer norma legal, ainda que numa sua qualquer dimensão obtida por via interpretativa, que haja sido aplicada pela decisão recorrida, mas sim directamente, ou ao acto administrativo e seus efeitos (conclusão XV), ou à decisão judicial (conclusão XXII). Sustenta aí o recorrente que “a demolição da casa de habitação contradiz o direito constitucional previsto na alínea d) do n.º 2 do art.º 66º da Constituição da República Portuguesa” e que a decisão
(refere-se à sentença recorrida) “é uma decisão materialmente inconstitucional por violação do consagrado nos artigos 65º, n.º 1, alíneas b) e d), n.º 3, e
67º, n.º 1, alínea b), ambos da CRP”. Quer isto dizer que o recorrente assaca a violação das normas constitucionais directamente ao acto que as aplicou - acto administrativo e decisão judicial.
Ora, segundo resulta do disposto do art.º 280º da Constituição e do art.º 70º, n.º 1, alínea b), da LTC (preceito este ao abrigo do qual o reclamante interpôs o recurso não admitido), o Tribunal Constitucional apenas conhece, nos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade, da violação de normas e princípios constitucionais por normas infraconstitucionais e não por actos administrativos ou decisões judiciais que hajam feito aplicação directa da Constituição.
Também por este lado a reclamação não mereceria deferimento.
C – A decisão
7 - Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 15 UC.
Lisboa,23 de Março de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos